Rodney
Stark (nascido em 1934) é um conservador americano sociólogo da religião - Ele
é Professor de Ciências Sociais na Universidade de Baylor , co-diretor do
Instituto da Universidade de Estudos de Religião, e editor-fundador da Revista
Interdisciplinar de Pesquisa sobre Religião.Stark
tem escrito mais de 30 livros, incluindo The Rise of Christianity (1996), e
mais de 140 artigos acadêmicos sobre temas tão diversos como o preconceito,
crime, suicídio e vida da cidade na antiga Roma.Ele já ganhou duas vezes o
Livro Distinguished Prêmio da Sociedade para o Estudo Científico da Religião ,
para o futuro da religião: Secularização, Revival, e Formação Cult (1985, com
William Sims Bainbridge ), e para a churching da América 1776-1990 (1992, com
Roger Finke )
Início da vida e da
educação
Stark cresceu em Jamestown, Dakota do Norte , em
uma família Luterana. Ele passou um
tempo no Exército dos Estados Unidos , antes de se formar em jornalismo pela
Universidade de Denver , em 1959. Ele trabalhou como jornalista para o Oakland
Tribune, de 1959 até 1961, então perseguiu o trabalho de pós-graduação, obtendo
seu mestrado em Sociologia pela Universidade da Califórnia , Berkeley em 1965 e
seu doutorado, também de Berkeley, em 1971.
Carreira e pesquisa
Após
concluir seu doutorado, Stark realizada nomeações como um sociólogo de pesquisa
no Centro de Pesquisa e Estudo do Centro de Estudos de Direito e Sociedade.
Depois de ensinar como Professor de Sociologia e de Religião Comparada na
Universidade de Washington por 32 anos, Stark foi para a Universidade de Baylor
em 2004, onde é co-diretor do Instituto de Estudos da Religião. Ele é um
defensor do aplicação da teoria da escolha racional na sociologia da religião ,
o que ele chama de teoria da economia religiosa.
Teoria Stark-Bainbridge
da religião
Durante
o final dos anos 1970 e 1980, Stark trabalhou com William Sims Bainbridge na
teoria Stark-Bainbridge da religião, e co-escreveu os livros O Futuro da
Religião (1985) e A teoria da religião (1987) com Bainbridge. Hoje em dia
a sua teoria, que visa explicar o envolvimento religioso em termos de
recompensas e compensadores, é visto como um precursor do recurso mais
explícita de princípios econômicos no estudo da religião como mais tarde
desenvolvido por Laurence Iannaccone e outros.
Sobre o crescimento do
cristianismo
Stark
propôs em The Rise of Christianity que o cristianismo cresceu através graduais
conversões individuais e estratégicas, bem como, via redes sociais da família,
amigos e colegas. Sua principal contribuição, comparando evidência documentada
de propagação do cristianismo no Império Romano com a história da igreja mórmon
nos séculos 19 e 20, foi para ilustrar que um crescimento sustentado e contínuo
pode levar a um crescimento enorme dentro de 200 anos. Este uso de
crescimento exponencial como motor para explicar o crescimento da igreja, sem a
necessidade de conversões em massa (considerado necessário pelos historiadores
até então) é hoje amplamente aceito. Stark sugeriu que o
cristianismo cresceu porque ele tratava as mulheres melhor do que as religiões
pagãs. Ele também sugeriu que tornar o cristianismo a religião oficial do Império
Romano enfraqueceu a fidelidade da comunidade cristã, trazendo para a fé Cristã
pessoas que realmente não acreditam ou tiveram uma experiência muito fraca com
Deus e aderiu apenas por mero oportunismo, e para evitar a perseguição.
Na teoria da evolução
Em
2004, o American Enterprise, uma publicação on-line do American Enterprise
Institute , publicou um artigo de Stark, "Os fatos, Fable e Darwin,"
crítica da sufocante de debate sobre evolução . Stark criticou a "Cruzada
darwiniana" e sua "tática de afirmar que a única escolha é entre
Darwin e literalismo bíblico." Apesar de não ser ele mesmo um
criacionista, ele acredita que, apesar de "a teoria da evolução é
considerada como o desafio invencível para todas as reivindicações religiosas,
é dado como certo entre os principais cientistas biológicos que a origem das
espécies ainda tem de ser explicado." Ele sugere que os governos "relevem a exigência de que os textos do
ensino médio possa consagrar a tentativa fracassada de Darwin como uma verdade
incontestável e cientificamente comprovada, pois não passa ainda de teoria."
Fé religiosa pessoal
Em seu livro de
1987 A teoria da religião, Stark e Bainbridge se descrevem como
"pessoalmente incapazes de fé religiosa". Embora relutante em
discutir seus próprios pontos de vista religiosos, ele declarou em uma
entrevista concedida em 2004 que ele não era um homem de fé, mas também não é
um ateu. Em
uma entrevista de 2007, depois de aceitar uma nomeação na Universidade de
Baylor , Stark indicou que a sua auto-compreensão tinha mudado e que ele
poderia agora ser descrito como um "cristão independente".Nesta
entrevista Stark relembra que ele "sempre foi um "cristão cultural”,
entendido por ele como tendo "sido fortemente comprometido com a
civilização ocidental." De suas posições anteriores, ele escreveu:
“Eu nunca fui
ateu, mas eu provavelmente poderia ter sido melhor descrito como um
agnóstico".
Rodney Stark O Crescimento do Cristianismo: Um Sociólogo Reconsidera a História
Por *Cleusi Gama da
Silva
Rodney Stark é um sociólogo conhecido
por produzir uma sociologia da religião com rigor metodológico, o que nem
sempre acontece em outros estudiosos da área. Essa preocupação remonta há muito
tempo. Stark, à luz de Popper, desenvolve uma
teoria da religião pautada na utilização de axiomas, a partir dos quais levanta
um conjunto de proposições que podem ser empiricamente testadas. No Prefácio da
obra em tela, Stark indica-nos seu método de trabalho, no qual utilizou dados
históricos de diversas fontes, introduzindo historiadores, biblistas, para elaborar
uma releitura sociológica do crescimento do Cristianismo. Apropria-se da formulação da
teoria formal da escolha racional, das teorias da firma, do papel das redes
sociais e dos vínculos interpessoais no processo de conversão. Inclui ainda os
modelos de dinâmica populacional, a epistemologia social e os modelos de
economias da religião.No primeiro capítulo, Conversão e crescimento cristão, o
tema central é responder o que subjaz à difusão do Cristianismo primitivo,
caracterizado como um movimento messiânico minúsculo, obscuro e periférico.
Para entender como o Cristianismo sobrepujou o paganismo clássico, afirma
existirem várias explicações:
1)-Segundo Stark, não torna sacrílego
empenhar-se em explicações plausíveis advindas da observação das variáveis
constituintes da dinâmica social. Esse esforço não pretende contrapor-se à
crença em uma ação divina, na medida em que busca entender “ações humanas em
termos humanos” de um processo inacabado. A partir de projeções estatísticas,
analisa possíveis taxas de crescimento do Cristianismo primitivo,sem a
necessidade de recorrer a argumentos miraculosos.
2)-Constatação plausível na leitura de
Stark é a de que a conversão a grupos religiosos novos ou dissidentes torna-se
possível quando os vínculos com membros do grupo novo são mais fortes do que os
mantidos com os anteriores, fato este explicado pela teoria do controle do
comportamento dissidente (p.26), acrescentando ainda que os convertidos, em
geral, não apresentavam anteriormente uma prática religiosa consistente.
3)- Em A classe fundamental do Cristianismo primitivo, segundo capítulo
da obra, Stark, discordando de análises feitas sobre os primeiros cristãos,
argumenta que o movimento em seus primórdios pode ter contado com indivíduos
provenientes dos estratos mais desfavorecidos da sociedade clássica, os quais,
porém, não constituíam sua maioria. A plausibilidade da afirmação dos conversos
procederem de estratos mais elevados alinha-se à distinção feita por Stark em
sua obra Uma teoria da Religião,
na qual apresenta a diferença entre seita e
movimentos de culto. A
seita constitui-se por um cisma no interior do movimento religioso convencional
(p. 45). Já os movimentos de culto apresentam-se como nova crença, e indivíduos de estratos
mais elevados da sociedade são mais propensos a aderir a novas crenças do que
os mais incultos. Tais proposições,
corroboradas por dados estatísticos,levam à conclusão de que o Cristianismo
primitivo foi um movimento de indivíduos mais favorecidos.
4)- No capítulo terceiro, A missão junto ao povo judeu: as razões de
seu provável sucesso, o autor apresenta evidências de que os judeus
da diáspora possibilitaram as adesões ao Cristianismo não apenas no séc I e II,
mas também até por volta do séc V. Para refutar a posição de que os judeus
rejeitavam a mensagem cristã, Stark recorre a três argumentos:
a)os judeus emancipados perceberam que
o Judaísmo não era apenas uma religião, mas uma etnicidade que os mantinha à
margem. A solução da dissonância cognitiva, em marginalizados, ocorre pela
assimilação ou a resolução do conflito, corroborada pelas proposições de que
novos movimentos religiosos arregimentam adeptos principalmente dos estratos
religiosamente inativos e descontentes, que, no caso judaico, são constituídos
pelas novas gerações.
b)- Em segundo lugar, as pessoas se
mostram mais dispostas a adotar uma nova religião à medida que esta mantém uma
continuidade cultural presente no Judaísmo/Cristianismo, por possuírem aspectos
semelhantes.
c)- O último argumento é que os
movimentos sociais crescem mais rapidamente quando se disseminam ao longo de
redes sociais preexistentes, e essas redes existiam entre os judeus da
diáspora.
Para o sociólogo, as epidemias de
varíola e sarampo foram devastadoras da população pagã, enquanto, para o
Cristianismo, constituíram solo fértil para a sua disseminação!
Pois segundo o sociólogo, a religião
cristã tinha capacidade de explicação e consolação das desgraças – isso, além
da maior resistência dos cristãos às epidemias, que teve como resultado o fato
de os mesmos se tornarem a maioria na população. Além disso, os pagãos, tendo seus laços sociais abalados pelas
epidemias, aderiam mais facilmente a novos vínculos com os cristãos, aumentando
o número de conversões, tendo em vista o aspecto da solidariedade humana dos
cristãos primitivos.
Aspectos interessantes são apresentados quanto ao papel da mulher dentro
do Cristianismo primitivo, no capítulo quinto, sob o título:
O papel das
mulheres no crescimento cristão. Stark, diferentemente da análise simplista de
autores que afirmam serem as mulheres da época fáceis de se filiarem a
“qualquer superstição forânea”, apresenta-nos os elementos do ethos cristão (a proibição do
infanticídio, a condenação ao aborto e ao divórcio, ao incesto, à infidelidade
conjugal e à poligamia) como fatores que constituíram o poder de atração às
mulheres da época.Na
subcultura cristã era possível às mulheres ocuparem status diferenciado, o que
não acontecia no mundo greco-romano. Além disso, a conversão feminina em novos
movimentos contemporâneos também apresenta índice mais elevado do que no caso
do sexo masculino, não se restringindo, pois, ao início do movimento cristão. A
destacada diferenciação do coeficiente sexual com superioridade para as
mulheres em relação aos homens cristãos decorreu da proibição do aborto e
infanticídio nas doutrinas cristãs.Stark trabalha sua demonstração recorrendo a evidências arqueológicas e
à demografia histórica, as quais corroboram o status privilegiado das mulheres
na Igreja cristã primitiva. Tal fenômeno relativo a relações de gênero não se
limitava à família, mas à sociedade e à própria Igreja, em que mulheres
ocuparam postos de destaque, como o caso da diaconisa Febe. Casamentos exogâmicos permitidos entre
as cristãs e homens pagãos, dado o alto nível de comprometimento dos cristãos,
não manifestava apostasia; ao contrário, acreditava-se na possibilidade de que
esse tipo de casamento conduziria a novas adesões, denominado por Stark de
conversões “secundárias”. A alta taxa de natalidade e fertilidade das mulheres
cristãs também é um aspecto a ser destacado.
Sob o título A
cristianização do Império urbano:
Uma
abordagem quantitativa, Stark recorre a Meeks para reconhecer os novos adeptos ao Cristianismo
primitivo através da categoria urbanidades. Acresce a essa contribuição o
resultado de pesquisa em vasta fonte de dados garimpados em Atlas históricos,
traçando a rota de disseminação do movimento cristão em 22 grandes cidades,
sendo que, destas, 20 integravam o mundo greco-romano. No aspecto localização,
a distância de viagem entre Jerusalém e as cidades em tela foi utilizada para
compreender em que medida a influência de contatos judaicos anteriores à
romanização se fez presente. O Gnosticismo é visto por Stark não como
heresia cristã, mas como mais uma heresia judaica.O caos urbano propiciou ao Cristianismo
a oportunidade de sobrepujar o paganismo e outros movimentos religiosos, como
solução a esses problemas. Essa análise é realizada tendo como objeto a cidade
de Antioquia, apontada como exemplo da precária condição de sobrevivência
urbana da época. Esse estudo está consignado no capítulo sétimo, sob o título Caos urbano e crise: o caso de Antioquia.
Através de seu meticuloso estilo metodológico de produção científica, Stark ampara
sua análise na alta densidade da cidade de Antioquia no séc. I, com 117
habitantes por acre e sérios problemas de infra-estrutura e segurança.
Para desenvolver o capítulo oitavo, Os mártires:
O sacrifício
como escolha racional, Stark se contrapõe ao estudo científico-social da religião como
simples questão de classificação, pois isso retrata mais um objetivo primordial
de desacreditar a religião do que de empreender sua compreensão. Assim, pauta
sua análise na teoria da escolha racional, importada da microeconomia e
adaptada à sociologia da religião.Estigmas e sacrifícios religiosos são
escolhas racionais, na medida em que “quanto mais sacrifícios as pessoas
oferecem à sua fé, maior o valor das recompensas que ganham em contrapartida”
(p.186). No subtítulo, Religião e
racionalidade, enuncia uma proposição teórica na qual “a religião provê compensadores por
galardões que são escassos ou indisponíveis”. Racionalmente, o indivíduo
deseja recompensas imediatas, mas se estas são muito escassas, satisfaz-se com
os compensadores, ou alternativas.Por outro
lado, as pessoas diferem em suas avaliações quanto às recompensas ou benefícios
específicos pois possuem diferentes
esquemas de preferência. Os indivíduos avaliaram compensadores
buscando custos e benefícios, custos de oportunidade e maximização de
benefícios líquidos. Os mártires são considerados o ponto mais crível de uma
religião, pois a mesma está pautada nas redes de relacionamentos e na força dos
testemunhos como forma de sedimentação da credulidade. Stark
alerta, também, que na rede de relacionamentos podem existir os aproveitadores, os quais, como atores
racionais, apenas desejam auferir benefícios e não contribuir para o interesse
coletivo. No sentido oposto, encontra-se a prática cotidiana, na qual o
Cristianismo não se resume a sacrifícios e estigmas, mas a auxílio aos menos
favorecidos. Como os cristãos deviam amar ao próximo, eram amados, e seu código
moral rigoroso propiciava-lhes uma vida familiar mais segura. Em Oportunidade e Organização, capítulo nono, o autor avalia as
oportunidades do surgimento do novo culto, além de focalizar os aspectos
diferenciais da organização do movimento cristão que desencadearam perseguição
contra os adeptos. Quanto à regulação estatal, Roma parece não ter efetuado
severa perseguição legal aos cristãos primitivos, o que pode ser confirmado
tanto pela pujança do crescimento da nova religião quanto pelas evidências
arqueológicas.Na análise
produzida, o sociólogo lança mão do conceito de economias religiosas. O
Cristianismo encontrou solo fértil para desenvolver-se dada a debilidade pagã,
e seu sucesso residiu em ser uma firma religiosa que oferece serviço completo,
com adeptos obstinados, resultando em recompensas religiosas admiráveis. Além
do mais, seu crescimento contou com o poderoso marketing da influência pessoa a
pessoa. Em Breve reflexão sobre a virtude, afirma que crescimento do
Cristianismo deveu-se às suas doutrinas religiosas particulares. Elas foram
revolucionárias por inspirar o amor ao próximo e pela concretude das ações dos
cristãos primitivos.O
Cristianismo, como movimento de revitalização, respondeu pela formação de uma
cultura desprovida de etnicidade, unificando as diversas subculturas existentes
no interior do Império. A ética cristã possibilitou uma visão moral de
valorização e respeito à vida, ou, nas palavras de Stark, a virtude foi sua
própria recompensa (p. 240).Stark contribui para a sociologia da
religião com uma análise pautada em axiomas, definições e proposições, revendo
conceitos sociológicos clássicos, além de fornecer dados, fatos e fontes
históricas ricos na compreensão da evolução do Cristianismo primitivo.
STARK, Rodney - O Crescimento do Cristianismo: Um Sociólogo Reconsidera a História,
Editora Paulinas, São Paulo, 2006, ISBN 85-356-1657-8. 267 p.
*Cleusi Gama da Silva: Doutoranda em
Ciências da Religião, docente das disciplinas de Sociologia e Cultura
Organizacional no Curso de Graduação de Administração da FACCE – UNIMES
–Santos/SP.
Somos todos cristãos
Por Reinaldo Azevedo – Veja
Cristo é e seguirá
sendo a principal referência do que reconhecemos no Ocidente como a "nossa"cultura. Católicos, protestantes, judeus, islâmicos,budistas, espíritas, agnósticos, ateus – não importa.Comungamos de um patrimônio que entendemos como ideal de civilização e de justiça. Quando, no começo deste mês,
arqueólogos do Vaticano desenterraram o sarcófago com os restos mortais do
apóstolo Paulo, nascido no ano 10 e decapitado em 67, vinham à luz alguns
séculos de civilização, de que a mensagem de Cristo é, a um só tempo,
conseqüência e causa. Combatido, submetido ao obscurantismo
politicamente correto e tomado como inimigo das minorias multiculturalistas –
tão mais barulhentas quanto mais minoritárias –, o cristianismo, não obstante,
guarda as chaves do humanismo moderno e da democracia e constitui o que o homem
tem produzido de melhor em pluralismo, tolerância e, creiam!, avanço
científico. "A
humanidade produz bíblias e armas, tuberculose e tuberculina (...), constrói
igrejas e universidades que as combatem; transforma mosteiros em casernas, mas
nas casernas coloca capelães militares", escreveu o romancista austríaco
Robert Musil (1880-1942) em O
Homem sem Qualidades.” Falamos de uma "civilização"
que parece ser a improvável história de um permanente paradoxo. E, no entanto,
ela avança, sempre duvidando de si mesma, mergulhada às vezes no horror, mas se
recuperando, em seguida, para a maravilha.Depois de Jesus, é Paulo que vem à luz
como o homem mais importante do cristianismo, verdadeiro fundador da teologia
cristã. Com um édito do imperador Constantino, em 313, a seita minoritária, nascida
entre judeus da Galiléia, tornava-se uma das religiões do Império Romano.
Cessava a perseguição ao cristianismo, e aquele foi um dos marcos da longa
marcha que se anuncia acima.
Como se operou o milagre da propagação?
O sociólogo americano Rodney Stark sustenta
que uma das raízes da expansão cristã é a caridade – elevada por Paulo à
condição de primeira virtude. E a outra são as mulheres. Em The Rise of Christianity: a Sociologist
Reconsiders History, Stark, professor de sociologia e religião
comparada da Universidade de Washington, lembra que, por volta do ano 200,
havia em Roma 131 homens para cada 100 mulheres e 140 para cada 100 na Itália,
Ásia Menor e África. O infanticídio de meninas – porque
meninas – e de meninos com deficiências era "moralmente aceitável e
praticado em todas as classes". Cristo e o cristianismo santificaram o
corpo, fizeram-no bendito, porque morada da alma, cuja imortalidade já havia
sido declarada pelos gregos. Cristo inventou o ser humano intransitivo,
que não depende de nenhuma condição ou qualidade para integrar a irmandade
universal. As mulheres, por razões até muito práticas, gostaram.
No casamento cristão, que é indissolúvel, as obrigações do marido,
observa Stark, não são menores do que as das mulheres:
A unidade da família é garantida com a
proibição do divórcio, do incesto, da infidelidade conjugal, da poligamia e do
aborto, a principal causa, então, da morte de mulheres em idade fértil. A pauta
do feminismo radical se volta hoje contra as interdições cristãs que ajudaram a
formar a família, a propagar a fé e a proteger as mulheres da morte e da
sujeição. Embora a cultura helênica, grega, matriz espiritual do Império
Romano, tenha sido fundamental na expansão do cristianismo, o mundo estava
diante de uma nova moral. Quando Constantino assina o Édito de Milão, a
religião dos doze apóstolos já somava 6 milhões de pessoas.
Stark demonstra ser equivocada a tese de que aquela era uma religião
apenas dos humildes:
O "cristianismo proletário"
serve ao proselitismo, mas não à verdade. A nova doutrina logo ganhou adeptos
entre as classes educadas. Provam-no os primeiros textos escritos por cristãos,
com claro domínio da especulação filosófica. Mas não só. Se o cristianismo era
uma religião talhada para os escravos – "os pobres rezarão enquanto os
ricos se divertem" (em inglês, dá um bom trocadilho: "the poor will pray while the
rich play") –, Stark prova que o novo credo trazia uma
resposta à grande questão filosófica posta até então: a vitória sobre a morte!
Outro mito diz respeito a um suposto cristianismo pastoril e antiurbano!
Nos primeiros séculos, ao contrário, a
fé se espalhou justamente nas cidades. Um caso ilustra bem o motivo. Entre 165
e 180, a peste mata, no curso de quinze anos, praticamente um terço da população
do império, incluindo o imperador Marco Aurélio – o filme Gladiador mente ao acusar seu
filho e sucessor, Cômodo, de tê-lo assassinado.Outra epidemia, em 251, provavelmente
de sarampo, também mata às pencas. Segundo Stark, amor ao próximo, misericórdia
e compaixão fizeram com que a taxa de sobrevivência entre os cristãos fosse
maior do que entre os pagãos. Mais: aqueles acreditavam no dogma da Cruz e,
pois, na redenção que sucede ao sofrimento.
O ambiente miserável das cidades, de fato, contribuía para a pregação da
fraternidade universal:
Os cristãos são os inventores da rede
de solidariedade social, especialmente quando começaram a contar com a ajuda de
adeptos endinheirados e, nas palavras de Stark, "revitalizaram a vida nas
cidades greco-romanas". Os cristãos inventaram as ONGs – as sérias. Essa
dimensão do cristianismo, que só pode existir se vivenciada na prática, está em
Paulo. Hora de voltar a ele.
"POR QUE ME
PERSEGUES?"
Foi em Antioquia (At, 11,26), na Síria,
que uma comunidade, pela primeira vez, designou-se "cristã",
justamente os convertidos de origem pagã. E é dali que o cristianismo se
espalhou pelo antigo mundo helênico, então romanizado.Em At, 11,1-3, São Pedro, considerado o fundador da Igreja, é censurado
por seus pares: "Entraste na casa de homens não
circuncidados e comeste com eles". Pedro responde que o fez por inspiração
divina. O momento em que o cristianismo deixa de ser o credo de um grupo
minoritário de judeus da Palestina para ser a religião de todo e qualquer homem
"que aceite a salvação" tem um símbolo: a conversão de Saul, que
aparece como "Saulo" nas versões em português da Bíblia. Ele houvera recebido a incumbência de
ir a Damasco e conduzir presos a Jerusalém "quantos encontrasse daquela
profissão" (os cristãos). Na estrada, "cercou-o uma luz vinda do Céu.
E, caindo em terra, ouvia uma voz que lhe dizia: 'Saul, Saul, por que me
persegues?'. Ele disse: 'Quem és tu, Senhor?'. E Ele lhe respondeu: 'Eu sou
Jesus, a quem tu persegues'" (At, 9, 3-5). Em Damasco, aonde fora
conduzido cego, Saul recebeu Ananias, um convertido, que o curou pela imposição
das mãos, inspirado por Jesus. O Filho de Deus vê em Saul "um vaso
escolhido" para levar o seu nome "diante das gentes, e dos reis, e
dos filhos de Israel" (At, 9,15). Nascia, assim, o Apóstolo dos Gentios,
cujo nome cristão passa a ser "Paulo". E nascia o cristianismo como
religião universal.Coube a esse fariseu convertido romper
os laços com a tradição judaica. O batismo mimetizaria a própria morte e ressurreição
de Cristo. Por meio dele, morria-se para o passado e nascia-se para uma nova
vida. Na Primeira Epístola aos Coríntios, escreve: "Num mesmo espírito
fomos batizados todos nós, para sermos um mesmo corpo, sejamos judeus, ou
gentios, ou servos, ou livres: e todos temos bebido em um mesmo espírito"
(I Cor, 12,13).Paulo dá
ordenamento à mensagem de fraternidade universal de Cristo e antevê a
comunidade dos homens não mais separados por credo, raça ou, note-se, história
pessoal. Junto com o batismo, está a eucaristia: "Porventura o cálice da
bênção não é a comunhão do sangue de Cristo? E o pão não é participação do
corpo do Senhor?" (I Cor, 10,16).
Paulo está para o cristianismo como Maquiavel para o realismo político!
Se conferia dimensão mística à
coletividade, era o profeta da Graça divina tornada uma rebelião individual: a
redenção se dá por meio da fé. Se ele recomenda, em Rom, 13,7, que os impostos
sejam pagos, o imperativo da fé traz a semente de uma subversão. Segundo ele,
só por meio da lei (referia-se à lei divina), ninguém se justifica diante de
Deus.Paulo foi um
gênio político, e suas escolhas determinaram a capacidade do cristianismo de se
adaptar aos desafios que lhe são contemporâneos sem abrir mão dos princípios.
Sua teologia está centrada na certeza da ressurreição, que prova a divindade do
Cristo. Por isso, é também o mensageiro da parúsia, da segunda vinda do
Messias.
Mas o que fazer enquanto Jesus não volta?
A parúsia devia gerar uma espera
angustiada e frustrada. Cumpria ordenar a vida dos cristãos. Na Segunda
Epístola aos Tessalonicenses, ele recomenda: "Não
comemos de graça o pão, mas com nosso trabalho e fadiga. (...) se alguém não
quer trabalhar, não coma" (2 Tes, 3,7-10). Antes de Milton Friedman, Paulo já sabia
que não existe almoço grátis. Nem salvação(Heresia do quietismo). As religiões
não cristãs da Antiguidade davam grande ênfase ao "entusiasmo", ao
arrebatamento religioso. Ele se dirige aos Coríntios e estabelece uma
hierarquia no que chama "corpo místico de Cristo": "Se eu
falar a língua dos homens e dos anjos e não tiver caridade, sou como o metal
que soa (...). E se eu tiver o dom da profecia e conhecer todos os mistérios
(...) e se tiver toda a fé (...), e não tiver caridade, não sou nada"
(Cor, 13:1,2).
Preparava os cristãos para uma corrida de fôlego. E lembrava que o
cristianismo supõe mais do que uma espera...
Cristo voltará à terra um dia! Os
cristãos não renunciaram à parúsia. Mas os contemporâneos, notadamente os
católicos e os protestantes históricos, tendem a considerar que o acontecimento
escatológico, finalista, de certo modo, já aconteceu.A luta final
do Bem contra o Mal perdeu seu acento místico e seu caráter temporal para ser
uma espera simbólica. Esse Cristo laicizado está prenunciado no próprio Paulo.
Como demonstra Stark, o cristianismo se consolida nas cidades greco-romanas
como religião da solidariedade. E, modernamente, com certo risco para o próprio
credo, vê mitigada a sua dimensão sagrada para se transformar num código civil,
íntimo das sociedades democráticas. A Igreja dos Gentios se torna uma
comunidade em favor da universalização de direitos.
OCIDENTE GRECO-CRISTÃO
Cristo e o cristianismo seguem como as
principais referências da civilização ocidental. De tal sorte é assim, que nem
pensamos nisso. Culturas vitoriosas são estáveis, pacíficas, civilistas e até
um tanto frívolas na proteção dos seus fundamentos. Quem viu o papa Bento XVI,
na Turquia, orando como oram os muçulmanos assistiu à presença serena de um pastor
que não duvida da natureza inclusiva do seu credo. O cristianismo, na sua
manifestação mais poderosa, a Igreja Católica – 1,098 bilhão de pessoas,
segundo o Anuário Pontifício de 2006 –, voltava a Paulo. Se não mais para
converter, para compreender. Estima-se que um terço da humanidade – 2,1 bilhões
de pessoas – seja cristão. É claro que o que vai acima se presta
ao contencioso. Especialmente num tempo em que toda evidência serve à
contestação.“As culturas
vitoriosas dão à luz os críticos de seus próprios fundamentos. É a melhor
evidência de que são realmente um triunfo”. Assim, haveria ali a indisfarçável
afirmação da supremacia de uma visão de mundo. Cristo é e seguirá sendo a
principal referência do que reconhecemos no Ocidente como a nossa "cultura"
porque somos todos cristãos. Se não formos pela fé, seremos pela história; se
não formos porque devotos da Revelação, seremos porque caudatários de uma
revolução.
Cristãos, ateus, judeus, islâmicos,
budistas, materialistas, espíritas, agnósticos, comungamos de um patrimônio que
entendemos como um ideal de civilização e de justiça.Se o cristianismo conferiu uma ética
nova, como se viu, à cultura greco-romana, tomou dela emprestados alguns
séculos de especulação filosófica. De sorte que se constituiu, no tempo, como a
memória de dois humanismos, de duas visões totalizantes: a helênica – grega – e
a dos Evangelhos.
Apostamos nas virtudes do exame de consciência racional assim
estabelecido pela cultura Greco-Judaica-Cristã:
1)-Estamos ocupados em controlar nossos
impulsos para ser reconhecidos como pessoas a serviço do bem e da verdade;
2)-Esforçamo-nos para demonstrar que
preferimos ser colhidos pela injustiça a praticá-la;
3)-Aspiramos a valores espirituais
acima dos materiais e apreciamos tal qualidade nos outros;
4)-Boa parte de nós acredita numa
justiça divina que sucede à morte, e os que não chegam a tanto demonstram
seguir um modelo perfeito ao menos na idéia.
5)-Somos, de fato, não só cristãos, mas
também herdeiros involuntários do filósofo grego Platão (428-348 a.C.).
6)-E onde essas idéias não se
transformaram em leis, em códigos leigos, o poder se impõe pelo terror, pela
ditadura, pela violência institucionalizada, pela morte – e, freqüentemente,
assim se procede "em nome de Deus".
7)- Não há humanismo leigo que tenha
sido tão poderoso na história humana quanto três palavras que salvam:
consciência, arrependimento e perdão.
8)- A referência a Platão ilumina o
debate. Se, do ponto de vista da origem histórica, faz sentido falar em um
mundo "judaico-cristão", no que concerne à religião e à filosofia, o
que ganhou o mundo foi o helenismo cristão. O Império Romano helenizado havia
abolido as fronteiras, estimulado a especulação filosófica, reconhecido a
cidadania dos povos conquistados, estabelecido o ideal – e só o ideal – de uma
humanidade fraterna, com a qual sonhavam os filósofos.
Richard Tarnas, autor de A Epopéia do Pensamento Ocidental,nota
que a abertura do Evangelho de João – "No princípio era o Verbo" –
remete ao "logos universal da filosofia grega", isto é, a uma espécie
de inteligência cósmica, que "transcendia todas as oposições e
imperfeições aparentes". Isso pressupunha a existência de uma Razão, de um
cosmo universal, potencialmente alcançável por qualquer homem,
independentemente de sua origem.O judeu
Fílon de Alexandria, que nasceu entre os anos 15 e 10 a.C. – contemporâneo de
Jesus e de Paulo –, falava de uma certa "idéia das idéias", fonte da
inteligibilidade do mundo. Sem Alexandre Magno (356-323 a.C.), educado pelo
filósofo Aristóteles (384-322 a.C.), e o Império Romano, com a sua paz
duradoura, talvez o cristianismo tivesse ficado restrito à Galiléia.
Não faz sentido contar a história que não houve, mas é preciso que nos
coloquemos uma questão:
“Por que a doutrina se difundiu e se tornou hegemônica além das
fronteiras da Palestina sem que tenha, em sua própria terra de origem,
suplantado o judaísmo, de onde derivou?”
Os primeiros cristãos de Jerusalém,
nota o historiador romeno naturalizado americano Mircea Eliade (1907-1986)
em História das Crenças e das
Idéias Religiosas, eram judeus de Jerusalém que "constituíam
uma seita apocalíptica dentro do judaísmo palestino". Eles "estavam na espera iminente
da segunda vinda do Cristo". A ekklesía (termo
grego que designa igreja) cristã nasce no Dia de Pentecostes. Em Atos dos
Apóstolos, lemos que os discípulos de Jesus estavam reunidos quando, "de
repente, veio do Céu um estrondo (...) e lhe apareceram umas línguas de fogo, e
pousou uma sobre cada um deles (...) e começaram a falar em várias
línguas" (At, 2: 1-4). Pedro então conclama os varões de Israel à
conversão: "Saiba logo toda a Casa de Israel, com a maior certeza, que
Deus o fez não só Senhor, mas também Cristo a este Jesus" (At,
2:36). Khristós, em
grego, significa "o Ungido", o "Messias". O Pentecostes era uma festa religiosa
dos judeus, inicialmente ligada à colheita e depois à entrega da Tábua das Leis
no Monte Sinai. O início da igreja cristã assiste, como se vê, a uma
manifestação análoga àquela fundadora para o judaísmo: segue a tradição mosaica
– do patriarca Moisés –, embora a hierarquia religiosa judaica fosse hostil aos
apóstolos. Uma hostilidade que era menor contra os hebreus locais do que contra
os judeus "helenistas". Os Atos relatam intrigas e falsos
testemunhos contra inocentes acusados de blasfêmia. Ainda que as imputações
fossem falsas, a verdade é que os cristãos helenistas resistem à herança
rabínica do cristianismo da Palestina. Santo Estêvão, primeiro mártir da religião,
desafia a hierarquia ao negar que Deus precisasse de um templo: "Mas
Salomão lhe [a Deus] edificou a casa. Porém, o Excelso não habita em casas
feitas por mãos humanas, como diz o profeta" (At, 7: 47-48). Ele é
martirizado e tem início uma grande "perseguição à Igreja". Em At,
8:3, está presente o grande artífice do cristianismo, mas ainda como inimigo
dos cristãos: Paulo, protagonista desta história.O
cristianismo como uma ética das relações foi, sustenta Rodney Stark, um dos
fatores de seu enraizamento na Antiguidade e de sua expansão em todas as
classes e grupos sociais, com especial ênfase entre as mulheres.Se a visão de mundo cristã não era
avessa ao "logos" grego, como aqui se escreveu, emprestava à família
um acento estranho àquela cultura, o que foi logo percebido pelas mulheres.
Elas, como foi acontecer, identificaram primeiro o amor de salvação.
Cenários para um "papa americano" - Entrevista
com o Sociólogo Rodney Stark
A
difusão do cristianismo fora da Europa redesenha
as estratégias das Igrejas (sobretudo a católica). Na véspera de um novo
consistório, uma entrevista com o sociólogo Rodney Stark.
(A reportagem é de Maria Antonietta Calabrò,
publicada no caderno La Lettura do
jornal Corriere della Sera,
08-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto).
Considerado
um dos mais renomados sociólogos da religião da atualidade, professor de
Ciências Sociais da Baylor University e antes
da Washington University,
professor honorário daUniversidade
de Pequim, Rodney Stark é autor
de mais de 30 livros e também de inúmeros artigos científicos. Em seu último livro publicado pela HarperCollins (The
Triumph of Christianity), ele analisa o crescimento e a difusão
do movimento originado por Jesus Cristo,
desde o início até os nossos dias. Dos 12 apóstolos até os 2,18 bilhões de
pessoas (cerca de um terço da população do planeta) que se definem como cristãs
neste início de 2012 e fazem do cristianismo a religião mundial mais difundida
e a que parece estar mais adaptada para a era da globalização."Talvez, a característica mais marcante da fé cristã
– observa Stark – é a sua capacidade de se misturar com qualquer cultura
humana. Assim como a Bíblia foi traduzida para muitos milhares de línguas, do mesmo
modo há milhares de confissões cristãs, mas cada uma delas é autêntica, porque
a mensagem básica é verdadeiramente universal".
1)-
As últimas estatísticas do Pew Forum Research demonstram que a Europa não
domina mais a cristandade global como há 100 anos. Hoje, ao contrário, o maior
número de cristãos vive no Novo Mundo. As Américas do Norte e do Sul têm juntas
o maior número absoluto e a maior porcentagem de cristãos. Quase 40% dos
cristãos de todo o mundo (37%) vivem nas Américas, onde quase nove em cada dez
pessoas são cristãs (86%). Ao mesmo tempo, os três países com a população
cristã mais numerosa, isto é, os EUA, o Brasil e o México, estão na América.
Esses dados sugerem que perguntemos a você se Cristo hoje não é, acima de tudo,
americano.
Neste momento, o cristianismo europeu carece de fiéis comprometidos. Essa minha
afirmação se torna verdadeiramente óbvia quando consideramos as estatísticas
sobre os cristãos "ativos", isto é, aqueles que frequentam a igreja
regularmente. Se nos basearmos nos números daqueles que vão à igreja, a África é o
continente mais cristão, embora a África seja superada pelos dados combinados
dos cristãos praticantes nas Américas do Norte
e do Sul.
2)- Por que há essa
predominância do continente americano dentro do cristianismo globalizado?
Em parte, isso se deve ao extraordinário incremento da
prática da fé católica na América Latina, por causa –
permita-me usar esta palavra – da "competição" com um protestantismo
rapidamente crescente na mesma região, onde o pertencimento
protestante é mais forte, assim como a frequência católica à prática religiosa,
com o resultado final de que a América Latina é muito mais cristã e observante
hoje do que era há apenas alguns anos.
3)- Falemos da América do Norte
e, em particular, dos EUA. É impressionante notar que todos os três maiores
"desafiadores" republicanos nas primárias sejam muito caracterizados
do ponto de vista religioso, o que confirma o peso do cristianismo na vida
pública norte-americana. Mas, ao mesmo tempo, eles pertencem a confissões
cristãs diferentes: Mitt Romney, mórmon; Rick Santorum, católico; Ron Paul,
batista. Por que isso acontece?
O pluralismo é a chave da vitalidade da religiosidade americana, assim como do
desenvolvimento da civilização cristã. Esse foi o "milagre" que
colocou os americanos em ação em relação à fé, com o resultado de que, se em
1850 cerca de um terço dos americanos pertenciam a uma congregation, isto é,
a um grupo religioso organizado localmente, no início do século XX metade dos
americanos pertenciam, e hoje esse dado subiu para 70%. Todos os políticos de
sucesso em nível nacional dos dois maiores partidos pertencem a uma congregation.
4)- A África subsaariana e a
Ásia Oriental têm hoje uma população total de cerca de 800 milhões de cristãos,
um número semelhante ao das Américas. A Nigéria é o país africano com o maior
crescimento de cristãos e, infelizmente, também de mártires. Se continuarmos
usando a imagem de antes e se, hoje, digamos assim, Cristo é americano, amanhã
Cristo será africano? E isso é ainda mais importante hoje, às vésperas de um
novo consistório que irá redefinir os pesos do Conclave: o próximo papa será
negro?
As minhas estatísticas, baseadas em pesquisas da Gallup em
cerca de 160 países, mostram que há muito mais católicos na África do que
indicam os dados oficiais da Igreja. Aparentemente, o crescimento foi tão
rápido que até os padres locais perderam a conta. De fato, abaixo do Saara, o cristianismo está crescendo mais
rapidamente do que o Islã. Você me pergunta se isso levará à eleição de
um papa negro? Eu respondo: ainda não houve um papa que proviesse do hemisfério
ocidental, isto é, das Américas. Mas
eu não estou qualificado para fazer previsões sobre questões de política da
Igreja.
5)- Do ponto de vista
sociológico, o cristianismo europeu realmente acabou? E como avaliar o
crescimento da presença islâmica na Europa?
Há uma notável possibilidade de um renascimento religioso no Velho
Continente. É bem sabido que as taxas de fertilidade na Europa caíram
muito abaixo do nível de substituição. Mas nem todos os grupos têm uma baixa
fertilidade. Quem participa ativamente da vida de uma Igreja tem taxas
de fertilidade muito acima da cota de substituição. Consequentemente, a
população que vai à igreja está crescendo, enquanto a população secularizada
declina, e as futuras gerações de quem frequenta a igreja poderá superar em
número aqueles que não a frequentam. Assim,
as igrejas europeias poderão ficar repletas. Infelizmente,
não posso prever o que vai acontecer na relação entre cristãos e muçulmanos na Europa.
6)- Os dados do Pew Forum
Research afirmam que a China tem a maior minoria cristã do mundo. Você estudou
o incremento do cristianismo na China e o considerou um exemplo do que você
chama de "vitória da razão". Pode nos explicar o fenômeno?
O rápido crescimento do cristianismo na China reflete
a adequação universal da fé e, especialmente, a sua compatibilidade com a
modernidade, ao contrário do que se pode pensar. Fundamentalmente,
o cristianismo é uma religião da razão, no sentido de que sempre tentou
explicar o seu ensinamento básico. Ele oferece respostas razoáveis a perguntas
fundamentais. E o faz com base no
fato de Deus ser a essência da razão, e a sua criação é tão racional que pode
ser explicada e entendida: essa é a base da ciência. Ao
contrário, as religiões orientais não dão explicações, mas só meditações. Os
chineses estão verdadeiramente conscientes da compatibilidade do cristianismo
com a ciência e a economia modernas. E o cristianismo atualmente é mais forte
entre os chineses mais imersos na modernidade, e as melhores universidades
chineses são muito mais cristãs, evidentemente, do que as universidades
americanas.
Livro
do Sociólogo Rodney Stark: “A
VITÓRIA DA RAZÃO”
POR ORLANDO SAMÕES- Assistente do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica
Portuguesa
Dado o contexto em que nos
encontramos, em que tanto se discute a natureza do sistema capitalista, temos
razões acrescidas para ouvir mais este contributo. Por muitas limitações que a
sua argumentação contenha, Rodney Stark tem o mérito de nos baralhar um pouco
mais nas ligações simples que tendemos fazer quando procuramos estas
explicações.Claro que a possibilidade que o autor
coloca é apenas isso: mais uma possibilidade. Mas ele ilustra-a bem e parece-me
que deve existir algo de verdadeiro nela. Penso que possa ser uma fraqueza da
teoria de Stark o facto dele nem sempre a justificar de um ponto de vista de
filosofia política.Quer dizer, por vezes a sua
argumentação muda, usando o decorrer dos acontecimentos na história, apenas
porque explicam melhor o que quer dizer. Neste sentido, não fica nada claro,
por exemplo, porque é que as quatro cidades Italianas que ele considera que
foram as primeiras cidades capitalistas, deixaram, simplesmente, de o ser.
Citarei com base na edição inglesa (The Victory of Reason – How Christianity
Led To Freedom, Capitalism and Western Success (1st Ed. 2005), Random House
Trade, NY, 2006.) e a traduções são minhas, mas o livro encontra-se já em
português.
Para começar a desmontar o problema ele parte daquilo que lhe parece
constituir uma ideia de progresso contida na fé cristã (p. 11):
“Enquanto que outras religiões mundiais enfatizaram os mistérios e a
intuição, o Cristianismo abraçou a razão e a lógica como guias primeiros para a
verdade religiosa” (p. x). O que encaixa na sua teoria, porque, segundo ele, “o
capitalismo é, essencialmente, a sistemática e sustentada aplicação da razão ao
comércio” (p. xi). Para este efeito concorrem dois elementos importantes: a
questão do livre arbítrio posta por Santo Agostinho, que falsifica astrologias
ou predestinações (p. 6), e o facto do Novo Testamento não ser uma escritura unificada
mais sim uma «Antologia» (p. 9). “A ideia de progresso começa com Paulo: ‘o
nosso conhecimento é imperfeito e a nossa profecia imperfeita’ (I Corinthians
13: 9, RSV). Que contrasta com o segundo verso do Corão, que se auto proclama
como sendo a Escritura da qual não há dúvida” (p. 9).
Assim ele argumenta a impossibilidade
de separar teologia e ciência (p. 12). Esta indivisibilidade aconteceria apenas
no caso singular da Europa medieval (p. 14). Mesmo no caso da Grécia antiga,
“Deus” não seria uma criatura consciente pelo que eles apenas acreditavam que
existissem ciclos pré-determinados (p. 19).
O Islão é
a vontade de Deus em processo contínuo, sendo lida como algo para ser apenas
“acreditado” (p. 21). No caso chinês, Tao nem sequer é ser, nunca implicaria
ordem: são energias mais ou menos dispersas (p. 16). Em qualquer destes casos o
universo é “misteriosos, inconsistente e imprevisível, (...) não há qualquer
motivo para celebrar a razão” (p. 15).
No mundo cristão o destino está mais sob controle:
Podemos ser virtuosos ou pecadores.
Podemos fazer bem e podemos fazer mal. “Esta concepção de Deus é incompatível
com fatalismos” (p. 25). É-nos permitido errar (p. 26). Quer dizer, a nossa
doutrina é, em certa medida, «individualista», sustenta Stark (p. 26). Este
enfatizar do indivíduo e seus direitos, e não tanto dos deveres coletivos, como
noutras culturas,(Na Comunista existe os escravos do estado e dos seus
poderosos dirigentes) é, segundo o autor, a base para a abolição da escravatura
medieval (p. 27-8). Stark tem ainda a ambição de refutar
a ideia de Max Weber constante no «influente» estudo A Ética Protestante e o
Espírito do Capitalismo (p. xi), onde se argumenta que “só o Protestantismo
forneceu uma visão moral que levou as pessoas a refrear o seu consumo material
ao mesmo tempo que vigorosamente procuravam riqueza”.
Aliás, o florescer do capitalismo foi muito anterior à Reforma. Tal como
Henri Pirenne nota, e Stark dele cita:
“Todas
essas características fulcrais do capitalismo – Empresa particular,
adiantamentos de crédito, lucros comerciais, especulação, etc. – foram
encontradas do século XII em diante, nas cidades república da Itália – Veneza,
Génova e Florença” (p. xii). Para Stark, os países nórdicos – a que associamos
o suposto capitalismo de génese protestante «não inventaram nada», apenas
apanharam aquilo que os mediterrâneos fizeram «brilhantemente». “Além do mais,
durante o seu período crítico de desenvolvimento económico, esses centros
capitalistas nortenhos eram Católicos e não Protestantes – A Reforma ainda
estava para vir, lá muito no futuro” (p.xii).
O Capitulo dois trabalha sobre os progressos técnicos, culturais e
religiosos medievais:
O autor afirma que qualquer pessoa
que foi educada nos últimos séculos foi habituada a designar este período por
Idade das Trevas (“Dark Ages”) quando podíamos chamar-lhe, em vez disso, o
período em que «a tecnologia europeia e a ciência desabrochou e ultrapassou o
resto do mundo». Fazendo um papel de historiador Stark vai ao detalhe
explicando as inovações que se deram na capacidade produtiva, os avanços nos
transportes e na capacidade de guerra. Em regra, explica, “as invenções e
inovações tendem a acontecer onde a propriedade é assegurada quer porque o
estado se tornou desorganizado ou porque os seus poderes foram truncados” (p.
38).Sabemos das melhorias no uso da força
ou vento ou da água e da tracção animal e dos ganhos fulminantes de
produtividade agrícola. Mas um ponto interessante prende-se com a singularidade
europeia no que diz respeito a três grandes invenções: “chaminés, óculos e
relógios” (p. 43). Atende-se à inequívoca superioridade que estas 3 invenções
inspiram: que as chaminés facilitam e melhoram brutalmente a nossa vida é
inquestionável; que ver focado é, objectivamente, melhor do que ver desfocado;
que chegar a horas implica o cumprimento de regras e que permitem melhor
coordenação. Claro que a China, como sabemos, roçou muita da tecnologia que
rondava estes artefatos. Segundo Stark, eles só não perceberam o seu alcance. Igualmente na cultura, na música, na
arte, na literatura e na ciência os europeus medievais faziam história. A
universidade vem daqui: “Lembrem-se que estas eram instituições profundamente
cristãs: todas as faculdades eram de ordens sagradas e, consequentemente, daqui
eram os mais famosos cientistas” (p. 53). Mas uma das invenções que mais preocupa o autor chama-se “Capitalismo”: Para Stark, ele foi mesmo sendo
burilado por «monges católicos, que não obstante terem posto de lado as coisas
mundanas, procuraram assegurar a segurança económica dos seus estados
monásticos » (p. 55). Nem que para isso tivessem de «reformular» algumas
doutrinas.
Mas o que é então o capitalismo?
“O termo capital começou a ser usado
no século XIV para indicar os fundos que tinham capacidade de dar um rendimento
em retorno, em vez de serem apenas de valor consumível” (p. 5), explica. É uma
denominação que implica o uso, com risco, de riqueza, com vista à obtenção de
um ganho. Stark dá uma definição (muito própria) para o termo (p. 56) mas acaba
sublinhando os pontos em que todos os autores concordam:“todos os
que escreveram sobre capitalismo aceitam que este assenta sobre mercados
livres, direitos de propriedade firmes e trabalho livre (ou seja, sem coerção)”
(p. 57). A parte do trabalho ser sem coação é crucial. Aliás, “é a capacidade
para motivar o trabalho e o sistemático reinvestimento de lucro que geram a
imensa produtividade do capitalismo, tal como Weber e Marx afirmaram há mais de
um século atrás” (p. 57).“A Bíblia condena muitas vezes a
avareza e a riqueza – ‘Porque o amor ao dinheiro é a raiz de todo o mal’ – mas
não condena diretamente o comércio ou os mercadores” (p. 57, a referencia é do
autor: I Timothy 6:10). No mundo Greco-Romano, “seria complicado escapar ao
pecado no decurso das compras e das vendas”. Contudo,
“depois da conversão de Constantino”, continua Stark, “a atitude em relação ao
comércio começou a ser suavizada, o que levou o Santo Agostinho a ensinar que a
maldade não estava inerente ao comércio mas sim, como em qualquer ocupação,
estaria do lado do individuo viver com retidão” (p. 58).O autor então, explicitamente, segue
a linha proposta por Randall Collins (Weberian Sociological Theory, Cambridge:
Cambridge University Press, 1986) no que diz respeito ao que apelida de
“capitalismo religioso” (Collins (1986), p. 55). Sublinha, tal como Collins,
que não se trata sequer de um Proto-Capitalismo (idem, p. 52). Collins, refere-se à Igreja como o
maior proprietário de terras, que teve de se especializar em determinadas
colheitas. Para obter ganhos de produtividade nas trocas, teve ainda que usar
«sofisticados» métodos de gestão com previsões e «planos de longa duração» (p.
59). Ela ainda provoca a alteração para uma economia mais baseada em dinheiro
(caso dos monges em Lucca – Florença) e o desenvolvimento das primeiras
operações de crédito ,caso dos templários que enriqueceram(p. 60), assim como
das primeiras hipotecas (p. 61). Mesmo a inicial oposição aos juros e lucros
iria ser ainda mais revertida pelos teólogos católicos.Stark
sustenta que Tomás de Aquino, em particular, declarou que os lucros eram
«moralmente legítimos» e que, estes teólogos já «justificavam as taxas de
juro».Claro que não se deve esperar nada em
retorno ao fazer o bem. Mas, na prática, pagavam-se juros (p. 64). Aliás, a
teoria do preço justo, mais aceite por Agostinho, iria ser, em grande parte,
rejeitada por Tomás de Aquino. Segundo a leitura de Stark deste autor: “o
mercador que chega a uma aldeia faminta, mesmo que saiba que vão aparecer mais
mercadores de seguida, (...) pode, em boa consciência, ficar calado e vender ao
preço alto corrente” (p. 65).No Islão é
diferente: o Corão tem absoluta certeza sobre este assunto e “condena todos os
juros (riba)” (p. 67). Não seria daqui que o capitalismo poderia aparecer.A preocupação em melhor dispor de
riqueza e as preocupações que lhe são inerentes, não seria possível sem “noções
tais como a de dignidade do trabalho ou a ideia de que o trabalho é uma actividade
virtuosa”, em si mesmo.“O
ascetismo cristão é muito diferente de outras culturas, onde a devoção é
associada à rejeição do mundo e das suas atividades”. Stark lembra a famosa
regra de Santo Bento: “O idealismo é o inimigo da alma. Daqui que os irmãos
devam ter períodos específicos de trabalho manual assim como de prece” (p. 62).
Atente-se a este contraste decisivo:
“Na China os Mandarins deixavam crescer as unhas o máximo que podiam
(...) para tornar evidente que não trabalhavam. Pelo contrário, o capitalismo
pareceu precisar e encorajar uma atitude completamente diferente em relação ao
trabalho – vendo- o intrinsecamente virtuoso e ainda a reconhecer a virtude na
restrição do consumo” (p. 62).
O capítulo seguinte é sobre a “A
tirania e o ‘renascer’ da liberdade”. Segundo Stark, o sucesso do ocidente está
ligado às sociedades serem livres. A liberdade fornece o ambiente que permite
segurar o capitalismo. “Os estados despóticos levam à avareza universal”,
reclama ele. Onde os governantes são sovinas, as pessoas tendem a ser assim
também: ou consomem tudo ou “escondem os frutos do seu trabalho”. Os níveis de
vida ficam sempre abaixo do que poderiam. O que os déspotas esquecem é que
“toda a riqueza deriva da produção”, pelo que para esta acontecer algo tem de
ser “engordado, desenterrado, cortado, caçado, arrebanhado, fabricado ou de
outra forma criado”, numa palavra: arriscado. “Quando a riqueza está sujeita a
tributação devastadora e a ameaça constante de usurpação, o desafio é manter a
nossa riqueza, não é torná-la produtiva” (p. 73).Há ainda que considerar a questão da
igualdade e das diferenças de merecimento que daqui terá de surgir. Neste
aspecto, “as fundações teológicas de uma igualdade moral”, são, para Stark, de
extrema importância no fornecimento de um ingrediente adicional: a conjugação
da igualdade perante a lei com a desigualdade de resultados – que advirá,
forçosamente, com o capitalismo.“Mesmo no
Ocidente, nenhuma pessoa razoável argumenta que toda a gente é igual em termos
de habilidades, diligência, ou carácter; o pressuposto é que o que existe é uma
igualdade moral que lhe é precedente” (p. 76). Estas considerações teológicas –
igualdade moral – estão, explicitamente, em toda a tese de John Locke, assim
como se encontram na famosa passagem da Declaração de Independência da América,
argumenta o autor (p. 76). “Num mundo Romano extremamente status-consciente, os
primeiros Cristãos tentaram abranger uma concepção de humanidade universalista”
(p. 77).
A questão dos direitos de propriedade volta assim a ser aqui
investigada, a par com a limitação do poder do estado.Olhando para os vários
Santos, Stark tem uma leitura que aponta para uma progressão interessante:
1)- Para Ambrósio seria difícil a
aceitação dos direitos de propriedade, enquanto que para Agostinho esta seria
como uma condição natural.
2)- Já Alberto Magno teria dito que a
propriedade existia para a conveniência e utilidade do homem.
3)- Tomás de Aquino, por fim, “notou
que, mesmo que a propriedade não tenha sido ordenada por lei divina, está de
acordo com a lei natural – isto é, inerente à natureza humana enquanto derivada
pela razão” (p. 79).
Sobre a limitação do poder do estado,
ele sublinha primeiro que tudo que “O Islão tem sempre idealizado a fusão da
religião com a regra política” (p. 80), enquanto que “a ideia de uma separação
entre a Igreja e o Estado ‘é, num sentido profundo, Cristã’” (p. 80).
Voltemos a Tomás de Aquino onde Stark
encontra mesmo «planos para prevenir a tirania», como em descritos em On
Kingship, do qual cita:
“um regime
deveria ser cuidadosamente trabalhado para que pudesse prevenir que uma
multidão dirigida por um rei fosse cair nas mãos de um tirano” (p. 82, retirado
de Aquinas, On Kingship, book I, ch. 6).
Outro contributo decorre da desunião
europeia, talhada por pequenos estados e que fomentou “líderes fracos”, dando
azo à «criativa concorrência», entre pessoas que já se moviam, por vezes, à
procura de oportunidades. Estes elementos estavam todos presentes na Itália do
norte (p. 83). As cidades eleitas são Veneza, Génova, Florença e Milão.
A segunda parte do livro começa precisamente descrevendo como se foi
aperfeiçoando este capitalismo das quatro cidades italianas. Brevemente,
explica Stark:
“Porque os detentores (os
investidores) beneficiam do aumento da produção, eles irão disciplinar o seu
consumo no sentido de reinvestir lucros para aumentar a produção futura,
reinvestindo em maior capacidade, melhores tecnologias, ou numa força de
trabalho mais motivada ou mais qualificada. (...) Daqui que
o milagre do capitalismo seja simplesmente isto: com o passar do tempo, todos
têm mais. (...) Acrescendo a isto, a teologia cristã encorajou visões extremamente
otimistas acerca do futuro que justificaram estratégias de investimento a
longo-prazo” (p. 106).
Trocas, sempre existiram, diz Stark, a novidade da Europa medieval foi
ter uma leitura do comércio menos aventureira:
A «empresa racional» é uma
organização criada com regras que permitem o seu regular funcionamento e que
faz estimativas e ajusta os negócios de forma a suportar o menor risco
possível. Ao nível dos recursos humanos, cuja qualificação teria de acompanhar
este conceito, o autor lembra dados curiosos. “Há uma estatística que nos revela
muito: em Florença, no ano de 1338, quase metade da população em idade escolar
estava a estudar, e isto numa era em que nem sequer havia escolas em grande
parte da Europa e mesmo muitos reis eram iletrados” (p. 107).Foi daqui que apareceram as técnicas
contabilísticas primárias que mais tarde foram usadas como ferramentas para o
cálculo financeiro e de gestão (p. 110). O autor explica ainda o caso singular
da Itália cujos mercadores, despertos para os problemas relacionados com o uso
de dinheiro e para evitar rupturas, pediam as primeiras transferências à
distância (inclusive internacionais) e desenvolveram as primeiras formas de
papel-moeda. De realçar portanto os inacreditáveis 173 grandes bancos que já
existiam neste país no século XIV, sem contar com as respectivas sucursais!
Destes, 38 operavam Florença e 34 em Pisa (p. 113).
Mas ao florescimento capitalista o autor associa ainda o aparecimento
dos Humitiati e a adopção das leis sumptuárias:
Movimento que levou ao alastramento
de ideias ascéticas ou «proto-puritanas», como as designa (p. 121). Estes votos
de humildade, que consistiam em se aceitar níveis de vida mais restringidos,
por opção, eram «novos» em Itália. Aliás, não só se dizia comumente que o
dinheiro morre quando convertido em vaidades, como esta frase se tornou
preambulo das leis sumptuárias (p. 122). Claro que alguns dos artigos fazem
parecer que a intenção do legislador era deixar «os homens ricos reinvestir o
rendimento em vez de permitir que as respectivas esposas o gastassem
frivolamente » (p. 123). Mas o ponto principal é que,
segundo Stark, o capitalismo estava instalado antes disto acontecer, pelo que
pode ter sido uma reacção que, em primeira instância, deverá ter sido «contra»
o capitalismo (p. 125). Sobre a limitação do poder do estado,
ele sublinha primeiro que tudo que “O Islão tem sempre idealizado
a fusão da religião com a regra política”, enquanto que “a ideia de uma
separação entre a Igreja e o Estado ‘é, num sentido profundo, Cristã’ ”.
A fase seguinte do livro conta como o capitalismo se mudou para norte e
porque é que aí se instalou melhor:
Na Flandres medieval, as empresas,
mesmo nomeadamente na área dos têxteis, eram relativamente pequenas. Muitos dos
lucros que tinham eram mesmo consumidos e não possuíam, normalmente, sequer
quotas para vários sócios (p. 133).A internacionalização permitida
através dos bancos italianos ajudou a expandir os seus negócios. O autor traça
uma linha entre várias cidades explicando as causas das movimentações, mas aqui
apenas citarei os nomes das cidades envolvidas. Em Bruges, os avanços
comerciais eram de italianos que já tinham mais noções financeiras. Em termos
industriais, a liderança seria de Ghent, argumenta. Mas a cidade que
rapidamente avultou o maior volume de negócios foi Antuérpia – «comunidade
profundamente católica» (p. 143) na época, segundo Stark. E da mesma Antuérpia
“fugiram refugiados – muitos deles católicos – trazendo consigo as empresas e
os seus sofisticados talentos” (p. 144) para Amesterdão.É
precisamente de Amesterdão que capitalismo chegará finalmente à Inglaterra (p.
147). Lugar que viria a ser a sua casa, digo eu. Depois, a história é
conhecida. A Inglaterra teve um conjunto de factores muito favoráveis à
indústria e à livre iniciativa (p. 148). Neste ponto, Stark mistura as condições
geográficas e políticas e a sorte dos recursos naturais para explicar a
ascensão da Inglaterra. A sua ideia principal pareceu-me ser a
descentralização. Esta permitia, nos lugar mais afastados das cidades, fugir
aos impostos ou escapar à pressão dos Grémios (p. 153). “Muito maior variedade
de estilos e de qualidades era provável acontecer na dispersa indústria
algodoeira em Inglaterra, onde os desenhadores não podiam espreitar por cima
dos ombros uns dos outros” (p. 154).Foi permitido o teste de práticas alternativas e uma aprendizagem com os
erros e acertos (Não apenas meramente teorizado em escrivaninhas de escritórios
sombrios, mas experimentado naturalmente):No capítulo seguinte, «O
anticapitalismo “Católico”», Stark explica finalmente porque é que o
capitalismo foi associado ao protestantismo. De forma condensada a sua ideia é
esta: “As
sociedades solidamente católicas [foram] dirigidas por déspotas que tributavam,
saqueavam e regulavam o comércio até à paralisação. Entretanto, o capitalismo
continuou florescente na Inglaterra e na Holanda, ambos predominantemente
protestantes” (p. 163). (Qualquer semelhança para com os dias que correm na
Europa deverá ser coincidência). O autor critica ferozmente a Espanha que ficou
à mercê dos fluxos de ouro e de prata das Américas, pensando que a atividade
fabril e o comércio seria destinada a povos inferiores. O pensamento corrente,
do século XVI, era «que os outros se esforcem pela Espanha» (p. 167). A tributação fiscal em Castela era
mesmo a mais alta da Europa, refere (p. 169). É de crucial importância a
intervenção gorada contra a Inglaterra em 1588: o autor conta que nada do que
estava nos navios tinha sido fabricado na Espanha, nem as armas, nem os mapas
(p. 168). Mas ainda assim, “poderia ter tido sucesso de a Inglaterra fosse
governada por um déspota – mas [a Espanha] estava condenada contra uma nação de
“lojistas”, onde a tecnologia desabrochou, as empresas estavam cultivadas e a
rainha era uma afeiçoada capitalista” (p. 180). As frotas marítimas inglesas
até incluíam barcos privados.A situação em França também ajudou a
empurrar o capitalismo para norte. Ao nível político a situação não era melhor
que a espanhola. A convocação dos estados gerais era raríssima. As sessões
ocorrem brutalmente trespassadas no tempo (1468, 1483, 1560, 1614, 1789*),
tanto, que o monarca em activo, pelas leis da vida, era sempre outro (p. 186). A
tributação também era elevada, mas alguns amigos tinham acesso a privilégios
dados pela Coroa. Aliás, ninguém poderia encetar qualquer actividade sem
licença real. Limitavam ainda mais as actividades económicas a conhecida
máquina burocrática (p. 189) à francesa e a intransigência das associações
profissionais – os Grémios (p. 190). O capitalismo passou por cima, quase
literalmente, da França. Nunca tomaram em consideração as forças de mercado (p.
192). A sua conclusão é simples: “Não foi catolicismo mas sim a tirania que impediu
o capitalismo na França e na Espanha,” (p. 194) volta a afirmar Stark.
Por fim, o autor explica a passagem do capitalismo para o Novo Mundo:
Para isso apresenta uma distinção
fundamental entre as colonizações espanhola e britânica, paralela à
diferenciação entre feudalismo e capitalismo. Nas palavras do autor, “quase
todos os colonos britânicos vinham para ficar; muitos dos colonos espanhóis
eram peregrinos.As
colónias britânicas eram fundadas na produção, as espanholas na extracção” (p.
212). A razão pela qual eles não quereriam voltar está ligada à natureza da
viagem: “ [Os emigrantes das Ilhas Britânicas] não vinham nem à procura de
estados feudais nem para as minas de ouro ou prata. Muitos vieram pelos altos
salários prevalecentes nas colónias e as extraordinárias oportunidades de obter
terra arável fértil ou de montar uma loja ou oficina” (p. 214). Para Stark, as possibilidades de se
pagar na América três vezes mais à hora que no velho continente explica-se pela
adesão dos americanos às novas tecnologias que favoreciam a produtividade (p.
224). Quer dizer, os que iam parecem ser menos avessos ao risco que os que
ficavam. Eram ainda mais letrados, em média (p. 226). Note-se que as primeiras coisas a
ser construídas eram escolas, e em cada nova zona conquistada a ocidente eram
apontadas pessoas locais para ensinar a ler (p. 227). O autor termina citando um importante
académico chinês, cuja declaração deve ser destacada (Aikman, David, Jesus in
Beijing: How Christianity Is Transforming China and Changing the Global Balance
of Power, Washington, DC: Regnery, 2003): “Uma das
coisas que fomos chamados a observar foi saber o que contribuiu para o sucesso,
ou melhor, a proeminência do Ocidente sobre o resto do mundo. Estudámos tudo o
que pudemos de uma perspectiva histórica, politica, económica e cultural. Ao
início, pensámos que foi porque vocês tinham armamento mais poderoso do que
nós. Depois, pensámos que seria por tinham o melhor sistema político. De
seguida concentramo-nos no vosso sistema económico. Mas passados vinte anos,
apercebemo-nos que no centro da vossa cultura está vossa religião: O
Cristianismo. É por isto que o Ocidente é poderoso. A fundação moral da vida
social e cultural cristã foi o que tornou possível a emergência do capitalismo
e depois as transições para a democracia política. Nós não temos dúvida nenhuma
sobre isto” (p. 235, retirado de Aikman (2003), p. 5). E termina o autor dizendo: «Eu também
não». Mas não sei se concordo totalmente. Sobre esta tese eu preferiria
terminar com a frase: Se non è vero, è ben trovato.A fundação moral da vida social e
cultural cristã foi o que tornou possível a emergência do capitalismo e depois
as transições para a democracia política.
FONTE:http://www.novacidadania.pt/content/view/724/65/lang,pt_PT/
Os trabalhos de Rodney Stark:
1)-Crenças
cristãs e anti-semitismo (1966), com Charles Y. Glock
2)-Piedade
Americana (1968), com Charles Y. Glock
3)-O
Futuro da Religião: Secularização, Revival, e formação Cult (1985), com William
Sims Bainbridge
4)-Sociologia
(1985) um texto de sociologia da faculdade introdutório que passou por dez
edições a partir de 2007. 10: (2006) ISBN 0495093440
5)-Uma
Teoria da Religião (1987), com William Sims Bainbridge
6)-Religião,
Desvio e Controle Social (1996), com William Sims Bainbridge
7)-The Rise of Christianity: A History sociólogo
reconsidera (1996), ISBN 978-0060677015
8)-Atos
de Fé: Explicando o lado humano da Religião (2000), com Roger Finke .
University of California Press
9)-Deus
único e verdadeiro: conseqüências históricas de monoteísmo (2001), ISBN
978-0-691-11500-9
10)-Para
a Glória de Deus: Como Monoteísmo Led Reformas, ciência, caça às bruxas, eo fim
da escravidão (2003), ISBN 978-0-691-11436-1
11)-
Explorando a Vida Religiosa (2004) ISBN 0-8018-7844-6
12)-
A Vitória da Razão: Como o cristianismo Led to Freedom, Capitalism, and Western
Success (2005), ISBN 0-8129-7233-3
13)-
Cidades de Deus: a história real de como o cristianismo se tornou um movimento
urbano e conquistou Roma (2006)
14)-
Descobrir Deus: um novo olhar sobre as origens das grandes religiões (2007),
ISBN 978-0-06-117389-9
15)-
Batalhões de Deus: o caso das Cruzadas (2009)
16)-
O triunfo do cristianismo: Como o Movimento de Jesus se tornou a maior religião
do mundo (2011), ISBN 0062007688
17)-
Como o Ocidente Won: A história esquecida da Triumph da Modernidade (2014),
Instituto de Estudos intercolegial , ISBN 1610170857
Fonte: Wikipedia
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