Missa
pré-tridentina (antes do Concílio de Trento em 1570)
Missa
pré-tridentina é uma referência a uma das variantes do rito litúrgico da missa que existia em Roma antes de 1570, quando, com sua bula
"Quo primum", o papa Pio V tornou o Missal Romano, revisado por ele
próprio, obrigatório em toda a Igreja Latina, com exceção dos locais e
congregações que pudessem demonstrar o uso de ritos distintos por 200 anos ou
mais. Esta revisão papal incluía a introdução das "orações ao pé do
altar" e a adição de tudo que aparece depois da "Ite missa est"
atendendo a uma ordem do Concílio de Trento (1545-63) apresentada por seu
predecessor na sessão de encerramento dos trabalhos.
Fora de Roma, no período antes de 1570, muitos outros ritos
litúrgicos eram utilizados, não apenas no cristianismo oriental, mas também no
ocidente.
Alguns dos ritos ocidentais, como o rito moçárabe, não tinham relação com o rito romano que Pio V revisou e ordenou que fosse aceito. Mas mesmo em áreas onde num momento ou outro se aceitou o rito romano, logo se introduziram mudanças e adições. Como resultado, cada província eclesiástica e quase toda diocese tinham seu uso local, como o "Uso Sarum", o "Uso York" e o "Uso Hereford" na Inglaterra. Na França, perduravam ainda fortes traços do Rito galicano. Com exceção de uns poucos lugares onde o rito romano jamais havia sido introduzido, o Cânon da Missa permaneceu relativamente uniforme, mas as orações no "Ordo Missae" e, em número ainda maior, do "Proprium Sanctorum" e do "Proprium de Tempore" variavam muito.Por isto, este artigo considera apenas a liturgia da missa como celebrada em Roma.
Relatos
mais antigos SOBRE CELEBRAÇÃO DA EUCARISTIA
O mais
antigo relato sobrevivente da celebração da Eucaristia ou da missa em Roma é o
de São Justino Mártir (m. c. 165), no capítulo 67 de sua "Primeira
Apologia":
“No dia que se chama do sol, celebra-se uma reunião de todos os que moram nas cidades ou nos campos, e aí se leem, enquanto o tempo o permite, as Memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas. Quando o leitor termina, o presidente faz uma exortação e convite para imitarmos esses belos exemplos. Em seguida, levantamo-nos todos juntos e elevamos nossas preces. Depois de terminadas, como já dissemos, oferece-se pão, vinho e água, e o presidente, conforme suas forças, faz igualmente subir a Deus suas preces e ações de graças e todo o povo exclama, dizendo: "Amém". Vem depois a distribuição e participação feita a cada um dos alimentos consagrados pela ação de graças e seu envio aos ausentes pelos diáconos." ( Justino Mártir).
No capítulo 65, Justino afirma que o beijo da paz era dado antes que o pão e o vinho misturado com água fossem trazidos para o "presidente dos irmãos"
A linguagem utilizada é indubitavelmente grega, com exceção da palavra hebraica "Amen", cujo significado Justino explica em grego (γένοιτο) ao dizer que, com ela, "o povo expressa sua concordância". Ele continua no capítulo 66, no qual descreve uma mudança (explicada muito depois como sendo a transubstanciação) que ocorre no altar:
“De fato, não tomamos essas coisas como pão comum ou bebida ordinária, mas da maneira como Jesus Cristo, nosso Salvador, feito carne por força do Verbo de Deus, teve carne e sangue por nossa salvação, assim nos ensinou que, por virtude da oração ao Verbo que procede de Deus, o alimento sobre o qual foi dita a ação de graças - alimento com o qual, por transformação, se nutrem nosso sangue e nossa carne - é a carne e o sangue daquele mesmo Jesus encarnado. ” (Justino Mártir).
As
descrições da liturgia da missa em Roma por Hipólito (m. 235) e Novaciano (m.
c. 250) são similares.
Primeiras alterações - Não se sabe ao certo quando a língua da celebração mudou do grego para o latim
Papa Vítor I (r. 190-202), um africano, pode ter sido o primeiro a usá-lo na liturgia em Roma. Outros acreditam que o latim foi finalmente adotado somente um século depois. A mudança foi provavelmente gradual, com ambas coexistindo por um tempo.Antes do pontificado de Gregório I (r. 590-604), o rito da missa romana já havia passado por várias mudanças, incluindo uma "refundação completa do Cânon" (um termo que, neste contexto, significa a "anaphora" ou "oração eucarística"): o número de leituras das Escrituras havia sido reduzido, as orações dos fieis eram omitidas (deixando, porém, o oremus que antigamente as introduzia) , o beijo da paz foi mudado para depois da consagração e já se percebia uma crescente tendência de variar, no que diz respeito à festa ou estação, as orações, o prefácio e mesmo o Cânon.Com relação ao Cânon romano da missa, as orações começando com "Te igitur, Memento Domine" e "Quam oblationem" já estavam em uso, ainda que não com as mesmas palavras exatas de hoje, em 400; a "Communicantes", o "Hanc igitur" e os pós-consagração "Memento etiam" e "Nobis quoque" foram adicionados no século V. Gregório conduziu uma revisão geral da liturgia da missa, "removendo muitas coisas, alterando umas poucas, adicionando outros", como descreveu seu biógrafo João, o Diácono. A ele se credita a adição de uma frase à oração eucarística e foi ele também que colocou o Pai Nosso imediatamente depois do Cânon.
SANTA MISSA NA Idade
Média
No final do século VIII, Carlos Magno ordenou que o rito romano da missa fosse utilizado em todo o seu domínio pastoral
Porém, alguns elementos do Rito galicano, mais antigo, se fundiram a ele no norte dos Alpes e o mito misto resultante foi introduzido em Roma por influência dos imperadores depois de Carlos. A influência gália é responsável pela introdução no rito romano de cerimônias dramáticas e simbólicas, como a benção das velas, cinzas, ramos e muito do ritual da Semana Santa. A recitação do "Credo" (o Credo Niceno) depois da leitura do Evangelho é atribuída à influência do imperador Henrique II (r. 1002-1024). A influência gália explica ainda prática de incensar pessoas, introduzida no século XI (ou XII); "antes dessa época, incenso era queimado apenas durante as procissões (a entrada e procissão do Evangelho)". Orações privadas ditas pelo padre antes da Eucaristia eram outra novidade. Por volta do século XIII, um elaborado ritual e orações adicionais de origem franca foram adicionadas ao ofertório, durante o qual a única oração que o padre dizia em épocas anteriores era o "segredo"; estas orações variaram consideravelmente até serem fixadas por Pio V em 1570. O papa também introduziu as "orações ao pé do altar", antes ditas principalmente na sacristia ou durante a procissão até o altar como parte da preparação do padre, e, também pela primeira vez, tudo o que segue o "Ite missa est" em sua edição do Missal Romano. Edições posteriores abreviaram esta parte omitindo o "Cântico dos Três Jovens" e o Salmo 150; outras orações seguiam que, na edição de Pio V, o padre deveria dizer enquanto deixava o altar.
De 1474 até o texto de Pio V, apareceram pelo menos quatorze diferentes edições impressas que alegavam apresentar o texto da missa "como celebrada em Roma" e que, portanto, foram publicadas sob o título de "Missal Romano"
Estas edições foram produzidas em Milão, Veneza, Paris e Lyon, mas, mesmo nelas, há variações. Missais locais, como o de Paris, com pelo menos dezesseis edições impressas entre 1481 e 1738, trazem importantes diferenças - O Missal Romano que o papa Pio V publicou a pedido do Concílio de Trento gradualmente estabeleceu a uniformidade na Igreja ocidental. Com exceção de umas poucas dioceses e poucas ordens religiosas, a utilização deste missal passou a ser obrigatória, dando origem a um período de 400 anos no qual a missa de rito romano se desenvolveu no que se conhece como Missa Tridentina.
Por Wikipedia
O papa Francisco e a "Traditionis custodes" (guardiões da tradição)
O "Rito Romano" é a maneira como se celebra a Santa Missa (Missal romano), os demais sacramentos (ritual romano), a Liturgia das Horas (Breviário) e demais celebrações litúrgicas e para-litúrgicas (Cerimonial dos Bispos) pela Igreja de Roma e pelas Igrejas particulares ou Ordens e Congregações que o adotaram, por escolha ou tradição, compreendendo a maior parte da Igreja Católica Latina. O Missal Romano de São Pio V (1570) e sua liturgia evoluíram, geralmente, de maneira mínima: sobretudo adições, ajustes e supressões de festas litúrgicas e detalhamento de rubricas, mas também com algumas alterações de textos, como a inserção do nome de São José no cânon da Missa. A revisão mais substancial é a do Venerável Pio XII em 1955, com novos textos e cerimônias no Domingo de Ramos e no Tríduo Pascal. A Constituição “Sacrosanctum Concilium” do Concílio do Vaticano II pediu uma nova revisão do Missal Romano. Após o aparecimento, em 1965, antes da conclusão do Concílio, de uma revisão provisória do Ordinário da Missa de São Pio V, promulgou-se, aos 3 de abril de 1969, o Missal Romano instaurado segundo este decreto do Concílio do Vaticano II. A edição do Missal Romano de 1970 teve, em vez de “ex decreto Sacrosancti Concilii Tridentini restitutum" (“restaurado por decreto do Sagrado Concílio de Trento”), a indicação “ex decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani II instauratum” (“instaurado por decreto do Sagrado Concílio Ecumênico do Vaticano II”). A terceira edição deste Missal, que é o atual do rito romano, apareceu em 2002, “promulgado sob a autoridade do papa Paulo VI e revisado sob os cuidados do papa João Paulo II”.
Dentro do rito romano atual, existem duas formas:
1ª)-A forma ordinária (a mais utilizada e a mais nova, instaurada pelo Missal Romano de 1970, hoje em sua 3ª edição).
2ª)-E a forma extraordinária (também conhecida como a Missa Tridentina ou de São Pio V, ou seja, aquele ritual previsto no Missal Romano de 1570, com as sucessivas adições feitas até a última edição de 1962).
Com relação ao rito romano na sua forma extraordinária, o papa Francisco emitiu, em 16 de julho de 2021, a carta apostólica em forma de motu proprio “Traditionis custodes” (“Guardiães da Tradição”), sobre o uso da liturgia romana anterior a 1970, restringindo as missas celebradas sob a forma extraordinária do rito romano (também conhecido como rito tridentino), no qual as orações são obrigatoriamente feitas em latim e que era a forma única do rito romano antes da reforma litúrgica determinada pelo Concílio do Vaticano II. O uso da forma extraordinária depende agora da autorização do bispo local a grupos que queiram a Missa tradicional (art. 2), só podendo ocorrer em igrejas em locais determinados por ele que não sejam igrejas paroquiais (art. 3, § 2), e não poderão ser autorizados novos grupos (art. 3, § 6) ou novas paróquias pessoais (art. 3, § 2). O Papa Francisco fez mudanças radicais na carta apostólica em forma de motu proprio “Summorum Pontificum” de 2007, de seu predecessor Bento XVI, que reconhecia o direito de todos os sacerdotes de rito latino a celebrarem Missa usando o Missal Romano de 1962 (última edição do Missal de São Pio V de 1570). Assim se pronunciou o papa Francisco na carta endereçada aos Bispos do mundo inteiro explicando sua decisão:
“Em defesa da unidade do Corpo de Cristo, sou obrigado a revogar a faculdade concedida pelos meus Predecessores [...] O uso distorcido que foi feito desta faculdade é contrário às intenções que levaram a conceder a liberdade de celebrar a Missa com o Missale Romanum de 1962”.
Para o Papa Francisco, seus
predecessores permitiram a celebração da missa anterior ao Vaticano II para
encorajar a unidade da Igreja: “Uma oportunidade oferecida por São João Paulo
II e, com ainda maior magnanimidade, por Bento XVI, destinada a recuperar a
unidade de um corpo eclesial com diversas sensibilidades litúrgicas, foi
explorada para alargar as lacunas, reforçar as divergências, e encorajar
discórdias que ferem a Igreja, bloqueiam o seu caminho, e a expõem ao perigo da
divisão”, escreveu. O Papa diz que a celebração da forma extraordinária do rito
romano se tornou uma rejeição ao Concílio do Vaticano II. Há uma “rejeição da
Igreja e das suas instituições em nome do que é chamado a 'verdadeira Igreja'”,
diz Francisco, para quem duvidar do Concílio é "duvidar do próprio
Espírito Santo que guia a Igreja".
"Traditiones Custodes", os artigos
-A partir de agora, o uso da forma
antiga (extraordinária) da liturgia pode ser autorizado pelos bispos “para
prover ao bem daqueles que estão enraizados na forma anterior de celebração e
precisam regressar em devido tempo ao Rito Romano promulgado pelos Santos Paulo
VI e João Paulo II”, diz o Papa. Em seu primeiro artigo, o motu proprio,
chamado “Traditionis custodes”, sobre o “uso da Liturgia Romana anterior à
reforma de 1970”, define os livros litúrgicos promulgados por São Paulo VI e
São João Paulo II após o Concílio do Vaticano II como “a única expressão da lex
orandi do Rito Romano”. “Lex orandi” é expressão latina que significa “Lei de
como se deve orar”. Quer-se com isso dizer que a liturgia romana reformada após
o Concílio do Vaticano II é a forma ordinária, normal e comum dessa “Lex
orandi”, mas o próprio motu proprio trará nos artigos subsequentes as normas
para que ainda se possa fazer uso da forma extraordinária com autorização do
bispo diocesano.
-O artigo segundo afirma que é
“competência exclusiva” do bispo autorizar o uso do Missal Romano de 1962 na
sua diocese. O terceiro estabelece as responsabilidades dos bispos cujas
dioceses já têm um ou mais grupos que oferecem Missa com a liturgia tradicional
em latim. O texto determina que os bispos “se assegurem de que estes grupos não
neguem a validade do Vaticano II e do Magistério dos sumos pontífices”. O bispo
deve indicar um ou mais lugares onde se pode usar a liturgia na forma extraordinária,
“mas não em igrejas paroquiais e sem erigir novas paróquias pessoais”. O Papa
também manda que os bispos locais verifiquem se as paróquias pessoais já
estabelecidas para que as missas sejam celebradas no rito antigo “são eficazes
para o crescimento espiritual e determine se devem ou não ser mantidas”. Fica
proibida a criação de novos grupos ou a ereção de novas paróquias pessoais.
O motu proprio diz que as missas
oferecidas segundo o Missal Romano de 1962 devem utilizar leituras “proclamadas
na língua vernácula, utilizando traduções da Sagrada Escritura aprovadas para
uso litúrgico pelas respectivas Conferências Episcopais”
O texto também ordena a criação de um delegado diocesano selecionado pelo bispo para supervisionar o cuidado pastoral destes grupos: “Esse sacerdote deve ter no coração não só a celebração correta da liturgia, mas também o cuidado pastoral e espiritual dos fiéis”, afirma.
-O quarto artigo do documento determina que os sacerdotes ordenados após 16 de julho de 2021, que desejem oferecer a forma extraordinária da Missa, terão de apresentar um pedido formal ao bispo diocesano, o qual consultará previamente a Sé Apostólica antes de conceder a autorização.
-O quinto artigo estabelece que os padres ordenados antes de 16 de julho de 2021 e que já oferecem a Missa tradicional devem pedir autorização ao seu bispo diocesano para “continuarem a usufruir desta faculdade”.
-O sexto artigo informa
que, a partir da data de 16 de julho de 2021, “os Institutos de Vida Consagrada
e Sociedades de Vida Apostólica, estabelecidos pela Pontifícia Comissão
Ecclesia Dei, são de competência da Congregação para os Institutos de Vida
Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica”.
-Por sua vez, estabelece o artigo 7 que: “A Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos e a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, em assuntos de sua competência, exercem a autoridade da Santa Sé, supervisionando a observância destas disposições”.
-O oitavo e último artigo do
motu proprio declara que “as normas, instruções, permissões e costumes
anteriores (de Bento XVI), que não estejam em conformidade com as disposições do presente motu
proprio ficam revogados”.
O motu proprio entrou em vigor
imediatamente na data de sua publicação, isto é, em 16 de julho de 2021. Eis
aí, em síntese, as novas disposições sobre o uso da forma extraordinária do
rito romano, a serem seguidas doravante por todos os sacerdotes celebrantes no
rito romano.
O PAPA FRANCISCO PROIBIU OU "APENAS REGULOU" A MISSA EM LATIM?
O anúncio do Vaticano de que o Papa Francisco revogou a decisão do Papa Bento XVI que permitia que qualquer padre católico celebrasse a missa usando as rubricas da liturgia pré-Vaticano II pode ter levado um ou dois leitores a ouvir uma expressão que ele ou ela achava que tinha se perdido nas brumas do tempo: “missa em latim”.O comentário é de James T. Keane, editor sênior da revista America, 16-07-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.Mas não chame isso de um retorno. Ela está aqui há anos. Para um subconjunto relativamente pequeno de católicos, a missa dominical (ou, neste caso, a missa diária) é sempre em latim e inclui muitas das armadilhas da liturgia do modo como era celebrada antes do Concílio Vaticano II. Um visitante dessa missa pode se sentir transportado de volta para 1950 – ou para 1650. Todas as leituras são em latim; há um gradil ao redor do altar; o padre está voltado para o Oriente e na verdade não dá suas costas para a assembleia, mas dá a sua face para Deus. A Comunhão é recebida na língua e de joelhos; há véus e terços em abundância (e, em uma “Missa Solene” de domingo, o latim é cantado pelo padre com o acompanhamento de um coro).Se você encontrar um homem católico que cresceu nos anos 1950 ou antes (a Igreja não tinha muitas acólitas naqueles tempos) e sussurrar para ele: “Introibo ad altare Dei” (Vá ao altar de Deus), não se passará sequer um segundo antes de se receber como resposta: “Ad Deum qui laetificat juventutem meum” (A Deus que faz minha juventude feliz). Os leitores do “Ulisses”, de James Joyce, também podem reconhecer a frase anterior, no uso blasfemo de Buck Mulligan nas frases de abertura do romance. Mas do que exatamente estamos falando quando falamos de “missa em latim”?
Missa
em latim e forma extraordinária
É importante notar que há uma diferença bastante substancial entre a “missa em latim” e a missa que é mencionada no motu proprio papal Summorum pontificum, de 2007, agora conhecida como a “forma extraordinária” da missa. Ela também é frequentemente chamada de “Missa Tridentina” ou “Missa Tradicional em Latim”. Esta última é a forma de liturgia católica cujo uso o Papa Francisco restringiu (e não proibiu como dizem alguns), com o seu motu proprio Traditionis custodes. A “forma ordinária” da missa – a versão que 99% dos católicos experimentam quando vão à missa –, na realidade, tem uma raiz latina. De fato, todas as traduções vernáculas da missa se baseiam na edição latina do Missal Romano, cuja primeira versão foi promulgada em 1970 após a constituição apostólica Missale Romanum, do Papa Paulo VI de 1969. A atual edição latina do Missale Romanum é a “editio typica tertia”, a “terceira edição típica”, e foi promulgada pelo Papa João Paulo II em 2002. Quando você participa de uma missa rezada em sua língua local, trata-se de uma tradução do ur-texto latino aprovado pela Conferência Episcopal local. Os leitores da revista America devem se lembrar que a última tradução da Igreja dos Estados Unidos em 2011 causou um grande alvoroço, em grande parte por causa do uso de uma tradução mais literal do latim, palavra por palavra, em vez de uma “tradução dinâmica” e mais livre. Foi um lembrete da dificuldade de traduzir as expressões litúrgicas no vernáculo em qualquer época. [...]Em todo o caso, ainda é perfeitamente válido para qualquer padre celebrar a missa de acordo com o texto em latim de 2002: ela se parece e é sentida exatamente como uma missa normal – apenas é em latim, e não em inglês. No entanto, na grande maioria das vezes em que você ouve uma referência à “missa em latim”, a forma litúrgica em questão é a “forma extraordinária”, que é bastante diferente. A sua história anterior às mudanças litúrgicas pós-Vaticano II é longa: quatro séculos, para ser exato.
Em
1570, o Papa Pio V promulgou uma edição do Missale Romanum que deveria ser
usada em toda a Igreja latina, com exceção daqueles lugares onde outro rito era
celebrado há pelo menos dois séculos. Um exemplo proeminente entre muitos é o
“Rito Ambrosiano”, celebrado em torno de Milão, na Itália. Como parte de um
programa de reformas abrangentes em muitas áreas da vida da Igreja estimuladas
pelo Concílio de Trento, o Missale Romanum de Pio V pretendia estabelecer a
uniformidade na celebração da Eucaristia. Em uso generalizado desde o fim do
século XVI até 1962 (com remendos aqui e ali por vários papas), o rito herdou o
nome latino de Trento, “Tridentum”, e por isso é frequentemente chamado de
“Rito Tridentino”.
Em 1962, o Papa João XXIII promulgou uma nova versão do rito. Seu antecessor, o Papa Pio XII, já havia modificado substancialmente a celebração da Semana Santa na década anterior. João XXIII também havia retirado anteriormente das orações tradicionais da Sexta-Feira Santa as menções depreciativas aos “pérfidos judeus” (em latim, “perfidis Judaeis”). Essas mudanças, entre outras, foram codificadas na promulgação de 1962, junto com um calendário da Igreja bastante simplificado e uma revisão das rubricas usadas para a celebração da missa.
O papel
do Vaticano II
As mudanças litúrgicas que se seguiram ao Vaticano II e a sua constituição sobre a liturgia, Sacrosanctum Concilium (1963), resultaram no quase desaparecimento da missa pré-Vaticano II aos olhos do público. Em 1971, o Papa Paulo VI permitiu a sua celebração, mas com restrições cuidadosas ao seu uso. Em um artigo de 2019 em italiano no L’Osservatore Romano (relatado no início de julho de 2021 por Christopher Lamb na The Tablet), Corrado Maggioni, SMM, subsecretário da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, disse que a instrução de Paulo VI de 1971 destinava-se a ser uma expressão de misericórdia aos padres idosos ou doentes que ofereciam a missa sem a presença da assembleia. Para o Papa Paulo VI, pelo menos, a Igreja Católica agora tinha um rito universal.Nos anos posteriores, o Papa João Paulo II permitiu o uso do Missale Romanum de 1962 em casos específicos, em parte para promover uma reconciliação com um grupo tradicionalista dissidente, a Fraternidade São Pio X, que rejeitava as reformas litúrgicas que se seguiram ao Vaticano II. Em 2007, o Papa Bento XVI emitiu PASTORALMENTE (não dogmaticamente), um motu proprio, Summorum pontificum, que concedia a permissão para uma celebração muito mais ampla da Missa Tridentina. Os padres podiam celebrar a forma antiga em privado sempre que desejassem, e “nas paróquias onde houver um grupo estável de fiéis aderentes à precedente tradição litúrgica, o pároco acolha de bom grado as suas solicitações de terem a celebração da Santa Missa segundo o rito do Missal Romano editado em 1962” (Art. 5). Além disso, “se um grupo de fiéis leigos (...) não vir satisfeitas as suas solicitações por parte do pároco, informe o bispo diocesano. Pede-se vivamente ao bispo que satisfaça o desejo deles” (Art. 7).
Qual a razão para as duas formas?
Há muito tempo o Papa Bento XVI é um crítico da forma como as reformas litúrgicas foram realizadas nas décadas posteriores ao Vaticano II, condenando aquilo que ele via como uma perda de reverência e uma ênfase cada vez menor na missa como um sacrifício na liturgia pós-conciliar. Ele também via a normalização da “forma extraordinária” dentro da vida litúrgica da Igreja como um possível fermento para a missa que a maioria de nós vê todos os domingos. Em outras palavras, não seria apenas uma alternativa para aqueles que desejavam celebrar de acordo com o Missal de 1962, mas também uma influência para as liturgias em geral – tornando-as mais reverentes, mais conectadas às raízes latinas da Igreja e mais historicamente contínuas com o Rito Tridentino celebrado quase em todo o mundo durante séculos. De fato, de acordo com John Thavis, em The Vatican Diaries, Bento XVI reconhecia que a “missa baixa”, típica da liturgia pré-Vaticano II – um evento rápido e eficiente em que o padre quase murmurava as orações da missa para si mesmo e seus acólitos, enquanto a assembleia ficava em silêncio –, “não era o que a liturgia deveria ser” e também reconhecia que muitos não lamentaram a sua superação. Bento XVI falava de um “enriquecimento mútuo” entre os melhores elementos da forma extraordinária e o melhor da forma ordinária.Em 2008, o cardeal Darío Castrillón Hoyos, da Comissão Ecclesia Dei, disse que o Papa Bento XVI queria que o Rito Tridentino fosse celebrado em todas as paróquias do mundo. A Comissão Ecclesia Dei foi criada pelo Papa João Paulo II em 1988 para o diálogo com a Fraternidade São Pio X. A comissão foi suprimida pelo Papa Francisco em 2019, e suas funções restantes foram atribuídas à Congregação para a Doutrina da Fé. Embora a Fraternidade São Pio X continue em cisma, o Summorum pontificum teve o efeito de tirar um pouco do vento das suas velas. Um bom número dos seus aderentes participa agora das liturgias extraordinárias aprovadas pelo Vaticano.
Fusão
de dois ritos
Em 2011, o cardeal Kurt Koch, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, disse que o objetivo de longo prazo do papa, na verdade, era uma fusão dos dois ritos em algo novo. “De fato, o Papa Bento XVI sabe muito bem que, em longo prazo, não podemos parar na coexistência entre a forma ordinária e a forma extraordinária do rito romano, mas que, no futuro, a Igreja naturalmente precisará mais uma vez de um rito comum”, disse ele em um congresso vaticano sobre o Summorum pontificum.No entanto, “como uma nova reforma litúrgica não pode ser decidida teoricamente, mas requer um processo de crescimento e de purificação, o papa neste momento está sublinhando acima de tudo que as duas formas do rito romano podem e devem se enriquecer”, concluiu o cardeal Koch.Enquanto alguns padres e paróquias começaram a oferecer a opção da forma extraordinária da missa depois de 2007, as reações variavam. Em alguns lugares, a celebração dominical da forma extraordinária se tornou uma grande atração para os católicos de mente tradicionalista, que estavam insatisfeitos com as ofertas da sua própria paróquia. Em outros, tornou-se um refúgio para uma pequena minoria de linhas-duras litúrgicos.Entre o clero, a resposta também foi díspar: muitos padres formados na espiritualidade e na teologia da Igreja pós-conciliar foram inflexíveis na sua oposição à sua disseminação. Entre os “padres de João Paulo II” mais jovens, ordenados nos anos 1990 e 2000, a forma extraordinária alcançou um nível relativamente mais alto de aceitação.Escrevendo na revista America em 2007, o Pe. Michael Kerper, que se descrevia como alguém que “foi moldado pelo Concílio Vaticano II”, entretanto, considerou positiva a experiência de celebrar na forma extraordinária:“Meu engajamento relutante com a missa em latim não abalou a minha espiritualidade presbiteral, nascida do Vaticano II. Pelo contrário, complementou e reforçou o magistério conciliar de que o padre é um instrumento de Cristo chamado a servir a todos, independentemente do estilo teológico ou litúrgico.”Escrevendo alguns anos depois, outro padre, Peter Schineller, SJ (um ex-colunista da America), teve uma experiência muito diferente:
“Na
minha mente, eu não pude deixar de pensar no Concílio Vaticano II e em tudo o
que o Concílio e os documentos subsequentes tentaram realizar – a participação
ativa, a ênfase nas coisas importantes, a língua vernácula, a eliminação de
acréscimos e repetições etc. Foi triste e desanimador. O que aconteceu? Por que
os fiéis católicos buscariam e assistiriam a essa forma mais antiga da missa?”
“Uma
coisa eu sei”, concluiu o Pe. Schineller. “Eu mesmo nunca irei optar livremente
por celebrar a Missa Tridentina”.
Aprendizagens
mútuas
Um colaborador da revista America em 2017, Timothy Kirchoff, apresentou uma defesa da forma extraordinária da missa, que se concentrava na possibilidade de ultrapassar as divisões. “Muitos jovens católicos buscam um maior entendimento e continuidade com a Igreja pré-conciliar. Muitos católicos mais velhos que viveram o Concílio e estão intimamente familiarizados com as falhas da Igreja pré-conciliar temem que revisitar práticas antiquadas trará de volta problemas que o Vaticano II se esforçou para corrigir. Cada grupo tem algo a aprender com o outro”, escreveu ele. “Essas lições só ficam claras quando deixamos de lado as preocupações ideológicas e temos paciência para entender as experiências uns dos outros. A forma de rigidez com a qual mais precisamos nos preocupar é a rigidez ideológica que nos impede de ver como Deus está agindo nos nossos irmãos católicos.”“Encontramos pontos em comum quando temos paciência para procurá-los, assim como as liturgias que frequentamos parecem bem diferentes, mas, no fundo, são a mesma celebração do mistério pascal.” Em muitas paróquias onde a forma extraordinária é oferecida agora, todo enriquecimento mútuo foi acompanhado por um sentimento semelhante de uma séria divisão. Em vez de levar a um novo rito universal, em alguns casos a instituição de uma missa em forma extraordinária resultou na divisão da comunidade paroquial, em parte porque muitos aderentes (e opositores) consideram a forma extraordinária como uma parte da rejeição da teologia do Vaticano II como um todo.
O Papa
Francisco tem deixado claro que a aceitação do Vaticano II é uma condição sine
qua non para ser um fiel católico hoje. “O Concílio é magistério da Igreja”,
disse o papa em janeiro deste ano. “Ou você está com a Igreja e, portanto,
segue o Concílio, ou, se você não segue o Concílio ou o interpreta a seu modo,
como quer, você não está com a Igreja. Devemos ser exigentes, severos nesse
ponto.”
O édito do Papa Bento XVI “infelizmente abriu as comportas para quem queria rejeitar o Concílio”, disse John Baldovin, SJ, professor de Teologia Histórica e Litúrgica na Escola de Teologia e Ministério do Boston College e autor de “Reforming the Liturgy: A Response to the Critics” [Reformando a liturgia: uma respostas aos críticos], em uma entrevista por e-mail com a America.“O propósito declarado do Papa Bento XVI era atender a pequenos grupos de fiéis que não podiam romper um apego às velhas formas. A realidade é bastante diferente. Agora, muitos padres e seminaristas mais jovens são devotos do rito antigo – e, pior, tentam impô-lo às suas assembleias.” - “Eu acredito que o Papa Francisco reconhece a natureza divisiva do movimento para retornar à missa antiga e a outras liturgias pré-Vaticano II”, continuou o Pe. Baldovin. “A liturgia pós-Vaticano II está centrada na premissa de que o povo de Deus celebra a liturgia junto em virtude do seu batismo compartilhado.”
Duas
formas diferentes com a mesma
Em vez disso, a Igreja experimentou duas formas diferentes coexistindo desconfortavelmente, sendo que a forma ordinária da missa era de longe de uso predominante. Mas a promulgação do Traditionis custodes trouxe a forma extraordinária de volta para as notícias católicas.Em junho, o Papa Francisco restringiu o uso do Rito Tridentino na Basílica de São Pedro, permitindo-o para “grupos com necessidades particulares e legítimas”, mas pondo fim à prática de padres individuais que celebravam a forma extraordinária em missas privadas em toda a basílica. Mas o Traditionis custodes (guardiões da tradição), vai muito mais longe. A liturgia da Igreja, afirma Francisco claramente, é o rito promulgado no rastro do Vaticano II. “Tomo a firme decisão de revogar todas as normas, as instruções, as concessões e os costumes precedentes ao presente motu proprio, e de considerar os livros litúrgicos promulgados pelos santos pontífices Paulo VI e João Paulo II, em conformidade com os decretos do Concílio Vaticano II, como a única expressão da lex orandi do Rito Romano”, disse Francisco em uma carta que acompanha a divulgação do Traditionis custodes [...].Qual será a reação dos fiéis nos bancos? Em alguns lugares, a apoplexia e um sentimento de traição, de modo particular por ser uma medida que vem logo após o motu proprio de Bento XVI em 2007. “A minha suspeita é de que a maioria dos católicos, especialmente os bispos, ficarão aliviados. Os defensores mais fervorosos das formas antigas ficarão enfurecidos”, comentou o Pe. Baldovin. Mas isso levará à mais drástica das situações, um possível cisma na Igreja? - “É triste dizer, mas há muitos elementos que contribuem para um possível cisma hoje”, escreveu o Pe. Baldovin. “Muitos deles são realmente questões de teologia moral; outros, simplesmente de política. Mas não seria surpreendente se uma Igreja que entrou em cisma gravitasse em torno da liturgia pré-Vaticano II.”
EXISTEM ABUSOS NO ATUAL RITO DA MISSA? SIM! MAS "O ABUSO NÃO TOLHE
O USO"!
"Abusus non tollit usum" (Cícero) - "O abuso não tolhe o uso". Máxima do livro Topica (Tópicos) do orador Romano Cícero (Marcus Tullio Cicero - 106-43 a.C.) que argumenta: Usus enin, non abusus legatus est - Princípio pelo qual se pode usar uma coisa boa em si, mesmo quando os outros usam delas abusivamente. Ou seja, o direito ao uso não é abolido pelo fato de que alguém tenha abusado desse direito. Não posso, por exemplo, crer que, suprimindo o cargo de prefeito eu vá resolver possível caso de corrupção. O abuso configura-se em quem ocupava fisicamente o cargo, mas hei de manter o cargo para alguém que somente dele faça o correto uso (por que não você?), pois em estados democráticos prefeitos são necessários - de preferência honestos e preparados para o cargo. Em palavras mais simples - não se deve queimar a cama e deixar de dormir, só porque nela se cometeu um adultério, a punição na forma da lei será para os adúlteros e não para a cama, simples assim!
BIBLIOGRFIA:
-https://www.ihu.unisinos.br/categorias/611182-qual-e-a-historia-da-missa-em-latim
-https://pt.wikipedia.org/wiki/Missa_pr%C3%A9-tridentina#:~:text=Missa%20pr%C3%A9%2Dtridentina%20%C3%A9%20uma,congrega%C3%A7%C3%B5es%20que%20pudessem%20demonstrar%20o
-https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2021-07/motu-proprio-traditiones-custodes-mons-sampaio-oliveira.html
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