“O Comunismo como utopia, ignora a maldade e o egoísmo que estariam na
essência da natureza humana. Um tal
sistema precisaria que todos pensassem e agissem de uma única maneira, só
poderia funcionar com pessoas perfeitas e harmoniosas como peças de relógio,
nunca com os seres humanos diversos e falhos que realmente existem. Ele crê
na possibilidade de uma sociedade perfeita, sem dificuldades, sofrimentos,
violência ou conflito. Sob o comunismo não haverá rivalidade, egoísmo,
possessividade, competição ou desigualdade. Ninguém será superior ou inferior a
outrem. Ninguém trabalhará, os seres
humanos viverão em total harmonia uns com os outros, e o fluxo de bens
materiais será interminável. Essa visão espantosamente ingênua brota de uma fé
crédula na natureza humana. A maldade humana é simplesmente ignorada. Por
sermos criaturas naturalmente egoístas, aquisitivas, agressivas e competitivas,
e por não existir engenharia social capaz de alterar tal fato faz com que tudo
isso, simplesmente, seja esquecido. A visão pueril de Marx sobre o futuro
reflete a irrealidade absurda de sua política como um todo.” (Terry Eagleton).
"Trabalhadores
de todo o mundo, uni-vos."
Com essas palavras, Marx e Engels encerram o "Manifesto
do Partido Comunista", lançado em 1848. Nele, clamavam pela união do
operariado contra a burguesia, em nome de uma revolução que devia criar uma
sociedade sem classes. Trata-se de um panfleto político que somente delineia as
ideias dos dois filósofos, expressas de maneira mais extensa em sua obra
principal, "O Capital". Antes de mais nada,
é preciso compreender que o pensamento de Marx propunha uma interpretação
materialista da História. Na segunda metade do século XIX, a
ciência conhecia um momento de grande desenvolvimento, em especial devido às
descobertas de Charles Darwin, cujo evolucionismo é a base das ciências
biológicas ainda hoje. Empolgado com o materialismo de Darwin, Marx quis
dedicar a ele o segundo volume de "O capital" (mas o cientista inglês
rejeitou a oferta). De qualquer modo, Marx acreditava ter descoberto para a história, aquilo
que Darwin descobrira para a biologia: uma lei objetiva que explicava seu
funcionamento. Para Darwin, a natureza era movida pela "seleção
natural". Para Marx, a história era movida pela economia e pela
luta de classes.
Revolução
reciclada
Em primeiro lugar, segundo Marx, estão os meios materiais
através dos quais os homens garantem sua sobrevivência. Por isso, a organização
econômica de uma sociedade seria o elemento determinante de sua política e de
sua cultura. O ser humano, porém, é visto como agente capaz de transformar essa
realidade. Aliás, Marx dizia que, até ele, a filosofia tinha se limitado a
explicar o mundo, agora chegara o momento de transformá-lo.Para
demonstrar essa tese, o marxismo descrevia o que aconteceu durante a Revolução
francesa, quando a burguesia teria destronado a nobreza. A nova revolução
proposta por Marx daria sequência à marcha da história, erguendo o operariado
contra a burguesia, que o explorava.
Mas
em que consistiria essa exploração?
Segundo Marx, ao
vender sua força de trabalho, o operário estaria alienando (transferindo para
outro, no caso o patrão) sua capacidade criativa, bem como o produto do seu
próprio trabalho. Ou seja, o controle do processo e os lucros gerados pelo
trabalho ficam nas mãos do capitalista, proprietário dos meios de produção (as
máquinas, as fábricas,etc). O argumento, quando despido de toda o seu linguajar pomposo, é
relativamente simples: segundo Marx, as mercadorias produzidas pelos
trabalhadores são vendidas por um valor que é igual ao tempo de trabalho
socialmente necessário para produzi-las; sendo assim, em um mundo justo, cada
trabalhador deveria ganhar um salário equivalente ao fruto integral de seu
trabalho, isto é, equivalente ao valor exato da mercadoria que ele produziu. Consequentemente, o capitalista, que não efetua
trabalho físico, retém para si uma parte do valor desses bens que os
trabalhadores produziram, e ele consegue fazer isso graças ao seu monopólio dos
meios de produção (os quais, vale dizer, são bens complementares indispensáveis
ao trabalhador, sem os quais os trabalhadores nada conseguiriam produzir). Falando
mais especificamente, o capitalista remunera o trabalho com $100 (D), esse
trabalho gera mercadorias (M), e essas mercadorias são vendidas por $120
(D'). Segundo Marx, isso só é possível de ocorrer porque há uma parte do
trabalho que não foi remunerada pelo capitalista (D'-D), mas que de fato
produziu mercadorias com um valor de troca. Essa diferença é justamente a
mais-valia, que é a mensuração exata da "exploração laboral", ou
seja, o trabalhador prestou um serviço para o capitalista e não obteve a devida
remuneração.
A solução de Marx?
Confiscar os meios de produção da burguesia e repassá-los aos
trabalhadores para que estes possam reter o produto integral do seu trabalho
sem que haja intermediários capitalistas que se apropriam de parte do suor de
seu rosto.
O QUE ACONTECEU REALMENTE DE FATO?
O
Comunismo trocou 6 por meia dúzia, ou seja, pior que no capitalismo, o estado e
seus poderosos dirigentes é que se apoderaram da mais valia, e tratam os
operários nestes regimes como escravos, pagando-lhes misérias, enquanto a elite
dirigente vive no luxo.O capitalismo do século XIX era
realmente uma coisa abominável, com um nível de exploração inaceitável. As
pessoas com espírito de solidariedade e com sentimento de justiça se revoltaram
contra aquilo. O Manifesto Comunista, de Marx, em 1848, e o movimento que se
seguiu tiveram um papel importante para mudar a sociedade. A luta dos
trabalhadores, o movimento sindical, a tomada de consciência dos direitos, tudo
isso fez melhorar a relação capital-trabalho.O que está errado é achar, como Marx diz, que
quem produza riqueza é o trabalhador e o capitalista só o explora. É bobagem.
Sem a empresa, não existe riqueza. Um depende do outro. O empresário é um
intelectual que, em vez de escrever poesias, monta empresas. É um criador, um indivíduo
que faz coisas novas. A visão de que só um lado produz riqueza e o outro só
explora é radical, sectária, primária. A partir dessa miopia, tudo o mais deu
errado para o campo socialista. De fato, o capitalismo, como modelo
de livre-trocas entre agentes, a partir dos seus parâmetros e gostos, funciona
mesmo, e foi o que tirou o mundo da miséria e da pobreza nos últimos 200 anos,
elevando o nível de vida da população de maneira incomparável. O capitalismo só
seria excludente na medida em que o agente econômico só tivesse o que reclamar,
e nunca o que oferecer. Tal situação é exceção para a maioria dos agentes
econômicos, e não a regra. Já o capitalismo é justamente o sistema econômico
mais sustentável, já que sua lógica interna é a do custo da escolha econômica
recair sobre o agente que age e não sob terceiros, o que induz o agente a
escolher de maneira racional como agir economicamente. É o Estado e o custo
socializado da escolha econômica que gera, de maneira exponencial, a
insustentabilidade do uso dos bens sociais.
O papel do intelectual
O operário, contudo, não reconheceria a exploração de que é
vítima. Daí a importância do intelectual marxista no processo de formação da
consciência de classe, por meio da qual o trabalhador descobriria que seus
interesses são divergentes dos da classe dominante. Além disso, o marxismo
valoriza também as experiências de reivindicação específica dos trabalhadores,
por meio de suas organizações representativas como os sindicatos e partidos
políticos.Enfim, para o marxismo, o operariado revolucionário seria capaz de
destruir o capitalismo e o Estado burguês. Construiria, então, o socialismo,
que consistiria na superação da contradição entre capitalismo e proletariado.
Mas o fim último do socialismo é atingir o comunismo, fase em que a sociedade,
sem classes, não precisa mais do Estado, que desapareceria. Antes de isso acontecer,
segundo Marx e Engels, ocorreria uma fase de transição, a ditadura do
proletariado, em que é necessária a existência de um Estado forte e
centralizador, capaz de planificar a economia. Vale a pena refletir
sobre a implantação desse estado forte e centralizador nos locais onde ele
ocorreu. Afinal, como disse o filósofo escocês David Hume, no século XVIII: “
“Só podemos compreender as
crenças e as doutrinas que configuram o mundo observando a ação de seus
pensadores. ”
Quando Karl Marx e Friedrich Engels começaram a escrever
conjuntamente, no ano de 1843, Marx era a figura dominante. Engels era um melhor escritor, e era ele quem
sustentava Marx financeiramente.Marx passou toda a sua carreira se
opondo àquilo que ele chamou de "socialismo utópico". Ele nunca interagiu com nenhum grande
economista ou teórico social. Você
pode procurar, mas jamais encontrará qualquer refutação sistemática feita por
Marx a Adam Smith, por exemplo. Marx gastou suas energias criticando
verbalmente vários autores de esquerda, cujos escritos praticamente não tiveram
nenhuma influência sobre a Europa em geral. Dado que ele estava
constantemente atacando autores socialistas, Marx criou uma teoria própria
sobre o comunismo.Ele chamou essa sua teoria sobre o comunismo
de "socialismo científico".
Marx argumentou que, inerente ao desenvolvimento da história, há uma
inevitável série de etapas. Isso
significa que ele era um determinista econômico. Ele acreditava que o modo de produção é
fundamental em uma sociedade e que o socialismo seria historicamente inevitável
porque haveria uma inevitável transformação do modo de produção da sociedade. Todos
os aspectos culturais da sociedade, sua filosofia e sua literatura formariam,
segundo Marx, a superestrutura da sociedade.
Já a subestrutura, ou seja, seus fundamentos, seria o modo de produção.
Segundo Marx,
sua análise econômica revelava uma inevitável linearidade dos vários modos de
produção:
O comunismo primitivo levou ao
feudalismo. O feudalismo levou ao
capitalismo. O capitalismo levará a uma
bem-sucedida revolução do proletariado.
O proletariado irá impor o socialismo.
E, do socialismo, surgirá o comunismo.
Esse processo linear fecha o círculo. Tudo começou com o comunismo primitivo, e
tudo levará ao comunismo supremo. Com o
comunismo supremo, toda a evolução histórica estará completa. Só que Marx nunca explicou por que a
evolução das etapas seria dessa maneira.
Ele nunca explicou por que não haveria outra revolução após a chegada do
comunismo supremo, a qual levaria a um modo de produção maior que o comunismo. Era mais conveniente apenas finalizar esse
processo linear no comunismo.
A União Soviética jamais alegou ter chegado ao estágio
comunista do modo de produção. Ela
sempre se disse socialista. O nome do
país era União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Os líderes supremos da União Soviética jamais
alegaram que a URSS havia alcançado a etapa final do modo de produção. Stalin promoveu o conceito de socialismo em
apenas um país. Ele diferia de Trotsky
nesse quesito. Trotsky queria uma
revolução do proletariado em nível global.
Stalin era mais esperto. Ele
queria o poder e, sendo assim, ele sabia que, antes de tudo, teria de
consolidar o poder em um país. Logo,
Trotsky teve de fugir do país, e Stalin enviou o agente Ramón Mercader, do
Comissariado do Povo para Assuntos Internos, para matá-lo na Cidade do
México. O agente matou Trotsky com um
golpe de picareta em seu crânio. Foi um
ato cheio de simbolismo. A picareta
havia sido um dos ícones da história da Rússia.
O
Trotskismo x Estalinismo
O trotskismo é o movimento político e a corrente de
pensamento inspirada em León Trotski, um revolucionário que teve uma grande
incidência na Revolução Russa de 1917. Trotski foi um pilar do comunismo na Rússia
até começar a enfrentar José Stalin, opondo-se à sua filosofia e às suas
políticas. Finalmente, teve de se exilar e foi assassinado pela polícia
secreta soviética.É importante destacar que tanto o trotskismo como o estalinismo são
correntes do comunismo e interpretações dos postulados de Karl Marx e Vladimir
Lenine. Costuma-se dizer, de maneira simplificada, que o trotskismo representa
a esquerda do comunismo e o Estalinismo, à direita. Uma das principais
características do trotskismo é a sua crença de que a revolução deve ser
impulsada a nível internacional, e não só num único país. Essa, para o
trotskismo, supõe a única possibilidade de êxito para a instauração e a
permanência do comunismo. Outra característica do trotskismo é a sua oposição à
burocracia.
Para este movimento, as
estruturas de poder devem ser democráticas e os cargos têm que ser rotativos, o
que impediria que uma pessoa ou um certo grupo se apropriem dos benefícios da
revolução.
Hoje em dia, muitos partidos políticos e agrupamentos se
reconhecem como trotskistas e aderentes à organização conhecida como IV
Internacional, fundada em 1938. A sua participação nos processos de eleições,
porém, não tem grande sucesso, alcançando percentagens de voto minoritários.
A Argentina, a França e o México são alguns dos países onde o trotskismo mantém
maior força.
O socialismo é a propriedade estatal dos meios de
produção. Mas Marx profetizou que o
estado desapareceria sob o comunismo. Pior:
ele nunca explicou como ou por que isso iria acontecer. Sua teoria era bizarra. Ele dizia que, para abolir o estado, era
necessário antes maximizá-lo. A
ideia era que, quando tudo fosse do estado, não haveria mais um estado como
entidade distinta da sociedade; se tudo se tornasse propriedade do estado,
então não haveria mais um estado propriamente dito, pois sociedade e estado
teriam virado a mesma coisa, uma só entidade, e assim, todos estariam livres do
estado. O raciocínio é totalmente sem sentido.
Por essa lógica, se o estado dominar completamente tudo o que pertence
aos indivíduos, dominando inclusive seu corpo e seus pensamentos, então os
indivíduos estarão completamente livres, pois não mais terão qualquer noção de
liberdade, afinal, é exatamente a ausência de qualquer noção de liberdade que o
fará se sentir livre.Igualmente, Marx nunca mostrou como o sistema de
produção poderia ser organizado nessa etapa suprema do comunismo, na qual não
haveria nem um livre mercado e nem um planejamento centralizado pelo
estado. Ele nunca
forneceu qualquer detalhe sobre como seria uma sociedade comunista, exceto em
uma breve passagem que foi publicada em um livro escrito conjuntamente com
Engels e com o homem que os havia apresentado em 1843, Moses Hess. O livro foi intitulado A Ideologia Alemã
(1845). Só foi publicado em 1932. Hess jamais ganhou créditos por sua
co-autoria, mas parte do manuscrito aparece em sua coletânea de escritos.
Eis a
descrição do comunismo:
Assim que a distribuição do trabalho passa a existir, cada
homem tem um círculo de atividade determinado e exclusivo que lhe é imposto e
do qual não pode sair; será caçador, pescador, pastor ou um crítico, e terá de
continuar a sê-lo se não quiser perder os meios de subsistência.Na
sociedade comunista, porém, onde cada indivíduo pode aperfeiçoar-se no campo
que lhe aprouver, não tendo por isso uma esfera de atividade exclusiva, é a
sociedade que regula a produção geral e me possibilita fazer hoje uma coisa,
amanhã outra, caçar da manhã, pescar à tarde, pastorear à noite, fazer crítica
depois da refeição, e tudo isto a meu bel-prazer, sem por isso me tornar
exclusivamente caçador, pescador ou crítico. Esta fixação da atividade social,
esta petrificação do nosso próprio trabalho num poder objetivo que nos domina e
escapa ao nosso controlo contrariando a nossa expectativa e destruindo os
nossos cálculos, é um dos fatores principais no desenvolvimento histórico até
aos nossos dias.Não obstante o fato de que há aproximadamente 70 volumes das
obras de Marx e Engels, essa é a passagem mais longa que descreve o
funcionamento de uma sociedade comunista e de como seria a vida sob esse
arranjo.Socialismo foi o sistema que realmente foi colocado em prática. Comunismo pleno nunca existiu e não passa de
uma utopia cujo funcionamento jamais foi explicitado em trechos maiores do que
um parágrafo.
A
CRÍTICA PROCEDENTE AO SISTEMA COMUNISTA
Sem uma economia monetária, ou seja, sem uma economia em que
os cálculos de lucros e prejuízos são possibilitados pelo dinheiro, é
impossível haver uma ampla divisão do trabalho.
E sem um livre mercado para todos os bens, mais especificamente para
bens de capital, é impossível haver um planejamento econômico racional.A propriedade
comunal dos meios de produção (por exemplo, das fábricas) impede a existência
de mercados para bens de capital (por exemplo, máquinas). Se não há propriedade privada sobre os meios
de produção, não há um genuíno mercado entre eles. Se não há um mercado entre eles, é
impossível haver a formação de preços legítimos. Se não há preços, é impossível fazer qualquer
cálculo de preços. E sem esse cálculo de
preços, é impossível haver qualquer racionalidade econômica, o que significa
que uma economia planejada é, paradoxalmente, impossível de ser planejada. Sem preços, não há cálculo de lucros
e prejuízos, e consequentemente não há como direcionar o uso de bens da capital
para atender às mais urgentes demandas dos consumidores da maneira menos
dispendiosa possível.
Em contraste, a propriedade privada sobre o capital em
conjunto com a liberdade de trocas resulta na formação de preços (bem como
salários e juros), os quais permitem que o capital seja direcionado para as
aplicações mais urgentes. Ao mesmo tempo,
o julgamento empreendedorial tem de lidar constantemente com as contínuas
mudanças nos desejos dos consumidores. O
arranjo socialista simplesmente impede que esse mecanismo ocorra. Foi por isso que Mises argumentou, ainda em
1920, que qualquer passo rumo ao socialismo é um passo rumo à irracionalidade
econômica.E foi a isso que Heilbroner se referiu quando ele disse que
"Mises estava certo".
“Então, será que ainda haverá
acidentes rodoviários nessa sua utopia marxista?” é o tipo de indagação irônica
com a qual os marxistas acabaram se habituando a lidar. O comentário revela mais a ignorância de quem indaga do que as ilusões
do marxista, pois, se utopia significa uma sociedade perfeita, “utopia
marxista” é um paradoxo. [1].Existem, por acaso, usos bem mais interessantes da
palavra “utopia” na tradição marxista. [2] Um
dos maiores revolucionários marxistas ingleses, William Morris, produziu uma
inesquecível obra de utopia em “Notícias de lugar nenhum” [3], que,
diferentemente de quase todas as obras utópicas de hoje, detalhava como o
processo de mudança política acontecera. Quando se trata do uso cotidiano
do termo, porém, deveria ser dito que Marx não demonstra o menor interesse em
um futuro livre de sofrimento, morte, perda, fracasso, colapso, conflito,
tragédia nem mesmo trabalho. Na verdade,
ele não demonstra muito interesse pelo futuro em si. É um fato notório quanto à
sua obra que ele tem pouquíssimo a dizer em detalhes sobre a aparência de uma
sociedade socialista ou comunista. Seus críticos, portanto, podem acusá-lo de
uma vagueza imperdoável, mas dificilmente poderão, ao mesmo tempo, acusá-lo de
elaborar esquemas utópicos. É o capitalismo, não o marxismo, que faz transações
futuras. Em A ideologia alemã, Marx rejeita a ideia do comunismo como “um
ideal ao qual a realidade terá de se ajustar”. Ele o vê como “o movimento real
que abole o presente estado de coisas”. [4] Assim como os judeus eram
proibidos, tradicionalmente, de prever o futuro, Marx, o judeu secular,
permanece totalmente em silêncio sobre aquilo que nos aguarda. Vimos [5] que
ele provavelmente pensava que o socialismo era inevitável, mas tem
incrivelmente pouco a dizer sobre como se pareceria. Existem várias razões para
tal reticência. Para começar, o futuro não existe, o que faz com que forjar
imagens seja um tipo de mentira. Fazê-lo
poderia também sugerir que o futuro é predeterminado, que reside em algum
domínio sombrio esperando que o descubramos. Vimos que em certo sentido Marx
sustentava que o futuro era inevitável, mas o inevitável não é,
necessariamente, o desejável. A morte também é inevitável, mas, aos olhos
da maioria, não é desejável. O futuro pode ser predeterminado, mas isso não é
motivo para supor que ele será uma melhoria em relação ao que temos no momento.
O inevitável, como vimos, costuma ser bastante desagradável. O próprio Marx
precisava estar mais ciente disso. Prever o futuro, contudo, não é apenas sem
sentido. Pode, com efeito, ser destrutivo. Ter
poder até sobre o futuro é uma forma de dar a nós mesmos uma falsa sensação de
segurança. É uma tática para nos resguardar da natureza indefinida do presente,
com toda a sua precariedade e imprevisibilidade. É usar o futuro como uma
espécie de fetiche, como um ídolo confortador ao qual nos apegarmos como um
bebê ao seu paninho. É um valor absoluto que não nos deixará na mão, pois (já
que inexiste) está protegido dos ventos da história como um fantasma. Também é
possível tentar monopolizar o futuro como forma de dominar o presente. Os
verdadeiros adivinhos do nosso tempo não são párias cabeludos, que esbravejam e
causam alarme prevendo a morte do capitalismo, mas, sim, os especialistas
contratados pelas corporações transnacionais para xeretar as entranhas de nosso
sistema e garantir aos governantes que seus lucros estarão garantidos por mais
dez anos. O profeta, ao contrário, não
é, de forma alguma, um clarividente. Equivoca-se quem crê que os profetas
bíblicos buscavam prever o futuro. Em vez disso, o profeta denuncia a ganância,
a corrupção e a ânsia de poder atuais, alertando-nos para o fato de que, a
menos que mudemos nossos métodos, poderemos muito bem não ter futuro. Marx
era um profeta, não um adivinho.
Batalhas
de ideias
Existe outra razão para que Marx fosse cauteloso quanto a
imagens do futuro: havia um bocado delas em sua época , e quase todas vindas de
radicais irremediavelmente idealistas.
A ideia de que a história segue adiante e para o alto até chegar a um estado de
perfeição não é esquerdista. Era lugar-comum no Iluminismo do século XVIII, que
não ficou propriamente famoso por seu socialismo revolucionário.Refletia a
confiança da classe média europeia em sua exuberante fase inicial. A
razão se encontrava no processo de subjugar o despotismo, a ciência começava a
derrotar a superstição, e a paz estava botando a guerra para correr. Como
resultado, o todo da história humana (que para a maioria desses pensadores
significa a Europa) culminaria num estado de liberdade, harmonia e prosperidade
comercial. É bem pouco provável que a praga mais famosa da história
para as classes médias tivesse avalizado essa ilusão condescendente. Como
vimos, Marx efetivamente acreditava em progresso e civilização, mas achava que,
ao menos até então, eles haviam se revelado inseparáveis da barbárie e da
ignorância.
Isso não quer dizer que Marx nada tenha aprendido com
pensadores utópicos como Fourier, Saint-Simon ou Robert Owen. Se às vezes era
rude a respeito deles, também podia elogiar suas ideias, que, às vezes, eram
admiravelmente progressistas. (Nem todas, porém. Fourier, que cunhou o termo
“feminismo” e cuja unidade social ideal se destinava a conter exatamente 1.620
indivíduos, acreditava que na sociedade futura o chá seria transformado em
limonada. O próprio Marx haveria de preferir um bom Riesling). O que
despertava a objeção de Marx, entre outras coisas, era a crença dos utópicos na
própria capacidade de vencer seus oponentes unicamente por meio do poder da
argumentação. A sociedade, para eles, era uma batalha de ideias, não um choque
de interesses materiais.Marx, ao contrário, adotou uma visão cética
dessa fé no diálogo intelectual. Estava ciente de que as ideias que realmente
prendem homens e mulheres surgem da prática rotineira, não do discurso de
filósofos ou de sociedades debatedoras. Quem quiser saber aquilo em que
homens e mulheres creem precisa dar uma olhada no que eles fazem, não no que
dizem.Esquemas utópicos, segundo Marx, só serviam para distrair das tarefas
políticas do presente. A energia gasta aí poderia ser mais bem-aproveitada a
serviço da luta política.
Sendo um materialista, Marx tinha
um pé atrás quanto a ideias divorciadas da realidade histórica e acreditava
haver, em geral, boas razões históricas para tal separação. Qualquer um que
disponha de tempo pode esboçar esquemas elaborados para um futuro melhor, assim
como qualquer um pode fazer projetos intermináveis para um incrível romance que
jamais chegará a escrever justamente porque vive fazendo projetos intermináveis
para ele. A questão para Marx não é sonhar com um futuro ideal, mas sanar as
contradições no presente que impedem a ocorrência de um futuro melhor. Uma vez
atingida essa meta, não haverá mais necessidade de gente como ele.
Em ‘A guerra civil na França’, Marx escreve que os operários
revolucionários “não têm ideais a realizar exceto libertar os elementos da nova
sociedade dos quais a velha sociedade burguesa em ruínas está prenha”. [6] A
esperança para um futuro melhor não pode ser apenas um desejoso “não seria
ótimo se…”. Para que seja mais do que uma fantasia vã, um futuro radicalmente
diferente não pode ser tão somente desejável, mas também viável, e, para ser
viável, precisa estar ancorado nas realidades do presente. Não pode
simplesmente ser despejado no presente, vindo de algum espaço sideral político.
É
preciso haver um meio de escanear ou radiografar o presente que mostre
determinado futuro como um potencial dentro dele. Do contrário, apenas
se conseguirá fazer com que o povo deseje infrutiferamente, e para Freud isso é
adoecer de neurose.
Assim, existem forças no presente que apontam para além
dele. O feminismo, por exemplo, é um movimento político em ação agora, mas ele
trabalha por um futuro que deixaria boa parte do presente um bocado para trás.
Para Marx, é a classe operária, ao mesmo tempo uma realidade presente e o
agente por meio do qual ela será transformada, que fornece o elo entre presente
e futuro. As políticas emancipadoras inserem o primeiro passo do futuro no
coração do presente. Elas representam uma ponte entre o presente e o futuro, o
ponto onde os dois se cruzam. E ambos são alimentados pelos recursos do
passado, no sentido das preciosas tradições políticas que precisam de luta para
ser mantidas vivas.
Alguns conservadores são utópicos, mas sua utopia reside no
passado, e não no futuro. Segundo a visão que têm, a história tem sido
um longo e lúgubre declínio de uma era de ouro situada na época de Adão,
Virgílio, Dante, Shakespeare, Samuel Johnson, Jefferson, Disraeli, Margaret
Thatcher ou praticamente qualquer nome que se mencione. Isso é tratar o
passado como uma espécie de fetiche, mais ou menos como alguns pensadores
utópicos fazem com o futuro. A verdade é que o passado não existe mais do que o
futuro, ainda que dê a sensação de existir. Mas também existem conservadores
que rejeitam esse mito da Queda com o argumento de que qualquer era é tão
abominável quanto as outras. A boa notícia para eles seria que as coisas não
vêm piorando; a má notícia é que isso se deveria ao fato de não poderem se
deteriorar ainda mais. O que governa a história seria a natureza
humana, que: (a) está em um estado de chocante degradação e (b) é absolutamente
inalterável. A maior loucura, com efeito, crueldade, seria tentar
homens e mulheres com ideais que lhes são completamente inalcançáveis. Os
radicais apenas acabam por conseguir despertar ódio nos indivíduos e depois
mergulhar na culpa e no desespero por tê-los encorajado a almejar coisas
melhores.
Começar de onde estamos talvez não soe como a melhor receita
para a transformação política. O presente mais parece um obstáculo para tal
mudança do que uma ocasião para empreendê-la. Como observou o irlandês
estereotipicamente tapado quando lhe perguntaram: “qual o caminho para a estação
ferroviária? “Bem, eu não partiria daqui.” O comentário não é ilógico como
pensariam alguns, o que também se aplica ao irlandês. Significa “Você chegaria
lá mais rápida e diretamente se não partisse deste lugar inconveniente e fora
de mão”. Os socialistas hoje poderiam muito bem se solidarizar com a
sensação. Pode-se imaginar um típico irlandês, depois de inspecionar a Rússia
pós-revolução bolchevista prestes a embarcar na empreitada de construir o
socialismo num país sitiado, isolado e semi-indigente, comentar: “Bem,
eu não partiria daqui.” Mas não existe, é claro, nenhum outro lugar de onde
partir. Um futuro diferente precisa ser o futuro desse presente
específico. E a maior parte do presente é feita do passado. Nada temos com que
formatar um futuro, senão com as poucas e inadequadas ferramentas que herdamos
da história. E essas ferramentas estão maculadas pelo legado de falta de
escrúpulos e exploração pelo qual elas nos chegaram. Marx escreve em ‘Crítica
ao Programa de Gotha’ sobre como a nova sociedade estará marcada com os sinais
de nascença da velha ordem de cujo útero emerge. Assim, não existe um ponto “puro”
a partir do qual começar. Acreditar em sua existência é a ilusão do chamado
ultraesquerdismo (um “distúrbio infantil”, como chamava Lênin), [7]
que, em seu fanatismo revolucionário, se recusa a ter algo a ver com as
ferramentas comprometidas do passado: reforma social, sindicatos, partidos
políticos, democracia parlamentarista e daí por diante, conseguindo, assim,
acabar de forma tão imaculada e impotente.
O futuro, portanto, não deve ser
apenas atrelado ao presente, como um adolescente está atrelado à infância, mas
precisa, de alguma forma, ser detectável dentro dele. Isso não significa dizer
que esse futuro possível esteja fadado a chegar, assim como não se pode
garantir que uma criança necessariamente chegará à adolescência. Ela pode
morrer de leucemia antes. É, sim, reconhecer que, em função de um presente
específico, nem todo velho futuro é possível. O futuro está em aberto, mas não totalmente. Nem tudo já acontecido é
passível de acontecer outra vez. O lugar onde eu posso estar daqui a dez
minutos depende, entre outras coisas, de onde me encontro agora.
Ver o futuro como um potencial dentro do presente, não é como ver num
ovo, uma galinha em potencial. A menos que seja quebrado em pedaços ou cozido
para um piquenique, o ovo necessariamente se transformará em galinha em virtude
de uma lei da natureza? A natureza, porém, não garante que o socialismo virá na
esteira do capitalismo. Existem muitos futuros diferentes implícitos no
presente, alguns bem menos atraentes do que outros. Ver o futuro assim é, entre
outras coisas, uma salvaguarda contra falsas imagens dele.
Essa, de maneira geral, é a forma
como nossos governantes gostam de encarar o futuro, como melhor do que o
presente, mas uma confortável continuidade deste. Surpresas desagradáveis serão
reduzidas ao mínimo. Não haverá traumas nem cataclismos, apenas uma constante
melhoria no que já temos. Essa visão era conhecida até pouco tempo como o ‘Fim
da História’ [8], antes que os islâmicos radicais, de forma inconveniente,
tornassem a trazê-la à tona com violência. Também pode ser chamada de “teoria
peixinho dourado da história”, visto que ela sonha com uma existência segura,
mas monótona, como a vida de um peixe dourado parece ser. Ela paga para se livrar de sacudidelas
dramáticas criando um tédio absoluto e assim deixa de ver que, embora o futuro
possa acabar se revelando bem pior do que o presente, a única certeza é que ele
será muito diferente. Um motivo pelo qual os mercados financeiros
explodiram alguns anos atrás foi o fato de dependerem de modelos que supunham
que o futuro seria muito semelhante ao presente.
A
história precisa ser rompida e refeita, não porque os socialistas
arbitrariamente preferem a revolução à reforma, sendo bestas sedentas de sangue
surdas à voz da moderação, mas devido à gravidade da doença que precisa ser
curada. Falo
“história”, mas Marx reluta em dignificar tudo que aconteceu até agora com esse
título. Ora, se como diz Marx, o
Comunismo seria a última etapa natural da evolução da sociedade, porque este
imediatismo de promove-lo pela revolução armada, e não pelas naturais etapas
históricas? Para ele, tudo que conhecemos até hoje é “pré-história”, o
que vale dizer uma variação atrás da outra sobre opressão e exploração humanas.
O único ato verdadeiramente histórico seria abandonar essa narrativa sombria em
troca da história propriamente dita.Como socialista, há que se estar preparado
para descrever com um mínimo de detalhes como isso seria alcançado e que
instituições estariam envolvidas. Mas, para que a nova ordem social seja
genuinamente transformadora, é necessário haver um limite estrito quanto ao que
se pode dizer sobre ela agora. Só podemos, afinal, descrever o futuro em termos
do que colhemos no passado e no presente, e um futuro que rompesse radicalmente
com o presente nos deixaria em apuros ante os limites da nossa linguagem.
Como o próprio Marx comenta em ‘O
18 Brumário de Luís Bonaparte’, “ali [no futuro socialista], o conteúdo vai
além da forma”. [9] Raymond Williams enfatiza basicamente o mesmo em ‘Cultura e
sociedade’ 1780-1950, quando escreve:
“Temos de planejar o que pode ser planejado,
segundo nossa decisão coletiva. No entanto, a ênfase da ideia de cultura está
correta quando nos recorda que uma cultura, em essência, não é planejável.
Temos de garantir os meios de vida e os meios da comunidade, mas aquilo que,
então, será vivido graças a esses meios não somos capazes de saber ou dizer.”
[10]
Pode-se dizer o mesmo de outra
forma. Se tudo que aconteceu até agora é “pré-história”, então isso é bem mais
previsível do que o que Marx considerava a história propriamente dita. Se
fatiarmos a história passada em qualquer ponto e examinarmos um corte
transversal, saberemos, antes mesmo de chegar a ver, algo sobre o que
encontraremos.Descobriremos, por
exemplo, que a grande maioria de homens e mulheres nesse período está levando
vidas em grande parte infrutíferas em benefício de uma elite governante.Descobriremos
que o Estado político, seja qual for sua forma, está preparado para usar a
violência de tempos em tempos a fim de manter tal situação. Descobriremos que
um bocado do mito, da cultura e do pensamento desse período fornece algum tipo
de legitimidade a essa situação. Provavelmente
também descobriremos algum tipo de resistência a tal injustiça entre os
explorados.
Uma vez removidos esses entraves
ao florescimento humano, porém, é bem mais difícil dizer o que há de acontecer,
porque homens e mulheres serão, então, muito mais livres para se comportar como
lhes convier, dentro dos limites da sua responsabilidade uns com os outros. Se forem
capazes de gastar mais do próprio tempo naquilo que hoje chamamos de atividades
de lazer do que dando duro no trabalho, esse comportamento se tornará ainda
mais difícil de prever. Digo “o que hoje chamamos de atividades de lazer”
porque se de fato tivermos utilizado os recursos acumulados pelo capitalismo
para liberar do trabalho um grande número de indivíduos, deixaremos de chamar
de “lazer” o que eles farão com seu tempo. [11] Isso porque a noção de lazer depende da existência de
seu oposto (trabalho), assim como a definição de guerra depende da existência
de algum conceito de paz. Também deveríamos recordar que as chamadas atividades
de lazer podem ser ainda mais extenuantes e rigorosas do que a mineração de
carvão. O próprio Marx defende esse ponto. Alguns esquerdistas ficaram
desapontados ao ouvir que não ter de trabalhar não significa, necessariamente,
ficar deitado o dia todo fumando baseados.
Tomemos, como analogia, o
comportamento dos indivíduos na prisão. É fácil dizer que os prisioneiros se ocupam
o dia todo porque suas atividades são estritamente reguladas. Os guardiões
podem prever com alguma certeza o que eles estarão fazendo numa quarta-feira às
cinco da tarde e, se não puderem, talvez acabem sendo chamados à presença do
diretor. Uma vez devolvidos à sociedade, porém, fica muito mais difícil seguir
o rastro desses presos, salvo por aparelhos eletrônicos. Eles passam, por assim
dizer, da “pré-história” de seu encarceramento para a história propriamente
dita, ou seja, têm liberdade para determinar sua existência, em lugar de tê-la
determinada por forças externas. Para Marx, o socialismo é o ponto no qual
começamos coletivamente a determinar nosso destino. Ele é a democracia assumida
com plena seriedade, em vez de uma democracia como (na maioria das vezes) uma
farsa política. E o fato de que os indivíduos estejam mais livres significa que
será mais difícil dizer o que eles estarão fazendo às cinco da tarde de uma
quarta-feira.
Um futuro genuinamente diferente não seria uma mera
extensão do presente nem uma ruptura absoluta com ele. Se fosse uma ruptura
absoluta, como poderíamos reconhecê-lo? No entanto, se pudéssemos descrevê-lo
com bastante facilidade na linguagem do presente, em que sentido seria ele
genuinamente diferente? A ideia de emancipação de Marx rejeita tanto as
continuidades tranquilas quanto as rupturas totais.
Nesse sentido, Marx é a mais rara
das criaturas, um visionário que também é um realista sóbrio. Passa das
fantasias do futuro para o funcionamento prosaico do presente, mas é bem aí que
encontra um futuro imensamente enriquecido a ser desencadeado. Ele se mostra
mais sombrio do que muitos pensadores quanto ao passado, porém mais esperançoso
do que a maioria deles sobre o porvir.Realismo
e visão aqui andam de mãos dadas: ver o presente como ele verdadeiramente é
significa vê-lo à luz de sua possível transformação. Do contrário, simplesmente
não o vemos direito, assim como não teríamos uma compreensão plena do que
representa ser um bebê se não nos déssemos conta de que se trata de um adulto
potencial. O capitalismo deu à luz poderes e possibilidades extraordinários,
aos quais, ao mesmo tempo, cria entraves, e é por isso que Marx pode ser
esperançoso sem virar um defensor veemente do progresso e brutalmente realista
sem ser cínico ou derrotista. É característica da visão trágica encarar
o pior sem receio, mas superá-lo por meio do próprio ato de assim agir. Marx,
como vimos, é, sob certos aspectos, um pensador trágico, o que não significa
chamá-lo de pessimista.
Por um lado, os marxistas são
tipos teimosos, céticos quanto ao moralismo nobre e temerosos do idealismo. Com suas mentes naturalmente desconfiadas,
tendem a procurar os interesses materiais que espreitam por trás da retórica
política. Vivem alerta ao prosaico, em geral forças ignóbeis subjacentes ao
discurso piedoso e às visões sentimentais. No entanto, isso acontece porque
desejam libertar homens e mulheres dessas forças, na crença de ser capazes de
coisas melhores. Assim, combinam sua teimosia com uma fé na humanidade.
O materialismo é demasiadamente pé no chão para ser ludibriado por uma retórica
macia, mas demasiadamente esperançoso quanto à melhoria das coisas para ser
cínico. Houve combinações piores na história da humanidade.
Pensemos no inflamado slogan do
movimento estudantil de 1968 em Paris: “Seja realista: exija o impossível!”
Apesar da hipérbole, o slogan é bastante preciso. O que é realisticamente
necessário para consertar a sociedade está além dos poderes do sistema
dominante e, nesse sentido, é impossível. Mas é realista crer que o mundo possa em princípio ser imensamente
melhorado. Aqueles que debocham da ideia de que uma mudança social de peso é
possível são completos fantasistas. Os verdadeiros sonhadores são os que negam
que qualquer coisa além de uma mudança pingada possa jamais ocorrer. Esse
pragmatismo tinhoso é tão ilusório quanto alguém achar que é Maria Antonieta.
Tais tipos vivem em perigo de ser pegos pelo contrapé pela história. Alguns
ideólogos feudais, por exemplo, negavam que um sistema econômico “artificial”
como o capitalismo pudesse um dia vingar. Existem também os indivíduos tristes, auto enganados, sujeitos a
alucinações que lhes dizem que, se houver mais tempo e mais esforço, o
capitalismo produzirá um mundo de abundância para todos. Para esses,
isso ainda não aconteceu apenas por causa de um lamentável acidente. Eles não veem que a desigualdade é tão
natural para o capitalismo quanto o são, para Hollywood, o narcisismo e a
megalomania. [12]
A natureza humana e a
crítica política
O que Marx encontra no presente é
uma colisão letal de interesses. Enquanto, porém, um pensador utópico talvez
nos exortasse a superar tais conflitos em nome do amor e da camaradagem, o
próprio Marx segue uma linha bem diversa. Na verdade, ele acredita em amor e camaradagem, mas não acha que estes
serão alcançados por meio de uma falsa harmonia. Os explorados e os
despossuídos não devem abandonar seus interesses, que é o que seus patrões
esperam que eles façam, mas, ao contrário, precisam fazer pressão por isso o
tempo todo. Só então uma sociedade acima do interesse próprio talvez venha,
finalmente, a emergir. Não existe nada de errado em defender os
próprios interesses se a alternativa for acariciar os próprios grilhões num
falso espírito de auto-sacrifício.
Os críticos de Marx talvez
considerem de mau gosto essa ênfase nos interesses classistas, mas não podem
afirmar, com o mesmo fôlego de Marx, uma noção impossivelmente cor-de-rosa da
natureza humana. Apenas partindo do presente não redimido, submetendo-se à
lógica corrompida, é possível esperar seguir adiante e além dele. Também isso
pertence ao espírito tradicional da tragédia. Somente aceitando que as
contradições são peculiares à natureza da sociedade classista, e não as negando
num espírito de sereno desinteresse, é possível liberar a riqueza humana que
elas contêm. É nos pontos em que a lógica do presente se desfaz e toma o rumo
do impasse e da incoerência que Marx, surpreendentemente, encontra o esboço de
um futuro transfigurado.
A verdadeira imagem do futuro
é o fracasso do presente
O marxismo, como reclamam alguns
de seus críticos, teria uma visão idealizada da natureza humana. Ele sonharia tolamente com um futuro no qual
todos buscarão a camaradagem e a cooperação. A rivalidade, a inveja, a desigualdade,
a violência, a agressão e a competição terão sido banidas da face da Terra.
Pouco existe na obra de Marx para
alicerçar essa afirmação bizarra, mas um bom punhado de seus críticos
reluta em deixar que os fatos estraguem seus argumentos. Estão convencidos de que Marx antecipou um
estado de virtude humana conhecido como comunismo ao qual até o arcanjo Gabriel
teria dificuldade para fazer jus. Ao fazê-lo, Marx, voluntária ou
descuidadamente, ignorou o estado de coisas defeituoso, torto, perpetuamente
descontente que atende pelo nome de natureza humana.Alguns marxistas reagiram a
tal acusação afirmando que, se Marx ignorou a natureza humana, foi porque não
acreditava nessa noção. Nessa visão, o conceito de natureza humana não passa de
uma forma para nos manter politicamente em nosso lugar.Ela sugere que os seres
humanos são criaturas frágeis, corruptas, egoístas; que isso permanece
inalterável ao longo de toda a história e que é a pedra sobre a qual qualquer
tentativa de mudança radical há de fracassar.
“Não se pode mudar a natureza humana” é uma das
objeções mais comuns à política revolucionária. Contra isso, alguns marxistas
insistem em que não existe uma essência imutável nos seres humanos. Em sua
opinião, é nossa história, não nossa natureza, que nos faz ser o que somos, e,
como a história tem tudo a ver com mudança, podemos nos transformar alterando
nossas condições históricas.
Marx não era adepto integral desse
argumento “historicista”. A prova é que acreditava na natureza humana, e estava
certo, como defende Norman Geras em um excelente livrinho. [13] Marx não via
isso como algo que atropelasse a importância do indivíduo; ao contrário,
considerava tratar-se de um aspecto paradoxal de nossa natureza comum sermos
todos individualizados. Em seus primeiros trabalhos, ele fala do que chama de
“seres genéricos” humanos, que, na verdade, não passariam de uma versão
materialista da natureza humana. Em virtude da natureza de nossos corpos
materiais, somos animais carentes, batalhadores, sociáveis, sexuais,
comunicativos e auto-expressivos, que precisam uns dos outros para sobreviver,
mas que acabam descobrindo uma realização no já citado companheirismo superior
à sua utilidade social. Se me permitem citar um comentário anterior de minha
autoria: Se, em princípio, outra criatura é capaz de falar conosco, executar
trabalho braçal a nosso lado, interagir sexualmente, produzir algo que pareça
vagamente arte no sentido de dar a impressão de ser bastante sem sentido, se é
capaz de sofrer, fazer piadas e morrer, então é possível deduzir desses fatos
biológicos um enorme número de consequências morais e até políticas. [14] Esse argumento, conhecido tecnicamente como
‘antropologia filosófica’, anda bastante fora de moda hoje, mas era o que Marx
defendia em seus primeiros trabalhos, e não existe motivo convincente para crer
que ele o tenha abandonado mais tarde.
Por sermos criaturas batalhadoras,
com anseios e linguagem, somos capazes de transformar nossas condições ao longo
do processo conhecido como história. Ao
fazer isso, acabamos, ao mesmo tempo, transformando a nós mesmos. A mudança, em
outras palavras, não é o oposto da natureza humana. É possível porque somos
seres criativos, indefinidos, inacabados. Isso, pelo que sabemos, não é válido
para as doninhas. Por causa da natureza de seus corpos materiais, as doninhas
não têm história. Nem política, a menos que a estejam mantendo astuciosamente
escondida. Não existe motivo para temer que um dia elas possam vir a
nos governar, mesmo considerando que talvez fizessem um trabalho um bocado
melhor do que nossos líderes atuais. Pelo que sabemos, as doninhas não podem
ser social-democratas ou ultranacionalistas. Os seres humanos, contudo, são animais políticos por natureza, não só
por viver em comunidade uns com os outros, mas porque precisam de um sistema
para reger sua vida material. Precisam também de um sistema para reger suas
vidas sexuais. Porque a sexualidade, do contrário, poderia revelar-se
socialmente perturbadora. O desejo, por exemplo, não respeita diferenças
sociais. Mas esse também é um motivo pelo qual os seres humanos
precisam da política. A forma como produziram até hoje sua existência material
sempre envolveu exploração e desigualdade, e um sistema político é necessário
para conter os conflitos resultantes.Imaginaríamos, também, que animais humanos
tivessem várias formas simbólicas para representar tudo isso para si próprios,
quer chamemos de arte, mito ou ideologia.
Para Marx, fomos equipados de
determinados poderes e habilidades por nossa natureza material. E somos mais
humanos do que nunca quando livres para utilizar tais poderes como um fim em si
mesmo, em vez de apenas com um propósito puramente utilitário. Esses poderes e
essas habilidades são sempre historicamente específicos, mas têm um alicerce em
nossos corpos e alguns se alteram muito pouco de uma cultura humana para outra.
Dois indivíduos de culturas bastante diferentes que não falam a mesma língua
podem facilmente cooperar em tarefas práticas. Isso acontece porque o corpo
físico que têm em comum gera seu próprio conjunto de suposições, expectativas e
compreensões. [15] Todas as culturas humanas conhecem a dor e o êxtase, o
trabalho e a sexualidade, a amizade e a inimizade, a opressão e a injustiça, a
doença e a mortalidade, os laços de sangue e a arte. É verdade que às vezes
elas conhecem tais coisas em um estilo cultural bem diferente. A morte não é a
mesma coisa em Madras e em Manchester, mas morremos, de todo jeito. O próprio
Marx escreve em ‘Manuscritos econômicos e filosóficos’ [16] que “o homem como
ser humano objetivo e sensual é, assim, um ser sofredor, e porque sente que
sofre, um ser veemente”. A morte, pondera Marx, é uma vitória desagradável da
espécie sobre o indivíduo. Faz diferença para homens e mulheres, escreve Marx
em O capital, se suas mortes são prematuras, suas vidas mais curtas do que
precisavam ser em virtude do trabalho estafante, ou atingidas por acidente,
lesões ou doença. O comunismo pode ver o fim do trabalho estafante, mas é
difícil crer que Marx vislumbre uma ordem social sem acidentes, lesões ou
doenças, assim como decididamente não podia vislumbrá-la sem morte.
Se não partilhássemos tanta
humanidade básica comum, a visão socialista da cooperação global seria
infrutífera. No volume I de ‘O capital’, Marx fala da “natureza humana em geral
e depois […] conforme modificada em cada época histórica”. Existe muita coisa
nos seres humanos que dificilmente varia ao longo da história — um fato que o
pós-modernismo nega ou descarta como meramente trivial, em parte por causa de
seu preconceito irracional contra a natureza e a biologia, em parte por achar
que toda conversa sobre naturezas é uma forma de negar a mudança [17] e em
parte por tender a encarar toda mudança como positiva e toda permanência como
negativa, opinião partilhada com os “modernizadores” capitalistas existentes em
qualquer lugar. A verdade, banal
demais para o gosto dos intelectuais, é que alguns tipos de mudança são
catastróficos e alguns tipos de permanência, profundamente desejáveis.
Seria uma pena, por exemplo, se todos os vinhedos franceses fossem queimados
amanhã, assim como se uma sociedade não sexista durasse apenas três semanas.
Os socialistas falam muito de opressão, injustiça e
exploração, mas, se isso fosse tudo que a humanidade jamais tivesse experimentado,
seríamos incapazes de identificar essas coisas pelo que são. Nós as veríamos
simplesmente como nossa condição natural.
Talvez nem lhes déssemos nomes
específicos. Para ver uma relação como
exploradora é preciso ter alguma ideia do que seja um relação não exploradora. Não
é necessário apelar para a ideia da natureza humana para tanto; pode-se apelar,
em vez disso, para os fatores históricos. É plausível, porém, afirmar que
existem aspectos de nossa natureza que atuam como uma espécie de norma a esse
respeito. Os seres humanos, por
exemplo, nascem todos “prematuramente”. Durante muito tempo após o nascimento,
são incapazes de cuidar de si mesmos, tendo necessidade, em consequência, de um
prolongado período de assistência (segundo os psicanalistas, é essa experiência
desmedidamente prolongada de dependência que tanto perturba as nossas psiques
mais tarde. Se os bebês
pudessem se pôr de pé e sair andando ao nascer, um bocado do sofrimento humano
seria evitado, e não apenas no sentido de não mais haver crianças choronas
atrapalhando nosso sono). Ainda
que os cuidados recebidos sejam péssimos, os bebês logo assimilam uma noção do
que é cuidar dos outros. Esse é um dos motivos por que, mais tarde,
talvez sejam capazes de identificar todo um estilo de vida como insensível às
necessidades humanas. Nesse sentido, podemos passar do nascimento prematuro
para a política.
As necessidades essenciais à nossa
sobrevivência e ao nosso bem-estar, como estar alimentado, aquecido e abrigado,
aproveitar a companhia dos outros, escapar da escravidão e do abuso e daí por
diante, podem funcionar como uma base para a crítica política, no sentido de
que qualquer sociedade que não satisfaça tais requisitos nitidamente está
deixando a desejar. Podemos, é claro, levantar objeções a tais sociedades com
base em argumentos mais locais ou culturais, mas dizer que elas violam algumas
das exigências mais fundamentais da nossa natureza carrega ainda mais força. Por isso é um erro pensar que a ideia de
natureza humana não passa de uma apologia do status quo. Ela também pode agir
como um poderoso desafio a ele.
Indivíduo,
autorrealização, virtudes e instituições
Em trabalhos antigos, como
‘Manuscritos econômicos e filosóficos de 1844’ [18], Marx se agarra à visão atualmente fora de moda de que o jeito como
somos na condição de animais materiais pode nos dizer algo importante a
respeito de como devemos viver. Existe um sentido em que se pode partir
do corpo humano para questões de ética e política. Se são criaturas
auto-realizáveis, os seres humanos, então, precisam ter liberdade para
satisfazer suas necessidades e expressar seus poderes; mas se também são animais
sociais, vivendo ao lado de outros seres auto-expressivos, precisam impedir um
choque interminável e destrutivo desses poderes. Esse é um dos problemas mais espinhosos da sociedade liberal, na qual
os indivíduos supostamente são livres, mas livres, entre outras coisas, para
viver se engalfinhando. O comunismo, ao contrário, organiza a vida social de
tal maneira que torna os indivíduos capazes de se realizar na autorrealização
dos outros e por meio dela. Segundo Marx no Manifesto comunista, “o livre desenvolvimento
de cada um se torna a condição para o livre desenvolvimento de todos”. Nesse sentido, o socialismo não rejeita,
simplesmente, a sociedade liberal, com seu compromisso apaixonado com o
indivíduo. Ao contrário, ele a toma como base e a completa, mostrando,
ao fazê-lo, como algumas das contradições do liberalismo, no qual a liberdade
de alguém só pode florescer à expensa da de outrem, podem ser solucionadas.
Somente por meio dos outros podemos, enfim, ser nós mesmos. Isso significa um
enriquecimento, e não uma redução, da liberdade individual. É difícil pensar
numa ética mais perfeita. Em nível pessoal, chamamos a isso amor.
Vale
a pena destacar a preocupação de Marx com o indivíduo, já que ela nitidamente
contraria a caricatura habitual de sua obra. Nessa visão, o marxismo teria tudo
a ver com coletivistas anônimos que ignoram a vida pessoal. Nada pode estar
mais distante do pensamento de Marx. É possível dizer que o livre florescimento
dos indivíduos é o objetivo primeiro de sua política, desde que nos recordemos de que
esses indivíduos precisam descobrir alguma forma de florescer em conjunto.
Afirmar a própria individualidade, escreve
ele em ‘A sagrada família’ [19], é “a manifestação vital da existência”.Pode-se
dizer que essa é a moral de Marx do início ao fim.
Existem bons motivos para
desconfiar de que jamais possa haver plena reconciliação entre o indivíduo e a
sociedade. O sonho de unidade orgânica entre ambos é uma fantasia generosa.
Sempre haverá conflito entre a minha realização e a sua ou entre o que me é
exigido como cidadão e o que desejo firmemente fazer. Tais contradições
ostensivas são o material da tragédia, e só o túmulo, como oposto do marxismo,
é capaz de nos livrar dessa situação.
A afirmação de Marx no Manifesto comunista sobre o livre autodesenvolvimento de
todos jamais pode ser totalmente levada a cabo. Assim como os mais nobres
ideais, trata-se de um objetivo para mirar, não um estado a ser literalmente
alcançado. Ideais são
indicações, não entidades tangíveis. Eles nos mostram o caminho a seguir.
Os que zombam dos ideais socialistas deveriam se
lembrar de que também a UTOPIA CAPITALISTA do livre mercado jamais pode ser
perfeitamente viabilizada, o que nem por isso freia seus adeptos.
O
fato de não existir democracia sem defeito não leva a maioria de nós a se
conformar com a tirania. Não renunciamos à tentativa de alimentar os
famintos do mundo, embora sabendo que alguns deles perecerão antes que o
façamos. Alguns dos que afirmam que o
socialismo é inviável estão convencidos de que podem erradicar a pobreza,
resolver a crise do aquecimento global, estender a democracia liberal até o
Afeganistão e solucionar os conflitos mundiais por intermédio das resoluções
das Nações Unidas. Todas essas tarefas intimidadoras se encontram
confortavelmente no âmbito do possível. Só o socialismo, por alguma razão
misteriosa, se acha fora de alcance.
Contudo, é mais fácil alcançar o
objetivo de Marx caso não seja preciso depender de que todos sejam sempre
formidáveis moralmente. O socialismo não é uma sociedade que exige de seus
cidadãos uma virtude resplandecente. Ele não significa que devamos viver embolados
uns com os outros o tempo todo em algum tipo de orgia grupal. Isso porque os
mecanismos que permitiriam que a meta de Marx fosse alcançada estariam
embutidos nas instituições sociais, não dependendo, para começar, da boa
vontade do indivíduo. Tomemos, por exemplo, a ideia de uma cooperativa
autogovernada, que Marx aparentemente encarava como a unidade produtiva chave
do futuro socialista. A contribuição
de um indivíduo para uma organização assim permite algum tipo de
auto-realização, mas também contribui para o bem-estar dos outros, simplesmente
em virtude da maneira como o cenário está montado. Não preciso nutrir ideias
ternas quanto a meus colegas de trabalho ou me açoitar a cada duas horas para
demonstrar meu frenesi altruísta. Minha auto-realização ajuda a aumentar a
deles simplesmente por causa da natureza coletivamente regulada, bem como
cooperativa, partilhadora de lucros e igualitária. É uma questão estrutural,
não de virtude pessoal. Não exige uma raça de Cordélias.
Para alguns propósitos socialistas,
então, não importa se sou o pior verme do Ocidente. Igualmente, não importa se
encaro meu trabalho como bioquímico contratado por uma empresa farmacêutica
privada como uma gloriosa contribuição para o avanço da ciência e o progresso
da humanidade. O fato é que o objetivo do meu trabalho é gerar lucro para um
bando de tubarões sem escrúpulos que provavelmente cobrariam dez dólares dos
próprios filhos por uma aspirina. O que sinto não fede nem cheira. O
significado do meu trabalho é determinado pela instituição.
Seria de esperar que qualquer
instituição socialista tivesse sua cota de oportunistas, bajuladores,
provocadores, trapaceiros, vagabundos, aproveitadores, parasitas e eventuais
psicopatas. Nada na obra de Marx sugere que não seria assim. Ademais, se o comunismo tem como meta a
participação de todos da forma mais plena possível na vida social, seria de
esperar que surgissem mais conflitos, e não menos, à medida que mais indivíduos
entrassem em cena. O comunismo não poria fim ao conflito humano. Apenas o fim
literal da história seria capaz disso. A inveja, a agressão, o domínio, a
possessividade e a competição continuariam a existir, apenas não poderiam
assumir a forma que têm na vigência do capitalismo, não graças a alguma
virtude humana superior, mas por causa de uma mudança de instituições.
Esses vícios não mais estariam
ligados à exploração do trabalho infantil, à violência colonial, às
desigualdades sociais grotescas e à competição econômica letal. Ao contrário,
teriam de assumir outra forma. As
sociedades tribais têm sua cota de violência, rivalidade e fome de poder, mas
essas não podem assumir a forma de guerra imperial, competição de livre mercado
ou desemprego em massa, porque tais instituições não existem nas tribos Nuer e
Kinka. Existem vilões onde quer que se olhe, mas apenas parte desses rufiões
morais se situa onde existe a possibilidade de roubar fundos de pensão ou
encher a mídia de propaganda política mentirosa. A maioria dos gângsteres não
se encontra em posição de fazer isso. Em vez disso, precisam se contentar em
pendurar gente em ganchos para carne. Numa sociedade socialista, ninguém
estaria em posição de fazer isso, não por excesso de santidade, mas porque não
existiriam fundos de pensão privados e mídia privatizada. Os vilões de
Shakespeare teriam de descobrir outros canais para praticar suas vilanias. Não
se pode ser um magnata industrial brigão quando não há indústrias. É preciso
contentar-se em brigar com escravos, cortesãos ou seus colegas de trabalho
neolíticos.
Tomemos a prática da
democracia
É verdade que sempre existem
egoístas monstruosos que tentam intimidar o próximo, bem como gente que procura
chegar ao poder graças às propinas e à demagogia. A democracia, contudo, conta com um conjunto embutido de salvaguardas
contra esse tipo de comportamento. Por meio de instrumentos, como um voto por
cidadão, presidentes de conselhos, constituições, responsabilidade,
procedimentos jurídicos, soberania da maioria e daí por diante, todos fazem o
possível para garantir que os malvados não vençam. Vez por outra, estes hão de
conseguir. Talvez cheguem a subornar todo o processo. No entanto, a existência
de um processo estabelecido significa que, na maior parte do tempo, eles serão
obrigados a se submeter ao consenso democrático. A virtude, por assim
dizer, está embutida nesses procedimentos e não depende das variáveis do
caráter individual. Não é preciso
tornar as pessoas fisicamente incapazes de usar a violência para acabar com uma
guerra. Bastam negociações diplomáticas, tratados de paz, monitoramento
e afins. Isso pode ser difícil, mas não chega a ser tanto quanto criar uma raça
de gente que vomite e desmaie ao menor sinal de agressão.Assim, o marxismo não oferece promessa
alguma de perfeição humana. Sequer promete abolir o trabalho pesado. Marx
aparentemente crê que algum volume de trabalho desagradável continuaria a ser
essencial mesmo em condições de abastança. A maldição de Adão permanecerá ativa mesmo no reino da abundância.
A promessa do marxismo é, sim, sanar as contradições que atualmente impedem a
história propriamente dita de acontecer, com toda a sua liberdade e
diversidade.
Os alvos do marxismo, porém, não
são apenas materiais. Para Marx, o comunismo significa o fim da escassez e da
maior parte do trabalho opressivo. A liberdade e o lazer que isso garantiria a
homens e mulheres, porém, poderá então fornecer o contexto para seu pleno
desabrochar espiritual. É verdade,
como vimos, que o desenvolvimento espiritual e o material nem sempre andam lado
a lado. Basta pensar em Keith Richards para se dar conta disso. Muitos
tipos de afluência material determinam a morte do espírito.
Ainda assim, também é verdade que não podemos ter
liberdade para nos tornarmos quem desejamos ser quando passamos fome, somos
cruelmente oprimidos ou paralisados em nosso crescimento moral por uma vida de
interminável trabalho servil. Materialista não é quem nega o espiritual, mas
quem nos recorda de que a realização espiritual requer determinadas condições
materiais. Tais condições não garantem essa realização, mas esta não pode ser
alcançada sem aquelas.
Os seres humanos não vivenciam o
que têm de melhor em condições de escassez, sejam elas naturais ou artificiais.
Essa escassez alimenta a violência, o
medo, a ganância, a ansiedade, a possessividade, o domínio e o antagonismo
letal. Seria de esperar, então, que, se homens e mulheres fossem capazes de
viver em condições de abundância material, libertados dessas pressões
incapacitantes, provavelmente se sairiam melhor como seres morais do que se
saem agora. Não podemos ter certeza disso, porque jamais conhecemos tais
condições. Era isso que Marx tinha em mente ao declarar no Manifesto comunista
que o conjunto da história sempre foi uma história de luta de classes. E, mesmo em condições de abundância, haveria
muitas outras coisas para fazer com que nos sentíssemos ansiosos, agressivos e
possessivos. Não viraríamos anjos por obra de alguma alquimia, mas
algumas das causas de nossas deficiências morais teriam sido removidas.
Nessa medida, é razoável afirmar
que uma sociedade comunista mostraria uma tendência bem maior para produzir
seres humanos melhores do que é possível produzir no momento atual. No entanto,
esses seres humanos continuariam falíveis, inclinados ao conflito e, às vezes,
brutais e malévolos. Os céticos que
duvidam de que esse progresso moral seja possível deveriam refletir sobre a
diferença entre queimar bruxos e pressionar por uma remuneração melhor para as
mulheres. Isso não significa dizer que todos nos tornamos mais gentis,
sensíveis e humanitários do que éramos na era medieval. Sob esse aspecto,
também deveríamos pensar na diferença entre arcos e flechas e mísseis Cruise.
Não é que a história como um todo tenha melhorado do ponto de vista moral, mas
simplesmente que fizemos grandes progressos aqui e ali. É realista
reconhecer esse fato, assim como é razoável afirmar que, sob alguns aspectos,
sofremos uma deterioração desde o tempo de Robin Hood. Não existe nenhuma
narrativa grandiosa do Progresso, assim como não há um conto de fadas do
Declínio.
Materialidade e
transformação moral
Qualquer um que já tenha visto uma
criança pequena arrancar um brinquedo de um irmão com um “É meu!” de congelar o
sangue não carece ser lembrado de como são profundas na mente as raízes da
rivalidade e da possessividade. Estamos
falando de hábitos culturais, psicológicos e até evolucionários, que nenhuma
mera mudança de instituições será capaz de alterar sozinha. A mudança
social, contudo, não depende de uma revolução geral de atitudes do dia para a
noite.
Tomemos o exemplo da Irlanda do Norte. A paz não
chegou a essa região tumultuada porque os católicos e protestantes enfim
abandonaram seu antagonismo de séculos e caíram encantados nos braços uns dos
outros. Longe disso. Alguns deles continuarão a odiar-se por tanto tempo quanto
nos será dado ver. É provável que as mudanças na consciência sectária serão
geologicamente lentas. Ainda assim, é possível sentir que isso não chega a ser
tão importante. O importante foi alcançar um acordo político passível de ser
policiado com cuidado e desenvolvido com habilidade, no contexto de um cansaço
geral da opinião pública depois de trinta anos de violência.
Isso, porém, é apenas um lado da
história, pois a verdade é que, ao longo de grandes períodos de tempo, as
mudanças institucionais acabam produzindo efeitos profundos nas atitudes
humanas. Quase toda reforma penal
esclarecida alcançada pela história encontrou em sua época profunda
resistência, mas agora as consideramos tão óbvias que ficaríamos revoltados
ante a ideia de torturar assassinos na roda. Essas reformas se tornaram parte de nossa psique. O que de fato
altera nossa visão de mundo não são tanto as ideias, pois estas fazem parte da
prática social rotineira. Se mudarmos essa prática, o que pode se revelar
extremamente difícil, é provável que acabemos alterando nossa forma de ver.
A maioria de nós não precisa ser forçado a evitar
fazer as necessidades em ruas movimentadas. Por existir uma lei proibindo tal
prática e por ser socialmente reprovável, abster-se disso se tornou uma segunda
natureza para nós. Isso não significa que ninguém jamais o faça, sobretudo no
centro da cidade quando os bares acabaram de fechar, mas, sim, que é menos
provável ceder a esse impulso do que seria caso o ato fosse considerado o
máximo da elegância.
A norma britânica de dirigir do
lado esquerdo da via, não impede um desejo ardente dos britânicos de dirigir do
lado direito. As instituições moldam nossa experiência interior. São
instrumentos de reeducação. Apertamos as mãos dos outros no primeiro encontro
em parte por ser o convencional a fazer, mas também porque, sendo uma
convenção, sentimos o impulso de fazê-lo.Essas mudanças de hábito levam muito
tempo. Foram precisos alguns séculos para o capitalismo desenraizar modos de
sentimento herdados do feudalismo, e um turista ao olhar para o Palácio de
Buckingham bem pode pensar que algumas áreas vitais foram ignoradas por
descuido.
Não levaria, espera-se, tanto tempo para produzir
uma ordem social em que as crianças que estudam história recebam com absoluta
incredulidade o fato de que um dia milhões de pessoas já passaram fome enquanto
um punhado de outras alimentava seus poodles com caviar. Soaria tão estranho e
repulsivo em seus ouvidos quanto a ideia de estripar alguém por heresia nos soa
hoje.
A menção a crianças em idade escolar
levanta um ponto importante. Atualmente, muitíssimas crianças são
ambientalistas ferrenhas. Encaram a morte das focas ou a poluição da atmosfera
com horror e nojo. Algumas ficam pasmas até com o ato de sujar a rua. Isso se
dá em boa parte graças à educação, não apenas a educação formal, mas a
influência de novas formas de pensamento e sentimentos sobre uma geração em que
os velhos hábitos estão menos arraigados. Ninguém está argumentando que isso
salvará o planeta, e é verdade que existem crianças que adorariam esmagar um
porquinho-da-índia.Ainda assim, há provas aqui de como a educação é capaz de
mudar atitudes e criar formas de comportamento.Logo, a educação política é
sempre possível.
Na Europa medieval e
recém-moderna, a avareza era vista como o pior dos vícios.Daí para o slogan de
Wall Street “Ganância é bom!” teve lugar um intensivo processo de reeducação.
Os responsáveis não foram em primeiro lugar os professores ou propagandistas,
mas as mudanças em nossas formas materiais de vida. Aristóteles achava a
escravidão natural, embora alguns outros pensadores antigos não
concordassem.Mas ele também considerava contrário à natureza humana dirigir a produção
econômica para o lucro.(Aristóteles
defendia essa noção por um motivo interessante. Ele achava que o que Marx
chamaria mais tarde de “valor de troca”, a maneira como uma mercadoria pode ser
trocada por outra, e esta por uma terceira, e daí por diante infinitamente, envolvia
um tipo de ilimitação estranho à natureza finita, de criaturas, dos seres humanos.)
Existiram ideólogos medievais que encaravam a obtenção de lucro como algo
antinatural, pois a natureza humana para eles significava natureza feudal. Os
caçadores-coletores provavelmente nutriam uma visão igualmente indistinta sobre
a possibilidade de qualquer ordem social exceto a deles próprios. Alan
Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve Bank [banco central] americano,
acreditou durante boa parte de sua vida profissional que os chamados livres
mercados tivessem como raiz a natureza humana. Os livres mercados são uma invenção histórica recente e durante muito
tempo estiveram confinados a uma região menor do mundo. Da mesma forma,
os que falam do socialismo como sendo contrário à natureza humana fazem isso em
virtude da forma míope pela qual identificam essa natureza com o capitalismo.
Os membros do povo tuaregue do Saara Central são, no fundo, empreendedores
capitalistas. Secretamente desejam mais do que qualquer coisa abrir um banco de
investimentos. O fato de sequer saberem o que significa um banco de
investimentos não faz a menor diferença. Acontece que ninguém pode desejar algo
cuja noção lhe escape. Não posso almejar me tornar um corretor da bolsa se sou
um escravo ateniense. Posso ser voraz, aquisitivo e religiosamente devotado a
meus próprios interesses, mas não posso ser um capitalista enrustido, assim
como não posso aspirar a ser um neurocirurgião, se vivo no século X.
Argumentei antes que Marx, de
forma bastante estranha, era ao mesmo tempo extraordinariamente pessimista
quanto ao passado e extraordinariamente otimista quanto ao futuro. Existem
várias razões para isso, mas uma delas em particular tem influência sobre os
temas que estamos examinando. Marx era
pessimista sobre boa parte do passado porque este parecia representar uma
sucessão de formas vis de opressão e exploração. Theodor Adorno certa vez
observou que os pensadores pessimistas (ele tinha em mente Freud, e não Marx)
servem melhor à causa da emancipação humana do que os imaturamente otimistas,
pois dão testemunho de uma injustiça que grita por redenção e que poderíamos,
de outro jeito, esquecer. Ao nos recordar de quão ruins são as coisas,
eles nos impelem a consertá-las. Eles nos impelem a dispensar o ópio.
Perfeição e o mal no
coração dos homens
O fato de Marx também nutrir um
bocado de esperança quanto ao futuro, porém, se devia a seu reconhecimento de
que esse histórico desanimador não derivava, em sua maior parte, de culpa
nossa. A história tem sido tão
sangrenta não porque os seres humanos são maus, mas por causa das pressões
materiais às quais são submetidos.Marx, assim, pode ter uma noção
realista do passado sem sucumbir ao mito da maldade que reside no coração dos
homens. E esse é um motivo por que ele é capaz de preservar sua fé no futuro. É
seu materialismo que lhe permite ter essa esperança. Se as guerras, a fome e o genocídio realmente brotassem apenas de uma
depravação humana imutável, não haveria razão alguma para crer que o futuro
pudesse ser melhor. No entanto, se essas coisas são em parte o efeito
causado por sistemas sociais injustos, dos quais os indivíduos são, às vezes,
pouco mais do que variáveis, é razoável esperar que, mudando esse sistema,
talvez seja possível melhorar o mundo. Enquanto isso, o fantasma da perfeição
pode se limitar a assustar os tolos.Isso
não significa sugerir que homens e mulheres na sociedade classista possam ser
absolvidos de toda a culpa por suas ações ou que a depravação individual não
tenha tido papel em guerras e genocídios. Empresas que relegam centenas
ou mesmo milhares de empregados a uma vida de ócio forçado decerto têm culpa,
mas não é como se tomassem tais medidas por ódio, maldade ou agressão. Elas
criam o desemprego porque desejam salvaguardar seus lucros em um sistema
competitivo no qual temem falir se assim não fizerem. Aqueles que mandam exércitos para a guerra, na qual eles podem acabar
queimando criancinhas, talvez sejam os mais mansos dos homens. Ainda assim, o
nazismo não foi apenas um sistema político nocivo, mas também inspirado no
sadismo, na paranoia e no ódio patológico de indivíduos que poderiam,
genuinamente, ser descritos como maus. Se Hitler não foi mau, o termo, então,
carece de significado. A viciosidade pessoal desses indivíduos,
contudo, só gerou os resultados assustadores que vimos por estar atrelada ao
funcionamento de um sistema político, mais ou menos como aconteceria se
puséssemos o Iago de Shakespeare no comando de um campo de prisioneiros de
guerra.
Se de fato existe uma natureza
humana, a notícia, de certa forma, é boa, pensem o que pensarem os
pós-modernistas. Isso porque um aspecto bastante consistente dessa natureza tem
sido a resistência à injustiça, razão por que é tolice imaginar que a ideia de
natureza humana precise sempre funcionar de forma conservadora. Observando o
registro histórico, não é difícil concluir que a opressão política quase sempre
incitou rebeliões, por mais subjugadas e fracassadas que tenham sido. Parece
haver algo na humanidade que não se curva mansamente ante a insolência do
poder. É verdade que o poder de fato
só tem sucesso quando ganha a cumplicidade de seus subordinados. Há indícios,
contudo, de que tal cumplicidade costuma ser parcial, ambígua e temporária. As
classes governantes quase sempre são mais toleradas do que admiradas.
Se nossa natureza é puramente cultural, não há motivo para que os regimes
políticos não nos moldem para nos fazer aceitar sua autoridade sem questionar.
O fato de que geralmente eles achem muito difícil fazer isso comprova a
existência de fontes de resistência mais profundas do que as culturas locais.
Utopia e igualdade
Será, então, que Marx era um
pensador utópico? Sim, caso com isso se queira dizer que ele vislumbrava um
futuro que seria muito melhor do que o presente. Ele acreditava no fim da escassez material, da propriedade privada, da
exploração, das classes sociais e do Estado como o conhecemos. No
entanto, muitos pensadores, analisando os recursos acumulados do mundo de hoje,
considerariam a abolição da escassez material perfeitamente razoável em
princípio, por mais difícil que seja atingi-la na prática. É a política que
atrapalha. Como vimos, Marx também achava que isso envolveria a emancipação da
riqueza espiritual, humana, em escala importante. Libertados de suas limitações, homens e mulheres desabrochariam como
indivíduos de maneiras impossíveis até então. Mas não existe nada na obra de
Marx que sugira que assim alcançaríamos algum tipo de perfeição.Para
que os seres humanos exercitem sua liberdade, a condição é que sejam capazes de
abusar dela. Na verdade, tal liberdade não pode existir, em escala
considerável, sem esses abusos. Por isso, é razoável acreditar que na sociedade
comunista haveria muitos problemas, um grande número de conflitos, assim como
de tragédias irreparáveis. Haveria assassinato de crianças, acidentes
rodoviários, romances péssimos, inveja letal, ambições arrogantes, calças de
mau gosto e sofrimento inconsolável. Talvez houvesse também limpeza de
latrinas.
O comunismo tem a ver com a satisfação das
necessidades de todos, mas, mesmo numa sociedade de abundância, isso teria que
ser limitado. Como observa Norman Geras: Se como meio para o
auto-desenvolvimento (no comunismo) você precisa de um violino e eu de uma
bicicleta de corrida, isso, é de supor, está certo. Mas, se eu precisar de uma
área incrivelmente grande, do tamanho, por exemplo, da Austrália, para poder
vagar por ali ou para utilizá-la como bem me aprouver sem ser perturbado pela
presença de outros indivíduos, obviamente isso não estará certo.
Nenhuma abundância concebível
poderia satisfazer necessidades de auto-desenvolvimento dessa magnitude… e não
é difícil pensar em necessidades menos excessivas quanto às quais o mesmo se
aplica. [20] Como vimos, Marx trata o
futuro não como uma questão de especulação fútil, mas como uma extrapolação
viável do presente. Ele se preocupa não com as poéticas visões de paz e
camaradagem, mas com as condições materiais que possam permitir o surgimento de
um futuro genuinamente humano. Como materialista, ele estava alerta à natureza
complexa, recalcitrante e inacabada da realidade, e um mundo assim é
incompatível com a visão de perfeição.
Um mundo perfeito seria
aquele onde toda contingência fosse abolida, todas as colisões aleatórias, as
ocorrências casuais e os efeitos tragicamente imprevisíveis que criam a textura
de nossa vida cotidiana. Seria, igualmente, um mundo onde haveria possibilidade
de fazer justiça aos mortos e aos vivos, desfazendo os crimes e reparando os
horrores do passado. Uma sociedade assim não é possível. Nem necessariamente
desejável. Em um mundo sem choques de trens talvez também não houvesse a
possibilidade de uma cura para o câncer.Também não é possível ter uma ordem
social na qual todos sejam iguais. A queixa de que “o socialismo nos tornaria,
todos, iguais” [21] carece de fundamento. Marx não pretendia isso. Era um inimigo
figadal da uniformidade. Encarava a igualdade como um valor burgês. Via
nela o reflexo na esfera política do que chamava valor de troca, em que uma
mercadoria tem o valor nivelado com o de outra. Uma mercadoria, comentou certa
vez, é a “igualdade concretizada”. A certa altura, ele fala de um tipo de
comunismo que envolve um nivelamento social geral e o denuncia em ‘Manuscritos
econômicos e filosóficos’ como “uma negação abstrata de todo o mundo da cultura
e da civilização”.
Marx também associava a noção de
igualdade com o que ele via como a igualdade abstrata da democracia classe
média, na qual nossa igualdade formal como eleitores e cidadãos serve para
encobrir desigualdades reais de riqueza e de classe.
Em ‘Crítica ao Programa de Gotha’, Marx também
rejeita a ideia de uma igualdade de renda, já que os indivíduos têm
necessidades diferentes: alguns fazem um trabalho mais sujo ou perigoso do que
outros, alguns têm mais filhos para alimentar e daí por diante.Isso não quer
dizer que ele descartasse a ideia de igualdade sem mais aquela. Marx não tinha
o hábito de descartar ideias simplesmente por provirem da classe média, como
Marilena Chaui que odeia visceralmente a classe média.
Longe de desdenhar os ideais da
sociedade classe média, era um indefectível defensor de seus grandes valores
revolucionários de liberdade, auto-determinação e auto-desenvolvimento. Mesmo a
igualdade abstrata, para ele, era um avanço bem-vindo com relação às
hierarquias do feudalismo. Tão somente ele achava que esses valores preciosos
não tinham chance alguma de funcionar para todos enquanto o capitalismo ainda
existisse. Ainda assim, não poupava
elogios à classe-média como a formação mais revolucionária jamais testemunhada
pela história, fato que seus oponentes de classe-média curiosamente costumam
ignorar. Talvez desconfiem de que um elogio de Marx equivalha ao beijo
da morte.
Na visão de Marx, o que havia de
errado na noção prevalente de igualdade era o fato de ser abstrata demais, não
prestando a devida atenção à individualidade das coisas e das pessoas, o que
Marx chamava na seara econômica de “valor de uso”. Foi o capitalismo, e não o
socialismo, que padronizou os indivíduos. Esse é um dos motivos pelos quais
Marx desconfiava um bocado da noção de direitos. Comenta ele: própria natureza,
só pode consistir na aplicação de um padrão igual, mas indivíduos desiguais (e
eles não seriam indivíduos diversos se não fossem desiguais) são mensurados por
um padrão igual somente na medida em que estão reunidos sob um ponto de vista
igual. São encarados a partir apenas de uma óptica definida, como, no caso
presente, são encarados apenas como operários, e nada mais é visto neles, tudo
o mais é ignorado. Lá se foi, então, o
Marx que deseja nos reduzir, todos, ao mesmo nível morto. Lá se foi, também, o
Marx incapaz de ver os indivíduos senão como operários. A igualdade
para o socialismo não significa que todos sejam exatamente o mesmo, a tese seria
a mais absurda possível. Até Marx teria percebido ser mais inteligente do que o
duque de Wellington.Também não significa que a todos será concedida exatamente
a mesma quantidade de riqueza ou de recursos.
A igualdade genuína não significa
tratar todos do mesmo jeito, mas atender às necessidades diferentes de cada um
de forma igual. E esse é o tipo de sociedade pela qual ansiava Marx. As
necessidades humanas não são perfeitamente correspondentes. Não é possível
medi-las com a mesma régua. Para Marx, todos deveriam ter o mesmo direito à
auto-realização, bem como à participação ativa na formatação da vida social. As
barreiras da desigualdade, assim, cairiam por terra. O resultado disso, contudo, seria, na medida do possível, permitir que
cada um desabrochasse como o indivíduo ímpar que é. No fim das contas, para
Marx, a igualdade existe em prol da diferença. O socialismo não tem a ver com
todos usando o mesmo tipo de macacão, apesar dos atuais regimes comunistas, por
uma questão de contingência o fazerem. É o capitalismo consumidor que
veste com capricho os cidadãos em uniformes conhecidos como moletons e calças
de jogging.
Na visão de Marx, o socialismo,
dessa forma, consiste numa ordem muito mais pluralista do que aquela que temos
hoje. Na sociedade de classes, o livre auto-desenvolvimento de poucos é
comprado à custa do agrilhoamento de muitos, que, então, acabam partilhando
basicamente a mesma narrativa monótona. O comunismo, precisamente porque todos
seriam encorajados a desenvolver seus talentos individuais, seria muito mais
difuso, diversificado e imprevisível, mais como um romance modernista do que um
romance realista. Os críticos de Marx talvez zombem disso como uma fantasia,
mas não podem negar, ao mesmo tempo, que sua ordem social preferida se parece
muito com aquela do livro 1984, de George Orwell. [22]
Uma forma virulenta de utopia
atingiu a Idade Moderna, mas seu nome não é marxismo. Trata-se da noção
enlouquecida de que um único sistema global conhecido como livre mercado seja
capaz de se impor sobre as culturas e economias mais diversas e curar todas as
suas mazelas. Os propagadores dessa fantasia totalitária não costumam se
esconder, com seus rostos sinistros e fala macia, em abrigos subterrâneos como
os vilões de James Bond. Eles podem ser vistos jantando em restaurantes da moda
em Washington e passeando no gramado de suas mansões. A resposta de Theodor Adorno à pergunta sobre se Marx era ou não um
pensador utópico é um decisivo sim e não. Ele era, escreve Adorno, um inimigo
da utopia em prol de sua concretização.
Fonte: Marx Estava Certo (“Why Marx Was Right”) – Capítulo II-Terry Eagleton,
2012 – Tradução de Regina Lyra – Ed. Nova Fronteira
Por que o socialismo
sempre irá fracassar
O socialismo e o capitalismo
oferecem soluções radicalmente diferentes para o problema da escassez:
Já que é impossível que todos tenham, imediatamente
e ao mesmo tempo, tudo aquilo que querem, como então podemos decidir de modo
eficaz quem irá controlar os recursos que temos? A solução que for escolhida
trará profundas implicações. Ela pode
significar a diferença entre prosperidade e empobrecimento, trocas voluntárias
e coerção política, liberdade e totalitarismo.
O sistema capitalista soluciona o
problema da escassez ao reconhecer o direito à propriedade privada honestamente
adquirida. O primeiro a utilizar um
determinado bem torna-se o seu proprietário.
Outros podem adquiri-lo por meio de trocas e contratos voluntários. Mas
até que o dono da propriedade decida fazer um contrato para comercializar sua
propriedade, ele pode fazer o que quiser com ela, desde que ele não interfira
na propriedade alheia, danificando-a fisicamente.
O sistema socialista tenta solucionar
o problema da propriedade de uma maneira completamente diferente. Assim
como no capitalismo, as pessoas podem ser donas de bens de consumo. Mas no socialismo, diferentemente do
capitalismo, as propriedades que servem como meios de produção são coletivizadas,
não possuindo proprietários. Nenhuma pessoa pode ser dona das máquinas e
dos outros recursos utilizados na produção de bens de consumo. É a humanidade, por assim dizer, a dona
desses recursos.
Apenas um tipo de pessoa pode comandar os meios de
produção: os "zeladores" do sistema, aqueles que controlam todo o
arranjo socialista.
As leis econômicas garantem que a
socialização dos meios de produção sempre irá gerar efeitos econômicos e
sociológicos perniciosos. Qualquer
experimento socialista sempre acabará em fracasso, por cinco motivos:
1)-
Primeiro, o socialismo resulta em
menos investimentos, menos poupança e um padrão de vida menor.
Quando o socialismo é inicialmente imposto, a propriedade precisa ser
redistribuída. Os meios de produção são confiscados dos atuais usuários e produtores,
e entregues à comunidade de "zeladores". Mesmo que os proprietários e usuários tenham
adquirido os meios de produção via consentimento voluntário dos usuários
anteriores, os meios serão transferidos a pessoas que, na melhor das hipóteses,
tornar-se-ão usuárias e produtoras de coisas que elas não possuíam
anteriormente.Sob esse sistema, os proprietários e usuários anteriores são
penalizados em prol dos novos donos. Os não-usuários, não-produtores e não-contratantes
dos meios de produção são favorecidos ao serem promovidos à posição de
zeladores de propriedades que eles não utilizaram, não produziram ou não
alugaram para usar. Assim, a renda dos
não-usuários, não-produtores e não-contratantes aumenta. O mesmo é válido para o não-poupador que se
beneficiou à custa do poupador cuja propriedade poupada foi confiscada.Torna-se
claro, portanto, que, se o socialismo favorece o não-usuário, o não-produtor, o
não-contratante e o não-poupador, ele necessariamente eleva os custos sobre os
usuários, os produtores, os contratantes e os poupadores. É fácil entender por que haverá menos pessoas
exercendo essas últimas funções. Haverá
menos apropriações originais dos recursos naturais, menos produção de novos
fatores de produção e menos contratantes.
Haverá menos preparação para o
futuro porque todos os investimentos secarão.
Haverá menos poupança e mais consumo, menos trabalho e mais lazer.Isso
significa menos bens de consumo disponíveis para trocas, o que leva a uma
redução do padrão de vida de todos. Se
as pessoas estiverem dispostas a se arriscar para obtê-los, elas terão de ir
para o mercado negro e para a economia informal, onde poderão tentar
contrabalançar essas perdas.
2)-
Segundo, o socialismo resulta em escassez,
ineficiências e desperdícios assombrosos. Essa foi a
grande constatação de Ludwig von Mises, que ainda em 1920 já havia descoberto
que o cálculo econômico racional é impossível sob o socialismo. Ele mostrou que, em um sistema coletivista,
os bens de capital serão, na melhor das hipóteses, utilizados na produção de
bens de segunda categoria; na pior, na produção de coisas que não satisfazem
absolutamente nenhuma necessidade.A constatação de Mises é simples, porém
extremamente importante: como no socialismo os meios de produção não podem ser
vendidos, não existem preços de mercado para eles. Assim,
seu "zelador" não pode determinar os custos monetários envolvidos na
fabricação ou na modificação das etapas dos processos de produção. Tampouco pode ele comparar esses custos à
receita monetária das vendas. E como ele
não tem a permissão de aceitar ofertas de outros empreendedores que queiram
utilizar seus meios de produção, ele não tem como saber quais as oportunidades
que está perdendo. E sem conhecer as
oportunidades que está perdendo, ele não tem como saber seus custos. Ele não tem nem como saber se a maneira como
ele está produzindo é eficiente ou ineficiente, desejada ou indesejada,
racional ou irracional. Ele não tem como
saber se está satisfazendo as necessidades mais urgentes ou os caprichos mais
efêmeros dos consumidores.Ou seja, a propriedade comunal dos meios de
produção (por exemplo, das fábricas) impede a existência de mercados para bens
de capital (por exemplo, máquinas). Se
não há propriedade privada sobre os meios de produção, não há um genuíno
mercado entre eles. Se não há um mercado
entre eles, é impossível haver a formação de preços legítimos. Se não há preços, é impossível fazer qualquer
cálculo de preços. E sem esse cálculo de
preços, é impossível haver qualquer racionalidade econômica, o que significa que uma economia planejada
é, paradoxalmente, impossível de ser planejada.
Sem preços, não há cálculo de lucros e prejuízos, e
consequentemente não há como direcionar o uso de bens da capital para atender
às mais urgentes demandas dos consumidores da maneira menos dispendiosa
possível. No capitalismo, o livre
mercado e o sistema de preços fornecem essa informação ao produtor. A
propriedade privada sobre o capital e a liberdade de trocas resultam na
formação de preços (bem como salários e juros), os quais refletem as
preferências dos consumidores e permitem que o capital seja direcionado para as
aplicações mais urgentes, ao mesmo tempo em que o julgamento empreendedorial
tem de lidar constantemente com as contínuas mudanças nos desejos dos
consumidores. Já no socialismo, não há preços para os bens de capital e não há
oportunidades de trocas voluntárias. O
"zelador" fica à deriva e no escuro.
E como ele não conhece a situação de sua atual estratégia de produção,
ele não sabe como melhorá-la. Quanto
menos os produtores podem calcular e fazer aprimoramentos, maior a
probabilidade de desperdícios e escassezes. Em uma economia na qual o mercado consumidor
para seus produtos é muito grande, o dilema do produtor é ainda pior. Desnecessário dizer que, quando não há um
cálculo econômico racional, a sociedade irá afundar em um empobrecimento
progressivamente deteriorante. Qualquer passo rumo ao socialismo é um passo
rumo à irracionalidade econômica.
3)-
Terceiro, o socialismo resulta na
utilização excessiva dos fatores de produção, até o ponto em que eles se tornam
completamente dilapidados e vandalizados. Um
proprietário particular em um regime capitalista tem o direito de vender seu
fator de produção no momento em que ele quiser, e manter para si as receitas da
venda. Sendo assim, é do seu total
interesse evitar perdas no valor de seu capital. Como ele é o dono, seu objetivo é maximizar o
valor do fator responsável pela produção dos bens e serviços por ele vendidos.A
situação do "zelador" socialista é inteiramente diferente. Como ele não pode vender seu fator de
produção, ele tem pouco ou nenhum incentivo para fazer com que seu capital
retenha valor. Seu estímulo, ao
contrário, será aumentar a produção sem qualquer consideração para com as
consequências disso sobre o valor de seu fator de produção, o qual, por causa
do uso constante e desmedido, só irá cair.
Há também a hipótese de que, caso o zelador vislumbre uma oportunidade
de utilizar seus meios de produção em benefício privado, como produzir bens
para serem vendidos no mercado negro, ele terá o incentivo de aumentar a
produção à custa do valor do capital, consumindo completamente o
maquinário. Afinal, ele não tem nada a
perder e tudo a ganhar. Não importa
como você veja: quando não há propriedade privada e livre mercado, ou seja,
quando há socialismo, os produtores estarão propensos a consumir o capital até
sua completa inutilização.O consumo de capital leva ao empobrecimento.
4)-
Quarto, o socialismo leva à redução
da qualidade dos bens e serviços disponíveis ao consumidor.
Sob o capitalismo, um empresário pode preservar e expandir sua empresa
apenas se ele for capaz de recuperar seus custos de produção. E como a demanda pelos produtos de sua
empresa depende da avaliação que os consumidores fazem do preço e da qualidade
(sendo o preço um critério de qualidade), a qualidade dos produtos tem de ser
uma preocupação constante para os produtores.
Isso só é possível se houver propriedade privada e trocas voluntárias de
mercado.Sob o socialismo, as coisas são diferentes. Não apenas os meios de produção são coletivamente
geridos, como também é coletiva a renda obtida com a venda de toda a
produção. Isso é outra maneira de dizer
que a renda do produtor tem pouca ou nenhuma conexão com a avaliação que os
consumidores fazem do seu trabalho.
Todos os produtores, obviamente, sabem desse fato.Assim, o produtor não tem motivos para fazer
um esforço especial para melhorar a qualidade do seu produto. Em vez disso, ele irá dedicar menos tempo e
esforço para produzir o que os consumidores querem e gastar mais tempo fazendo
o que ele quer. O socialismo é um
sistema que incentiva os produtores a serem preguiçosos.
5)-
Quinto, o socialismo leva à
politização da sociedade. Dificilmente pode existir algo
pior para a produção de riqueza.O socialismo, pelo menos em sua versão
marxista, diz que seu objetivo é a completa igualdade. Os
marxistas observam que, uma vez permitida a propriedade privada dos meios de
produção, está permitida a criação de diferenças sociais. Ao abolir de uma só vez a propriedade privada
dos meios de produção, dizem os marxistas, todos passarão a ser
co-proprietários de tudo. E isso seria o
mais justo, pois estaria refletindo a igualdade de todos como seres humanos.A
realidade, porém, é muito diferente. Declarar que todos são co-proprietários de
tudo irá solucionar apenas nominalmente as diferenças de posse. Mas não irá resolver o real e fundamental
problema remanescente: ainda existirão diferenças no poder de controlar o que
será feito com os recursos.No capitalismo, a pessoa que é dona de um
recurso pode também controlar o que será feito com ele. Em uma economia socializada, isso não se
aplica, pois não mais existem proprietários.
Não obstante, o problema do
controle continua. Quem irá decidir o
que deve ser feito com o quê? No
socialismo, só há uma maneira: as pessoas resolvem suas desavenças a respeito
do controle da propriedade sobrepondo uma vontade à outra. Enquanto existirem diferenças, as pessoas
irão resolvê-las por meios políticos.Se as pessoas quiserem melhorar
sua renda sob o socialismo, elas terão de ascender a posições mais valorizadas
dentro da hierarquia dos "zeladores".
Isso
requer talento político (que nem todos tem). Sob tal
sistema, as pessoas terão de despender menos tempo e esforço desenvolvendo suas
habilidades produtivas e mais tempo e esforço aprimorando seus talentos
políticos. À medida que as pessoas vão
abandonando seus papeis de produtoras e usuárias de recursos, percebe-se que
suas personalidades vão se alterando.
Elas deixam de cultivar a capacidade de antecipar situações de escassez,
de aproveitar oportunidades produtivas, de estar alerta a possibilidades
tecnológicas, de antecipar mudanças na demanda do consumidor e de desenvolver
estratégias de marketing. Elas perdem a capacidade da iniciativa, do
trabalho e da resposta aos anseios de terceiros. Nesse cenário, as pessoas
passam a desenvolver a habilidade de mobilizar apoio público em favor de suas
próprias posições e opiniões, utilizando-se de artifícios como demagogia, poder
de persuasão retórica, promessas, esmolas e ameaças. Sob o socialismo, as pessoas que ascendem ao
topo são diferentes das que o fazem sob o capitalismo. Quanto
mais alto você olhar para uma hierarquia socialista, mais você encontrará
pessoas excessivamente incompetentes para fazer o trabalho que supostamente
deveriam fazer. Não é nenhum
obstáculo para a carreira de um político-zelador ser imbecil, indolente,
ineficiente e negligente. Só é
necessário que ele tenha boas habilidades políticas. Isso é uma receita cera para o
empobrecimento de qualquer sociedade.
NOTAS DE REFERÊNCIAS:
[1] Mas se por ‘Utopia’ entendermos apenas um
‘não-lugar’, algo que ainda não temos, então a utopia pode ser o nosso
horizonte, a direção para a qual seguirmos, como tão belamente ilustrado nas
frases de Eduardo Galeano e de Oscar Wilde na barra lateral esquerda do blog.
[N.M.]
[2] Um dos melhores estudos dos
significados mais positivos da ideia pode ser encontrado em JAMESON, Fredric. Archaeologies
of the Future. Londres: Verso Books, 2005.
[3] http://novo.fpabramo.org.br/content/noticias-de-lugar-nenhum [N.M.]
[4] MARX, Karl; ENGELS, Friedrich.
The German Ideology (A ideologia alemã). Londres: Lawrence and Wishart, 1974.
[original] –
http://marxists.catbull.com/portugues/marx/1845/ideologia-alema-oe/index.htm e
http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/Titulos/visualizar/a-ideologia-alema
[N.M.]
[5] Em outros capítulos do livro
do qual o texto faz parte. [N.M.]
[6] MARX, Karl. The Civil War in France (A guerra
civil na França). Nova York, 1972, p. 134.
[7] Em referência ao ensaio
“Esquerdismo, doença infantil do comunismo”. (N.T.) –
https://www.marxists.org/portugues/marx/1871/guerra_civil/ e http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/titles/view/a-guerra-civil-na-franca
[N.M.]
[8] Expressão de Francis Fukuyama
na época da queda da antiga URSS e repetida à exaustão durante a década de 90,
e atualmente ridicularizada, principalmente após a crise de 2008 [N.M.]
[9]
https://www.marxists.org/portugues/marx/1852/brumario/ e
http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/titles/view/o-18-de-brumario-de-luis-bonaparte
[N.M.]
[10] WILLIAMS, Raymond. Culture
and Society 1780-1950 (Cultura e sociedade). Harmondsworth: Penguin, 1985, p. 320.
[11] Ver os artigos ‘A Gente
Trabalha Demais, Mas Não Precisa Ser Assim’ e ‘Políticas Para Se Arranjar Uma
Vida’, de Peter Frase [N.M.]
[12] E vai ficando cada vez mais
difícil sustentar à sério esse tipo de afirmação – ver o artigo ‘Como Vai
Acabar o Capitalismo?”, de Wolfgang Streeck [N.M.]
[13] GERAS, Norman. Marx and Human Nature: Refutations of a Legend.
Londres: Verso Editions e NLB, 1983.
[14] EAGLETON, Terry. The Illusions of Postmodernism (As ilusões do
pós-modernismo). Oxford: Blackwell, 1996, p. 47.
[15] Vide DOYAL, Len; HARRIS, Roger. “The Practical Foundations of Human
Understanding”, New Left Review, nº 139 (maio/jun. de 1983).
[16]
https://www.marxists.org/portugues/marx/1844/manuscritos/ e
http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/titles/view/manuscritos-economico-filosoficos
.
[17] Para um contra-argumento, ver
EAGLETON, Terry, op. Cit.
[18] ver nota 16. [N.M.]
[19]
http://www.boitempoeditorial.com.br/v3/titles/view/a-sagrada-familia [N.M.]
[20] GERAS, Norman. “The Controversy
about Marx and Justice”, New Left Review, nº 150 (mar./abr. de 1985), p. 82.
[21] ver também “Os Socialistas
Querem Tornar Todos Iguais? Querem Acabar Com a Nossa Individualidade?” [N.M.]
[22] ‘Sua’, no caso, refere-se à
dos críticos, não de Marx. [N.M.]
Apostolado
Berakash
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