Dom Estevão
Bettencourt (OSB)
Esta proposição é
aparentemente ditada pelo bom senso, Mas… reflitamos um pouco.
Nenhum cristão negará
que o pecado é desobediência do homem a Deus, derrogação aos direitos do
Soberano Senhor.
Só Deus pode perdoar,
pois a criatura não tem títulos próprios que ela possa fazer valer diante do
Criador. Se, não obstante, o Senhor quer indulgenciar, Ele pode muito bem
ter-se reservado o direito de indicar ao homem a via pela qual se há de
reconciliar.
Foi o que de fato se deu. Jesus
no Evangelho ensinou-nos, de um lado, que não há pecado irremissível, mas, de
outro lado, que o ministério da remissão foi confiado aos sacerdotes.
Com efeito, o Senhor,
antes da Paixão, prometeu a Pedro (Mt 16,19) e a todos os Apóstolos (Mt 18,18)
o poder de ligar e desligar validamente na terra e no céu.
Mais tarde, no dia
mesmo da ressurreição, entregou-lhes esta faculdade, quando, aparecendo aos
onze discípulos, lhes disse:
“Assim com o Pai me enviou, eu
também vos envio”.A seguir, soprando sobre eles, continuou:“Recebei o Espírito
Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, serão perdoados; àqueles a quem os
detiverdes (não perdoardes), serão detidos” (Jo 20,22s).
As
expressões “ligar” e “desligar” eram assaz comuns na linguagem dos rabinos:
“ligar” significava
“usar de rigor”; “desligar” equivalia a “usar de brandura”. Na casuística
judaica, dizia-se comumente: “Neste ponto, Rabi Chamai liga. Rabi Hillel
desliga”; o que significava: “Chamai proíbe, Hillel permite”.
Nos termos acima, portanto,
Jesus fez dos seus Apóstolos os árbitros das consciências, habilitando-os a
proferir sentenças de absolvição ou censura que seriam confirmadas no céu.
Ora quem constitui um
árbitro não pode deixar de lhe outorgar os meios necessários para que exerça
equitativamente a arbitragem. Entre esses meios, está o conhecimento exato do
assunto a julgar, da culpabilidade, das disposições do réu.
Já que estes elementos
pertencem ao foro da consciência e não se manifestam senão por confissão,
segue-se que Jesus, com o poder das chaves, entregou aos seus ministros a
incumbência de ouvir a confissão sacramental dos pecadores; somente depois
desta acham-se habilitados a absolver ou repreender em nome de Deus.
A prática dos
cristãos desde o início da Igreja confirma esta dedução: a confissão aos bispos
e sacerdotes é largamente atestada pelos documentos da antiga literatura
cristã.
Pergunta-se,
porém: porque será que Jesus quis que a remissão dos pecados se fizesse
mediante os ministros da Igreja?
1)- Lembremo-nos de
que o pecado não é um ato que atinja Deus e o pecador apenas; tem profundas
consequências espirituais (às vezes também temporais e concretas) para os
demais homens, pois Deus nos fez solidários entre nós tanto nos méritos como
nos deméritos; principalmente os cristãos se acham unidos entre si na chamada
“comunhão dos santos”.
2)- Se, pois, o
pecado redunda em detrimento para a comunidade dos irmãos na fé, que constituem
a Igreja, compreende-se que a remissão outorgada por Deus passe pelo ministério
ou pelos ministros da Igreja; são estes que representam a comunhão dos santos e
o próprio Deus. É, por conseguinte, a eles que o pecador arrependido deve
procurar, a fim de professar o mal cometido e esperar a remissão que Deus se
dignará fazer passar por eles.
3)- Eis o motivo por
que nas circunstâncias normais (não falamos dos casos em que é impossível
procurar o sacerdote) não há perdão de pecado em caráter meramente particular,
mediante oração do pecador emitida diretamente ao Senhor.
Pretender isto seria
desconhecer o plano de Deus, que determinou santificar-nos e consumar-nos em
solidariedade mútua, numa comunhão fraterna, num grande Corpo Místico, que é a
Igreja.
4)- Do que foi dito
se segue que o cristão não confessa os seus pecados ao sacerdote porque julgue
que este é isento de faltas (tem-nas, como todo indivíduo humano); nem é da
santidade do ministro que ele espera receber absolvição. Não; o sacerdote, ao
absolver, nada confere de seu; procede qual mero instrumento a quem o Senhor
gratuitamente conferiu o Espírito Santo para discernir o estado de alma do
penitente e proferir em nome do Senhor a absolvição. Desde que o sacerdote,
sacralmente habilitado pela Igreja, tenha a intenção de fazer o que Cristo
faria, é realmente Cristo quem por ele absolve, independentemente das virtudes
ou dos defeitos do respectivo ministro.
5)- Estas noções
também concorrem para evidenciar que a confissão sacramentai não se pode
confundir com psicoterapia religiosa; verdade é que entre os seus efeitos pode
estar o alívio de ânimo do penitente, alívio proporcionado pelo “desabafo” da
consciência, pelos conselhos dados por um confessor compreensivo, douto,
virtuoso, etc. Contudo, mesmo que falte ao sacerdote um tino psicológico
esmerado (qualidade certamente preciosa), o seu ministério é válido e a confissão
do pecador frutuosa, em virtude da absolvição sacramental, porque o encontro do
penitente com o sacerdote se verifica num plano sobrenatural, em que Deus age
ultrapassando as capacidades meramente humanas do seu ministro.
Por este motivo, entende-se que
confissão e direção espiritual possam ser separadas uma da outra.
A direção, que
consiste em orientar os fiéis no andamento geral de sua vida interior, não
pertence propriamente ao rito do sacramento; por isto a sua eficiência não é
garantida pelo poder transcendente das chaves, mas depende, em grande parte,
das aptidões naturais, do cabedal de cultura e principalmente do grau de união
com Deus que o diretor possua. Donde se vê que, embora todo sacerdote aprovado
pela Igreja possa ser confessor, não qualquer um é apto diretor de consciência;
tal há de ser escolhido de acordo com o estado de alma de cada um dos fiéis.
As verdades acima nos
fazem ver também que a atitude de quem se chega ao sacramento da confissão,
está longe de ser uma atitude de autodefesa, de reconhecimento “mercadejado”
das próprias faltas. Muito ao contrário, para usufruir em grau máximo do perdão
que lhe é oferecido, o penitente procura identificar-se, tanto quanto possível,
com a Justiça de Deus; procura desfazer-se do seu egoísmo e transpor-se para o
lado do Senhor Santo, a fim de ver e apontar os seus defeitos como Deus os vê e
aponta.
É,
pois, em espírito de sinceridade que não sabe encobrir o mal, mas o denuncia
para dele se separar, que o cristão se acusa no confessionário.
ATENÇÃO
!!! ATENÇÃO !!!A confissão de faltas a um representante de Deus, outrora
rejeitada por Lutero, tem sido mais e mais valorizada pelos protestantes dos
últimos decênios.
Haja vista o VII
Congresso Evangélico Alemão realizado em Frankfurt de 8 a 12 de Agosto de 1956:
um dos relatores apresentou eloquente dissertação sobre o valor da confissão,
da qual se pode destacar o seguinte trecho:
“Pertence à essência do homem
ser responsável. Nós, porém, tendemos a nos desfazer da responsabilidade por
expedientes cômodos. Se confessamos as nossas faltas a um irmão, então, e
somente então, temamo-las a série, trazemo-las à luz; elas nos custam rubor e
vergonha, somos obrigados a reconhece-Ias e a reconhecer a nossa
responsabilidade. Em tal caso, porém, o pecado deixa de ser agradável, como
agradável é a culpa acariciada e oculta; torna-se amargo. Separamo-nos dele. O
pecado uma vez trazido à luz, perde muito do seu poder sedutor.Não diga alguém
“Pequei” apenas. Não te queiras entrincheirar atrás de tão generalizadas
confissões como: “Todos nós somos pecadores”. Tais são muito frequentemente
meros subterfúgios mediante os quais o homem quer escapar a uma intervenção
punitiva e santificante de Deus. Fala daquilo que cometeste pessoalmente. Faze,
para isto, uma confissão individual. Esta ajuda o pecador a começar de novo; a
confissão não deve concorrer para que o pecado continue a viver no indivíduo”
(Herder-KorrespondenZj Oktober 1956, XI I).
Como se vê, são
apenas razões psicológicas ou psicoterápicas que o orador cita em favor da
confissão; não considera o seu aspecto sacramental, ou seja, a comunicação da
graça que se faz independentemente do que o confessor e o penitente possam
“sentir ou experimentar”.
Contudo já esta
atitude representa grande novidade, se se considera que é tomada pelo
representante de uma ideologia que a princípio rejeitou peremptoriamente a
confissão individual dos pecados.
Por ocasião do mesmo Congresso
de Frankfurt, foram praticadas a confissão auricular e a abertura de
consciência em trinta lugares diferentes da cidade, às vezes até altas horas da
noite.
Depois do Congresso,
o pastor H. Schieber de Stuttgart declarou aos seus fiéis que, a partir do dia
23 de Setembro seguinte, na “Paul-Gerhardt Kirche”, teriam diariamente a
oportunidade de se confessar entre 7,30 e 8,30 horas, antes do Ofício
religioso.
Tais fatos,
inspirados peia sinceridade de pessoas que realmente procuram a Deus,
indiretamente atestam que a confissão auricular não é instituição de homens
prepotentes, mas é praxe espontânea à natureza humana.
Praxe que, além de conferir
benefícios de ordem psicológica, foi elevada por Jesus Cristo à dignidade de
sacramento ou canal pelo qual Deus nos vem ao encontro.
Dom
Estevão Bettencourt (OSB)
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