Por *Francisco José Barros
Araújo
ARGUMENTOS QUE DEFENDEM O JULGAMENTO DE JESUS como INJUSTO
O julgamento de Jesus
foi um processo injusto e ilegal. Jesus foi condenado à morte unicamente por causa
da inveja de seus acusadores. Jesus foi julgado primeiro pela
lei judaica, depois pela lei romana. Antes mesmo de prenderem Jesus, os líderes
religiosos dos judeus já tinham decidido que Ele deveria morrer (Lucas 22,1-2).
Eles não queriam matá-lo porque tinha cometido um crime. Eles estavam
com inveja e se sentiam ameaçados com a popularidade de Jesus. Na noite em que foi
preso, Jesus foi levado para a casa de Anás, o sogro do sumo-sacerdote Caifás.
Anás depois enviou Jesus a Caifás, para ser julgado pelo Sinédrio. Durante
essa noite os chefes dos sacerdotes e os membros do Sinédrio interrogaram Jesus
e procuraram motivos para o condenar. Mas Jesus se manteve calado e não
respondeu às acusações deles (Marcos 14,60-61).Então o Sinédrio
procurou testemunhas que fizeram falsas acusações contra
Jesus (?). Mas todas as acusações feitas contra Jesus eram incoerentes. Por
isso, perguntaram para Jesus se Ele era o "Cristo, o Filho de Deus". Jesus sem titubear, firmemente respondeu que sim, e eles aceitaram isso como prova de blasfêmia (Mateus 26,63-65).
O julgamento romano
De manhã cedo, os
líderes religiosos do povo levaram Jesus a Pilatos, o governador romano. Apenas
Pilatos poderia ordenar a morte de Jesus. O Sinédrio não tinha esse direito. Para
convencer Pilatos, os líderes dos judeus acusaram Jesus de promover a rebelião
contra o império romano, proibindo as pessoas de pagar impostos e se declarando
rei (Lucas 23,1-2). Pilatos interrogou Jesus mas não encontrou motivos legais para o
condenar, por isso enviou Jesus para Herodes, o rei da Galiléia, porque Jesus
era galileu. Herodes estava curioso para conhecer
Jesus e queria ver algum milagre. Ele
interrogou Jesus mas Jesus não respondeu. Herodes então ridicularizou Jesus e o enviou de volta a Pilatos, vestido com um
manto bonito, como se fosse um rei (Lucas 23,11-12). Pilatos entendeu que
Jesus era inocente e que os líderes religiosos estavam agindo por inveja. Ele
tentou livrar Jesus usando a tradição de soltar um preso na época da Páscoa.
Mas, em vez de escolher Jesus, o povo escolheu um criminoso chamado Barrabás. Pilatos
então decidiu açoitar Jesus como castigo mas isso não acalmou a multidão, que
continuou a insistir que Jesus deveria morrer (João 19,4-6).Os judeus começaram a dizer que Pilatos não era amigo do
imperador, porque estava protegendo Jesus, que estava promovendo a rebelião
contra César (João 19,12). Diante dessa acusação perigosa, Pilatos negou sua
responsabilidade pelo destino de Jesus e o entregou para ser crucificado. Os soldados romanos levaram Jesus e o crucificaram.
Qual foi o propósito do julgamento de Jesus?
Tudo que aconteceu no
julgamento de Jesus foi injusto. O julgamento no
Sinédrio foi uma farsa, para manter a aparência de justiça e encontrar uma
desculpa para matar Jesus. No
julgamento perante Pilatos e Herodes, ficou claro que Jesus era inocente mas os
romanos cederam à pressão do povo e ignoraram a justiça. Ele foi preso sem culpa, acusado
sem indícios, julgado sem testemunhas legais e condenado a uma pena errada ao
crime que era acusado. A ira dos poderosos crucificou Jesus. Jesus era
inocente. O julgamento de Jesus realçou o pecado do mundo. A perfeição de Jesus
incomoda quem vive no pecado. Mas Jesus já sabia que tudo isso tinha de
acontecer. Ele precisava morrer pelos pecados de todos. Parecia o triunfo do
mal e da injustiça, mas três dias depois Jesus ressuscitou e o bem venceu!
FOI DADO O "AMPLO DIREITO DE DEFESA A JESUS" TANTO PELA
LEI HEBRAICA QUANTO ROMANA?
Segundo o evangelista
João (Jo 18,12-14), os condutores de Jesus o levaram primeiramente a Anás, que era sogro
de Caifás, o sumo sacerdote naquele tempo. No entanto, o evangelista
não nos esclarece porque primeiro Jesus foi levado por seus condutores a Anás. Portanto,
com respeito ao transcurso dos eventos do julgamento de Jesus Cristo face as
narrativas disponíveis, podemos, seguramente, apresentar a seguinte linha
cronológica como resumo do transcorrido:
-Jesus foi preso à noite;
-Jesus foi
traído por um dos seus discípulos que se chamava Judas. Ele encarregou-se de
levar uma tropa ao jardim do Getsemâni, de onde Jesus seria conduzido;
-Jesus
foi preso e inquiridos diante do Sinédrio judaico; Jesus foi insultado e
agredido durante sua inquirição perante as autoridades judaicas;
-As testemunhas
de acusação que depuseram no Sinédrio não ofereceram relatos coerentes;
-Jesus
foi acusado de ameaçar destruir o templo dos judeus; Jesus foi acusado de
blasfémia, por declarar-se filho de Deus; Jesus foi considerado incurso na pena
de morte;
-Jesus foi conduzido ao pretório na manhã seguinte à sua prisão; Jesus
foi apresentado e interrogado por Pilatos; Pilatos pergunta Jesus se ele é, de
fato, o rei do Judeus, ao que Jesus disse “Tu o dizes”;
-As pessoas reunidas
diante do pretório ameaçaram Pilatos de prevaricação em respeito ao seu dever
de submissão a César;
-A aglomeração de pessoas presentes no local incitou
Pilatos a condená-lo à crucificação;
-Finalmente, Pilatos ordena que Jesus seja
crucificado.
CONTEXTUALIZAÇÃO E ASPECTOS DO DIREITO HEBRAICO
Não basta generalizar
todos membros do Sinédrio tratando-os como pessoas sem moral e sem nenhum
princípio. Estes homens apesar de todos os seus defeitos, eram doutores e
mestres da lei, não estavam ali por acaso.E a sua observância da lei estava
acima de qualquer coisa.Temos que lembrar que eles não eram seguidores diretos
de Cristo, mas unicamente da lei Mosaica, é dentro deste contexto que
precisamos também, enquadrá-los e não usando os nossos critérios de hoje para
aquele período e contexto, do contrário caímos no anacronismo, que é julgar o
passado com a nossa mentalidade do presente. Este homens foram massivamente
educados a preferiam a morte a contrariar a Torah:
I Macabeus 1,62: “Numerosos
foram os israelitas que tomaram a firme resolução de não comer nada que fosse
impuro. Preferiram a morte antes
que se manchar com alimentos impuros...”
I Macabeus 2,32-39:
"Os sírios arremessaram-se ao encalço deles e os alcançaram, depois se prepararam para agredi-los em dia de sábado.
33. Isso basta, gritaram-lhes eles, saí, obedecei à ordem do rei e
vivereis.” 34. Não sairemos, replicaram os judeus, e não obedeceremos às ordens
do rei, com a profanação do dia de sábado. 35.Instantaneamente os sírios travaram combate contra eles; 36.mas eles não
responderam, não atiraram uma só pedra e não obstruíram as entradas dos
esconderijos. 37.Que
morramos todos inocentes. O céu e a terra nos servirão de testemunhas de que
nos matais injustamente.38.E foi assim que os inimigos se lançaram
sobre eles em dia de sábado. Eles
morreram com suas esposas, seus filhos e seu rebanho. Eram cerca de mil
pessoas. 39.Matatias e seus amigos o souberam e
comoveram-se muito."
Levítico
24,16:
“E aquele que blasfemar o nome do Senhor, certamente morrerá; toda a
congregação certamente o apedrejará; assim o estrangeiro como o natural,
blasfemando o nome do Senhor, será morto”.
João
19,4-11:
“Mais uma vez, Pilatos saiu e disse aos judeus: Vejam, eu o estou trazendo a
vocês, para que saibam que não acho nele motivo algum de acusação. 5Quando
Jesus veio para fora, usando a coroa de espinhos e a capa de púrpura,
disse-lhes Pilatos: Eis o homem! 6Ao vê-lo, os chefes dos sacerdotes e os
guardas gritaram: Crucifica-o! Crucifica-o! Mas Pilatos respondeu: Levem-no
vocês e crucifiquem-no. Quanto a mim, não encontro base para acusá-lo.7Os
judeus insistiram: Temos uma lei e, de acordo com essa lei, ele deve morrer, porque se
declarou Filho de Deus.8Ao ouvir isso, Pilatos ficou ainda mais
amedrontado 9e voltou para dentro do palácio. Então perguntou a Jesus: De onde
você vem?, mas Jesus não lhe deu
resposta.10Você se nega a falar comigo?, disse Pilatos.
Não sabe que eu tenho autoridade para libertá-lo e para crucificá-lo?
11Jesus respondeu: Não terias nenhuma autoridade sobre mim se esta não te fosse
dada de cima. Por isso, aquele (Judas) que me entregou a ti é culpado de
um pecado maior".
Jeremias
26,11:
“Então falaram os sacerdotes e os profetas aos príncipes e a todo o povo,
dizendo: Este
homem é réu de morte, porque profetizou contra esta cidade, como
ouvistes com os vossos ouvidos”
Mateus
26,60-66:
“Compareceram duas testemunhas que alegaram: 61Este homem afirmou: Tenho poder para destruir o santuário
de Deus e reconstruí-lo em três dias. 62Então
o sumo sacerdote levantou-se e interrogou a Jesus: Não tens o que responder a
estes que depõem contra ti? 63Mas Jesus manteve-se em silêncio. Diante do que o
sumo sacerdote lhe intimou: Eu te coloco
sob juramento diante do Deus vivo e exijo que nos digas se tu és o Cristo, o
Filho de Deus? 64Tu mesmo o declaraste, afirmou-lhe Jesus. Contudo, Eu
revelo a todos vós: Chegará o dia em que vereis o Filho do homem assentado à direita do Todo-Poderoso, vindo sobre as
nuvens do céu.65Diante disso, o sumo sacerdote rasgou as suas vestes
denunciando: Ele blasfemou! Por que necessitamos de outras testemunhas? Eis que
acabais de ouvir tal blasfêmia.66 Que vos parece? Responderam eles: Culpado e
merecedor de morte. Então cuspiram-lhe no rosto e lhe davam punhadas, e outros
o esbofeteavam, Dizendo: Profetiza-nos, Cristo, quem é o que te bateu?...”
O direito hebraico é um
direito eminentemente confessional (aplicável aos judeus que professam o
judaísmo) e teocrático (baseado em leis divinas). Ele se reveste de duas fontes
normativas fundamentais:
1)-A torah (Em
hebraico, lei ou instrução)
2)-E o talmude (Do
hebraico: estudo), subdivindo-se esse último na Mishná (Do hebraico: repetição, do verbo
estudar e revisar), e na Guemará (Do aramaico: “estudar” ou “aprender por
tradição”).
A torah compreende os
livros sagrados para o judaísmo, atribuídos a uma personagem famosa na
história dos hebreus, que marcou a saída do Egito, Moisés. A Torah corresponde
ao pentateuco bíblico e reúne cinco livros que além de narrar a história
fundacional dos judeus, compreendo um conjunto de leis
rituais, morais e sociais,
observadas pelos judeus.O talmude reúne um
conjunto de estudos rabínicos sobre a Torah, sendo que a Mishná é a tradição
oral compilada no talmude, elucidativa dos pormenores de observância das leis,
e a guemará, a parte do talmude que contém a jurisprudência, por assim dizer, a
interpretação e análise legal da mishná: o conjunto de debates e
opiniões dos rabinos sobre sua aplicação e adequação da mishná à torah.Como qualquer outra codificação da antiguidade oriental, a
Torah não cuidou de estabelecer normas processuais rígidas.Aliás, neste contexto,
as normas relativas a processo são extremamente exíguas. É possível afirmar que os
orientais preferissem “improvisar” em matéria de processo que estabelecer
formas rígidas para os procedimentos judiciais. Os judeus, contudo, não
formado sob esta ótica do direito codificante, os procedimentos não se
constituem a questão mais importante.
Apesar disso, é plenamente possível
vislumbrar “algumas regras processuais” pertinentes
para fundamentar esta matéria provocativa e com algumas linhas de elucidação,
não pretendendo encerrar o assunto:
1)- A primeira regra diz respeito à validade de uma
acusação.
Para
que uma acusação fosse válida era necessário que fosse confirmada por duas
testemunhas independentes, previamente advertidas do compromisso de dizer a
verdade. Assim sendo, ninguém seria dado como culpado pela oitiva de
uma única pessoa. Tal regra está codificada na torah judaica e corresponde ao disposto no
livro de Deuteronômio 19,15-21: “Uma só testemunha não poderá
levantar-se contra alguém por causa de qualquer iniquidade ou por causa de
qualquer pecado que cometer; pela boca de duas testemunhas ou três testemunhas se
estabelecerá o fato. 16Se uma
testemunha maliciosa se levantar contra alguém para o acusar de algum transvio,
17ambos os homens que tiverem a demanda comparecerão perante Javé, perante os
sacerdotes e os juízes que houver naqueles dias. 18Os juízes indagarão bem; se a testemunha for falsa e tiver dado
falso testemunho contra seu irmão, 19tratá-lo-eis como ele tinha intento de
tratar a seu irmão; assim, exterminarás o mal do meio de ti. 20Os restantes
ouvirão, e temerão, e nunca mais tornarão a cometer semelhante mal no meio de
ti. 21Não terá piedade dele o teu olho; dar-se-á vida por vida, olho por
olho, dente por dente, mão por mão e pé por pé.
2)-A segunda regra diz
respeito a uma imposição que determina que antes do
julgamento, se proceda à apuração dos fatos. Tal norma se
justificava, naturalmente, por intender preservar a imparcialidade do
julgamento desde a origem, demonstrando a investigação meticulosa, prévia e
responsável de uma imputação criminal.Assim:
“...indagarás,
investigarás e, com diligência, perguntarás. Se
for verdade, se for certo que tal abominação se cometeu no meio de ti” (Dt
13,13-15)
Neste sentido, a torah também prevê o crime de falso
testemunho. In verbis:
“Se
alguém, chamado como testemunha dum fato (ou por ter visto ou sabido), pecar,
não o denunciando, levará a sua iniquidade” (Lv 5,1)
Além disso, conforme preleciona Câmara (2014) partindo
deste contexto:
1)- A mishná é clara em
impor a regra do julgamento público e durante o dia.
2)-A mishná determina
não julgar à noite.
3)- A mishná diz que
pena de morte exige julgamento diurno.
4)-A mishna manda não
julgar em dias festivos, extendendo a proibição de julgamento durante o shabat
(descanso sabático) às datas da festas sagradas.
5)-A mishná estabelece
a proibição de ato judicial à noite.
Segundo o magistério do
professor Palma (2009), o Sinédrio era a maior corte judaica e representava a
última instância da organização judiciária dos judeus na antiguidade. Esta
corte era formada por 70 juízes, com mais de 40 anos e com experiência em, pelo
menos, três cargos anteriores, com notório conhecimento da lei judaica e das
línguas faladas pelos judeus, ser fisicamente perfeito e eram escolhidos pelas
famílias sacerdotais tradicionais e mais influentes de Israel.Os juízes do Sinédrio
deveriam ser pessoas com inconteste integridade e que gozassem de alta estima
pelo povo. A corte, graças à mercê dos romanos estava em pleno funcionamento
época de Jesus.A
estrutura do Sinédrio não é aleatória e remonta a forma como foi definida na
Torah (Nm 11,16), segundo a qual, Deus teria dito a Moisés que reunisse 70
anciões que o ajudariam, a partir de então, a conduzir o povo. O sumo sacerdote
era o presidente (Nasi) da corte, pela ordem hierárquica, era logo seguido pelo
“vice-presidente” ou “pai da corte” (Av Beit Din), em tradução literal.Somente ao Sumo Sacerdote competia presidir o Sinédrio, o
julgamento e o interrogatório do réu. Os juízes votavam em audiências
sentados em forma de círculo, daí o sentido da palavra “Sinédrio” que é de origem grega (synedrion) e significa “sentar-se
junto”, o que permitia que todos os juízes se observassem, buscando
“transparência na razão de decidir” (CÂMARA, 2014, p. 131).Segundo Flávio Josefo,
historiador dos judeus, a índole de algumas das pessoas que ocupavam cadeiras
no Sinédrio não era das mais elogiáveis, o que se compreende, por serem
posições de muita projeção e poder o que tenderia a corromper as pessoas.
Assim, cita Josefo que: “Muitos
(não todos) são ambiciosos, avarentos, soberbos, e amantes da violência” (JOSEFO
apud RIBEIRO, 2010, p. 118).O que nos dá luzes para
compreender a reação que os cabeças do Sinédrio demonstraram em relação a Jesus
de Nazaré. A competência do Sinédrio se circunscrevia a questões religiosas e ritualísticas
envolvendo assuntos do Templo; questões criminais em concorrência com cortes
seculares; procedimento relativos à descoberta de algum cadáver; julgamentos
relacionados a casos de adultério; questões relativas ao dízimo; preparação de
manuscritos da Torah para o rei e para o templo; redação do calendário;
resolução das dificuldades concernentes ao cumprimento de leis rituais. Do ponto de vista da
competência processual, competência em razão do lugar ou competência ratio
loci: sobre a província romano da Palestina que compreendia as regiões Judeia,
Indumeia e Samaria. Excepcionalmente, a regra de extraterritorialidade da lei
judaica permitia o julgamento de judeus da Diáspora, onde quer que estivessem.
Neste caso, a execução da decisão do Sinédrio competia aos órgãos e sinagogas
locais; competência em razão do caráter pessoas da lei: o Sinédrio só era competente, por
óbvio, para o julgamento dos judeus. O direito judaico era eminentemente
confessional, isto é, aplicável somente àqueles que fossem devotos da
respectiva religião, é dizer, somente os judeus podiam demandar e ser
demandados pelo Sinédrio; competência em razão da hierarquia:O Sinédrio julgava em última e
única instância, podendo inclusive, avocar demandas de cortes judaicas inferiores
e de suas decisões, de que cabia execução imediata não cabendo qualquer
recurso; e finalmente, competência em razão da matéria: Julgava casos
envolvendo infrações da Torah, conforme já mencionado, lembrando-se que sendo um direito confessional, quase todos
os pecados era crimes e os crimes eram pecado (BEXIGA, 2016, p. 275). A corte reunia-se,
periodicamente, por intermédio de alguma de suas três câmaras de 23 membros,
durante pelo menos duas vezes por semana, daí chamar-se a câmara de Tribunal
dos 23. O direito hebraico portanto, é um direito eminentemente confessional
(aplicável àqueles que professam a fé judaica) e eminentemente teocrático (na
medida em que busca fundamento de validade na transcendência). Os
judeus creem que a lei é mais que um simples norma de direito, mas uma lei
divina, dada pelo próprio Deus ao patriarca Moisés). Neste sentido o crime envolvia um
elemento religioso, pois era considerado um delito contra o próprio Deus.
O
crime é também, um pecado. Além do elemento religioso, o delito
integrava o elemento objetivo, isto é, o fato, a manifestação externa de
comportamento no mundo passível de se adequar a uma qualificação jurídico-penal
prevista na lei. Por fim, o delito envolvia um componente subjetivo, isto é, o crime
pressupunha a consciência pelo réu da ilicitude de sua conduta. Este
último integrante do conceito de delito (elemento subjetivo ou consciente do
crime) se fundamento no instituto do aviso-prévio criminal do direito hebraico
(Lv 19,17), que consistia no dever das testemunhas de acusação e do povo, em geral,
repreender um potencial infrator da lei antes de levá-lo a juízo, sob pena de
ser considerado culpado do delito do seu próximo. Neste
sentido, o aviso-prévio criminal demonstra a exigência do direito hebraico de que o réu tivesse consciência do caráter ilícito
de sua conduta: o
delito só é delito na medida em que quem o pratica, também o saiba.Do
ponto de vista do direito penal material, a obra-prima do Direito Hebraico é o
Decálogo (Dt 5, 1 – 22). De uma só carta, o Decálogo proíbe, de imediato, as
práticas de homicídio, roubo, falso testemunho, adultério, e a cobiça a
qualquer coisa que pertença ao próximo. Diante disso, pode-se afirmar que o
Decálogo se trata da verdadeira constituição do povo judeu.Entre os crimes contra
a fé (no sentido de manifestação religiosa) o direito
hebraico incriminava o que era considerado um dos mais abomináveis deles e que
nos é, especialmente, importante porque será um dos crimes imputados a Jesus.
Trata-se do crime de blasfêmia. Lembre-se que o direito hebraico
entendia os crimes como delitos contra Deus. O delito de blasfêmia era, neste
sentido, ainda mais grave: a memória do condenado não poderia ser
velado pela sua família.Conforme
Ribeiro (2010), a lei principal que preconizava a blasfêmia era a Mishnah 7.5;
que lecionava a consumação do crime de blasfêmia quando a pessoa pronunciava,
de maneira irreverente, o sagrado nome de Deus (Lahweh, Javé, YHWH) que só
podia ser dito uma vez no ano durante a festa sagrada da páscoa (pessach) e
pronunciado somente pelo Sumo-sacerdote.Outro curioso delito
era o de paganismo, que consistia em adorar outro Deus, para reunir as
testemunhas necessário para o processo judicial, os judeus
infiltravam espiões entre o povo para flagrar prosélitos pagãos. A lei até mesmo prescrevia distância de sete passos
entre judeus e pagãos. Outra forma de incorrer neste delito era adentrar
espações pagãos como palácios romanos, o que explica porque no julgamento de
Jesus os judeus permanecem o tempo todo fora do pretório de Pilatos.Os Judeus acreditavam
que Deus criou o mundo em seis dias e no sétimo descansou, tal como, em uma
leitura literal, se extrai do livro de Genesis. Por tal razão, legislação
incriminava que violasse o descanso sabático que consistia na observância de
certos comportamentos e abstinências de qualquer trabalho durante o sábado (Ex
20,8-11). Este delito que é levantado contra Jesus tem substrato fático,
porque diversas vezes Jesus propôs inobservar o sábado, desde que fosse em
resgaste de um ser humano em perigo.Para nós hoje não há
que se discutir com relação a isto: Jesus devia sim curar no sábado se fosse
para socorrer um acidentado, alimentar um faminto. Jesus criava, dessa forma,
uma hermenêutica que introduz uma noção de estado de necessidade (semelhante
a excludente de ilicitude homônima que temos no direito brasileiro – art. 24 do
código penal brasileiro) como uma hipótese em que seria lícito violar a
lei de guardar o sábado.
A última fase
legislativa da Torah é o livro Deuteronômio, que significa “segundas leis” e
provavelmente foi escrito entre 1400 e 1300 a.C (RIEIRO, 2010).
Trata-se da
consolidação, ratificação dos livros anteriores (Gênesis, Êxodo, Números, Levítico)
e prescreve a total destruição dos ídolos, condena os falsos profetas,
especifica os animais limpos e os imundos, fala sobre deveres dos Juízes,
preconiza sobre testemunhos, dispõe sobre penas corporais, regras para pesos e
medidas, etc. O livro de Exôdo, por
sua vez, encerra diversas regras jurídicas de combates ao crime: como a lesão
corporal (Ex 21,12); homicídio doloso (Ex 21,14); rapto e sequestro (Ex 21,16),
crimes cuja maioria era punido na forma da pena capital. O exôdo até mesmo
regra a responsabilidade civil decorrente do delito criminal (Ex 21, 18-22)
estabelecendo indenizações determinadas judicialmente.
Observando a linha em que afirma Ribeiro (2010), o Direito
hebreu previa diversas formas de aplicação de pena:
1)-A aplicação da pena
de morte por lapidação (memorável no episódio dos evangelhos em que Jesus não
permite apedrejar a mulher flagrada em adultério).
2)-Havia a pena de
morte por sufocação, decapitação, flagelação (no máximo de 40 varadas).
3)-Havia a pena
privativa de liberdade, mas a prisão não era isolada como a contemporânea: o
detento, com os pés presos por troncos, era vigiado num pátio ou em salas
abertas, e conversava com todos os transeuntes.
4)-Havia também a
prisão em cidades-refúgio, onde se asilavam homicidas culposos e de onde não
poderia mais sair.
ANÁLISE DAS "LEGALIDADES DO JULGAMENTO DE JESUS" PERANTE O SINÉDRIO
Todos os evangelhos
coincidem quanto ao aspecto de que a prisão de Jesus se deu “enquanto
ele ainda falava, chegou Judas, um dos doze, e, com ele, uma grande multidão
armada de espadas e varapaus, enviada pelos principais sacerdotes e pelos
anciãos do povo” (Mt 26,47). Naturalmente que como informa o juiz
aposentado da Suprema Corte de Israel, Haim Cohn, competia exatamente aos
“guardas do templo” a prisão de quaisquer pessoas para julgamento perante o
Sinédrio (COHN, 1990, p. 71), razão porque quanto à regra de
competência em relação a quem deveria efetuar a prisão, não se vislumbra
qualquer ilegalidade. Outro
aspecto em que os evangelhos são idênticos é quanto ao fato de que a prisão de Jesus tomou lugar na véspera da festa da páscoa,
durante a noite. A prisão efetuada à noite era,
flagrantemente, ilegal, segundo determina a mishná (acima mencionada). Outra ilegalidade que
ocorre, ab initio, ao julgamento é que o este não foi precedido de
investigação criteriosa com apuração dos fatos, conforme manda a torah. Indubitavelmente que as
autoridades do Sinédrio possuíam autoridade para ordenar a prisão de qualquer
do povo para conduzi-lo à julgamento, além do que possuíam competência par
manter sob custódia acusados de assassinato até o desfecho do julgamento,
quando não havia provas suficientes do crime. Assim, por exemplo, existe o
relato de que Saulo no Livro bíblico de atos dos apóstolos, quando da
perseguição de cristãos, recebeu cartas para as sinagogas de Damasco, a fim de
que, se houvesse alguns homens ou mulheres “dessa conduta” fossem trazidos
presos à Jerusalém. Neste sentido, explica o juiz israelita Haim Cohn: “As autoridades do Sinédrio
possuíam algumas atribuições necessárias para ordenar a prisão de um acusado a
fim de conduzir a julgamento. E sim tinham autoridade para condená-lo à morte, mais ainda
para prendê-lo. Em vários lugares dos
textos da época encontramos claras indicações de que os sumo-sacerdotes emitiam
ordem de prisão de comparecimento diante dos tribunais em nome do Sinédrio. Com
respeito as ordens de comparecimento diante do tribunal encontramos que Shimón
Ben Shetah ordenou ao Rei Alexandre Raneo apresentar-se diante do sinédrio para
ser iniciado, porque seu servo matara um homem. Essas
ordens são pouco comuns, já foram emitidas contra Reis, chegaram até os nossos
dias. E se
contra Reis foram emitidas ordem judiciais de comparecimento diante dos
tribunais, quanto mais contra a pessoa simples do Povo. A autoridade
para "aprisionar" até a conclusão de julgamento é explicado com
argumentos jurídicos baseados na exegese bíblica: o versículo que determina
"será absolvido aquele que não feriu" (Êxodo 21 19).Também existe
autoridade para apreender até a
conclusão do julgamento, quando a pessoa é suspeita de assassinato e não
existem provas suficientes contra ela. E ainda que as atribuições tenham
sido concedidas apenas em caso de assassinato e de lesões graves, é de supor
que fossem utilizadas em qualquer julgamento por delitos passíveis de pena
capital”. (COHN, 1990, p.102)Sabe-se que o Sinédrio emitia ordens de prisão sem ata de
acusação formal. A prisão de um acusado era um procedimento penal oral. A decisão judicial que ordenava a prisão de alguém
não se submetia a qualquer obrigação de fundamentação escrita. Tratava-se
de um sistema decisório de convencimento íntimo. Isto,
naturalmente, permitia muita arbitrariedade nas prisões determinadas pelo
Sinédrio. Trata-se de uma
característica típica de processo penal inquisitivo, um sistema decisório
não-motivado.O evangelista João nos
dá conta de que, primeiramente, Jesus é levado a casa de Anás, Sogro de Caifás. Como competia somente ao sumo sacerdote presidir o julgamento
e o interrogatório do réu no Sinédrio, tem-seaqui outra ilegalidade: a
usurpação de competência tolerada graças a uma rede de nepotismo que permeava o
judiciário hebraico daquele tempo. Outra ilegalidade no
julgamento de Jesus consistiu da violação à regra da pluralidade e
independência das testemunhas. (Crimes sujeitos à pena de morte exigia o
depoimento independe de, ao menos, duas ou três testemunhas uniformes previamente
advertidas do compromisso de dizer a verdade, sob pena de desnaturamento da
prova). As testemunhas no Sinédrio não conseguiram prestar depoimentos
despidos de contradição, pelo contrário, a narrativa expressamente diz que o Sinédrio
não conseguia trazer a juízo depoimento que mantivessem coerência.Supõe-se (não está
claro nas escrituras), que as testemunhas foram provavelmente preparadas
antecipadamente, e deram conta de que Jesus havia dito que
destruiria o templo (Mt 26,61).O que realmente é verdade e Jesus
se enquadra numa prerrogativa tradicional de condenação conhecida por qualquer
mestre da lei (conforme Jeremias 26,11). Não estamos aqui analisando o mérito
da questão, mas a letra fria da lei.
Havia também uma ordem de votação neste sistema jurídico
Hebraico:
Para impedir que os
juízes mais velhos influenciassem os mais novos, os mais jovens votavam
primeiro e os mais velhos ao final. Tratava-se de regra da ordem de voto por
antiguidade, definida pelo talmude hebraico.
Contudo, no julgamento de Jesus o
Sumo Sacerdote não se contém e deixar extravasar toda a passionalidade dos seus
ímpetos acusatórios e desde logo profere seu veredicto de que o acusado é réu
de morte (Mt 26,57-68). Cenário após o
qual segue uma votação de unanimidade contra o réu, infringindo também, uma
curiosa regra do talmude hebraico (CÂMARA, 2017, p.51) que determinava a
nulidade de uma votação unânime, no ponto em que presumia que a unanimidade da
votação implicava conluio do juízo. Na votação das cortes hebraicas a
divergência era uma obrigação legal.No que se refere à acusação de blasfêmia (Mt 26,65; Jo
13,33) Tem-se aqui, que o
delito não resultou plenamente configurado, na medida em o elemento objetivo
(fato) não acontece em nenhum episódio da vida de Jesus.Ora, como já afirmado,
o delito de blasfêmia, exigia a evocação irreverente do nome de
Deus (YHWH/Yahweh), mas em nenhum momento isso ocorre, pois Jesus, durante todo
o tempo de sua vida pública, referiu-se a Deus, como “Pai nosso” (Mt 6,9), como
“Deus” (Lc 20,38; Mc 10,18) e a si mesmo como o “filho
do homem” (Mt 17,22), epítetos que se adequam à acusação de
blasfêmia.Ainda, sob o prisma do
elemento subjetivo do delito, que exige, para sua configuração, o aviso-prévio
criminal (Lv 19,17), não acontece no julgamento de Jesus, já que não se afirma
nas narrativas dos evangelhos que as testemunhas depoentes no Sinédrio o tenham
advertido previamente do caráter supostamente ilegal de suas afirmações. Antes
pelo contrário, elas foram arranjadas casuisticamente pelos chefes do
sacerdotes, em clara violação à regra de imparcialidade e da obrigação de
proferir-se sentenças justas (Dt 13, 13-15; Dt 16,18-19; Lv 19,15). Juízes que
deveriam manter-se imparciais, participam da gestão da prova e buscam elementos
probatórios para confirmar a hipótese incriminadora já dada por verdadeira, a
priori.Ademais, era,
terminantemente, proibido a prática de qualquer ato judicial noturno. (Num
24,4). A exegese rabínica da expressão em destaque terminou por formular a
regra do talmude que veda a prática de qualquer ato judicial noturno, na medida
em que um julgamento acontecido durante a noite é abrigo para ajuste secretos e
tendenciosos para condenar alguém. Neste passo, o julgamento de Jesus foi, flagrantemente,
ilegal, pois não aconteceu “diante do sol”, isto é, durante o dia. Não só foi
ele preso no jardim do Getsemâni à noite, como foi julgado no Sinédrio á noite,
ao arrepio do direito que assegura ao réu julgamento durante o dia.
Ainda em relação ao respeito de não violação ao descanso
sabático extensivo a datas festivas, em julgamentos, houve ilegalidade
O descanso em dia de
sábado, assim como a circuncisão e as prescrições alimentares são normas da
torah que os judeus praticam até hoje. Durante o descanso em dia de sábado, não
se pode praticar qualquer atividade que não esteja expressamente permitida para
esse dia, no passo do próprio Deus, que na tradição judaico-cristã, após ter
criado o mundo, descansou no sétimo dia. Ora, essa norma que vedada atividade
judicial praticada durante o descanso sabático foi, posteriormente, estendida
às festas sagradas pelo talmude, por serem consideradas dia santo. Ora,
sobre tal prisma, Jesus teve aqui também, violado seu direito, já que não
poderia ter sido julgado na perasceve (14 de Nisan), isto é, na véspera da
páscoa, que representava um dia santo para os judeus (dia do sefer) – refeição
tradicional anterior à páscoa.Por fim, cumpre dizer
que, preferindo a leitura de João (Jo 18,3), para quem não só os judeus, mas um
coorte romana participou da prisão de Jesus, é possível afirmar que se os
romanos estavam presentes na prisão de Jesus era porque tinham interesse direto
na sua detenção ou até porque tenham ordenado à sua prisão. Afinal, Pilatos
jamais mobilizaria uma corte sob seu poder para prender um judeu que
considerasse inofensivo, ainda mais por um delito que fosse só delito segundo o
direito hebraico. Nesta linha, segundo
a tradição do evangelho de João, quanto à prisão (único evangelho que indica
que os romanos participaram da prisão de Jesus) é possível entender que
o julgamento de Jesus no Sinédrio foi tão-somente um diligência preparatória
para o julgamento diante de Pilatos. Assim, não houve dois julgamentos, mas um
único julgamento perante Pilatos, que teve um audiência preliminar no Sinédrio,
que colaborando com Pilatos, preparam elementos de prova, depoimentos e
testemunhas para seu julgamento no pretório romano.Esta
é uma maneira possível de interpretar a narrativa (não a única) já que, para
João, Pilatos age como se já esperasse Jesus na manhã seguinte à sua prisão.Ademais, tendo em vista
a rede de colaboracionismo entre os romanos e os chefes dos judeus (Jo 11,48),
os quais se favoreciam de privilégios e assentimento de Roma quanto a permitir
a existência do Sinédrio e que eles comandassem o templo, e os romanos, ao seu
passo, se utilizavam dessa rede para influir e melhor controlar as massas
populacionais sob seu domínio na Palestina.Neste sentido,
dicorda-se do que afirma (CÂMARA, 2014, p. 117) de que o evangelho de João
falhou na dedução dos fatos ao consignar a presença romana na prisão de Jesus.
Esta é uma solução muito simplória para harmonizar João com os evangelhos
sinóticos, especialmente a considerar a tendência natural dos escritores dos
evangelhos de não antagonizarem com os romanos, de não enfatizarem o papel de
Pilatos na morte de Cristo, já que no século em que os evangelhos estavam sendo
escritos, o império empreendia uma “caça persecutória” a quem quer que se
declarasse cristão. Neste sentido, se a fonte de João sabia que os romanos
participaram da prisão de Jesus, sua tendência natural seria omitir este dado
para não criar constrangimento com a potência ocupante que os perseguia. Se ele
não omitiu, mais credibilidade, aparentemente, ganha sua narrativa. Se ele deu
tal informação, tão antitética a das tradições anteriores dos evangelhos
sinóticos, muito difícil simplesmente supor que ele errou, em um ponto em que
ele, explicitamente, diverge.Por este olhar, o
julgamento de Jesus no Sinédrio não foi propriamente uma julgamento autônomo, o
que torna mais fácil entender porque o direito foi tão e tantas vezes,
desrespeitado, aqui, se deduz que o sinédrio realizou apenas um diligência ordenada
pelos romanos. Foge do mérito desta pesquisa liquidar o que realmente
aconteceu, se Jesus foi entregue pelos judeus que chefiavam o sinédrio ou
requisitado por Pilatos com a ajuda do Sinédrio, tal questão é um debate que
pertence mais à história e à crítica textual teológica, não prejudicando,
todavia, o debate jurídico do julgamento aqui proposto.
ASPECTOS DO DIREITO ROMANO
Segundo o critério
jurídico interno, os historiadores do direito, subdividem o estudo do direito
romano em quatro períodos. Apesar de existirem diversas nomenclaturas para essa
divisão:
1)-Primeiro período ou
fase régia;
2)-Segundo período ou
fase da república;
3)-Terceiro período ou
principado (adota-se a referida por BEXIGA, 2016, p. 221: época arcaica (até 130
a.c); época clássica (até 230 d.c), época pós-clássica (até 530)
4)-E a época justiniana
(até 565).
Como
se sabe o direito romano, como um todo, foi de suma importância para a formação
do direito ocidental, tendo criado noções básicas como dolo e culpa (bonus e
malus), imputabilidade, coação irresistível, legítima defesa, os princípios
penais sobre o erro.Historicamente,
entende-se que o direito positivo romano tem início com a lei das XII Tábuas
(449 a.c), que afastando o direito da religião, versou sobre o direito público, o
direito penal, o direito processual, dentre outros. Impunha também a
“lei de talião” e penas severas, tais como o exílio, a deportação, a pena de
morte por flagelação, cremação, crucificação e etc.Nelson Câmara nos informa: “Dessa lei, até o final da
República o direito foi constituído por obra dos juristas. As lacunas e
obscuridade dessa lei fizeram com que aparecesse em 367 antes de Cristo, o
pretor, que em seus éditos deveriam indicar a ação cabível a ser intentada e
instruída com provas e julgadas por um árbitro (judex privatus). O édito adquiriu, posteriormente, força de
lei não podendo ser modificada nem pelo pretor que o estabeleceu, nem por seus
sucessores. Surgiu, dessa forma, o jus preatorium, que a pretexto de
interpretar a lei das doze tábuas e ampliou e a simplificou, tornando-a menos
formalista e obscura. Dos éditos do pretor da cidade (preatur urbanus)
competente para apreciar os litígios entre os cidadãos romanos surgiu o direito
do cidadão romano (jus civilis), enquanto dos éditos do pretor para
estrangeiros (preator peregrinus), criado em 242 a.c, que tratava dos litígios
entre estrangeiros e entre esses e os romanos, surgiu um direito novo decorrente
da equidade, o jus gentium.” (CÂMARA,
2014, p. 132). Daí,
infere-se, portanto, que o direito romano não tratava cidadãos romanos e
estrangeiro da mesma maneira, isto nos será especialmente importante, posto que o réu Jesus Cristo não era um cidadão romano,
decorrendo disso enormes implicações, conforme se verá.
É importante mencionar
três características marcantes do direito romano, entre elas:
1)-O positivismo,
2)-O conservadorismo,
3)-O individualismo.
A
justitia, entendida como a firme vontade de dar a cada
um o que é seu (Suum Cuique Tribuere), um dos princípios basilares do direito
romano em todas as suas áreas, a aequitas, isto é, a igualdade. Em sua
dimensão positiva, incluem-se a legislação escrita e os costumes.A lei positiva mais
importante desse tempo é, sem dúvida, a já citada lei das XII tábuas, em 449
a.c (lex duodecim tabutarum), vigente ainda muito antes da época de Cristo e
mantida por séculos após. Segundo Cezar Roberto Bitencourt (BITENCOURT, 2002,
p. 283), temos aqui o início dos diplomas legais no direito romano, sendo essa
lei o primeiro código romano escrito. No
direito penal romano as infrações eram subdividas em
públicas e privadas (crimina publica e delicta privata), sendo as
primeiras consideradas como atentatórias à segurança interna ou externa do
Estado romano e reclamavam punição pública e estatal, já os delitos privados
facultavam a punição pelo próprio ofendido.
As penas mais comuns eram:
1)-A de damnum
(pegamento em pecúnia).
2)-Poena (pagamento em
dinheiro, em caso de lesões).
3)-O suplicium (a
execução do delinquente).
4)-Exílio e deportação
(relegatio e deportatio).
A pena de suplicium,
por sua vez, se subdivida em outras variadas formas, das mais bárbaras àquelas
praticada com os mais diversos requintes de crueldade, assim, havia execuções
por timpanamento, laceração de carnes, sufocamento (culleum – submersão em um
saco), cremação (crematio), entregar alguém às chamas (flamis tradi),
enforcamento (patíbulo adfigatur), ser devorado por feras (damnatio ad bestias)
e a tão odiosa crucifagium – a pena de crucificação – apenas previstas
para os crimina publica, estrangeiro e escravos e à qual foi submetida o réu
Jesus Cristo.
Falemos um pouco sobre a pena de crucificação em
particular:
Sabe-se que a pena de
crucifagium não foi inventada pelos romanos. Ela já era praticada pelas persas, que
a inventaram inclusive por razões religiosas: não queriam que a terra,
consagrada a seu Deus, Ahura Mazda, fosse contaminada com um cadáver de um criminoso.
Sabe-se que a pena de crucificação era a mais temível de todas, era uma forma
de suplício extremamente cruel e humilhante. Mais do
que uma simples execução, era uma tortura lenta. Não se danificava nenhum órgão
vital do crucificado, de maneira que sua agonia pudesse ser prolongada por
horas ou dias. Era costume dos
romanos deixar os crucificados exposto para servir de lição e “estandarte” de
humilhação a todos que passassem. Um espetáculo de
horror, somente no séc. I, os romanos crucificaram milhares de escravos, judeus
e povos dominados, como uma forma de “pacificar” as regiões por eles habitadas. Os corpos deixados sobre a cruz eram normalmente
comidos por animais selvagens, como abutres e aves de rapina e seus corpos eram
mantidos na cruz, mesmo sofrendo decomposição e exalando cheiro pútrido dos
cadáveres (COHN, 1990).
Ao final do julgamento, três eram os pronunciamento
possíveis ao juiz:
1)-A decisão de condenação
(abolutio),
2)-A decisão de absolvição
(que importava o processamento e a punição do ofendido),
3)-E a decisão de non liquet ou
ampliatio, que significava um voto por prosseguimento de nova instrução
processual e colheita de novas provas para uma discussão mais ampla, o
que, incluía até torturar o acusado a fim de conseguir novas provas.
Os governadores assim
como os césares em Roma realizam os julgamentos que lhes eram apresentados
dentro dos palácios onde residiam - o pretório. A sala específica onde o réu
era apresentado ao governador além-mar ou ao imperador em roma chama-se
“secretarium”, separado por um véu das demais partes do palácio.Julgamentos
realizados diante de outros juízes, profissionais ou jurados eram realizados
publicamente em um local denominado “forum”, nomenclatura que subsiste até
hoje.O caráter secreto do
julgamento perante o governador não importava uma violação ao caráter pública,
em regra, dos julgamentos romanos. Isto porque os governadores detinham o
chamado “ius gladis” ou “ius sanguinis”, o direito de realizar julgamento que
importassem assegurar a ordem pública e a integridade do império, o que,
naturalmente, era oportunidade para graves injustiças (COHN, 1990). Possuímos
relatos, todavia, que quando o governador romano queria realizar um julgamento
público, este não se dirigia até o forum, mas saia no pátio que ficavam em
frente ao palácio, levando consigo o escabelo judicial, conforme Cohn (1990). Tendo sido, exatamente, este o cenário do julgamento de
Jesus. E esta manobra tem uma razão de existir: se, ao menos, parte do
julgamento não for proclamado antes de ser cumprido, o público a verá com
suspeição a sentença. Ademais, o julgamento cujo resultado é proclamado em
público dava testemunha da autoridade em que se legitimava.
Segundo Wedy (2015), o processo penal romano viveu alguns procedimentos
principais:
1)-O primeiro, a cognitio ordinem, ou cognição ordinária, muito utilizado durante a
república, vinculado ao sistema da ordo (lista de crimes e pena aos
quais o juiz se vinculava pelo princípio da legalidade que ainda hoje existe no
direito penal (não há pena sem lei anterior que a defina).
2)-E o que representava
um sistema proto-acusatório, em que a acusação
era pública
e cabia ao ofendido e o juiz apenas atuar como um terceiro imparcial e
observador, que julgava o mérito da pretensão acusatória.
3)-Já nas províncias
imperiais, como a Palestina e sobretudo com a queda da república, o procedimento da cognição ordinária e da ordo foi sendo, paulatinamente, suplantada pela
prevalência do sistema da cognitio extra ordinem, considerado “a primeira expressão típica do designado sistema
processual inquisitório” (WEDY, 2015, p. 11). Neste caso, o juiz tinha a
liberdade para decidir a qualidade e a quantidade da pena conforme seu próprio
talanete (arbitrium iudicantis).
4)-Ademais, possui o
chamado “ius gladii”, ou direito da espada, isto
é, a faculdade de aplicar a pen capital ao réu. Era um procedimento
mais ágil (ouvia-se a acusação, interrogava-se o réu, seguida da análise de
provas que não vinculavam a decisão, sendo proferido ao final o decretum ou
sentença) era mais elástico quanto à forma, segundo decidisse o próprio juiz,
não havia acusação formal e o processo era movido de ofício pela autoridade
julgadora.
Tanto pela data em que
passou a ser o procedimento mais usado (27 A.C) quanto pelo fato de ser este o
procedimento usado nas províncias imperiais, pode-se afirmar com segurança que
foi o cognition extra ordinem, o procedimento
que Pilatos observa no julgamento de Jesus.
ANÁLISE DAS "ILEGALIDADES" DO JULGAMENTO DE JESUS NO TRIBUNAL ROMANO
Após o julgamento de
Jesus pelas autoridades do Sinédrio, ele foi levado para ser julgado por
Pilatos. De fato, o historiador romano Tácito (cerca de 55-116 d.C.) relata que
um certo Cristo “no tempo de Tibério foi condenado à morte pelo procurador
Pôncio Pilatos” (RAMOS, 2006, p. 52). Era o dia da parasceve, isto é, o dia
anterior de preparação para páscoa judaica. Neste
dia, era tradição dos judeus degolar cordeiros à noite, que serviriam de jantar
para reunião familiar que acontece nessa noite. Para tomar lugar
à mesa, era necessária uma “pureza ritual”, isto implica dizer que os judeus
não podem entrar em contato com nada que seja considerado pagão, sob pena de
contaminação, o que explica, porque eles
não entraram no pretório de Pilatos, ao entregarem-no Jesus. Pilatos era o
procurador romano, mandatário do poder do império naquela região - detinha o
título de preafectus (BEXIGA, 2016, p. 253). Reunia competências fiscais,
administrativas, militares e judiciais na sua pessoa. Ele morava no litoral de
Cesareia, onde ficava o palácio dos governadores, mas se encontrava, em
Jerusalém naquela ocasião para acompanhar de perto o festejo israelita, como
faziam os procuradores romanos, tendo em vista o fluxo de pessoas que
peregrinavam à cidade, por ocasião da festa.O império romano, à época
de Jesus Cristo, era constituído de províncias senatoriais (mais pacíficas e
romanizadas) e as imperiais (fronteiriças e suscetíveis de turbulências
políticas) – caso da Palestina, aquelas eram regidas pelo Senado, e essas
diretamente pelo próprio imperador, através de seus mandatários. Nas
províncias imperiais, Roma tinha a política de deixar a administração nas mãos
das aristocracias locais submissas ao império. Foi assim que na
galileia de Jesus, emergia o governo nas mãos de Herodes Antipas que era rei da
região da galileia e Pilatos governava como procurador romano sobre a região da
Judeia, localidades diferentes da grande região da Palestina.
Mas o que podemos saber dessa figura enigmática, chamada
Pilatos, que entrou para a história como o símbolo da "prevaricação judiciária?"
Sabemos que Pilatos foi
uma personagem
conhecida por sua notável crueldade. O texto do
evangelho do Lucas nos informa como Pilatos mandou executar certos judeus e
misturar o seu sangue com o sangue dos sacrifícios do templo. O historiador Flávio Josefo narra um episódio em que
Pilatos mandou executar, sem piedade, judeus que protestavam no pretório, mas o
mesmo Josefo nos narra um episódio em que Pilatos recuou de uma decisão,
temeroso da iminência de um levante popular (JOSEFO apud CÂMARA, 2014, p. 32). Portanto,
podemos, seguramente, saber que Pilatos era uma personalidade muito cruel, mas
sugestionável à pressão popular, assim compreende-se a atitude de Pilatos
diante de um Jesus que ele considera inocente, mas que entrega à crucificação,
porque temia um levante popular, em uma região, como já antes
mencionado, marcado por inúmeras sublevações políticas contra o império romano.
Todo esse cenário com a agravante do já mencionado sonho da mulher de Pilatos, a
quem o evangelho apócrifo atribui o nome de Cláudio Prócula, que teria “sofrido
muito” por Jesus em sonho. Não chegou até nós o conteúdo de tal sonho,
mas podemos supor que em uma cultura religiosa, mística e politeísta como a
romana, onde os deuses falavam por sonhos, tenha tido algum impacto na
psicologia de Pilatos esse acontecimento, sobretudo por que ele já
reputava Jesus como inocente.
Com respeito ao
procedimento processual adotado para o julgamento de Jesus, a literatura indica
que se tratava do procedimento do cognition extra ordinem. Nas províncias romanas não
existia o chamado procedimento ordinário (“ordo”), tendo em vista a necessidade
de que nestes locais o direito foi simples e acelerasse a tramitação
processual, nelas vigia o processo extraordinário (extra ordinem), um rito mais rápido que dos processos ordinários e que
consistia e ouvir a acusação, interrogar o acusado, avaliar a culpabilidade e
proferir, após, a sentença.Pelo que podemos saber, ele recorre, pelo contrário, a cognição extra ordinem,
que é a prática seguida normalmente na Judeia pelos governadores Romanos: “Uma forma ágil de administrar a
justiça na qual não se seguem os passos exigidos nos processos ordinários. Basta ater-se ao essencial: ouvir acusação,
interrogar o acusado, avaliar a culpabilidade e editar a sentença. Parece que
Pilatos age com grande liberdade de maneira muito pessoal desenvolver a
cognitio. Ouvir os relatores, dá palavra ao acusado e, prescindindo de mais
provas e pesquisas, centra a questão no que realmente tem mais interesse para
ele: o possível perigo de agitação ou Insurreição que este homem pode
representar (PAGOLA apud CÂMARA,
2014, p. 190) Diferentemente do
sistema processual penal chamado de procedimento “ordo”, o qual exigia, por
exemplo denúncia prévia do delator, qualificação jurídica e qualificação
factual prévia que circunscrevia o magistrado aos limites da pena estabelecida
pela lei, uma característica destacada do sistema processual extra ordinem
(processo extraordinário) era que o magistrado-juiz desempenhar verdadeiro
papel de juiz-ator, cabendo-lhe receber a denúncia como mera descrição do fato
e autor e adequá-la a qualquer meio processual que julgasse conveniente assim
como lhe dar a qualificação jurídica-criminal que bem entendesse, tal como
Pilatos fez em relação ao processo e às acusações contra Jesus. Neste sentido,
afirma Bexiga (2016) o processo extra ordinem não observa o
princípio romano da reserva legal (Nullum crimen, nulla poena sine lege
praevia) aplicado ao procedimento ordinário penal romano, pois que ficava nas
mãos do magistrado, do pretor, do prefeito, como neste caso, a caraterização
legal do crime. Além disso, dispensava-se apresentação de acusação por
querelante privado, o governador era detentor do imperium/ius gladis, podendo
julgar ao seu alvitre sem estar, necessariamente, vinculado a alguma lei
adjetiva ou substantiva, desde que o fizesse em nome da “ordem pública” ou da
segurança do estado. Era caraterística desse sistema processual a cumulação de
acusações por crimes diferentes entre si; a condução e julgamento do processo
por uma só entidade (magistratus) que em uso do seu arbitrium iundicatis cabia
o livre estabelecimento do grau e forma da pena.
O processo no sistema cognition extra ordinem era composto
da seguintes fases:
1)-Postulatio
(autorização solicitado ao pretor para introduzir o pleito em juízo);
2)-Seguido pela nominis
delatio (descrição da denúncia);
3)-Após a quaestio
(interrogatório do acusado);
4)-Nomen recipere
(recebimento da denúncia);
5)-Altercatio (momento
que o pretor ouve as alegações das partes);
6)-Decretum (momento de
prolação da sentença).
A despeito da
despreocupação dos evangelista com a exatidão histórica dos relatos, o que se
compreende, levando em conta o intuito religioso da descrição, pode ser proposto,
sem garantia da fidelidade em razão da ausência de meticulosidade descritiva e
jurídica dos evangelhos, que no julgamento de Jesus podemos vislumbrar as fases do cognition
extra ordinem da seguinte maneira:
1)-Postulatio: Momento
Pilatos questiona qual o teor da acusação, o que pressupõe que teria aceito sua
postulação (Jo 18,29);
2)-Nominis Delatio: Os
judeus apresentam o conteúdo da denúncia (Lc 23, 2-5);
3)-Nomen recipe: A
circustância do processo obter tramitação indica que Pilatos admitiu a
denúncia;
4)-Altercatio: Pilatos
questiona Jesus sobre a acusação, subtendendo o debate com o próprio réu acerca
do seu conteúdo (Mt 27,12-13);
5)-Decretum: Pilatos
entrega Jesus para ser crucificado (Jo 19,16)
No que se refere às acusações: O que traziam os sacerdotes
e anciões do povo contra Jesus?
Todas as fontes da
biografia de Jesus são unívocas no sentindo de que Jesus Cristo foi levado ao tribunal Romano sendo acusado de declarar-se
rei dos judeus. Todos os evangelhos corroboram que a acusação
levantada contra Jesus diante de Pilatos refere-se à
reivindicação do título de realeza. É importante notar que a
acusação no tribunal romano é uma acusação eminentemente política, é uma
acusação de usurpar o título de César, a qual tem uma nuance de atentado à lei romana
e neste sentindo, ela difere, completamente das outras acusações de: blasfêmia, violação do sábado e
atentado ao templo, de que Jesus havia sido pouco antes acusado, durante seu
julgamento no Sinédrio, pois estas acusações de caráter religioso, não eram de competência do
tribunal romano julga-las.
Há aqui uma mudança fática do libelo acusatório:
Perante Pilatos, os
judeus provavelmente não abandonam as acusações de blasfêmia, violação do
sábado e atentado ao templo, apesar de que para Pilatos
interessaria apenas a faceta política da acusação de Jesus pretender-se rei,
já que os tribunais romanos não julgavam crimes assim definidos conforme o
direito hebreu, sobretudo delitos de conteúdo religioso-confessional (a exemplo
do delito de blasfêmia do direito hebreu). Pilatos,
após ouvir este rol de acusações, respondeu que os judeus que ali estavam, levassem Jesus e o julgassem segundo a sua própria lei:
“Tomai-o pois, e julgai-o, conforme a
vossa lei” (Jo 18,31). Este é o caso típico em direito processual do que
se denomina “declínio de competência”. É o pronunciamento do
juiz que reconhece sua própria incompetência para o julgamento daquela matéria,
caso em que, deve ser o réu remetido para ser julgado por outro instância ou
juiz. Pilatos tentara cometer a competência do julgamento para o sinédrio, embora
não tenha logrado êxito, por absoluta incompetência daquele tribunal, ao qual
carecia o poder de aplicar penas capitais (ius gladii). Ocorre que
durante a inquirição de Jesus, os judeus mencionam que ele
“subleva o povo, ensinando por toda a Judeia, desde a galileia até aqui”. Narra os evangelhos que ao ouvir falar da procedência
geográfica de Jesus, ele decide enviá-lo para Herodes, que àquele tempo, era
rei da galileia. A menção a galileia desperta em Pilatos o desejo de
“livrar-se” de Jesus e junto com ele da insistência da turba que queria vê-lo
ser crucificado. Surge aqui, o que em direito se chama,
incidente de conflito de competência processual penal ratione loci, que se dá
quando dois ou mais juízes se dão por competente para um mesmo processo ou negam todos ou ambos o julgamento de um dado processo. Foi
o que aconteceu entre a jurisdição herodiana e a jurisdição de Pilatos. A
galileia era para Jesus, o que o direito romano chamada de forum originis, isto
é, sua jurisdição natural (CÂMARA, 2014, p. 182). Contudo Herodes, segundo a narrativa
do evangelista Lucas (Lc 23,11), também não vê em Jesus crime a justificar sua
crucificação, e manda-o de volta para Pilatos. É o jogo de
“empurra-empurra” jurisdicional entre dois juízes que, sem coragem para
declarar o réu inocente, se acovardam diante da pressão popular. Tem-se aqui um julgamento definido em função da opinião
pública, juízes que queriam responder os anseios difusos de um grupo específico
da população em detrimento do própria convencimento, abdicando
do poder judicante e pondo-o nas mãos dos acusadores: o direito sepultado pela
prevaricação judicial. Em sentido contrário,
Valério Bexiga afirma que as normas vigentes no direito processual penal romano
determinavam que Jesus fosse julgado “no lugar onde foi exercida e denunciada a
ação criminosa (forum delicti)” (BEXIGA, 2016, p. 373). Argumenta também que a
competência para aplicar a pena de morte (ius gladii) era exclusiva e
intransferível, posição corroborada por Cohn (1990) para quem essa transferência de competência era meramente evasiva e
ilegal face ao direito romano, porque o governador não era permitido transferir
ao rei local suas atribuições. Ademais,
tendo em vista se tratar de uma passagem atestada apenas pelo evangelho de
Lucas, Bexiga (2016) arremata por concluir pela ausência de historicidade do
episódio da transferência de Jesus a Pilatos.
Para escapar, todavia, do impasse, Pilatos lançará mão de
um ardil jurídico:
A norma do direito
romano conhecida como "indulgentia criminum", o perdão soberano do Estado, que
abriria mão de sua pretensão punitiva em face de alguma
circunstância que permitia Roma demonstrar alguma benevolência aos povos
dominados. Isto representava na
ótica do direito penal romano, uma causa excludente da punibilidade. Como
queria Pilatos indultar o réu? Sabendo que era Páscoa, uma festa muito
importante no calendário religioso judaico, e que era costume dos governadores
romanos da Judeia liberar um preso por ocasião da festividade (privilegium
paschale), para contornar sua hesitação diante do populacho incitado, oferece à
multidão liberar Jesus, porém o grupo ali reunidos exigirá a Soltura de Barrabás,
a quem o império havia recolhido preso por sedição. Os evangelistas nos
dão conta de que Barrabás era “um preso famoso” (Mateus) “preso com outros
sediciosos, os quais, em um motim, haviam feito uma morte” (Marcos), ou preso
“o qual tinha sido preso por causa de uma sedição na cidade e por um homicídio”
(Lucas). O papa emérito Bento
XVI nos dá a informação, que remonta a Orígenes, de que Barrabás era chamado em
certos manuscritos dos evangelhos até o séc. III de “Jesus Barrabbas”, o que
indicada que assim como Jesus, ele também foi preso acusado de alguma forma de
messianismo e sedição contra o império (RATZINGER apud CAMARA, 2014, p. 50,51).
Isso explica porque a turba ali reunida exigiu que Pilatos aplicasse a
indulgência a Barrabás: Jesus
representava um messianismo que anunciava uma resistência de paz, Barrabás
representava um messianismo que anunciava uma resistência militarizada. De qualquer forma,
Pilatos não logrou êxito em extinguir o julgamento sob o manto da excludente de
punibilidade da indulgetia criminum.
Neste contexto, Cohn (1990)
argumenta que havia uma lei em romana à época, que teve sua vigência ignorado
no julgamento de Jesus e em muitos outros julgamentos no império romano que,
expressamente, interditava julgamentos comprado ou influenciados por fatores externos:
“Pois não só do ponto de vista legal estava
proibido a governador condenar um homem a pena de morte, rendendo-se
à uma pressão desse tipo, como, ao fazê-lo, poderia ele mesmo no futuro ser julgado por
assassinato propriamente dito. Uma lei do ano 59 AC (que permaneceu em
vigência e fui até eternizada pelo livro de leis do Imperador Justiniano) impôs
a juízes e governadores a obrigação de devolver o dinheiro ou suborno que
recebessem para julgar iniquamente, e também impôs a responsabilidade criminal por
qualquer condenação à morte segundo desejo ou sobre a pressão ou influência de
fatores externos interessados. É verdade que houve numerosos governadores
romanos em diversos lugares que ordenaram execuções injustas, tenham ele sido
julgados e castigados posteriormente e saído impunes. Mas todos esses atos foram realizados por
motivação pessoal dos governadores e,
para vingar-se de seus inimigos...”(COHN,
1990, p. 156). Lado outro, para o
jurista Bexiga (2016) Pilatos estava julgando duas pessoas e condenou Jesus
pelo crime de lesa majestade e absolveu Barrabás, e nega
que a multidão reunida pudesse influir no julgamento, à luz
das lei que submetida os governadores à pena capital, em caso de condenar um
inocente (Lei Júlia de Lesa Majestade e a Lei do ano de 59 Ac, do ponto XLVIII,
11,3 do Digesto, e à luz do princípio então existente da continuidade
da diligência judicial durante o julgamento (próximo ao princípio processual da
concentração dos atos judiciais do direito moderno). Argumenta que o Evangelho
de Marcos afirma tão-somente que: “Havia um chamado Barrabás, preso com outros
sediciosos, os quais, em um motim, haviam feito uma morte.” (Mc 15, 7), o que
não, necessariamente, prova que ele também fosse um revoltoso homicida, por ter
sido apanhado junto daqueles. Embora admita que a Mishná dá margem a
possibilidade de ter existido a causa excludente de punibilidade chamada de
privilegium paschale no âmbito do direito penal romano, à evidência do
constante do Pesachim, VII, 6º, em que constaria “alguém que fosse libertado da
prisão [...] pode-se imolar o cordeiro para ele comer” (BEXIGA, 2016, p. 322),
o que provaria a existência de tal perdão soberano. No entanto, autor aposta mais na
possibilidade de ter havido, no caso de Barrabás, um possível indulto de pena
(indulgentia) ou uma extinção do processo antes da condenação (intercessio). De
todo modo, Bexiga, 2016 nega historicidade ao relato da influência do populacho
reunido sobre Pilatos, à vista das leis romanos vedarem esse tipo de
“constrangimento oclocrático” e afirma ainda que, à mingua de evidência do
privilegium paschale, Jesus e Barrabás foram julgados juntos,
Jesus condenado e Barrabás absolvido por Pilatos. Neste sentido, existe
juristas que entendem que os relatos evangélicos “pintaram” um Pilatos
benevolente que tentou “indultar” Jesus, mas foi pressionado a libertar
Barrabás a contragosto, de maneira intencional. Argumenta-se que os evangelhos
foram escritos durante o tempo em que Roma empreendia uma persecução violenta e
bárbara contra os cristãos e assim era necessário criar narrativas sobre a
biografia de Jesus que não fizesse recrudescer a “caça” aos primeiros cristãos.
Daí nascer a história do indulto de páscoa e cena de Pilatos lavando as
mãos. Neste sentido, teólogos como Barth Ehrman defendem que a descrição
narrativa de um Pilatos misericordioso é intencional, não-histórica e
proposital de escritores cristãos que tinha razões de
sobrevivência para “desculpar” os romanos e culpar os judeus pela morte de
Jesus. Para autores desta linha, o que o que ocorreu no
julgamento foi um assassinato promovido por Roma a um judeu com pretensões
políticas em que esbarrava seu malsinado messianismo. Houve no processo de
Jesus a chamada fase do altercatio do procedimento extraordinário, pois pode-se
inferir do diálogo que Pilatos faculta a Jesus se defender. Se
poderia afirmar, portanto, que o contraditório na perspectiva da autodefesa
(altercatio e oratio existentes no procedimento) foi facultada pelo
juiz no julgamento de Jesus, embora este tenha recusado em alguns momentos a
falar qualquer coisa. Iniciado o
interrogatório do réu, a primeira pergunta que Pilatos faz a Jesus é: “és tu, o
rei dos judeus?”. A própria colocação desta pergunta indica ser
esta a acusação que existia contra o réu, conforme já comentado acima. E é
natural que a primeira pergunta que o juiz fizesse ao réu se referisse a
fato-crime de que é acusado, à semelhança do interrogatório
criminal contemporâneo. A prova definitiva do
que a acusação atribuída a Jesus Cristo se referia a ele pretender ser rei dos
judeus está na inscrição feita em grego, hebraico e latim, posta sobre cruz, em
que se lia: “JESUS, O NAZARENO, REI DOS JUDEUS” (Jo 19,19). Segundo Cohn
(1990), a lei romana determinada que o delito do acusado fosse inscrito sobre o
cadafalso ou sobre a Cruz. O titulus (tabuleta colocada sobre a cruz,
geralmente em tom jocoso) representava, portanto, uma emanação da pena e os
romanos colocavam-na sobre a cruz dos condenados, justamente, para indicar a
razão da condenação.
Contudo, de acordo com o direito penal romano qual era o
delito ao qual se subsumia a conduta de alguém declarar-se rei?
Sabe-se que sendo a
Judeia um território dominado pelos romanos, ninguém
poderia reinar naquela região ou mesmo arrogar-se o título de rei, sem a
“graça” e a “benção” do império. Quem
quer que se pretendesse rei, sem a chancela de César era tomado por conspirador
e traidor do império. Ninguém pode
declarar-se rei, ninguém podia ser rei sem nomeação de Roma e ninguém poderia
pretender ser rei por desígnio divino, porque só aos césares cabia o privilégio
do direito divino de serem reis. Tratava-se do delito de
menosprezo ao império ou na terminologia jurídicas romano, do crime de lesa
majestade (crimen leseae majestatis). A respeito dessa lei, esclarece Haim Cohn: “Esse delito de menosprezo pelo Império Romano já foi
determinado em lei de 46 AC por Júlio César, e o Imperador Augusto repetiu em
lei de 8 AC. Essa lei determinava a pena de morte, não só por traição real a
César, como também por ofensa, Rebelião, deserção, atribuição indevida de
autoridade e qualquer delito contra a segurança e integridade do estado ou
contra a autoridade de César ou de seus governadores, em Roma ou em suas
colônias. Nessa lei a definição dos
delitos era a tal ponto amplo e elástica que em Roma arraigou-se o costume de,
para maior segurança, agregar as acusações sobre outros delitos, acusação de
menosprezo pelo Império, dado que esta última é de fácil demonstração. E às vezes
acusava-se alguém de menosprezar o império para poder submetê-lo a torturas que
só são permitidas quando o acusado poderia ser punido com a pena de morte.
(...) E também já foi comentado, com justeza, que a definição do delito de
menosprezo pelo Império era tão ampla e totalizadora que superou os limites de
uma definição para converter-se em um mar sem fim” (COHN, 1990, p. 245)
Pergunta de Pilatos: “És tu rei dos judeus?”, Jesus
responderá “tu dizes que sou rei”. Analisemos o trecho do interrogatório de Jesus:
“Pilatos tornou a entrar no
Pretório, chamou a Jesus e perguntou-lhe: És tu o Rei dos Judeus? 34Respondeu
Jesus: Dizes tu isso por ti mesmo ou foram outros os que to disseram de mim?
35Replicou Pilatos: Porventura, sou eu judeu? A tua própria nação e os principais sacerdotes entregaram-te nas minhas
mãos. Que fizeste? 36Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo. Se o meu
reino fosse deste mundo, os meus súditos pelejariam, para não ser eu entregue
aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui. 37Perguntou-lhe, pois,
Pilatos: Logo tu
és rei? Respondeu Jesus: Tu dizes que
sou rei ". (Jo 18,33-37). A literatura sobre o
assunto discute se as palavras de Jesus implicaram confissão de sua
reivindicação de ser rei. Há quem afirme que as palavras “tu dizes que sou rei”
ou “tu o dizes” ou “tu o disseste”, como constante em outras traduções
bíblicas, significavam no contexto cultural
judaico daquele tempo exatamente “já está dito e não há necessidade de que eu o
repita”. Esta é a opinião de Cohn
(1990), que acrescenta que se Jesus quisesse negar que
fosse rei, simplesmente teria dito que não era. Ademais, sob o ponto de vista de um interrogatório
judicial, pouco importa o que o réu quer dizer: mais determinante para o
resultado é como os quesitantes entendem o que o réu diz. No caso do
julgamento de Jesus, veremos que as evidências fazem concluir que,
independentemente, do que Jesus quis dizer, Pilatos, seu inquiridor confere a
sua resposta, o sentido de uma reivindicação real de uma atividade sediciosa.Na descrição do
evangelista Marcos seis vezes Jesus é apelidado de “Rei dos Judeus”, quatro dos
quais, pelo próprio Pilatos. Em todos os evangelhos, a acusação de
pretensão de realeza aparece e é também o teor do título que Pilatos mandou
colocar, jocosamente, sobre a cruz. Durante sua agonia, os judeus zombam de
Jesus, dizendo-lhe: “Ele salvou os outros, mas não pode salvar a si mesmo! Ele
é o Rei de Israel, não é? Se descer agora mesmo da cruz, nós creremos nele!”
(Mt 27,42). Portanto, as narrativas revestem de cristalina convicção
que Jesus a reivindicação de ser rei constava da acusação formal de Jesus, o
que configura, sob o ponto de vista do direito romano, o crime de lesea
maiestatis. Lembre-se E esta conclusão encontra substrato
probatório na narrativa dos evangelho: ele é recebido e ovacionado como rei,
por uma multidão, no episódio da entrada triunfal (Mc 11,1-11); seu nascimento
é anunciado pelo anjo Gabriel como alguém cujo reino duraria para sempre (Lc 1,
30-33), afirmou que antes de Abraão existir, uma grande patriarca do povo
judeu, “eu o sou” (Jo 8,58), explicitamente admite seu messianismo durante seu
primeiro julgamento (Mc 14,62).que a conotação do messias para os
judeus era de um rei que governaria sobre a nação. Tudo isso, naturalmente,
pode ter sido usado em depoimentos ou provas testemunhais contra ele perante
Pilatos. No entanto, podemos
entender hoje que esta referência ao reino de Jesus tem um poder apenas
teológico-moral, ele afirma que o seu reino não é “deste mundo”, portanto, tal
reino não se confunde com um poderia político-militar.Neste
sentindo há autores, como Haim Cohn, Frank Powel, que
defendem que, neste momento, Jesus realizou uma confissão qualificada, querendo
confessar e ao mesmo tempo defender-se, significando que ele disse “é verdade
que eu sou rei dos judeus, mas no entanto não sou culpado, posto que o reino
que pretendo não é o reino a que você se refere e não oferece ameaça ao
reino imperial romano”.Sabe-se, entretanto,
que o poder dos césares de Roma era baseado em uma chancela divina. O poder
romano buscava sua legitimidade na vontade dos deuses. Nesse sentindo, os
imperadores eram comparados a deuses e a negação da sua divindade implicava a
negação dos deuses. Os imperadores tinham o direito à divindade e ninguém além deles
poderia reivindicar tal origem. Neste sentindo, à afirmação de Jesus de
que o seu reino era divino e que era da verdade, correspondia ao mesmo tempo, a
negação do poder divino dos imperadores e da “verdade” do reino deles, ao
representarem a materialização física do reino dos deuses.Na opinião Silva
(2011), o culto à divindade dos imperadores era o que, inclusive justificava a
perseguição aos cristãos ocorridos no império romano durante os séc. I-IV, haja vista que os cristãos não reconhecem em ninguém
nenhuma outra divindade, dado o monoteísmo que os caracteriza. Ademais,
de todas as acusações que fizeram a Jesus tanto os judeus quanto Pilatos,
somente à acusação de se declarar rei foi que ofereceu resposta, dizendo “tu o
disseste”, fazendo assim tudo crer que Pilatos só pode tê-lo condenado em razão do
crimen lesea majestatis, cuja tipificação e lei que positivou, abordar-se-á na
conclusão deste trabalho.Esta leitura encontra
respaldo nos relatos do evangelista João, que dá conta que dentre a tropa que
efetuou a prisão de Jesus estava um destacamento de soldados romanos (Jo 18,
3). Além disso, segundo esse mesmo evangelho, Pilatos já estava
esperando por Jesus na manhã seguinte. Tudo levando a crer que Pilatos já havia
decretado a prisão de Jesus. Bexiga
(2016) esclarece que todo judeu cuja extradição, por motivo político, fosse
pedida por Roma, conviria entregá-lo para que a comunidade não sofresse
retaliação, segundo o autor, este é um princípio que consta da literatura da
época e está em linha com o dito profético do Sumo Sacerdote acerca do Jesus:
“É
preferível que um só homem morra pelo povo, que seja a nação inteira a morrer
(Jo 12,50).
Tudo isso corrobora com
a ilação de que Pilatos sabia, já esperava por Jesus na manhã do seu
julgamento, como também enviou suas tropas por que tinha interesse na sua
condenação. O interesse romano na prisão de Jesus só
poderia se justificar se, aos olhos do império, ele estivesse sendo acusado de
um crime da magnitude de um crime de sedição ao império. Nos é informado por
Filho (2013), em seu artigo, um olhar jurídico sobre o julgamento de Jesus
Cristo que escavações do séc. XIX encontraram uma suposta sentença atribuída a
Pilatos, que até hoje, está arquivada no museu de Madri, na Espanha, condenando
Jesus por crime de blasfêmia e infâmia à pena de morte, através da
crucificação. Cabe refletir que renomados estudiosos da área não
acreditam que o documento foi escrito por Pilatos. Neste sentido, Erhman (2013)
e Bexiga (2016). No entanto, por tratar-se de um texto antigo que corrobora a
compreensão de que Jesus foi crucificado por subversão ao império, e que isto
já era admito por escritores da antiguidade, enriquece sua transcrição. Senão, analisemos a sua parte conclusiva,
in litteris: “...julgo condeno e sentencio a
morte Jesus, chamado pela plebe- Cristo Nazareno - e galileu de nação, homem
sedicioso, contra a Lei Romana -contrário ao Grande Imperador Tibério Cesar.
Determino e ordeno por esta que se lhe dê morte na cruz, sendo pregado com
cravos como todos os réus, porque congregando e ajustando homens, ricos e pobres ,não
tem cessado de promover tumultos por toda a Judéia, dizendo–se filho de Deus e
Rei de Israel, ameaçando com a ruína de Jerusalém e do Sacro Templo negando
tributo a César, tendo ainda o atrevimento de entrar com ramos em triunfo, com
grande parte da plebe, dentro da cidade de Jerusalém. Que seja ligado e acoitado e que seja vestido de
púrpura e coroado com alguns espinhos e com a própria cruz nos ombros para que
sirva de exemplo a todos os malfeitores e que juntamente com ele sejam
conduzidos dois ladrões homicidas saindo logo pela porta sagrada, hoje
Antoniana, e que se conduza Jesus ao monte público da Justiça, hoje chamado
Calvário, onde crucificado e morto ficará seu corpo na cruz , como espetáculo
para todos os malfeitores que sobre se ponha em diversas línguas este título:
“Jesus Nazareno, Rex Judeorum”. Mando
também, que nenhuma patreva, temerariamente, a impedir a Justiça por mim mandada,
administrada e executada com todo o rigor, segundo os Decretos e Leis Romanas,
sob as penas de rebelião contra o Imperador Romano. (FILHO, 2013) Propõe-se analisar a
sobredita sentença de Jesus Cristo sob o crivo dos pressupostos de existência e
validade do processo à luz do direito romano. Preliminarmente, é de notar, como
já dissemos, que o processo extraordinário (cognition extra ordinem) era o
aplicado pelos romanos em territórios ocupados fora da Itália, como era o caso
da Palestina. Do ponto de vista da legitimidade, o direito romano
admitia que qualquer pessoa fosse processada por crimes assim definidos pela
lei romana, inclusive animais (legitimidade passiva universal), conforme Bexiga
(2016). Do ponto de vista da legitimidade ativa, estavam excluídos escravos
(que sequer tinham personalidade jurídica), libertos, condenados por crimes e
deficientes. No entanto, para o crime de lesa-majestade, veio a Lei Júlia
atribuir legitimidade ativa a todas as pessoas, em razão da gravidade do crime.
Qualquer pessoa, que tivesse interesse na causa podia levar a acusação até o
juiz (não havia a figura do promotor e do ministério público). Havia as figuras
do postulare pro se (quando a acusação fosse efetiva em linha de interesse
próprio) e postulare pro alio (quando a acusação fosse feita em interesse de
terceiros). A competência do governador romano era quase ilimitada, ressalvado
os casos de crimes de natureza religiosa de competência do Sinédrio e os casos
em que cidadãos romanos podiam exigir o desaforamento do processo para ser
julgado pelo imperador romano.
Do ponto de vista da análise do mérito da sentença, é
possível concluir, como já expusemos que:
Tanto a forma de morte
(crucificação) como o titulus colocado sobre a cruz (Rei dos judeus) indicam
que Jesus de Nazaré foi sentenciado pelo crime de sedição e lesa majestade (Lei
de lesa majestade constante da lei das XII tábuas – crime de sedição; Lei júlia
de violência pública). Pode-se também afirmar seguramente, que a
apuração da matéria de fato, levou em conta o aspecto sedicioso que representou
aos aos olhos de Roma a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, ressaltando o
caráter real do seu messianismo (Mc 11, 1-11), sobretudo levando-se em conta
que tanto judeus e romanos compreendiam o Messias muito mais em seu aspecto de
herdeiro do trono de Davi e portanto, como um rei guerreiro que viria com poder
militar para libertar Jerusalém. Nesta linha, é ilustrativo que o próprio anjo
Gabriel, segundo o evangelho de Lucas, ao anunciar o nascimento de Jesus tenha se
referido ao fato de que “Ele será um grande homem e será chamado de Filho do
Deus Altíssimo. Deus, o Senhor, vai fazê-lo rei, como foi o antepassado dele, o
rei Davi. Ele será um grande homem e será chamado de Filho do Deus Altíssimo.
Deus, o Senhor, vai fazê-lo rei, como foi o antepassado dele, o rei Davi. (Lc
1,32-33), ressaltando, mais uma vez, o faceta real do conceito de Messias. Ademais,
as acusações trazidas contra Jesus perante Pilatos apontam no sentido de que Ele ensinava (hipoteticamente), o povo a sonegar impostos. De fato,
alguns dos seus pronunciamentos admitem tal interpretação (Mt 17, 24-27):
"E, chegando eles a Cafarnaum, aproximaram-se de Pedro os que cobravam as dracmas, e disseram: O vosso mestre não paga as dracmas? Disse ele: Sim. E, entrando em casa, Jesus se lhe antecipou, dizendo: Que te parece, Simão? De quem cobram os reis da terra os tributos, ou o censo? Dos seus filhos, ou dos alheios? Disse-lhe Pedro: Dos alheios. Disse-lhe Jesus: Logo, estão livres os filhos. Mas, para que não os escandalizemos, vai ao mar, lança o anzol, tira o primeiro peixe que subir, e abrindo-lhe a boca, encontrarás um estáter; toma-o, e dá-o por mim e por ti..."
Concomitantemente, o episódio em que Jesus expulsa os vendilhões do tempo
causou-lhe enorme indisposição com os chefes do templo, a tal ponto que os
chefes dos sacerdotes passaram então a procurar uma forma de matá-lo (Mc 11,18
– Lc 19,47). Somente no evangelho de João, há onze referências a
intenção dos inimigos de Jesus de o matarem, o que indica, de fato, que suas
ações despertaram as animosidades dos seus contemporâneos. Durante o julgamento
de Jesus, não há por parte dos judeus expressa menção ao episódio em que Jesus
tenha expulsado os vendilhões do templo, razão porque se pode entender que,
possivelmente, consideravam o assunto como doméstico e, com mais probabilidade,
subsumiram o ocorrido na rubrica de “agitamento da nação” (Lc 23,2). O
esbulho do templo, o gravame dos bens dos vendedores, a entrada triunfal, todos
esses episódios da última de semana de vida de Jesus de Nazaré, em seu contexto
próprio, poderiam ser interpretados como incursos na previsão criminal de
rebelião. Tal percepção está corroborado por, pelo menos, um testemunho
histórico da forma como os romanos entendiam como tumultuosa e truculenta as
atitudes de Jesus de Nazaré, o que também permite concluir que Pilatos entendia
o messianismo de Jesus em seu aspecto político. Neste sentido, o historiador
romano, Suetônio, do início do século II, quem em um referido texto, escrito
por volta de 120, alude a um distúrbio instigado por certo “Chrestus” (Cristo).
O historiador romano diz que: O
imperador Cláudio, cujo reinado se estendeu de 41 a 54, expulsou os judeus de
Roma por causa de contínuos “distúrbios instigados por Chrestus” (RAMOS, 2006,
p. 53).
CONCLUSÃO:
Por fim, é de se notar
que estamos tratando de eventos que
ocorreram em épocas muito distantes e civilizações muito antigas, de modo que
não podemos eleger nossos valores éticos-sociais como bitolas qualificativas
para avaliar a justiça da decisão de Pilatos, sem considerar os condicionalismo
inerentes ao seu gênio, ao contexto social e político da judeus naquele tempo.
Além disso, é preciso admitir que o prefeito tinha condições mais favoráveis
para julgar Jesus do que o que nós temos hoje para julgar a decisão do
prefeito. De fato, foi ele quem interrogou testemunhas e o próprio réu
e sopesou o valor das provas que não chegaram a nós. A
adequação e a justeza de sua sentença não pode ser mais sindicalizada, em razão
das carências de fontes históricas a nos prover de maiores detalhes que
reclamam uma avaliação dessa magnitude. Tendo
em vista, a escassez de fontes, esta é a análise que nos possível de ser feita.
Nos afastando com nossa mentalidade de hoje para aquele contexto, podemos
entender que: Jesus Cristo de Nazaré é uma figura muito instigante para que
seja simplesmente ignorado. Por tal razão, ele também chama a atenção
para os olhares dos juristas, seu julgamento teve falhas processuais e legai
para as leis da época? Sim, mas as escrituras precisavam serem cumpridas, se
tudo fosse seguido conforme a lei Jesus não teria padecido e passado pelo
sacrifício da Cruz para pagar nossa dívida e nos dar a carta de alforria.
Ele livremente aceitou este sacrifício conforme Ele mesmo revelou:João
10,17-18: “Por isto o Pai me ama, porque dou a minha vida para tornar a
tomá-la. Ninguém a tira de mim, mas eu mesmo livremente
a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la. Este
mandamento recebi de meu Pai" - E como ovelha que vai
ao matadouro, Ele foi, se entregou e não abriu a boca para sua defesa para o nosso
favor. Qualquer processo penal tanto no passado como presente, é palco e
ocasião perfeita para eliminar os inimigos, os indesejados e “perigosos”. O
processo de Jesus no Sinédrio mostrou-se eivado de falhas, assim compreendidas
comparativamente ao constante na Torah e no Talmude. O seu processo no Sinédrio foi o instrumento
utilizado para silenciá-lo, porque já granjeando a simpatia das multidões, ele
tornou-se inconveniente para os chefes do povo judeu e os chefes dos
sacerdotes. As explicações possíveis para a construção dessa perseguição judicial
encontram resposta nas divergências teológicas entre Jesus e os fariseus e
saduceus que elevaram as convicções de Jesus à categoria do delito,
transformando o direito em uma arma política. Ademais, tem razão a hipótese de
que os judeus temiam que o messianismo reivindicado por Jesus fosse
interpretado pelos romanos como subversão da ordem de dominação e preferiram,
por tal razão, entregar Jesus a Pilatos para evitar um conflito com Roma.De
fato, os episódios da entrada triunfal em Jerusalém, em
que Jesus é aclamado pelas multidões como rei e a ocorrência em que ele expulsa
os vendilhões do templo criam condições para enquadrá-lo nos crimes de sedição
e lesa majestade, previsto na legislação romana. Vimos que a prisão de
Jesus contou com uma coorte romana, o que indica a possibilidade de conluio
entre os judeus algumas autoridades romanas para este fim. Considerando que a lei romana não
julgava delitos da competência do Sinédrio judaico, Jesus teria que ter sido
acusado de um crime a crucificação segundo a lei romana. Assiste razão
ao raciocínio de que o messianismo de Jesus foi compreendido em sua dimensão
política pelos romanos, especialmente ao causar estardalhaços, adentrando
Jerusalém aclamado pelas multidões como rei. Demonstrou-se que o messias dos
Judeus era o libertador esperado pelo povo que implantaria um reino
político-militar e que a própria noção do messias antagonizava com o poder
político romano sobre a Palestina ocupado. Expôs-se
que um grupo de judeus acusou Jesus de se declarar rei,
e Ele de fato chegou a admitir que era rei, embora tenha feito uma confissão
qualificada, no sentido de que embora fosse rei, seu reino era divino, mas tal
justificação não tem amparo do direito romano, especialmente
considerando que o poder dos césares era dado por Deus e os próprio imperadores
eram divindades que não admitiam disputar tal atributo com ninguém.
O próprio modo de
execução por crucificação, pena reservada a escravos e estrangeiro e o título
colocado sobre a cruz em que Jesus de Nazaré foi crucificado em que se
inscreveu “Jesus, rei dos Judeus”, tem-se a prova definitiva da imputação
criminal reputava procedente por Pilatos. Por fim, pode-se afirmar à guisa de
conclusão que o Direito atendeu as demandas de afirmação de poder político por
Roma e religioso pelos Judeus e que Jesus representou
uma voz ameaçadora na sua maneira de interpretar a lei judaica, e essa voz bem
como toda sua grei, precisava ser silenciada, exatamente como foi feito, e
acabaram por desta forma como causas segundas para cumprir os desígnios divinos
da profecia de seu sacrifício em nosso favor. No fim de todo
este processo que culminou na sua morte de cruz, Jesus juridicamente, inocenta
aqueles que o acusaram, julgaram, maltrataram, condenaram e o crucificaram
pedindo ao pai: Lucas
23,34:
“E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem
o que fazem...”
*Francisco José Barros
Araújo – Bacharel em Teologia pela Faculdade Católica do RN, conforme diploma
Nº 31.636 do Processo Nº 003/17
FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
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em: https://marihamm.jusbrasil.com.br/artigos/196386015/o-julgamento-de-jesus.
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Jerusalém.
- BEZERRA DE MELO, Marco Aurélio. Jesus
Cristo. In: Os grandes julgamentos da história. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
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-AIRES FILHO, Zilmar
Wolney; DE SOUSA BRITO, Edson. Um Olhar Jurídico-Religioso Sobre o Julgamento
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-ARAÚJO, Maria
Durvalina de. JULGAMENTO DE CRISTO. IRREGULARIDADES E ATROCIDADES. Via
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-BEXIGA, V. B. O
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-BITENCOURT, Cezar
Roberto. Manual de Direito Penal: Parte Geral, Vol. I., 7ºed., São Paulo:
Saraiva, 2002.
-COHN, H. H. O
julgamento de Jesus, o Nazareno. [S.l.]: Imago, 1990.
-Fischer-Lichte, Erika
(2005). Theatre, Sacrifice, Ritual: Exploring Forms of Political
Theatre. [S.l.]: Routledge. 195 páginas. ISBN 978-0415276757
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