I – ORIENTAÇÕES DA CNBB:
Nossa Comissão recebe inúmeros pedidos
de esclarecimentos ou orientações sobre as assim chamadas “missas de cura” ou
“missas de cura e libertação”.Trata-se de missas celebradas em
horários especiais, com a finalidade específica de obter de Deus a cura e a
libertação de todo tipo de doença.
Muitas perguntas se colocam:
-Será que
esta prática não estará passando para o povo uma compreensão reducionista ou,
pior ainda, utilitarista e mágica da missa?
-Qual o verdadeiro sentido
teológico-litúrgico da celebração eucarística?
-Porque não usamos a bênção dos enfermos
indicadas no Ritual de Bênçãos?
-Porque não rezar a “Missa pelos
doentes” indicada no Missal Romano (Missa por várias necessidades, n. 32)?
-As intenções que apresentamos nas
Preces dos Fiéis não tem “força” ou “eficácia”?
-Lembramos ainda que o Ritual da Unção
dos Enfermos prevê o Rito da Unção dos Enfermos na missa! (e por que os sacerdotes não o fazem? Preferindo que o óleo dos enfermos vire Zinabre por falta de uso ?).
Aliás, seria muito oportuno insistir no
estudo da Introdução do Ritual da Unção dos Enfermos e sua assistência
pastoral - Enfim, além de rezar pelos doentes, é oportuno lembrar o que diz a
referida introdução no no. 35:
“Os
sacerdotes lembrem-se do seu dever de visitar pessoalmente os enfermos com toda
a solicitude e de ajudá-los com generosa caridade. Compete-lhes sobretudo, ao
ministrar-lhe os sacramentos, despertar a esperança no coração dos presentes e
reanimar a fé no Cristo padecente e ressuscitado, de modo que, ao trazerem o
maternal carinho da Igreja e o consolo da fé, confortem aqueles que crêem e levem
os outros a voltarem-se para as coisas do alto”.
No Conselho Permanente de 2004,
iniciou-se um estudo para oferecer “Orientações teológico-litúrgicas e
pastorais a propósito das chamadas ‘missas de cura e libertação’”.Infelizmente,
não se chegou à conclusão deste tema. Como a questão continua a exigir um
posicionamento claro por parte de nós, Bispos, queremos encaminhar, até a
próxima Assembleia Geral uma proposta de documento a ser preparado juntamente
com outras Comissões Episcopais e ser submetido à aprovação.Convidamos os Bispos a encaminharem
para a Comissão de Liturgia subsídios, livros de canto e orações, relato de
experiências em torno destas missas para que possam enriquecer nossa reflexão.
II
– CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ E A INSTRUÇÃO SOBRE AS "ORAÇÕES PARA
ALCANÇAR DE DEUS A CURA"
Introdução
O
anseio de felicidade, profundamente radicado no coração humano, esteve sempre
associado ao desejo de se libertar da doença e de compreender o seu sentido,
quando se a experimenta.Trata-se
de um fenómeno humano que, interessando de uma maneira ou de outra todas as
pessoas, encontra na Igreja particular ressonância. Esta, de facto, vê a doença
como meio de união com Cristo e de purificação espiritual e, para os que lidam
com a pessoa doente, como uma ocasião de praticar a caridade.Não
é só isso porém; como os demais sofrimentos humanos, a doença constitui um
momento privilegiado de oração, seja para pedir a graça de a receber com
espírito de fé e de aceitação da vontade de Deus, seja também para implorar a
cura.A oração que implora
o restabelecimento da saúde é, pois, uma experiência presente em todas as
épocas da Igreja e naturalmente nos dias de hoje. Mas o que constitui um
fenómeno sob certos aspectos novo é o multiplicar-se de reuniões de oração, por
vezes associadas a celebrações litúrgicas, com o fim de alcançar de Deus a
cura. Em certos casos, que não são poucos, apregoa-se a existência de curas
alcançadas, criando assim a expectativa que o fenómeno se repita noutras
reuniões do género. Em tal contexto, faz-se por vezes apelo a um suposto
carisma de cura.Essas
reuniões de oração feitas para alcançar curas põem também o problema do seu
justo discernimento sob o ponto de vista litúrgico, nomeadamente por parte da
autoridade eclesiástica, a quem compete vigiar e dar as directivas oportunas em
ordem ao correcto desenrolar das celebrações litúrgicas.Achou-se,
portanto, conveniente publicar uma Instrução, de acordo com o can. 34 do Código
de Direito Canónico, que servisse sobretudo de ajuda aos Ordinários do lugar
para melhor poderem orientar os fiéis neste campo, favorecendo o que nele haja
de bom e corrigindo o que deva ser evitado. Era porém necessário que as
disposições disciplinares tivessem como ponto de referência um fundado
enquadramento doutrinal que garantisse a sua justa aplicação e esclarecesse a
razão normativa. A tal fim, fez-se preceder a parte disciplinar com uma parte
doutrinal sobre as graças de cura e as orações para alcançá-las.
I.
ASPECTOS DOUTRINAIS
1.
Doença e cura: seu significado e valor na economia da salvação «O
homem é destinado à alegria, mas todos os dias experimenta variadíssimas formas
de sofrimento e de dor».(1) Por isso, o Senhor, nas suas promessas de redenção,
anuncia a alegria do coração ligada à libertação dos sofrimentos (cfr. Is 30,29;
35,19; Bar 4,29). Ele é, de facto, «aquele que liberta de
todos os males» (Sab 16,8). Entre os sofrimentos, os provocados
pela doença são uma realidade constantemente presente na história humana,
tornando-se, ao mesmo tempo, objecto do profundo desejo do homem de se libertar
de todo o mal.No
Antigo Testamento, «Israel tem a experiência de que a doença está
misteriosamente ligada ao pecado e ao mal».(2) Entre os castigos com que Deus
ameaça o povo pela sua infidelidade, as doenças ocupam espaço de relevo (cfr. Dt 28,21-22.27-29.35).
O doente que pede a Deus a cura reconhece que é justamente castigado pelos seus
pecados (cfr. Sal 37; 40; 106,17-21).A
doença porém atinge também os justos e o homem interroga- se sobre o porquê. No
livro de Job, essa interrogação está presente em muitas das suas páginas. «Se é
verdade que o sofrimento tem um sentido de castigo, quando ligado à culpa, já
não é verdade que todo o sofrimento seja consequência da culpa e tenha um
carácter de punição. A figura do justo Job é uma especial prova disso no Antigo
Testamento. (...) Se o Senhor permite que Job seja provado com o sofrimento,
fá-lo para demostrar a sua justiça. O sofrimento tem carácter de prova».(3)A
doença, embora possa ter uma conotação positiva, como demonstração da
fidelidade do justo e meio de reparar a justiça violada pelo pecado, e também
como forma de levar o pecador a arrepender- se, enveredando pelo caminho da
conversão, continua todavia a ser um mal. Por isso, o profeta anuncia os tempos
futuros em que não haverá mais desgraças nem invalidez, e o decurso da vida
nunca mais será interrompido com doenças mortais (cfr. Is 35,5-6;
65,19-20).É
todavia no Novo Testamento que encontra plena resposta a interrogação porque a
doença atinge também os justos. Na actividade pública de Jesus, as suas
relações com os doentes não são casuais, mas constantes. Cura a muitos deles de
forma prodigiosa, tanto que essas curas milagrosas tornam-se uma característica
da sua actividade: «Jesus percorria todas as cidades e aldeias, ensinando nas
suas sinagogas, pregando o Evangelho do reino e curando todas as doenças e
enfermidades» (Mt 9,35; cfr. 4,23). As curas são sinais da sua missão
messiânica (cfr. Lc 7,20-23). Manifestam a vitória do reino de
Deus sobre todas as espécies de mal e tornam-se símbolo do saneamento integral
do homem, corpo e alma. Servem, de facto, para mostrar que Jesus tem o poder de
perdoar os pecados (cfr. Mc 2,1- 12); são sinais dos bens
salvíficos, como a cura do paralítico de Betsaida (cfr. Jo 5,2-9.19-21)
e do cego de nascença (cfr. Jo 9).
Também
a primeira evangelização, segundo as indicações do Novo Testamento, era
acompanhada de numerosas curas prodigiosas que corroboravam o poder do anúncio
evangélico. Aliás, tinha sido essa a promessa de Jesus ressuscitado, e as
primeiras comunidades cristãs viam nelas que a promessa se cumpria entre eles:
«Eis os milagres que acompanharão os que acreditarem: (...) quando impuserem as
mãos sobre os doentes, ficarão curados» (Mc 16,17-18). A pregação
de Filipe na Samaria foi acompanhada de curas milagrosas: «Filipe desceu a uma
cidade da Samaria e começou a pregar o Messias àquela gente. As multidões
aderiam unanimemente às palavras de Filipe, ao ouvi-las e ao ver os milagres
que fazia. De muitos possessos saíam espíritos impuros, soltando enormes
gritos, e numerosos paralíticos e coxos foram curados» (Actos 8,5-7).
São Paulo apresenta o seu anúncio do Evangelho como sendo caracterizado por
sinais e prodígios realizados com o poder do Espírito: «não ousaria falar senão
do que Cristo realizou por meu intermédio, para levar os gentios à obediência
da fé, pela palavra e pela acção, pelo poder dos sinais e prodígios, pelo poder
do Espírito» (Rom 15,18-19; cfr. 1 Tes 1,5; 1 Cor 2,4-5).
Não é por nada arbitrário supor que muitos desses sinais e prodígios,
manifestação do poder divino que acompanhava a pregação, fossem curas
prodigiosas. Eram prodígios que não estavam ligados exclusivamente à pessoa do
Apóstolo, mas que se manifestavam também através dos fiéis: «Aquele que vos dá
o Espírito e realiza milagres entre vós procede assim por cumprirdes as obras
da Lei ou porque ouvistes a mensagem da fé?» (Gal 3,5).
A
vitória messiânica sobre a doença, aliás como sobre outros sofrimentos humanos,
não se realiza apenas eliminando-a com curas prodigiosas, mas também com o
sofrimento voluntário e inocente de Cristo na sua paixão, e dando a cada homem
a possibilidade de se associar à mesma. De facto, «o próprio Cristo, embora
fosse sem pecado, sofreu na sua paixão penas e tormentos de toda a espécie e
fez seus os sofrimentos de todos os homens: cumpria assim quanto d'Ele havia
escrito o profeta Isaías (cfr. Is 53,4-5)».(4) Mais, «Na cruz
de Cristo não só se realizou a Redenção através do sofrimento, mas também o
próprio sofrimento humano foi redimido. Realizando a Redenção mediante o
sofrimento, Cristo elevou ao mesmo tempo o sofrimento humano ao nível de
Redenção. Por isso, todos os homens, com o seu sofrimento, se podem tornar
também participantes do sofrimento redentor de Cristo».(5).A
Igreja acolhe os doentes, não apenas como objecto da sua solicitude amorosa,
mas também reconhecendo neles a chamada «a viver a sua vocação humana e cristã
e a participar no crescimento do Reino de Deus com novas modalidades e mesmo
mais preciosas. As palavras do apóstolo Paulo hão-de tornar-se programa e,
ainda mais, a luz que faz brilhar aos seus olhos o significado de graça da sua
própria situação: "Completo na minha carne o que falta à paixão de Cristo,
em benefício do seu corpo que é a Igreja" (Col 1,24).
Precisamente ao fazer tal descoberta, encontrou o apóstolo a alegria: "Por
isso, alegro- me com os sofrimentos que suporto por vossa causa" (Col 1,24)».(6)
Trata-se da alegria pascal, que é fruto do Espírito Santo. Como São Paulo,
também «muitos doentes podem tornar-se veículo da "alegria do Espírito
Santo em muitas tribulações" (1 Tes 1,6) e ser
testemunhas da ressurreição de Jesus».(7)
2.
O "lícito desejo da cura" , os meios, e a oração para alcançá-la
Salva
a aceitação da vontade de Deus, o desejo que o doente sente de ser curado é bom
e profundamente humano, sobretudo quando se traduz em oração confiante dirigida
a Deus. O Ben-Sirá exorta a fazê-lo: «Filho, não desanimes na doença, mas reza
ao Senhor e Ele curar-te-á» (Sir38,9). Vários salmos são uma espécie de
súplica de cura (cfr. Sal 6; 37; 40; 87).Durante
a actividade pública de Jesus, muitos doentes a Ele se dirigem, ou directamente
ou através de seus amigos e parentes, implorando a recuperação da saúde. O
Senhor acolhe esses pedidos, não se encontrando nos Evangelhos o mínimo aceno
de reprovação dos mesmos. A única queixa do Senhor refere-se à eventual falta
de fé: «Se posso? Tudo é possível a quem acredita» (Mc 9,23; cfr. Mc 6,5-6; Jo 4,48).Não só é louvável a oração de todo o fiel que pede a cura, sua ou
alheia, mas a própria Igreja na sua liturgia pede ao Senhor pela saúde dos
enfermos:Antes
de mais, tem um sacramento «destinado de modo especial a confortar os que
sofrem com a doença: a Unção dos enfermos».(8) «Nele, por meio da unção e da
oração dos presbíteros, a Igreja recomenda os doentes ao Senhor padecente e
glorificado para que os alivie e salve».(9) Pouco antes, na bênção da óleo, a
Igreja reza: «derramai a vossa santa bênção para que [o óleo] sirva a quantos
forem com ele ungidos de auxílio do corpo, da alma e do espírito, para alívio
de todas as dores, fraquezas e doenças»;(10) e, a seguir, nos dois primeiros
formulários da oração após a Unção, pede-se mesmo a cura do enfermo.(11) A
cura, uma vez que o sacramento é penhor e promessa do reino futuro, é também
anúncio da ressurreição, quando «não haverá mais morte nem luto, nem gemidos
nem dor, porque o mundo antigo desapareceu» (Ap 21,4).Por sua vez, o Missale Romanum contém uma Missapro infirmis, onde, além de graças
espirituais, se pede a saúde dos doentes.(12)No De
benedictionibus do Rituale Romanum existe um Ordo
benedictionis infirmorum que contém diversos textos eucológicos para
implorar a cura: no segundo formulário das Preces,(13)nas quatro Orationes
benedictionis pro adultis,(14) nas duas Orationes benedictionis pro
pueris,(15) na oração do Ritus brevior.(16)É
óbvio que o recurso à oração não exclui, antes encoraja, o emprego dos meios
naturais úteis a conservar e a recuperar a saúde e, por outro lado, estimula os
filhos da Igreja a cuidar dos doentes e a aliviá-los no corpo e no espírito,
procurando vencer a doença. Com efeito, «reentra no próprio plano de Deus e da
sua Providência que o homem lute com todas as forças contra a doença em todas
as suas formas e se esforce, de todas as maneiras, por manter-se em saúde».(17)
3.
O carisma da cura no Novo Testamento
Não
só as curas prodigiosas confirmavam o poder do anúncio evangélico nos tempos
apostólicos; o próprio Novo Testamento fala de uma verdadeira e própria
concessão aos Apóstolos e aos outros primeiros evangelizadores de um poder de
curar as enfermidades em nome de Jesus. Assim, ao enviar os Doze para a sua
primeira missão, o Senhor, segundo a narração de Mateus e de Lucas,
concede-lhes «o poder de expulsar os espíritos impuros e de curar todas as
doenças e enfermidades» (Mt 10,1; cfr. Lc 9,1) e
dá-lhes a ordem: «Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, sarai os leprosos,
expulsai os demónios» (Mt 10,8). Também na primeira missão dos
setenta e dois, a ordem do Senhor é: «curai os enfermos que aí houver» (Lc 10,9).
O poder, portanto, é concedido dentro de um contexto missionário, não para
exaltar as pessoas enviadas, mas para confirmar a sua missão.Os
Actos dos Apóstolos referem de modo genérico prodígios operados por estes:
«inúmeros prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos» (Actos 2,43;
cfr. 5,12). Eram prodígios e sinais e, portanto, obras portentosas que
manifestavam a verdade e a força da sua missão. Mas, além destas breves
indicações genéricas, os Actos referem sobretudo curas milagrosas, realizadas
pelos evangelizadores individualmente: Estêvão (cfr. Actos 6,8),
Filipe (cfr. Actos 8,6-7) e sobretudo Pedro (cfr. Actos 3,1-10;
5,15; 9,33-34.40-41) e Paulo (cfr. Actos 14,3.8-10; 15,12;
19,11-12; 20,9-10; 28,8-9).
Quer
a parte final do Evangelho de Marcos quer a Carta aos Gálatas, como antes se
viu, alargam a perspectiva e não circunscrevem as curas prodigiosas à
actividade dos Apóstolos e de alguns evangelizadores que tiveram papel de
relevo na primeira missão. Neste particular contexto, são de extrema
importância as referências aos «carisma de cura» (1 Cor 12,9.28.30). O
significado de carisma é, por si, muito amplo: o de «dom generoso»;
no caso em questão, trata-se de «dons de curas obtidas». Estas graças, no
plural, são atribuídas a um único sujeito (cfr. 1 Cor 12,9) e, portanto, não se
devem entender em sentido distributivo, como curas que cada um dos curados
recebe para si mesmo; devem, invés, entender-se como dom concedido a uma
determinada pessoa de obter graças de curas em favor de outros. É dado in
uno Spiritu, sem contudo se especificar o modo como essa pessoa obtém as
curas. Não seria descabido subentender que o seja através da oração, talvez
acompanhada de algum gesto simbólico.
SOBRE A CURA E LIBERTAÇÃO DOS PECADOS
Na
Carta de São Tiago, faz-se aceno a uma intervenção da Igreja, através dos
presbíteros, em favor da salvação, mesmo em sentido físico, dos doentes. Não se
dá, porém, a entender se se trata de curas prodigiosas: estamos num contexto
diferente do dos «carismas de curas» da 1 Cor 12,9. «Algum de vós está doente?
Chame os presbíteros da Igreja para que orem sobre ele, ungindo-o com o óleo em
nome do Senhor. A oração da fé salvará o doente e o Senhor o confortará e, se
tiver pecados, ser-lhe-ão perdoados» (Tg 5,14-15). Trata-se de um ato
sacramental: unção do doente com óleo e oração sobre ele, não simplesmente «por
ele», como se fosse apenas uma oração de intercessão ou de súplica. Mais propriamente,
trata-se de uma ação eficaz sobre o enfermo.(18)Os verbos «salvará» e
«confortará» não exprimem uma acção que tenha em vista, exclusivamente ou
sobretudo, a cura física, mas de certo modo incluem-na. O primeiro verbo, se
bem que nas outras vezes que aparece na dita Carta se refira à salvação
espiritual (cfr. 1,21; 2,14; 4,12; 5,20), é também usado no Novo Testamento no
sentido de «curar» (cfr. Mt 9,21; Mc5,28.34; 6,56; 10,52; Lc 8,48); o segundo verbo,
embora assuma por vezes o sentido de «ressuscitar» (cfr. Mt 10,8; 11,5; 14,2), também é
usado para indicar o gesto de «levantar» a pessoa que está acamada por causa de
uma doença, curando-a de forma prodigiosa (cfr. Mt 9,5;Mc 1,31;
9,27; Actos 3,7).
4.
As orações para alcançar de Deus a cura, na sagrada Tradição da igreja
(SE FOR CONFORME A VOSSA SANTA VONTADE..)
Os
Padres da Igreja consideravam normal que o crente pedisse a Deus, não só a
saúde da alma, mas também a do corpo.A propósito dos bens da vida, da saúde e da
integridade física, Santo Agostinho escrevia:«É preciso rezar para que nos sejam conservados,
quando se os tem, e que nos sejam concedidos, quando não se os tem».(19) O
mesmo Padre da Igreja deixou-nos o testemunho da cura de um amigo, alcançada
graças às orações de um bispo, de um sacerdote e de alguns diáconos na sua
casa.(20).A
mesma orientação se encontra nos ritos litúrgicos, tanto ocidentais como
orientais. Numa oração depois da Comunhão, pede-se que «este sacramento celeste
nos santifique totalmente a alma e o corpo».(21) Na solene liturgia da
Sexta-Feira Santa convida-se a rezar a Deus Pai todo-poderoso para que «afaste
as doenças... dê saúde aos enfermos».(22) Entre os textos mais significativos,
destaca-se o da bênção do óleo dos enfermos. Nele pede-se a Deus que derrame a
sua santa bênção sobre o óleo, a fim de que «sirva a quantos forem com ele
ungidos de auxílio do corpo, da alma e do espírito, para alívio de todas as
dores, fraquezas e doenças».(23).Não
são diferentes as expressões que se lêem nos rituais orientais da Unção dos
enfermos. Citamos apenas alguns dos mais significativos. No rito bizantino,
durante a unção do enfermo reza-se: «Pai Santo, médico das almas e dos corpos,
Vós que enviastes o vosso Filho unigénito Jesus Cristo para curar de toda a
doença e libertar-nos da morte, curai também, pela graça do vosso Cristo, este
vosso servo da enfermidade do corpo e do espírito que o aflige».(24) No rito
copto pede-se ao Senhor que abençoe o óleo para que todos os que com ele forem
ungidos possam alcançar a saúde do espírito e do corpo. Depois, durante a unção
do enfermo, os sacerdotes, depois de terem mencionado Jesus Cristo, mandado ao
mundo «para curar todas as enfermidades e libertar da morte», pedem a Deus «que
cure o enfermo das enfermidades do corpo e lhe indique o recto caminho».(25)
5.
O "carisma de cura" no contexto atual
No
decorrer dos séculos da história da Igreja, não faltaram santos taumaturgos que
realizaram curas milagrosas. O fenómeno, portanto, não estava circunscrito ao
tempo apostólico. O chamado «carisma de cura», sobre o qual convém hoje dar
alguns esclarecimentos doutrinais, não fazia parte porém desses fenómenos
taumaturgos. O problema põe- se sobretudo com as reuniões de oração que os
acompanham, organizadas no intuito de obter curas prodigiosas entre os doentes
que nelas participam, ou então com as orações de cura que, com o mesmo fim, se
fazem a seguir à Comunhão eucarística.As curas ligadas aos
lugares de oração (nos santuários, junto de relíquias de mártires ou de outros
santos, etc.) são abundantemente testemunhadas ao longo da história da Igreja.Na
antiguidade e na idade média, contribuíram para concentrar as peregrinações em
determinados santuários, que se tornaram famosos também por essa razão, como o
de São Martinho de Tours ou a catedral de Santiago de Compostela e tantos
outros.O
mesmo acontece na actualidade, como, por exemplo, há mais de um século com
Lourdes. Estas curas não comportam um «carisma de cura», porque não estão
ligadas a um eventual detentor de tal carisma, mas há que tê-las em conta ao
procurar ajuizar, sob o ponto de vista doutrinal, as referidas reuniões de
oração.No
que concerne as reuniões de oração feitas com a finalidade precisa de alcançar
curas, finalidade, se não dominante, ao menos certamente influente na
programação das mesmas, convém distinguir entre as que possam dar a entender um
«carisma de cura», verdadeiro ou aparente, e as que nada têm a ver com esse
carisma.Para
que possam estar ligadas a um eventual carisma, é necessário que nelas
sobressaia, como elemento determinante para a eficácia da oração, a intervenção
de uma ou várias pessoas individualmente ou de uma categoria qualificada, por
exemplo, os dirigentes do grupo que promove a reunião.Não havendo relação
com o «carisma de cura», é óbvio que as celebrações previstas nos livros
litúrgicos, se realizadas em conformidade com as normas litúrgicas, são lícitas
e até muitas vezes oportunas, como é o caso da Missa pro infirmis. Quando não respeitarem as normas litúrgicas,
perdem a sua legitimidade.Nos
santuários são também frequentes outras celebrações que, por si, não se
destinam especificamente a implorar de Deus graças de curas, mas que nas
intenções dos organizadores e dos que nelas participam têm, como parte
importante da sua finalidade, a obtenção de curas.Com esse objetivo,
costumam fazer-se celebrações litúrgicas, como é o caso da exposição do Santíssimo
Sacramento com bênção, ou não litúrgicas, mas de piedade popular, que a Igreja
encoraja, como pode ser a solene reza do Terço. Também estas celebrações são
legítimas, uma vez que não se altere o seu significado autêntico.Por exemplo, não se deveria pôr em primeiro
plano o desejo de alcançar a cura dos doentes, fazendo com que a exposição da
Santíssima Eucaristia venha a perder a sua finalidade; esta, de facto, «leva a
reconhecer nela a admirável presença de Cristo e convida à íntima união com Ele,
união que atinge o auge na comunhão sacramental».(26)
O
«carisma de cura» não se atribui a uma determinada categoria de fiéis. É,
aliás, bem claro que São Paulo, quando se refere aos diversos carismas em 1 Cor
12, não atribui o dom dos «carismas de cura» a um grupo particular: ao dos
apóstolos ou dos profetas, ao dos mestres ou dos que governam, ou a outro
qualquer. A lógica que preside à sua distribuição é, invés, outra: «é um só e
mesmo Espírito que faz tudo isto, distribuindo os dons a cada um conforme Lhe
agrada» (1 Cor12,11).Por conseguinte, nas
reuniões de oração organizadas com o intuito de implorar curas, seria
completamente arbitrário atribuir um «carisma de cura» a uma categoria de
participantes, por exemplo, aos dirigentes do grupo. Dever-se-ia confiar apenas
na vontade totalmente livre do Espírito Santo, que dá a alguns um especial
carisma de cura para manifestar a força da graça do Ressuscitado.
Há que recordar, por outro lado, que "nem as orações
mais intensas alcançam a cura de todas as doenças"
Assim
São Paulo tem de aprender do Senhor que «basta-te a minha graça, porque é na
fraqueza que se manifesta todo o meu poder» (2 Cor 12,9) e que
os sofrimentos que se têm de suportar podem ter o mesmo sentido do «completo na
minha carne o que falta à paixão de Cristo, em benefício do seu corpo que é a
Igreja» (Col 1,24).
II.
DISPOSIÇÕES DISCIPLINARES
Art. 1 -
Todo o fiel pode elevar preces a Deus para alcançar a cura. Quando estas se
fazem numa igreja ou noutro lugar sagrado, convém que seja um ministro ordenado
a presidi-las.
Art.
2 - As orações de cura têm a qualificação
de litúrgicas, quando inseridas nos livros litúrgicos aprovados pela autoridade
competente da Igreja; caso contrário, são orações não litúrgicas.
Art.
3 - § 1. As orações de cura
litúrgicas celebram-se segundo o rito prescrito e com as vestes sagradas
indicadas no Ordo benedictionis infirmorum do Rituale
Romanum.(27)
§
2. As Conferências Episcopais, em
conformidade com quanto estabelecido nos Praenotanda, V, De
aptationibus quae Conferentiae Episcoporum competunt(28) do mesmo Rituale
Romanum, podem fazer as adaptações ao rito das bênçãos dos enfermos, que
considerarem pastoralmente oportunas ou eventualmente necessárias, com prévia
revisão da Sé Apostólica.
Art.
4 - § 1. O Bispo
diocesano(29) tem o direito de emanar para a própria Igreja particular normas
sobre as celebrações litúrgicas de cura, conforme o can. 838, § 4.
§
2. Os que estão encarregados de preparar
ditas celebrações litúrgicas, deverão ater-se a essas normas na realização das
mesmas.
§ 3.
A licença de realizar ditas celebrações tem de ser explícita, mesmo quando
organizadas por Bispos ou Cardeais ou estes nelas participem. O Bispo diocesano
tem o direito de negar tal licença a qualquer Bispo, sempre que houver uma
razão justa e proporcionada.
Art.
5 - § 1. As orações de cura
não litúrgicas realizam-se com modalidades diferentes das celebrações
litúrgicas, tais como encontros de oração ou leitura da Palavra de Deus, salva
sempre a vigilância do Ordinário do lugar, em conformidade com o can. 839, § 2.
§
2. Evite-se cuidadosamente confundir
estas orações livres não litúrgicas com as celebrações litúrgicas propriamente
ditas.
§
3. É necessário, além disso, que na sua
execução não se chegue, sobretudo por parte de quem as orienta, a formas
parecidas com o histerismo, a artificialidade, a teatralidade ou o
sensacionalismo.
Art.
6 - O uso de instrumentos de comunicação
social, nomeadamente a televisão, durante as orações de cura, tanto litúrgicas
como não litúrgicas, é submetido à vigilância do Bispo diocesano, em conformidade
com o estabelecido no can. 823 e com as normas emanadas pela Congregação para a
Doutrina da Fé na Instrução de 30 de Março de 1992.(30).
Art.
7 - § 1. Mantendo-se em vigor
quanto acima disposto no art. 3 e salvas as funções para os doentes previstas
nos livros litúrgicos, não devem inserir-se orações de cura, litúrgicas ou não
litúrgicas, na celebração da Santíssima Eucaristia, dos Sacramentos e da
Liturgia das Horas.
§
2. Durante as celebrações, a que se
refere o art. 1, é permitido inserir na oração universal ou «dos fiéis»
intenções especiais de oração pela cura dos doentes, quando esta for nelas
prevista.
Art.
8 - § 1. O ministério do
exorcismo deve ser exercido na estreita dependência do Bispo diocesano e, em
conformidade com o can. 1172, com a Carta da Congregação para a Doutrina da Fé
de 29 de Setembro de 1985(31) e com o Rituale Romanum.(32)
§
2. As orações de exorcismo, contidas no Rituale
Romanum, devem manter-se distintas das celebrações de cura, litúrgicas ou
não litúrgicas.
§
3. É absolutamente proibido inserir tais
orações na celebração da Santa Missa, dos Sacramentos e da Liturgia das Horas.
Art.
9 - Os que presidem às celebrações de
cura, litúrgicas ou não litúrgicas, esforcem-se por manter na assembleia um
clima de serena devoção, e actuem com a devida prudência, quando se verificarem
curas entre os presentes. Terminada a celebração, poderão recolher, com
simplicidade e precisão, os eventuais testemunhos e submeterão o facto à
autoridade eclesiástica competente.
Art.
10 - A intervenção da autoridade do Bispo
diocesano é obrigatória e necessária, quando se verificarem abusos nas
celebrações de cura, litúrgicas ou não litúrgicas, em caso de evidente
escândalo para a comunidade dos fiéis ou quando houver grave inobservância das
normas litúrgicas e disciplinares.
O
Sumo Pontífice João Paulo II, na Audiência concedida ao abaixo assinado
Prefeito, aprovou a presente Instrução, decidida na reunião ordinária desta
Congregação, e mandou que fosse publicada.
Roma,
Sede da Congregação para a Doutrina da Fé, 14 de Setembro de 2000, Festa da
exaltação da Santa Cruz.
+
Joseph Card. RATZINGER, Prefeito
+
Tarcisio BERTONE, S.D.B., Arc. Emérito de Vercelli, Secretário
REFERENCIAS
(1)
JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica Christifideles laici, n. 53,
AAS 81(1989), p. 498.
(2) Catecismo
da Igreja Católica, n. 1502.
(3)
JOÃO PAULO II, Carta Apostólica Salvifici doloris, n. 11, AAS,
76(1984), p. 12.
(4) Rituale
Romanum, Ex Decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani II
instauratum, Auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, Ordo Unctionis
Infirmorum eorumque Pastoralis Curae, Editio typica, Typis Polyglottis
Vaticanis, MCMLXXII, n. 2.
(5)
JOÃO PAULO II, Carta Apostólica Salvifici doloris, n. 19, AAS,
76(1984), p. 225.
(6)
JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica Christifideles laici, n. 53,
AAS 81(1989), p. 499.
(7) Ibid.,
n. 53.
(8) Catecismo
da Igreja Católica, n. 1511.
(9)
Cfr. Rituale Romanum, Ordo Unctionis Infirmorum eorumque
Pastoralis Curae, n. 5.
(10) Ibid., n. 75.
(11) Cfr. Ibid., n. 77.
(12) Missale
Romanum, Ex Decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani II
instauratum, Auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, Editio typica altera, Typis
Polyglottis Vaticanis, MCMLXXV, pp. 838- 839.
(13)
Cfr. Rituale Romanum, Ex Decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii
Vaticani II instauratum, Auctoritate Ioannis Pauli II promulgatum, De
Benedictionibus, Editio typica, Typis Polyglottis Vaticanis, MCMLXXXIV, n.
305.
(14) Cfr. Ibid., nn. 306-309.
(15) Cfr. Ibid., nn. 315-316.
(16)
Cfr. Ibid., n. 319.
(17) Rituale
Romanum, Ordo Unctionis Infirmorum eorumque Pastoralis Curae,
n. 3.
(18)
Cfr. CONCILIO DE TRENTO, sessão XIV, Doctrina de sacramento extremae
unctionis, cap. 2: DS, 1696.
(19)
AUGUSTINUS IPPONIENSIS, Epistulae 130, VI,13 (PL 33,499).
(20)
Cfr. AUGUSTINUS IPPONIENSIS, De Civitate Dei 22, 8,3 (PL
41,762-763).
(21)
Cfr. Missale Romanum, p. 563.
(22) Ibid., Oratio
universalis, n. X (Pro tribulatis), p. 256.
(23) Rituale
Romanum, Ordo Unctionis Infirmorum eorumque Pastoralis Curae,
n. 75.
(24)
GOAR J., Euchologion sive Rituale Graecorum, Venetiis 1730 (Graz
1960), n. 338.
(25)
DENZINGER H., Ritus Orientalium in administrandis Sacramentis, vv.
I-II, Würzburg 1863 (Graz 1961), v. II, 497-498.
(26) Rituale
Romanum, Ex Decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani II
instauratum, Auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, De Sacra Communione
et de Cultu Mysterii Eucharistici Extra Missam, Editio typica, Typis
Polyglottis Vaticanis, MCMLXXIII, n. 82.
(27)
Cfr. Rituale Romanum, De Benedictionibus, nn. 290-320.
(28) Ibid.,
n. 39.
(29)
E quantos a ele são equiparados em virtude do can. 381, § 2.
(30)
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Instrução Il Concilio Vaticano II,
Sobre alguns aspectos do uso dos instrumentos de comunicação social para a
promoção da doutrina da fé, Cidade do Vaticano [1992].
(31)
CONGREGATIO PRO DOCTRINA FIDEI, Epistula Inde ab aliquot annis,
Ordinariis locorum missa: in mentem normae vigentes de exorcismis revocantur,
29 septembris 1985, in AAS 77(1985), pp. 1169-1170.
(32)
Cfr. Rituale Romanum, Ex Decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii
Vaticani II instauratum, Auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, De
exorcismis et supplicationibus quibusdam, Editio typica, Typis Vaticanis,
MIM, Praenotanda, nn. 13-19.
PONTIFÍCIO
CONSELHO PARA A PROMOÇÃO DA UNIDADE DOS CRISTÃOS - (CONFERÊNCIA
DE JUAN USMA GÓMEZ)
A
cura para os "pentecostais e católicos"
O
lema da Semana de Oração pela Unidade de 2007:"Faz ouvir os surdos e falar os
mudos" (Mc7, 31-37), reapresenta-nos um dos argumentos aparentemente mais controversos na
relação entre católicos e pentecostais: a cura.Com efeito,
ao lado do falar em línguas, a insistência densa de
expectativas postas nas curas milagrosas constitui um dos
"modos pentecostais" que provocam surpresa e perplexidade acerca da
sua legitimidade e do seu sentido propriamente cristão.Em quase
todo o mundo, a promessa de cura tornou-se um leitmotiv com o
qual as comunidades pentecostais e carismáticas atraem novos membros (1).Não obstante, ao admitir que essa
visão é redutiva, devemos reconhecer que a promessa ou o anúncio de curas
realizadas constituem um dos elementos mais "eficazes" de atração nos
nossos dias. Ser curado ou ser testemunha de uma cura realizada na comunidade
de pertença torna-se cada vez mais importante.Se tomarmos a Sagrada Escritura, vemos imediatamente que os Evangelhos
trazem muitas narrações de curas:Sem dúvida, a compaixão de Cristo
para com os doentes e as suas numerosas curas de enfermos de qualquer tipo são
um claro sinal do facto que "Deus visitou o seu povo" (Lc7, 16) e que o Reino de Deus está
próximo (cf. Mt 10,
7; Lc 10, 9).Certamente,
o ministério de Jesus realizava-se por intermédio de palavras de autoridade e
obras poderosas. As curas por ele realizadas não são simples obras
taumatúrgicas, mas, sem excepção, estão relacionadas com a fé do doente e
tornam-se experiência messiânica (cf. Mt 8, 6-10; 9, 21-22,
27-30; Mc 2, 4-5; 10, 50-52; Lc 17, 17-22; Jo 9,
1), embora nem sempre reconhecida na sua bondade por aqueles que estão ao lado
dos doentes (cf. Mc 2, 4-9; Jo 9, 13-40).Nas narrações neotestamentárias, contudo, Jesus não é o único curador.
Ele próprio doa aos apóstolos o poder de curar.Os apóstolos
e outros, no cumprimento da sua missão e como parte dela, realizaram curas em
nome de Jesus; nunca como manifestação do próprio poder ou para os próprios
fins (cf. Act 8, 13; 9, 36-43; 14, 8-11).Além disso,
Paulo, na sua Carta aos Coríntios, refere-se a um carisma especial de cura que
o Espírito Santo doa a alguns crentes a fim de que se manifeste a força da
graça que provém do Ressuscitado (cf. 1 Cor 12, 9.28.30).Até aqui tudo parece claro. Pedir a saúde do corpo e da alma é prática
conhecida desde sempre na Igreja. Aliás, folheando as páginas do Catecismo da
Igreja Católica lemos que:"O Senhor Jesus Cristo, médico das nossas almas e dos nossos
corpos, que perdoou os pecados ao paralítico e lhe restituiu a saúde do corpo,
quis que a Igreja continuasse, com a força do Espírito Santo, a sua obra de
cura e de salvação, mesmo junto dos seus próprios membros" (2).Esta
afirmação é plenamente partilhada pelos pentecostais; contudo, deve-se notar
que no Catecismo ela introduz o capítulo dedicado aos "sacramentos de
cura", isto é, os sacramentos da penitência e da reconciliação e a unção
dos enfermos.
Para um católico, pedir a cura é legítimo!
1)- De
facto, a Igreja em diversos momentos e com diferentes ritos, recita orações
litúrgicas por essa intenção. São muito conhecidos os santos taumaturgos e os
vários lugares de oração onde se dão inúmeros testemunhos de curas milagrosas.
2)- Pedir a
graça da cura não é portanto estranho à prática católica. Todavia, isto não
deve fazer esquecer ao cristão que nenhum mal é mais grave do que o pecado e
nada tem piores consequências para os próprios pecadores, para a Igreja e para
todo o mundo (3).
3)- A
recuperação da saúde é importante se beneficiar a salvação espiritual (cf. Mt 9,
5-8). A cura é uma graça, mas a doença não é necessariamente a ausência dela: a
união do doente à paixão de Cristo é fundamental para o seu bem e para o bem da
Igreja (cf. Cl 1, 24).
Da parte dos evangélicos e pentecostais a abordagem é diferente!
Às vezes,
fala-se de diversas teologias da cura que, em geral, vinculam a cura à expiação
de Cristo. E, se de qualquer modo a expectativa de cura é encorajada e o
ministério de cura é considerado como um elemento legítimo do evangelismo, não
raramente se ouvem vários líderes pentecostais que advertem os fiéis e/ou
protestam contra certas práticas ilegítimas que, escondendo-se atrás de
promessas de cura, apontam para projectos pessoais muito distantes do
Evangelho."A maior ameaça para o
movimento pentecostal/carismático nos últimos vinte anos deste [XX] século
serão o sucesso e a ruína dos "reinos pessoais", pois quando eles
desabarem, como é inevitável que aconteça, a fé daqueles que não tiverem o
olhar centrado em Cristo desabará com eles" (4).O surgimento
daqueles que exercem o carisma da cura, homens e mulheres, cuja
"performance" se tornou ainda mais visível através dos mass media e
dos grandes congressos, suscitou questões doutrinais e pastorais muito urgentes
para todos os cristãos.Reconhecidos
como pertencentes sobretudo à terceira onda do pentecostalismo (third
wavers), as pessoas que hoje se apresentam com o carisma da cura fazem
referência a diversas tradições cristãs.Mas alguns desses
"televangelistas" agem mais como televendedores de produtos religiosos,
com uma consequente vantagem económica, e não raro, nas suas promessas de cura,
percebem-se o engano e a intenção de explorar a boa fé das pessoas carentes.
Nesta lógica, o risco de uma moderna "simonia" é altíssimo (cf. Act 8, 18-25).Suscitam
perplexidades o uso a bel-prazer do suposto "carisma de cura" e as
revelações pessoais que frequentemente indicam a cura realizada ou a
dificuldade apresentada por alguns dos presentes que impede a atuação da
libertação do maligno.Ao
referir-se aos textos neotestamentários, aqueles que exercem o carisma da cura
se definem com frequência exorcistas; por conseguinte, a cura mais do que
restabelecimento da saúde é antes libertação do maligno.Embora
admitindo a boa intenção das pessoas que neles depositam confiança, podem
surgir dúvidas sobre a gratuidade e a consistência da fé de tais pessoas que
parece depender não tanto de Jesus Cristo mas dos milagres, curas e performance dos
líderes. O Evangelho então passa para o segundo plano.
Também na Igreja Católica, por influência do movimento carismático, as
orações de cura expressas em grupo são muito comuns!
A Congregação
para a Doutrina da Fé publicou no ano 2000 aInstrução acerca das
orações para obter de Deus a cura, destinada aos bispos com a finalidade de
guiar os fiéis nesta matéria; a instrução quer favorecer o que há de bom na
oração e corrigir o que deve ser evitado.A
apresentação inclui uma parte doutrinal sobre as graças de cura e as orações
para as obter e apresenta no final relativas disposições disciplinares (5).
Sobre a cura na Igreja, o Diálogo
Internacional Católico-Pentecostal, na sua segunda fase, expressou algumas
reflexões que até hoje são válidas, embora o assunto exija um ulterior
aprofundamento comum a fim de evitar julgamentos injustos:
1)- No que diz
respeito à cura, católicos e pentecostais concordam (6) sobre a necessidade da
cruz (a busca da cura não é uma simples procura de bem-estar); a cura é um
sinal do Reino; ela envolve a pessoa na sua totalidade; a expectativa confiante
de receber a graça de uma cura não é contrária à vida cristã; nós cremos que
somente Cristo tem o poder de curar.
2)- Todavia,
não há acordo nem convergência acerca do aspecto sacramental e, por
conseguinte, sobre a importância do ministro ordenado no que se refere aos
sacramentos de cura, e em particular ao sacramento dos doentes.
Também hoje Cristo faz ouvir os surdos e falar os mudos. Também hoje o
carisma da cura é doado a alguns crentes.Mas, embora
reconhecendo a possibilidade da cura, pois estamos convictos de que a Deus nada
é impossível, não podemos compreender os milagres de cura como condição
necessária para a nossa fé cristã: não se deve necessariamente ver para crer
(cf.Jo20, 24-29).Portanto, o discernimento espiritual é ainda mais necessário para
identificar um ministério autêntico."Em razão da fragilidade humana, da pressão de grupo e de outros
factores, é possível que o crente seja induzido em erro na sua consciência por
aquelas que são a intenção e a influência do Espírito sobre as suas acções. Por
este motivo, é essencial estabelecer os critérios para confirmar e convalidar a
operação genuína do "Espírito de verdade" (cf. 1 Jo 4, 1-6)" (7).Atualmente, os carismas e os dons
do Espírito Santo adquirem uma crescente visibilidade, em alguns casos podemos
dizer excessiva. Esta situação requer uma orientação a fim de que os carismas
sejam identificados adequadamente e encontrem seu "espaço", para que
sejam exercidos para o bem de toda a Igreja (cf. 1 Cor 12-14). Fornecer elementos de discernimento
espiritual deveria contribuir para individualizar a autenticidade de uma
experiência espiritual e a sua conformidade com a doutrina da Igreja, evitando
desse modo desvios e iluminando as "experiências espirituais" dos
crentes.Concluo esta reflexão convidando a ler, discutir e avaliar o relatório
final da quinta fase do Diálogo católico-pentecostal, que será publicado
proximamente!O texto
oferecerá a possibilidade de percorrer, com base nas fontes bíblicas e
patrísticas, o caminho da fé, conversão, discipulado, experiência comunitária e
percepção da acção do Espírito Santo (em particular em relação ao baptismo no
Espírito).Os membros
do diálogo apresentam reflexões comuns acerca de cada aspecto na situação
actual, procurando evidenciar não somente a beleza da vida cristã, mas também a
sua dinamicidade desde as origens.
O documento articula-se em três pontos:
1)- Como se
tornar cristão segundo a Bíblia;
2)- O que
aconteceu durante o período patrístico;
3)- Quais
são as abordagens pastorais atuais de ambas as comunidades.
Notas
1. Este
facto foi constatado também durante os quatro seminários sobre o ecumenismo
organizados pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos no
Brasil, Quénia, Senegal e Coreia.
2. Catecismo
da Igreja Católica, 1421.
3. Cf. Catecismo
da Igreja Católica, 1488.
4. W. MacDonald, The Cross versus Personal Kingdom, Pneuma 3/2,
Fall 1982, em: W. Hollenweger, Pentecostalism: Origins and Developments
Worldwide, Peabody 1997, p. 230.
5. Cf.
Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução acerca das orações para
obter de Deus a cura, Vaticano, 14 de Setembro de 2000.
6. Diálogo
Internacional Católico-Pentecostal, Relatório final 1977-1982, par.
31-40, original em: Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos
Cristãos, Information Service [IS] 55 (1984/II-III).
7.
Diálogo Internacional Católico-Pentecostal, Relatório final (1972-1976), par.
40, original em: IS 32 (1976/III).
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infelizmente nós católicos pouco nos interessamos em conhecer os documentos oficiais da igreja e vamos nos conduzindo e conduzindo os outros na base do achismo...
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