O perdão para ser pleno precisa que nos reconcilie conosco mesmos (nos perdoando), com Deus (que sempre nos perdoa aos nos arrependermos e confessarmos nossos pecados) e por fim, com a Igreja para nos devolver a comunhão! “Quanto deves ao meu Senhor? Cem
medidas de azeite. Toma a tua conta, senta-te depressa e escreve cinquenta...”
(Luc 16,6)
As Normas sobre as Indulgências, que acompanham a
Constituição Apostólica do Papa Paulo VI, "A Doutrina das Indulgências", ensina o
que é a indulgência:
“Indulgência é a remissão, diante de Deus, da pena temporal devida aos pecados já perdoados quanto à culpa, que o fiel, devidamente disposto e em
certas e determinadas condições, alcança por meio da Igreja, a qual, como
dispensadora da redenção, distribui e aplica, com autoridade (conf Mateus
16,18), o tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos.” (Norma 1)
É preciso entender bem esta conceituação do que seja a indulgência! Em primeiro
lugar, é “remissão”, isto é, livra, liberta, da “pena temporal” devida aos
pecados já perdoados. São "AÇÕES" que acompanhadas das devidas exigências, se
revertem em graças:
Tiago 5,19-20: “Meus irmãos, se alguém dentre
vós se desviar da verdade e alguém o fizer retornar, sabei que aquele que fizer
retornar um pecador do erro, salvará da morte uma alma, e cobrirá uma multidão
de seus próprios pecados.”
Romanos 12,1: “Portanto, caros irmãos, rogo-vos pelas
misericórdias de Deus, que apresenteis o
vosso corpo como um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o
vosso culto espiritual...”
Mateus 25,34-35: “Então, dirá o Rei a todos que
estiverem à sua direita: ‘Vinde, abençoados de meu Pai! Recebei como herança o
Reino, o qual vos foi preparado desde a fundação do mundo. Pois tive fome, e me destes de comer, tive sede, e me destes de beber;
fui estrangeiro, e vós me acolhestes...”
Malaquias 3,6-12: “Fazei a experiência, diz o
Senhor dos exércitos, e vereis se não
vos abro os reservatórios do céu e se não derramo a minha bênção sobre vós
muito além do necessário. Para vos beneficiar afugentarei o gafanhoto, que
não destruirá mais os frutos de vossa terra e não haverá nos campos vinha
improdutiva, diz o Senhor dos exércitos.”
Todo
pecado tem duas consequências: a da culpa e a da pena, devido à desordem
causada pela culpa!
Mateus 5,25-26: “Entra em
acordo depressa com teu adversário, enquanto estás com ele a caminho do tribunal,
para que não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, o juiz te entregue
ao carcereiro, e te joguem na cadeia. Com toda a certeza afirmo que de maneira alguma sairás dali, enquanto
não pagares o último centavo...”
Então, para que alguém fique totalmente
redimido do pecado é preciso que obtenha de Deus o perdão da culpa, mediante o
sacramento da Reconciliação, e restaure a ordem violada pelo pecado, cumprindo
a justa pena pelo delito cometido. Se alguém difamou uma pessoa, não basta que peça
desculpa do seu erro à pessoa ofendida, e seja perdoado, é preciso também,
fazer algumas ações para restaurar a honra e o bom nome da pessoa. Ora, isto é
uma exigência natural da justiça. Esta reconciliação também, é extensiva ao
corpo comunitário da Igreja, da qual o ofensor faça parte, no qual a
indulgência feita sob as condições exigidas, satisfaz esta reconciliação
visível com a Igreja local e universal. Cientes disso, os
primeiros cristãos, até a idade média, infligiam a si mesmos severas penas (jejum
de muitos dias até o pôr do sol, flagelações, longas peregrinações, etc.) mesmo
após o perdão dos pecados, para cumprir a pena devida ao pecado. O Papa Paulo VI
assim explica: “Assim nos ensina a
revelação divina que os pecados acarretam como consequência penas infligidas
pela santidade e justiça divina, penas que devem ser pagas ou neste mundo,
mediante os sofrimentos, dificuldades e tristezas desta vida e sobretudo
mediante a morte, ou então no século futuro...”(DI, 2)
Paulo VI lembra os
ensinamentos de Santo Agostinho e de São Tomás de Aquino sobre o assunto. Santo
Agostinho afirma que:
“Toda iniquidade,
pequena ou grande, deve ser punida, ou pelo próprio homem penitente, ou então
por Deus...” (Com. Salmos LVIII 1,13; DI, ref. 1).
São Tomás de Aquino
também ensina que:
“Sendo o pecado um
ato desordenado, é evidente que todo o que peca, age contra alguma ordem. E é
portanto decorrência da própria ordem que seja humilhado. E essa humilhação é a
pena.” (STh. 1-2, q. 87, a.1; DI, ref. 3)
O Papa Paulo VI
explica com clareza o efeito das penas temporais:
“Essas penas são impostas pelo julgamento de Deus, julgamento a um tempo
justo e misericordioso, a fim de
purificar as almas, defender a integridade da ordem moral e restituir à glória
de Deus a sua plena majestade. Todo pecado, efetivamente, acarreta uma
perturbação da ordem universal, por Deus estabelecida com indizível
sabedoria e caridade infinita, e uma destruição de bens imensos, quer se
considere o pecador como tal, quer a comunidade humana.” (DI, 2)
I cor 12,26-27: “Desse modo, quando um membro sofre, todos os demais sofrem com ele;
quando um membro é honrado, todos os outros se regozijam com ele. Ora, vós sois o Corpo de Cristo, e cada pessoa entre vós,
individualmente, é membro desse Corpo...”
O Catecismo da Igreja
nos ensina o que é esta “pena temporal
devida aos pecados já perdoados” quanto a culpa:
“Para compreender esta doutrina e esta prática da Igreja, é preciso
admitir que o pecado tem dupla consequência. O pecado grave priva-nos da comunhão com Deus e, consequentemente, nos
torna incapazes da vida eterna, esta privação se chama pena eterna do pecado.
Por outro lado, mesmo o pecado venial, acarreta um apego prejudicial às
criaturas que exige purificação, quer aqui na terra quer depois da morte, no
estado chamado purgatório. Esta purificação liberta da chamada ‘pena temporal’
do pecado. Essas duas penas não devem ser concebidas como uma espécie de
vingança infligida por Deus do exterior, mas antes como uma consequência da
própria natureza do pecado.” (§1472)
ATENÇÃO! DIFERENCIAR: PENA ETERNA E TEMPORAL!
Portanto, fica claro
que o pecado, além da “pena eterna”, que é perdoada diante de Deus pelos méritos da
Paixão de Cristo, especialmente no Sacramento da Reconciliação, acarreta também, a “pena temporal”, que permanece mesmo após a remissão da pena eterna.
São as consequências que o pecado deixou na alma do pecador, a desordem que
promoveu no plano de Deus e a ofensa à Sua majestade.
Prof. Felipe Aquino
Padre Paulo RICARDO explica os seus efeitos na vida do Cristão e da Igreja!
Atendidas as exigências para sua eficácia, “a absolvição sacramental
livra a pessoa do inferno e a indulgência livra a pessoa do purgatório",
explica o sacerdote da Arquidiocese de Cuiabá, padre Paulo Ricardo de Azevedo Júnior. Segundo
ele, o
perdão dos pecados não resolve o problema das doenças
espirituais do homem, portanto, as indulgências são necessárias para
que os
efeitos do pecado, ainda no coração humano, sejam curados. As
indulgências são uma realidade muito antiga na Igreja Católica. E no
decorrer dos anos, foram motivo de questionamentos para muitos, como também
foram, para os que creem, um meio de rezar pelos falecidos e buscar a remissão
dos pecados. Em entrevista à equipe do noticias.cancaonova.com, padre Paulo traz
uma definição simples e clara sobre a realidade das indulgências. O sacerdote também explica como elas
surgiram na Igreja, qual seu objetivo e o que fazer para obtê-las:
1)-
Noticias.cancaonova.com: De forma prática e simples, como o senhor definiria as
indulgências?
Padre Paulo – Para que as pessoas entendam o que é indulgência é necessário entender
antes o que é pena temporal? Quando vamos nos confessar o sacerdote perdoa a pena
eterna! Por causa dos nossos pecados, nós merecemos o inferno, então, o
sacerdote perdoa os nossos pecados e com isso nós seremos salvos! Mas, ao mesmo
tempo, o pecado tornou o nosso coração pior, nosso coração não está pronto para
entrar no céu. Se eu me confessar e morrer imediatamente após a confissão, eu
estou salvo, mas não estou santo, pronto e purificado para entrar na glória celeste. Por que ainda não amo a Deus de todo o
coração, de toda alma e todo o entendimento. Então, a pessoa que morre nesta
situação vai para o purgatório e, ali, purifica-se! A indulgência é a remissão
deste tempo da pena do purgatório, quando o penitente já se purificou, mas, não concluiu o tempo jurídico da pena (não sairás de lá enquanto não pagares até o último centavo). A absolvição sacramental livra a pessoa do inferno e
a indulgência livra a pessoa do purgatório. São João Crisóstomo
(349-407), que foi patriarca de Constantinopla, doutor da Igreja, ensina a
necessidade de rezar pelos mortos: “Levemos-lhes socorro e celebremos a sua memória. Se os filhos de Jó foram purificados pelo sacrifício de seu pai (Jó
1,5), porque duvidar que as nossas oferendas em favor dos mortos lhes leva
alguma consolação? Não hesitemos em socorrer aos que partiram e em oferecer as
nossas orações por eles” (CIC, §1032; In I Cor 41,5 PG 61,361).
O mesmo São João Crisóstomo afirma que “os Apóstolos instituíram a oração pelos
mortos" conforme revela as escrituras!
E que esta lhes presta grande auxílio e real utilidade! (
In Philipp. III 4, PG 62, 204, citado na Revista Pergunte e Responderemos n. 264, 1982, pp. 50-51).
É interessante
notar que é S. Paulo faz esta oração por um morto!
“O Senhor conceda a
Onesíforo encontrar misericórdia da parte do Senhor naquele dia!”( 2Tm 1, 18). É uma oração por um
defunto!
2)-
Noticias.cancaonova.com: Como surgiram as indulgências na Igreja?
Padre Paulo – No início do Cristianismo, quando as pessoas iam recorrer ao Sacramento
da Reconciliação, a ordem das coisas era diferente como nos tempos de hoje. Atualmente,
nós vamos ao padre, ele nos dá o perdão dos pecados e passa uma penitência para
cumprirmos depois da confissão. No
início da Igreja, era diferente: a pessoa confessava os seus pecados, o padre
passava a penitência e, então, a pessoa ficava cumprindo aquela penitência
durante vários meses e, às vezes, longos anos para que, finalmente, fosse
perdoada. Acontece que nesta época, havia a perseguição da Igreja e também
havia vários mártires. Então, os cristãos que estavam aprisionados e que iam
morrer condenados à morte pelos perseguidores do Império Romano, muitas vezes,
escreviam cartas aos bispos dizendo: "senhor bispo, eu vou morrer e a
minha morte será uma penitência. Use esta minha penitência para remir as penas,
para perdoar a penitência de outra pessoa". Eram mártires que se ofereciam
para cumprir penitência no lugar daquelas pessoas. A origem da indulgência
consiste nisso: sabermos que somos um só corpo. E sendo um só corpo
enquanto Igreja, a penitência, o martírio de alguns, pode servir para compensar
a penitência de outros! Na verdade, essa história de amor está na raiz do
surgimento das indulgências.
3)-
Noticias.cancaonova.com: A questão das indulgências é uma prática antiga na
Igreja e sofreu algumas incompreensões em certos momentos da história. A que se
deve a visão negativa que muitos tiveram com relação às indulgências?
Padre Paulo – Deve-se principalmente à reação de Lutero àquilo que era a prática das
indulgências na Alemanha, na época da reforma protestante. A Igreja acredita
que essas penitências que o fiel faz, podem realmente remir a pena do
purgatório. Seja do próprio fiel, sejam das almas que estão no purgatório. Entre essas várias práticas penitencial,
existe a esmola. Acontece que na época da Alemanha, do tempo de Lutero, havia
alguns pregadores que estavam abusando da prática da esmola. Havia na realidade
uma espécie de venda das indulgências, ou seja, as pessoas recebiam a
indulgência gratuitamente, mas a obra penitencial exigida delas era uma esmola.
Então, isso fazia parecer que os pregadores estavam vendendo a indulgência.
Lutero, defendendo o papa e a verdadeira prática milenar na Igreja das indulgências, se revoltou contra esses abusos! E a partir da sua reação nas suas 95 teses, houve a revolta
protestante. Porém é preciso lembrar que
o “abuso não tolhe o uso”.
4)-
Noticias.cancaonova.com: Por que é necessário buscar as indulgências mesmo após
ter recebido o Sacramento da Reconciliação?
Padre Paulo – Por que o perdão dos pecados não resolve o problema das nossas doenças
espirituais, ou seja, uma vez que nós formos perdoados, nós precisamos ainda
assim fazer práticas penitenciais. Por que é a penitência que irá, aos poucos,
tornar o nosso coração um coração melhor. A indulgência é a Igreja que vem em
socorro do fiel que faz penitência para, como mãe, aliviá-la. Lembrando que o sacramento da reconciliação
elimina a culpa, não as penas e consequências do delito cometido.
5)-
Noticias.cancaonova.com: Qual a diferença entre a indulgência plenária e a
parcial?
Padre Paulo – Indulgência plenária, o próprio
nome diz, ela redime totalmente a pena que a pessoa teria que cumprir no
purgatório. Enquanto a parcial, redime só em partes. A plenária é
totalmente eficaz e definitiva para as pessoas mortas. Por exemplo, se eu tenho
um parente que faleceu e cumpro uma obra indulgenciada plenária, essa pessoa
então, estaria liberta de todo o tempo do seu purgatório referente a sua culpa,
porém, ela é livre para querer cumprir por amor seu tempo de purificação
temporal no purgatório, para poder entrar na glória celeste, quando fizer seu juízo
particular logo após sua morte, preferindo como todos os santos: "fazer antes a
vontade de Deus que a sua"!
6)-
Noticias.cancaonova.com: A Igreja ensina que para obter as indulgências “o fiel precisa estar em estado de graça”.
O vem a ser este estado?
Padre Paulo – É um estado de amizade com Deus
em que a pessoa verdadeiramente arrependida, não só recebeu o perdão dos
pecados graves ou mortais, mas também, está disposta a abandonar qualquer tipo
de pecado, até mesmo os veniais, ou leves.
7)-
Noticias.cancaonova.com: Quais as outras condições para se obter indulgências?
Quem pode e quem não pode recebê-las?
Padre Paulo – As indulgências plenárias, geralmente, consistem em uma obra que é indulgenciada e mais outras três condições:
reconciliação, comunhão eucarística e oração pelo Santo Padre, o Papa. Estas três
condições básicas sempre acompanham as obras das indulgências plenárias. A
pessoa, para receber a indulgência, precisa ter condição para cumprir as obras.
Se uma pessoa está em estado de pecado, numa situação irregular e não pode se
confessar, logo, é evidente que ela não tem como receber a indulgência da
Igreja. Deus providenciará outros meios, pois Ele não quer a morte do pecador,
mas que ele se converta e viva (Ezeq. 18,23).
8)-
Noticias.cancaonova.com: Quais as obras que, cumpridas as exigências necessárias,
oferecem indulgência aos fiéis?
Padre Paulo – As obras podem ser: uma visita a
um cemitério, uma Igreja, a um santuário; fazer uma peregrinação, dentre outras
práticas expressas no Manual das Indulgências. Elas podem, fazendo
juntamente com as obras, aquelas três condições básicas de: confissão, comunhão
e oração pelo Papa, receber indulgências plenárias.
Fonte: Canção Nova
Na Igreja pós período apostólico, é a partir da bula papal de
Bonifácio VIII sobre as indulgências, publicada no ano 1300, que originou a
reforma protestante - Bonifácio VIII foi o Papa mais caluniado da história da
Igreja!
A
morte de Bonifácio VIII (1235-1303) marca a um só tempo o fim a Idade Média e o
começo do lento e progressivo declínio da Cristandade Teocêntrica. Marca a derrota
da visão de mundo fundada na Sagrada Escritura, e defensora da ordenação das
coisas materiais às espirituais, para uma concepção de total independência dos
governos das nações com relação às leis eclesiásticas. Em resumo, o sacrílego
atentado sofrido por Bonifácio VIII em 1303, na cidade de Anagni (tramado pelos
Colonnas, influente e terrível família romana), é um símbolo da sublevação do
absolutismo nacionalista contra o universalismo cristão, coluna vertebral da
política do Medievo, como afirma o historiador Ricardo García-Villoslada. E
mais do que isto: é o emblema de uma significativa mudança de vetor nas
sociedades, que se consolidará nos séculos imediatamente posteriores ao
pontificado de Bonifácio VIII, com a crescente perda do poder político e
espiritual da Igreja:
1)-
Do sentido de transcendência para o de imanência.
2)-
Da fé para o indiferentismo religioso e, em seguida, para a apostasia.
3)-
Do espiritualismo para o sensualismo materialista.
4)-
Da moral ascética baseada no Evangelho para um hedonismo libertário de grande
virulência antieclesiástica.
5)-
Do sentido coletivista, que visava ao bem comum, para um individualismo
crescente, que descambará séculos depois nas democracias liberais.
6)-
Do objetivismo ontológico para o subjetivismo psicológico.
Vemos que, se a mesma tivesse sido seguida à risca como o próprio
Lutero exorta em sua tese de Nº 91, nada disto teria acontecido!
TESE 91: “Se, portanto, as indulgências fossem pregadas em
conformidade com o espírito e a opinião do papa, todas essas objeções poderiam
ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam surgido.”
Na
bula originária abaixo, em nada se fala de taxação de valores em dinheiro, bens
de qualquer espécie, ou algo que der vazão às próprias ironias expostas nas 95
teses, criando chifre em cabeça de cavalo!
Bula "Antiquorum habet fide relatio"
Bula
de indicção do primeiro Jubileu Cristão
Papa
Bonifácio VIII - 22 fevereiro de 1300
Bonifácio Bispo, servo dos servos de Deus, para a certeza dos presentes e a memória dos futuros.
Há adesão digna de Fé por parte dos anciãos no sentido de que àqueles
que entrarem na honorável Basílica do Príncipe dos Apóstolos, de Roma, são concedidas grandes missões
e indulgências dos pecados.
Nós, portanto, que, segundo os
deveres de Nosso ofício, buscamos e procuramos com viva satisfação o benefício
dos indivíduos, reputando certas e a serem respeitadas todas essas indulgências,
estas mesmas com a autoridade apostólica confirmamos, aprovamos e também
renovamos, com o patrocínio desta escritura. E, portanto, visto que quanto mais os Beatíssimos Apóstolos Pedro e
Paulo forem honrados tanto mais piedosamente as suas Basílicas estarão cheias
de fiéis, e para que os mesmos se sintam sempre mais confortados com uma concessão
generosa de dons espirituais, por isso Nós, confiando-nos à misericórdia de
Deus Onipotente, e aos merecimentos e à autoridade dos próprios Apóstolos, com
o conselho de Nossos irmãos e na plenitude do poder apostólico, acordamos a
todos aqueles que, no presente ano de mil e trezentos, começado há pouco com a
festa da Natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo, e em qualquer outro centésimo ano seguinte,
entrarem nas mencionadas Basílicas, com reverência e verdadeiramente
arrependidos e confessados, e àqueles que verdadeiramente se arrependerão no curso do
presente centésimo ano e em qualquer centésimo ano futuro, não
apenas pleno e muito amplo, mas até mesmo grandemente pleníssimo [*] perdão de
seus pecados.
Estabelecemos que aqueles que quiserem se fazer partícipes de tal
indulgência por Nós concedida entrem nas mencionadas Basílicas, se forem
romanos: ao menos por trinta dias contínuos ou intercalados, e ao menos uma vez ao dia; se, ao
invés, forem peregrinos ou estrangeiros: façam o mesmo por quinze dias. Cada um tanto mais
merecerá e tanto mais eficazmente receberá a indulgência se as mesmas Basílicas
mais amplamente e piedosamente frequentar. A nenhum homem seja lícito
invalidar este público ato da confirmação, aprovação, inovação, concessão e
constituição Nossa, nem lhe seja lícito, com temerária ordem, contradizer isso
tudo. Se, então, alguém tiver a pretensão de fazer isso, saiba que
incorrerá no desdém de Deus Onipotente e dos Beatos Pedro e Paulo Apóstolos.
Dado em Roma, junto a
São Pedro, o dia 22 de fevereiro, ano sexto de Nosso Pontificado.
*Nota da tradução:É um exagero,
inclusive em italiano (assai pienissimo), mas é assim que está, talvez para
mostrar e deixar clara a grandiosa dimensão da generosidade e misericórdia
desta indulgência.
CONTEXTO HISTÓRICO, bíblico, E TEOLÓGICO DO
SURGIMENTO DAS INDULGÊNCIAS NA HISTÓRIA DA IGREJA!
Porque a Bíblia ensina que é santo e
salutar o pensamento de rezar pelos mortos?
-No 2º livro dos Macabeus, capítulo 12,
versículos 43 a 46: “(Judas Macabeu) tendo feito uma coleta mandou duas mil
dracmas de prata a Jerusalém para se oferecer um sacrifício pelo pecado. Obra
bela e santa, inspirada pela crença na ressurreição, porque se ele não
esperasse que os mortos haviam de ressuscitar, seria coisa supérflua e vã orar
pelos defuntos. Ele considerava que aos falecidos na piedade está reservada uma
grandíssima recompensa. SANTO E SALUTAR ESSE PENSAMENTO DE ORAR PELOS MORTOS,
para que sejam livres dos seus pecados”.
-Por isso, São Paulo, na 2ª Epístola a
Timóteo, cap.1, vers.18, assim ora a Deus pelo amigo Onesíforo: “Que o Senhor
lhe conceda a graça de obter misericórdia do Senhor naquele dia”(2 Tm 1,18). Nota: Comparando os vers. 15 a 18 do cap.
1º, com o vers. 19 do cap. 4º desta mesma Epístola, vê-se que Onesífero já era
morto, porque nestes textos, S. Paulo se refere nominalmente a outras pessoas,
e quando seria o caso de nomear Onesíforo, seu grande amigo e benfeitor, ele
não o faz, mas só se refere ?à casa? e ?à família de Onesíforo?. Daí se conclui
que ele não era mais do número dos vivos. E S. Paulo reza por ele, pedindo que
o Senhor tenha dele misericórdia.
-Mais uma oração pelos mortos: “Quando tu
oravas com lágrimas e enterravas os mortos, quando deixavas a tua refeição e
ias ocultar os mortos em tua casa durante o dia, para sepulta-los quando viesse
a noite, eu apresentava as tuas orações ao Senhor” (Tobias 12,12)
-Lendo o livro de (Jó 1,18-20) podemos ver
que seus filhos foram purificados pelo sacrifício oferecido pelo seu pai. Como
duvidaremos de que nossas oferendas pelos mortos lhes proporcionem alívio?
Portanto demos nossos sufrágios àqueles que já se foram e por eles ofereçamos
nossas preces.
A “história se faz com documentos”. Os manuais de história, bem
como as biografias de Lutero, por vezes, oferecem breves citações de alguns
documentos, ou de alguns fragmentos de suas declarações, e a leitura dos fatos
passam apenas pelo filtro do historiador. Talvez, a sua curiosidade tenha se aguçado
ao ler estas citações nos livros de história, desejando ler todo o texto, mas
foi impedido, por não ter acesso às fontes originais. O que você dispõe
nesta compilação é o esforço de resolver o meu problema de curiosidade, e
possivelmente, a de outros estudantes de história e teologia. Por isso produzi
essa coletânea dos principais documentos, correspondências e livros que
envolveram a excomunhão de Martinho Lutero. Espero que ela seja útil para o
aprendizado e que possibilite, por si, discernir os fatos, ponderando no
julgamento que condenou o pai da Reforma. Este texto é uma mera compilação. É o
resultado de anos acumulados de leitura e aulas que oportunizaram-me colecionar
estes documentos. Alguns estão disponíveis em português, mas em obras menos
conhecidas, outros textos tive que traduzi-los. Os textos estão em ordem cronológica a fim de facilitar o
entendimento dos fatos que sucederam no processo de excomunhão. Adicionei
algumas cartas que revelam as intenções e sentimentos dos envolvidos. Nota-se
que os primeiros documentos são decisões dos concílios da Igreja cristã acerca
das indulgências. É importante entender o contexto teológico que antecedeu, e
criou o contexto histórico da discussão em que Lutero se envolveria, e que
culminaria em sua excomunhão. Esta coletânea ainda não está completa.
Há outros documentos que procuro, e estão em minha lista de desejos, e, se Deus
quiser, pretendo terminar a minha coleção com o máximo de documentos, dos mais
diversos, a fim de apresentar ao estudante a oportunidade duma leitura ad
fontes. Espero que o texto seja útil aos seus estudos, aulas ou palestras.
1)- A BULA "QUANTUM PRAEDECESSORES" [1145]
Além disso, nós, com o cuidado paternal que providenciamos a
sua paz e a necessidade da Igreja, pela autoridade que nos foi confiada por
Deus, conceder e confirmar aos que, com espírito de devoção, se comprometeram a
iniciar e completar uma obra e esforço tão santo, tão extremamente necessário,
que a remissão dos pecados que o nosso antecessor, o Papa Urbano,
instituiu. De acordo com a instituição do nosso antecessor acima
mencionado, e pela autoridade que nos foi dada pelo Deus Onipotente e abençoado
Pedro, príncipe dos Apóstolos, concedemos remissão e
absolvição de pecados, de modo que aquele que começa e termina uma jornada tão
santa, ou morra no caminho, deve obter a absolvição de todos os pecados que ele
confessar com coração contrito, e obterá a retribuição da recompensa eterna do Galardoador
de todos.
2)- A BULA "UNIGENITUS DEI FILIUS" SOBRE O VALOR DA INDULGÊNCIA [27 de Janeiro de 1343]
O tesouro dos méritos de Cristo é distribuído pela Igreja. O Filho unigênito de
Deus,“feito para nós por Deus sabedoria, justiça, santificação e redenção” [1
Co 1,30], não com sangue de carneiro ou de vitelo, mas com seu próprio sangue,
entrou uma só vez no santuário, obtendo-nos assim uma redenção eterna [Hb 9,12].
Pois ele nos redimiu, não a preço de coisas corruptíveis como o ouro ou a
prata, mas, com seu próprio sangue precioso de cordeiro sem defeitos e sem
mancha [cf. 1 Pe 1,18s] e, como todos sabem, imolado inocente sobre o altar da
cruz, ele o derramou não como pequena gota de sangue, que todavia em virtude da
união ao Verbo teria sido suficiente para a redenção de todo o gênero humano,
mas de modo copioso, como um fluxo transbordante, de modo que “da planta dos
pés ao topo da cabeça nenhuma parte ilesa” [Is 1,6] se pode encontrar nele. De tão grande tesouro, por conseguinte, ele enriqueceu a
Igreja militante, para que a misericórdia de tamanha efusão não fosse inútil,
vã ou supérflua, querendo como bom Pai acumular tesouros para os seus filhos,
para que assim houvesse “um tesouro inexaurível para os homens, cujos usuários
se tornaram partícipes da amizade de Deus” [Sb 7,14]. E este tesouro, pois,Ele
o entregou para ser distribuído em vista da salvação aos fiéis, por meio do
bem-aventurado Pedro, que traz as chaves do céu, e de seus sucessores, seus
vigários na terra; e para, por razões piedosas e razoáveis, ser ministrado
misericordiosamente aos verdadeiramente penitentes e confessados, para total ou
parcial remissão da pena temporal devida pelos pecados, quer de modo geral,
quer de modo especial (segundo o que, diante de Deus, os ministros julgarem
conveniente). Para o montante deste tesouro, sabe-se, contribuem os méritos da
bem-aventurada Mãe de Deus e de todos os eleitos do primeiro até o último
justo; e não se deve de modo algum temer que se esgote ou diminua, já
que os méritos de Cristo (como se disse acima) são infinitos e, quanto mais
numerosos os que pela sua distribuição são conduzidos à justiça, mais cresce o
montante de seus méritos.
3)- A BULA "SALVADOR NOSTER" [3 de Agosto de 1476] - Surge a contribuição financeira formal!
Indulgências para os defuntos
Para que se possa procurar melhor a salvação das almas no
tempo em que estas têm maior necessidade dos sufrágios dos outros e estão menos
em condição de serem úteis a si mesmas, Nós, em virtude da autoridade
apostólica, queremos vir em auxílio, com o tesouro da Igreja, às almas que se
encontram no purgatório, as quais deixaram a luz presente unidas a Cristo pela
caridade e, enquanto estavam em vida, mereceram ser sufragadas com uma
indulgência de tal importância. Nós, inclinados pelo
paterno afeto e na medida em que com Deus nos é possível, confiando na
misericórdia divina e na plenitude do poder, concedemos e concordamos: se
parentes, amigos ou outros fiéis cristãos, levados pela piedade para com as
almas do purgatório, expostas ao fogo em expiação das penas que pela divina
justiça lhes cabem, durante o dito decênio pela restauração da igreja de
Saintes, enquanto visitam a dita igreja, doarem uma determinada quantia de
dinheiro ou um capital, segundo a disposição do decano ou do capítulo da
supradita igreja ou de nosso coletor, ou ainda o mandarem por meio de
mensageiros a serem por eles designados, sempre durante tal decênio, Nós
queremos que esta indulgência plenária ao modo de sufrágio, valha para a remissão das penas e para proveito das mesmas almas do
purgatório em prol das quais,
como é pressuposto, desembolsaram a supradita quantia de dinheiro ou
capital.
4)- BULA
LIQUET OMNIBUS [1510] - (Reforça a contribuição em dinheiro pelas PENAS TEMPORAIS!)
E, para que a salvação das almas possa ser cuidada tanto
mais devotadamente, porque elas têm maior
necessidade das orações dos outros e são menos capazes de se ajudar, pela autoridade acima mencionada do tesouro de nossa mãe, a
Igreja, movido pelo afeto paterno com as almas, agora no purgatório, que se
afastaram deste mundo unidas à Cristo pelo amor e que, enquanto viviam,
desejavam que a indulgência dessa natureza fosse obtida por intercessão, desejando
aliviá-las tanto como pela ajuda de Deus, somos capazes, através da piedade
divina e da plenitude do poder apostólico, nós desejamos e concedemos que, se
os pais, amigos ou outros espíritos cristãos, agraciados por piedade, deem uma
certa esmola para o trabalho de construção, em nome das almas que são detidas
no purgatório pela expiação das penalidades devidas - durante a comissão de
nosso Núncio e Agentes, de acordo com a regulamentação de nossos agentes e os
representantes e subdelegados a quem eles possam conceder os seus poderes - a
mesma indulgência plenária será invocada por intercessão para aqueles que agora
estão no purgatório, para quem eles pagaram piedosamente a referida esmola,
como já foi previsto para a remissão de
penalidades.
5)- BULA "NOS QUI PONTIFICATUS7" [3 de Setembro de 1513]
Confiando na misericórdia do mesmo onipotente Deus, e na autoridade dos benditos apóstolos Pedro e Paulo, e na
palavra daquele que é o caminho, a verdade e a vida, e quem nos disse,
sucessores no caráter de seu abençoado Pedro: "Tudo o que ligarem na terra
será ligado também no céu; e tudo o que desligarem na terra, também será
desligado no céu ", bem como na plenitude do poder apostólico que nos
são dados de cima, nós igualmente concedemos e permitimos a plena indulgência
de todos os seus pecados e a reconciliação com o Altíssimo, e tal remissão como
foi habitualmente dado através dos nossos antecessores a quem está em auxílio
da Terra Santa, e contra aqueles turcos
pérfidos e tal como foi concedido em um ano de jubileu, e decretamos que as
almas de todos os que se dispuserem sobre esta expedição será trazida pelo poder dos santos anjos e permanecerá no
céu em felicidade eterna.
6)- A
INSTRUTIO "SUMMARIA AD SUBCOMISSARIOS8" [31 de Março de 1515] - Estabelece critérios justos e equivalentes de contribuição!
(o oferta da viúva é proposta como modelo por Jesus)
A primeira graça é a completa remissão de todos os pecados;
nada maior do que isso se pode conceber, já que os homens pecadores privados da
graça de Deus obtêm remissão completa por esses meios e de novo gozam da graça
de Deus. Além disso, pela remissão dos pecados, o castigo que se está obrigado
a suportar no purgatório por causa da afronta contra a divina majestade é
totalmente perdoado e as penas do purgatório são completamente apagadas. E,
embora nada seja por demais precioso para ser dado em troca de tal graça –
visto que é um dom gratuito de Deus e graça não tem preço -, contudo, a fim de
que os fiéis cristãos sejam levados mais facilmente a busca-las, estabelecemos as seguintes regras, a saber: Primeiro: qualquer
pessoa que está contrita em seu coração e fez confissão oral deve visitar pelo menos as sete igrejas indicadas para esse
fim, a saber, aquelas nas quais estão expostas as armas papais, e em cada
igreja deve recitar cinco Pai-nossos e cinco Ave-Marias, em honra das cinco
chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem é ganha a nossa salvação, e um
Miserere, salmo que é particularmente bem adaptado para obter o perdão dos
pecados ... O método de contribuir para a caixa de construção da dita
basílica do chefe dos apóstolos é este: Primeiro: os penitenciários e
confessores, depois de terem explicado àqueles que fazem confissão a grandeza
desta remissão plena e desses privilégios, devem perguntar-lhes qual o tamanho
da contribuição – em dinheiro ou em outros bens temporais – que desejam fazer
em boa consciência para lhes ser outorgado esse método de remissão plena e de
privilégios; e isto deve ser feito de modo a contribuírem mais facilmente. Mas,
como a condição dos homens e suas profissões são tantas e tão variadas e não
podemos considera-las e pesá-las em particular, decidimos que as taxas podem
ser determinadas da seguinte forma, segundo uma classificação reconhecida ...
[segue-se uma lista de taxas por posição social e pecados cometidos]. A segunda graça principal é um “confessional” [carta confessional] contendo os maiores,
mais importantes e até hoje inauditos privilégios ... Primeiro: o privilégio de
escolher um confessor conveniente, mesmo um regular das ordens mendicantes. [Os
outros privilégios incluem o poder dado ao confessor de absolver em casos
normalmente “reservados” à Santa Sé] A terceira
graça importante é a participação em todos os benefícios da Igreja universal;
isto consiste em que os contribuintes da dita construção, juntamente com os
seus falecidos pais, "que saíram deste mundo em estado de graça", agora e por toda a
eternidade serão participantes de todas as petições, intercessões, esmolas,
jejuns e orações e de toda e qualquer peregrinação, mesmo as feitas à Terra
Santa; além disto, participarão das estações de Roma, nas missas, horas
canônicas, mortificações, bem como de todos os outros benefícios espirituais
que foram ou serão produzidos pela santíssima e militante Igreja universal ou
por qualquer de seus membros. Os fiéis que comprarem cartas confessionais
também podem tornar-se participantes de todas essas coisas. Os pregadores e os confessores devem insistir com grande
perseverança nessas vantagens e persuadir os fiéis a não negligenciar em
adquirir esses benefícios juntamente com sua carta confessional. Também
declaramos que para obter essas duas mais importantes graças não é preciso
confessar-se, ou visitar igrejas e altares, mas simplesmente adquirir a carta
confessional. A quarta graça importante é um favor das almas que estão no
purgatório e é a remissão completa de todos os pecados, remissão que o papa
consegue por sua intercessão para o bem dessas almas da seguinte maneira: a
mesma contribuição que se faria por si mesmo estando vivo, deve ser depositada
na caixa. É, contudo, de nossa vontade que nossos subcomissários possam
modificar as regras concernentes às contribuições desta espécie que são feitas
pelos mortos e que possam usar de seu critério em todos os outros casos em que,
segundo sua opinião, modificações sejam desejáveis. Além disso, "não é necessário que nas pessoas que colocam suas
contribuições na caixa em favor dos mortos" estejam contritas em seus corações
ou tenham confessado, "visto que essa graça se
baseia unicamente no estado de graça em que os falecidos estavam ao morrer" e na
contribuição dos vivos, como é evidente do texto da bula. De resto, os
pregadores se devem esforçar por tornar essa graça mais largamente conhecida, pois que, através dela, certamente virá
auxílio para as almas dos falecidos e a construção da igreja de São Pedro será
ao mesmo tempo melhor promovida.
7)- UM
SERMÃO DE JOÃO TETZEL SOBRE A INDULGÊNCIA (ele era frade dominicano, pregador e Comissário para indulgências na Alemanha):
Então, o que há para pensar? Por que você hesita em se
converter? Por que você não tem medo de seus pecados? Por que você não confessa
agora aos vigários do nosso Santo Papa? Você não tem o exemplo de Lorenzo, que,
compelido pelo amor a Deus, deu a sua herança e sofreu em seu corpo, sendo
queimado? Por que você não toma o exemplo de Bartolomeu, Estêvão e de outros
santos que, com prazer, sofreram as mortes mais horríveis por causa e salvação
de suas almas? No entanto, não desista de grandes tesouros; de fato, você não
dá nem uma esmola moderada. Eles deram seus corpos para serem martirizados, mas
você se deleita em viver com alegria. Você, sacerdote, nobre, comerciante,
esposa, virgem, você que é casado, jovem, ancião, é para você a Igreja de São
Pedro, como eu disse, entre nela e visite a Santíssima Cruz. Ela foi colocada
ali para você, e sempre chora e clama em seu favor. Talvez, você se envergonhe de visitar a Cruz com uma vela e,
todavia, não tem vergonha de visitar uma taberna? Você tem vergonha de ir aos
confessores apostólicos, mas não tem vergonha de ir a uma dança? Eis que você está no
mar furioso deste mundo em tempestade e perigo, sem saber se você alcançará com
segurança o porto da salvação. Você não sabe que tudo o que o homem possuí está
por um fio fino e que toda a vida é apenas uma luta na terra? Vamos, então, lutar, como Lorenzo e os outros santos, pela
salvação da alma, não pelo corpo que é hoje, mas não existirá amanhã. Hoje está
bem, mas amanhã estará doente. Hoje está vivo, mas amanhã poderá estar morto.
Você deve saber que todos os que confessam e penitência colocam esmola no cofre
de acordo com o conselho do confessor, obterão remissão completa de todos os
seus pecados. Se eles visitarem, depois da confissão e após o Jubileu, a Cruz e
o altar, todos os dias, receberão essa indulgência que seria sua, do mesmo modo
que visitassem os sete altares de São Pedro, onde a indulgência completa é
oferecida. Por que você está aí parado? Corra para a salvação de suas almas!
Seja tão cuidadoso e preocupado com a salvação de suas almas como você é com os
seus bens temporais, que você procura tanto de dia como de noite. Procure o Senhor
enquanto ele é encontrado e enquanto estiver perto. Trabalhe, como diz São
João, enquanto ainda é dia, pois a noite vem quando nenhum homem pode
trabalhar. Você não ouve a voz de
seus pais mortos e outros que dizem: “Tenha piedade de mim, tenha misericórdia
de mim, porque estamos em castigos e dores severas. Deste sofrimento você
poderia nos resgatar com uma pequena esmola e, no entanto, não quer fazê-lo”.
Abra os seus ouvidos enquanto o pai diz ao filho e à mãe para a filha: “Nós o
criamos, alimentamos você, cuidamos de você, e você herdou os nossos os bens
temporários. Por que você é tão cruel e áspero que não quer nos salvar, embora
isso custe tão pouco? Você nos deixa em chamas para que possamos chegar lentamente
à glória prometida”. Você pode obter cartas que permitem que você tenha, tanto
na vida como na hora da morte, a remissão completa do castigo que pertence ao
pecado. Oh, aqueles de vocês com votos, avarentos, assaltantes, assassinos e
criminosos - agora é a hora de ouvir a voz de Deus. Ele não quer a morte do
pecador, mas quer que se converta e viva. Converta-se então, Jerusalém,
Jerusalém, ao Senhor, teu Deus. Oh, você blasfemos,
fofoqueiros, que impedem esse trabalho aberta ou secretamente, e seus assuntos?
Você está fora da comunhão da Igreja. Nenhuma missa, nenhum sermão, oração,
sacramentos ou intercessão o ajudam. Nenhum campo, vinha, árvores ou gado trazem frutas ou vinho
para você. Mesmo as coisas espirituais desaparecem, o que uma ilustração
poderia apontar. Converta-se de todo o seu coração e use o remédio do qual o Livro da Sabedoria diz: “O Altíssimo tirou a medicina da
terra e um homem sábio não a rejeitará”.
8)- SERMÃO
SOBRE INDULGENCIAS FEITO POR TETZEL À UM PÁROCO
Respeitável senhor, apelo para que nas suas declarações seja
servido em usar palavras tais que sirvam para abrir os olhos da mente e fazer
com que seus ouvintes considerem grandiosa a graça e o dom que tiveram e têm
bem às portas. Olhos benditos de fato, que vêm o que eles agora vêm, porque
eles já têm cartas de salvo conduto por meio das quais podem guiar suas almas
através do vale de lágrimas, atravessando o oceano desse mundo insano, no qual
tempestades e ventanias espreitam, para a terra bendita do Paraíso. Saiba que a vida do homem sobre a terra é de luta constante.
Luta contra o mundo, a carne e o diabo, que sempre procuram destruir a alma.
Nascemos no pecado, infelizmente. Com que laços o pecado nos envolve, e quão
difícil e quase impossível atingir a porta da salvação sem a ajuda divina;
desde que Ele é a causa de nossa salvação, não em virtude de nossas boas obras
que realizamos, mas por meio de sua divina misericórdia; é necessário então
usar a armadura de Deus. Você pode obter cartas de salvo conduto com o vigário
de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio das quais você estará em condições de
libertar sua alma das mãos do inimigo e transportá-la por meio da confissão e
contrição, protegida e segura de todas as dores do Purgatório, para o reino das
bem-aventuranças. Pois saiba que nessas cartas estão estampados e gravados
todos os méritos dos sofrimentos de Cristo. Considere que para cada pecado
mortal são necessários sete anos de penitência além de confissão e contrição,
seja nessa vida ou no purgatório. Quantos pecados mortais são cometidos em dia,
em uma semana, em um mês, em um ano, quantos em todo o curso da vida! São quase
inumeráveis, e aqueles que o cometem devem sofrer castigo sem fim nas dores
chamejantes do Purgatório. Mas com essas cartas
confessionais você poderá a qualquer momento da vida, obter plena indulgencia
de todas as penalidades impostas em todos os casos, exceto nos quatro restritos
à Sé Apostólica. Portanto, ao longo de toda sua vida, sempre que desejar
confessar, pode receber a mesma remissão, exceto nos casos reservados ao papa,
e finalmente, na hora da morte, indulgencia completa em relação a todas as
penalidades e pecados, e a sua quota de todas as bênçãos espirituais
disponíveis na igreja militante e em todos os seus membros. Você não sabe que,
quando é necessário que alguém venha até Roma ou realize qualquer outra jornada
perigosa, ele leva seu dinheiro para um agiota e oferece porcentagem de cinco
ou seis ou dez para que em Roma ou em outro lugar ele receba novamente seus
fundos intactos, por meio da carta desse mesmo agiota? Você não está disposto,
então, pela quarta parte de um florim a adquirir essas cartas, em virtude das
quais você pode resgatar, não o seu dinheiro, mas sua alma divina e imortal,
segura e intacta, na terra do Paraíso? Assim, eu aconselho, ordeno e, em
virtude da minha autoridade como pastor, ordeno que eles recebam junto comigo e
outros sacerdotes, este precioso tesouro, especialmente aqueles que não se
confessaram no tempo do jubileu sagrado, para que sejam capazes de obter o
mesmo para sempre. Pois a ocasião pode ocorrer, quando eventualmente você venha
a desejar, mas ainda não consiga obter nem a menor parcela da graça. Também por
parte da SS. DN o Papa e da Santíssima Sé Apostólica e do mais reverenciado
senhor, meu legado, a todos e cada um que tenha aproveitado pelo sagrado
Jubileu e tenha feito confissões, e a todos os que possam aproveitar a presente
e breve oportunidade, e que terão prestado uma ajuda à construção da casa acima
mencionada do Príncipe dos Apóstolos, todos serão participantes e comungantes
em todas as orações, sufrágios, esmolas, jejuns, súplicas, missas, horas
canônicas, disciplinas, peregrinações, estações papais, bênçãos e todos os
outros bens espirituais que agora existem ou podem existir para sempre na
igreja militante, e em todos estes, não só eles mesmos, mas seus parentes,
descendentes e bem-queridos que faleceram; e como eles foram movidos pela
caridade, também Deus e SS. Pedro e Paulo, e todos os santos cujos corpos
descansam em Roma, devem guardá-los em paz neste vale, e conduzi-los através
dele para o reino celestial. Dê agradecimentos demorados pelos nomes acima
mencionados e no meu, para os reverendos, sacerdotes seculares e prelados, etc.
9)- A FÓRMULA DE ABSOLVIÇÃO DA INDULGÊNCIA DE
TETZEL
Que o nosso Senhor Jesus Cristo tenha misericórdia de ti,
[nome do indivíduo], e absolva-te pelos
méritos dos seus santíssimos sofrimentos. Eu, em virtude do poder apostólico conferido a mim,
absolvo- te de todas as censuras, julgamentos e penalidades eclesiásticas que
você merece; e, além disso, de todos os excessos, pecados e crimes que você
cometeu, por grandes e enormes que sejam, e de qualquer tipo, mesmo que sejam
reservados ao nosso santo padre, o Papa e à Sé Apostólica. Eu anulo todas as manchas da fraqueza, e todos os traços da
vergonha que te perverteram por tais ações. Eu cancelo as dores que terias que suportar no purgatório. Recebo-te novamente aos sacramentos da
Igreja. Eu reincorporo-te na comunhão dos santos, e restauro-te à inocência e à
pureza do teu batismo; para que, no momento da morte, a porta do lugar dos
tormentos seja fechada diante de ti, e o portão do paraíso da alegria se abrirá
para ti. E se quiseres viver muito, esta graça continua inalterável, até o
tempo do teu fim. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. O Irmão,
Johann Tetzel, comissário, que aqui assina com a sua própria mão.
10)- CARTA DE MARTINHO LUTERO A GEORGE SPALATINO (31 de Março de 1518)
A seu pai e superior em Cristo Jesus. Meu pai no Senhor: ao
andar ocupado em tantas coisas me vejo forçado a comunicar-lhe pouquíssimas
outras. Em primeiro lugar, creio que meu nome fede para muitos. Há algum tempo
muitas pessoas boas atribuem-me condenar os rosários, coroas, ofícios fúnebres,
e outras orações e até qualquer boa obra. O mesmo ocorreu a são Paulo, a quem
imputavam ter declarado “façamos o mal para que o bem aconteça”. O que ensino, continua sendo a teologia de Tauler e do livreto
de Christian Aurifaber que você mesmo editaste, é que os homens depositem a sua
confiança, não em orações, nem em méritos, nem nas próprias obras, mas, somente
em Jesus Cristo, porque não nos salvaremos por correr, mas pela misericórdia de
Deus. Desta minha preocupação, eles tiram veneno que, como você
pode ver, andam espalhando. Mas o mesmo que não comecei, tão pouco retrocederei
em meu empenho movido pela fama ou pela infâmia. Deus haver de julgar. Esses
mesmos doutores escolásticos atiçam o ódio contra mim, tanto em força como em
fervor, de seu zelo e estão a ponto de enlouquecer, pela simples razão de que
antes que a eles, eu prefiro aos
escritores escolásticos e a Bíblia. E é que leio aos escolásticos com
discrição, não com olhos fechados (como é seu costume), sendo que o apóstolo
preceituou “provai tudo, e retende o que é bom”. Não os rejeito em tudo, nem
tão pouco, os aprovo em tudo. Estes tagarelas costumam tomar a parte pelo todo, a
converter a faísca em incêndio, e a mosca em elefante. Graças a Deus não me causam
preocupação, nem mesmo os menores destes fantasmas. É puro palavreado e não
passarão disso. Se foi permitido a
Scotus, Gabriel e a outros semelhantes discordar de são Tomás, e se aos
tomistas não lhes está vedado contradizer a tudo o que se ponha adiante, nem
que entre eles existam tantas divisões como cabeças, ou inclusive como crinas
de cada cabeça, por que não me concederiam o meu esgrimir contra eles o mesmo
direito que arrogam contra si? Se Deus agir, ninguém poderá impedi-lo, ninguém poderá
levantá-lo se está descansando. Adeus e rogue por mim, e pela verdade divina
onde quer a encontre. Wittenberg, 31 de Março de 1518. Fr. M. Eleutherius,
agostiniano.
11)- SERMÃO
DE LUTERO: SOBRE A INDULGÊNCIA E A GRAÇA (4 de abril de 1518)
1. Deveis saber, para começar, que alguns novos doutores,
como o mestre das sentenças, S. Tomás e seus
seguidores, dividem a penitência em três partes, a saber, na contrição, a
confissão, a satisfação. Apesar de que tal distinção, segundo opinam, é difícil,
ou melhor, impossível fundamentá-la na sagrada Escritura e nos doutores
cristãos da antiguidade, não obstante vamos considera-las por agora e vamos
aderir a sua forma de falar.
2. Afirmam que a indulgência não livra da primeira ou
segunda parte, a saber, da contrição e da confissão, mas sim da terceira, ou
seja, da satisfação.
3. Por sua vez, se divide a satisfação em três partes:
oração, jejum, esmolas. A oração compreende todas as obras próprias da alma,
tais como ler, meditar, escutar a palavra de Deus, pregar, ensinar e outras
semelhantes. O jejum compreende as obras da mortificação da carne: vigílias,
trabalhos árduos, camas duras, roupas rasgadas, etc. As esmolas compreendem
toda classe de boas obras de amor e misericórdia para com o próximo.
4. Não há
dúvida de que para todos eles as indulgências isentam destas mesmas obras
satisfatórias que temos que fazer obrigatoriamente ou que são-nos impostas por
causa do pecado. Pois bem, se a
indulgência livrasse destas obras, já não restaria nada bom por praticar.
5.
Entre muitos tem força certa opinião de que ainda não se decidiu: se as
indulgências livram de algo mais do que destas boas obras, a saber, se perdoam
também as penas que a justiça divina exige pelos pecados.
6. Neste momento não
refutarei esta opinião. Afirmo o seguinte: que não se pode provar com base em
texto algum que a justiça divina deseje ou exija do pecador qualquer pena ou
satisfação, a não ser unicamente a contrição sincera de seu coração ou a
conversão, com o propósito firme de levar adiante a cruz de Cristo e de
exercitar-se nas obras mencionadas (mesmo que nada lhes seja imposto), porque Deus disse por
boca de Ezequiel: “Se o pecador se converte e se comporta como convém, me
esquecerei de seus pecados”. Ademais, ele mesmo perdoou a todos: a Maria
Madalena, ao paralítico, a mulher adúltera, etc. Eu me encantaria escutar a
qualquer que provasse o contrário, desconsiderando o que tenham pensado alguns
doutores.
7. Nos deparamos com a verdade de que Deus castiga a alguns segundo
sua justiça ou que por meio das penas os leva à contrição, como diz o Salmo 88:
“Se seus filhos cometem pecados, eu castigarei suas transgressões coma vara,
porém não lhes negarei minha misericórdia”. Não obstante, não existe poder
humano capaz de cancelar estas penas; somente o poder divino pode fazê-lo. Mais
ainda: Ele não deseja cancelá-las, pelo contrário, promete que quer impô-las.
8. Por este motivo não se pode dar nenhum nome a esta pena imaginária, nem se
sabe nada em que consiste, senão nestas boas obras acima indicadas.
9. Afirmo que, embora a igreja cristã tenha decidido ou declara
ainda hoje que a indulgência perdoa mais que as obras satisfatórias,
seria mil vezes melhor que o cristão cumprisse estas obras e sofresse esta pena
do que comprar ou desejar esta indulgência. Porque a indulgência não é, nem
pode ser outra coisa senão abandono das boas obras e de uma pena saudável, que
melhor seria desejar do que abandonar; e que, embora alguns dos novos
pregadores tenham inventado duas classes de penas, medicinais e satisfatórias,
visando ao conserto ou à satisfação. Não obstante, louvado seja Deus, gozamos
nós de maior liberdade para depreciar tais coisas e charlatanismos semelhantes
que eles inventam; porque toda pena, ou seja, tudo o que Deus impõe, é bom e
proveitoso para os cristãos.
10. Com isto não se quer dizer que as penas e as
obras sejam excessivas, e que o homem, na brevidade da vida, não possa
cumpri-las, motivo pelo qual a indulgência se faria imprescindível. Respondo
que isto não tem fundamento nenhum e que é uma pura invenção. Nem Deus nem a santa igreja impõem nada que não se pode
cumprir; também S. Paulo declara que Deus não prova em nada mais além de suas
forças. Isto influencia, não pouco, na desonra da cristandade, ao
fazê-la responsável de impor mais do que podemos suportar.
11. Mesmo que a
penitência canônica estivesse em vigor, a saber, se por cada pecado mortal
fossem impostos sete anos de penitência, a cristandade deveria abandonar estas
leis e não impor nada além do que cada um pode cumprir, menos motivo haverá
para impor mais do que se pode suportar agora, quando estas leis já não têm
mais valor algum.
12. Diz-se que o pecador, com o que ainda lhe resta sofrer,
tem que ir ao purgatório ou fazer uso das indulgências, mas dizem tantas coisas
sem razão nem com qualquer tipo de prova.
13. É um erro grande querer
satisfazer alguém por seus pecados, quando Deus os perdoa ilimitadamente de
forma gratuita por sua inestimável graça e sem nenhuma exigência em troca. A
única exigência de Deus é que daí em diante se leve uma vida boa. A cristandade
exige algumas coisas; também pode cancelá-las e não impor nada que seja difícil
e insuportável.
14. A indulgência tem sido autorizada por causa dos cristãos
imperfeitos e preguiçosos, que não querem exercitar- se com valentia nas boas
obras, ou por causa dos rebeldes. Como a
indulgência não anima em nada a consertar-se, senão que mais tolera e autoriza
sua imperfeição, não se deve falar nada contra a indulgência, nem tampouco há
de se recomendá-la a nada.
15. Agiria muito melhor quem desse algo puramente
por amor a Deus para a fábrica de S. Pedro ou para outra coisa, em lugar de
adquirir em troca uma indulgência. Porque se corre o perigo de fazer tal doação
por amor à indulgência e não por amor a Deus.
16. É muito mais valiosa a esmola dada ao indigente do que a outorgada
para este edifício; é muito melhor do que a indulgência conseguida pela troca.
Porque, como já se tem dito, vale muito mais uma boa obra cumprida do que
muitas menosprezadas. Com a indulgência, ou se omite de muitas boas obras ou não
se consegue nenhuma remissão. Prestem atenção no que vou lhes dizer para
instruí-los como é devido: antes de qualquer coisa (e sem levar em conta o
edifício de S. Pedro e a indulgência), se queres dar algo, deve dar ao pobre.
Se acontece que em sua cidade não há ninguém necessitado de socorro (o que Deus
quer nunca acontecerá), então, se assim o desejas, poderá dar para igrejas,
altares, ornamentos, cálices da sua cidade. Se isto não for necessário para o
presente, e se te parece bem, poderás dar para a fábrica de S. Pedro ou para
qualquer outra coisa. Mas nem neste caso deverás 16fazê-lo para ganhar a
indulgência, porque declara S. Paulo: “Quem não cuida dos membros de sua
família não é cristão, é pior que um pagão”. Enfim, para expressar meu
pensamento: qualquer um que te ensine de outra maneira está te induzindo ao
erro ou anda buscando sua alma dentro de seu bolso, e se nele encontrar alguns
centavos, terá mais interesse neles do que em todas as almas. Se você diz que
não voltará a comprar indulgências, te respondo: “já lhe disse antes; minha
vontade, meu desejo, minha constante súplica e meu conselho é que ninguém
compre a indulgência. Deixa que os cristãos
preguiçosos e sonolentos as comprem; você, segue o seu caminho”.
17. A
indulgência não é recomendada nem aconselhada: busque as coisas autorizadas e
permitidas. Por este motivo, não é uma obra de obediência, nem meritória, senão
uma evasão da obediência. Portanto, embora não se deva proibir ninguém que as
adquira, se deveriam afastar delas todos os cristãos, e estimulá-los à mudança
para se fortificarem pelas obras e pelas penas que anulam a indulgência.
18. Que em virtude da
indulgência "salvar as almas do purgatório" (grifo nosso: Já estão salvas! Lutero se equivocou aqui) ser algo que ignoro e que não creio
ainda, embora alguns novos doutores o afirmem; e como lhes é impossível provar,
e ainda, a igreja nada tem decidido a respeito, para maior segurança é muito
melhor, mais valioso e seguro que intercedas e trabalhe por estas almas.
19.
Estou totalmente convencido da certeza destes pontos, suficientemente fundados
na Escritura. Por isso, não duvide deles, e deixe que os doutores escolásticos
sigam sendo “escolásticos”; Deixe-os todos com suas opiniões, incapazes de
autorizar sua pregação.
20. Não me importa muito que no presente me considerem
como herege, alguns a quem esta verdade cause forte prejuízo, posto que somente
me qualificam assim algumas mentes tenebrosas que jamais ouvem a Bíblia nem
leem os doutores cristãos, que nunca compreendem seus próprios mestres e que estão
a ponto de decompor-se em suas opiniões proferidas, de agoureiros e sem
fundamento; porque se os houvessem compreendido, entenderiam que não devem
qualificar de blasfemo a ninguém sem tê-lo escutado e convencido. Que Deus, não
obstante, lhes conceda e nos conceda um espírito reto.
Amém.
12)- O
DECRETO "CUM POSTQUAM" [9 de Novembro de 1518]
O decreto Cum postquam emitido pelo Papa Leão X ao cardeal Caetano
de Vio, em 9 de Novembro de 1518.
As indulgências
Para que doravante ninguém possa alegar o desconhecimento da
doutrina da Igreja de Roma a respeito das indulgências e sua eficácia ou se desculpar
com o pretexto de tal. Nela o papa Leão X declara “o poder do Romano Pontíficie
de conceder indulgências, de acordo com a veraz definição da Igreja romana, que
decretamos deve ser por todos conservada e pregada,como procurareis sem
restrição ver e o observar deste escrito que vos mandamos para subscrever. Procurareis
aderir com firmeza à veraz definição da santa Igreja Romana e desta Santa Sé,
que não permite erros”. Como resposta ao acontecido, esta bula quer expor a
reta doutrina da Igreja sobre as indulgências.
A autoridade doutrinal da bula é
sublinhada por Leão X na carta de acompanhamento “Aos suíços” de 30 abr. 1519:
“O poder do Romano Pontífice de conceder indulgências, de
acordo com a veraz definição da Igreja romana, que decretamos dever ser por
todos conservada e pregada, como procurareis sem restrição ver e o observar
deste escrito que vos mandamos para subscrever. Procurareis aderir com firmeza à
veraz definição da santa Igreja romana e desta Santa Sé, que não permite
erros”... julgamos dever levar a teu conhecimento o que ensinou a Igreja de
Roma, que as outras Igrejas são obrigadas a seguir como a uma mãe: O Romano Pontífice, sucessor de Pedro, detentor das chaves e vigário de Jesus Cristo na terra, em
virtude do poder das chaves que servem para abrir o reino dos céus, livrando os
fiéis de Cristo dos impedimentos (a saber, a culpa e a pena devidas pelos
pecados atuais: a culpa, mediante o sacramento da penitência, a pena temporal
devida segundo a justiça divina pelos pecados atuais, mediante a indulgência
eclesiástica), tem o poder de conceder, por causas razoáveis, haurindo da
superabundância dos méritos de Cristo e dos Santos, indulgências aos fiéis
cristãos, que pela caridade que os une são membros de Cristo, quer se encontrem
em vida, quer estejam no purgatório; e ao conceder a indulgência, quer aos
vivos quer aos mortos, em virtude da apostólica autoridade, ele dispensa,
segundo seu costume, os tesouros dos méritos de Jesus Cristo e dos Santos,
confere a própria indulgência a modo de absolvição ou aplica-a a modo de
sufrágio (escolha). E por isso, todos os que, vivos ou defuntos, conseguiram
verdadeiramente todas essas indulgências, são liberados da pena temporal,
devida segundo a divina justiça pelos pecados atuais, que corresponde à
indulgência concedida e adquirida. E nós, em virtude da autoridade apostólica e
pelo teor do presente <escrito>, decretamos
que assim deve ser sustentado e pregado por todos, sob pena de excomunhão de
pronunciada sentença.
13)- APELO DE MARTINHO LUTERO A UM CONCÍLIO [28 de
Novembro de 1518]
Em nome do Senhor, amém. No ano 1518 do
nascimento do mesmo [Senhor], na sexta indicação no domingo 28 de novembro, no
sexto ano do pontificado do nosso santo pai e senhor em Cristo, Leão X, pela
divina providência Papa ; na presença do notário público e das testemunhas
inscritas, convocados e convocados para esse propósito especial, mestre
[dominus] Martinho Lutero, ordenado reverendo padre, agostiniano de Wittenberg,
doutor em teologia sagrada e, ali, professor ordinário de teologia, primeiro e
principalmente para si próprio, mas também para além da revogação por qualquer
dos seus adjuntos nomeados por ele, tendo e mantendo em suas mãos um certo
cronograma de citação e apelação, com o propósito de abordar, convocar e suplicar um apelo (dizendo , narrando, suplicando e apelando com
respeito a certos casos legais na mesma programação contida e incorporada) a um
conselho, o próximo e imediatamente a ser [reunido], reunido legalmente e no
Espírito Santo, a toda a exclusão de outras assembleias , facções e sínodos
privados; afirmando e expondo outros fatos, como os que estão mais
detalhadamente contidos, incluídos e descritos no referido cronograma de
apelação, cujo conteúdo está anexado e são os seguintes:
Como o recurso de apelação foi elaborado pelos
legisladores para a assistência e alívio de recursos; os oprimidos, e não
apenas das coisas infligidas, mas também daquelas a serem infligidas, a lei
permite que aqueles ameaçados com injustiças e injúrias recorram, até o fim que
o inferior não possa decidir sobre o direito de apelar ao superior. Mas já que
é um fato suficientemente reconhecido que um conselho muito sagrado, legalmente
reunido no Espírito Santo, representa o Santo Católico, Henry C. Vedder, A
Reforma na Alemanha, pp. 413-418.
Igreja, em casos relativos à fé, está
acima do Papa (grifo nosso: onde isto está escrito na bíblia?), segue-se que o Papa não pode em tais casos decidir que não
haverá apelo dele para um conselho. Então, se ele faz aquilo que de modo algum
pertence às suas funções, o apelo em si é uma espécie de defesa legal que está
de acordo com a lei divina, natural e toda humana, e não pode ser retirada por
um governante. Portanto eu, irmão Martinho Lutero, da ordem dos frades de Santo
Agostinho, de Wittenberg, também palestrante ordinário ali sobre o mesmo
assunto, primeiro e principalmente para mim, venho diante de vocês, o notário
público, como um homem conhecido e legal, em pé, e as testemunhas aqui
presentes, com o motivo e a intenção de peticionar, apelar e buscar e receber
uma notificação de apelação [apostolus]; no entanto, declarando antecipadamente com solene
protesto que não pretendo dizer nada contra a única Santa Igreja Católica e
Apostólica, que eu não tenho dúvidas de que é a senhora de todo o mundo e detém
a proeminência; nem contra a autoridade da Santa Sé Apostólica, e o poder de
nosso mais venerável e sábio Senhor, o Papa. No entanto, se algo for dito com menos exatidão e sem
reverência - talvez por causa da incerteza [luhrico, lit.
"escorregadio"] da língua, mas mais provavelmente por causa da
irritação dos inimigos - estou muito pronto para corrigir isso. Aquele que age
como o vigário de Deus na terra e a quem chamamos papa, desde que ele é um
homem como nós, escolhido entre os homens, e é ele mesmo (como diz o Apóstolo)
"cercado de enfermidades" [Heb. 5: 2], ele pode errar, pecar, mentir,
ficar vazio. E ele não está livre dessa palavra geral de profecia: "Todo
homem é um mentiroso." (grifo nosso: Lutero confunde aqui pecado pessoal com inerrância do auxílio divino que é assegurada pelo próprio Cristo em Mateus 23,3) - E também não foi São Pedro, o primeiro e o mais
sagrado de todos os pontífices, isento dessa enfermidade, mas sim com dissimulação
censurável que ele se opôs a verdade do Evangelho; de modo que com uma popa
mas a mais sagrada repreensão do apóstolo Paulo sua obra teve que ser
corrigida, como está escrito em Gálatas. E com este exemplo mais nobre mostrado
à Igreja pelo Espírito Santo, e deixado nas Escrituras mais sagradas, nós que
cremos em Cristo somos ensinados e estabelecidos. Se qualquer pontífice supremo cair por
conta de enfermidade, o mesmo que ou como o de Pedro, e ensinar ou decretar
qualquer coisa que possa se opor aos mandamentos divinos, não somente ele não
deve ser obedecido, mas também com o apóstolo Paulo, ele pode resistir a ele.
para o rosto dele; assim como a enfermidade da cabeça é aliviada pelos membros
inferiores, com o cuidado leal de todo o corpo. Na memória presente e perpétua deste
exemplo, aconteceu - não sem o especial propósito de Deus, como pode ser
claramente percebido - que não somente São Pedro, mas também seu salutar censor
Paulo, igualmente e de maneira semelhante, eram patronos e governantes. da
Santa Igreja Romana. De modo que, na verdade, somos continuamente instruídos,
não apenas por suas cartas, mas também pelo memorial substancial desse exemplo
muito necessário e mais saudável, assim como os próprios líderes como nós, os
membros. Mas, se for provido de qualquer poder dos poderosos, o Papa
prevalecerá de tal forma que não se pode resistir a ele, resta certamente um
meio, a saber, o referido recurso de apelação, pelo qual os oprimidos são
aliviados. Por isso, também eu, irmão Martin Luther supracitado, recorrendo à
maneira e intenção já mencionadas, afirmamos e declaramos que em nossa terra da
Saxônia, antigamente, as indulgências eram proclamadas indiscretamente por
certos comissários apostólicos (como alegavam). De modo que, a fim de sugar o
dinheiro do povo, eles começaram a pregar na Igreja, porque não foi imposto por
eles. Além disso, é certo, do parágrafo XXXV do Cânone Qualis, que no
Purgatório não apenas o castigo, mas também a culpa é remetida. Mas a Igreja
não pode remeter a culpa, assim como também não pode conceder graça. Quando
confiei nessas autoridades, porque eu estava prestes a me opor às suas
doutrinas vis e absurdas, à maneira de uma disputa, loucas com o amor pelo
ganho, elas começaram pela primeira vez em público a declarar com ousadia
desavergonhada que eu era um herege; depois, através de um certo mestre Mário
do Perusium, fiscal procurador, para me acusar ao nosso mais venerável senhor,
Leão X, como suspeito de heresia. Por fim, prometendo, através da influência do
mesmo homem, uma comissão por me citar a presença dos mais reverendos senhores
e padres, Jerônimo de Genúrio. Bispo de Asculani, ouvinte de causas à porta
fechada, e Sylvester Prierias, senhor do palácio, fizeram com que eu fosse
citado na cidade [de Roma] para ser examinado pessoalmente. Não consegui realizar
uma viagem tão longa de Wittenberg, livre de complôs, nem podia permanecer em
Roma a salvo, e estava fraco e frágil no corpo. Também os juízes acima
mencionados eram suspeitos por mim por muitas razões; especialmente porque o
reverendo padre Sylvester tem sido meu oponente, e já havia publicado um
tratado contra mim, e ele também era menos instruído em letras sagradas do que
o caso exigia. O Mestre Jerome, além disso, era mais instruído na lei do que na
teologia, e justamente temia que ele estivesse prestes a concordar com a
teologia Sylvestrine, e tratar este caso além da maneira de sua profissão. Por
isso, pedi, através do mais ilustre príncipe. Lorde Frederick, Duque da
Saxônia, Alto Marechal do Sacro Império Romano, Landgrave da Turíngia, Marquês
de Misnia, que o caso seja cometido a pessoas que não são suspeitas, mas que
são homens honrados e bons. Então eles, praticados em certa astúcia grosseira e
boba, influenciaram o mais sagrado Lorde Leão, de modo que o caso foi
transferido para eles mesmos, isto é, para a pessoa do mais reverendíssimo
mestre Tomás, cardeal de São Sisto, depois na Alemanha, como o legado da Sé
Apostólica. Ele era da ordem dos pregadores [dominicanos] e da facção tomista,
daí um oponente-chefe, e seria de se esperar que facilmente proclamá-lo contra
mim e por eles. Ou, o que equivale à mesma coisa, eu certamente ficaria
alarmado com a visão deste juiz certas coisas absurdas, heréticas e blasfemas,
resultando em desencaminhar as almas dos crentes e na suprema zombaria do poder
da Igreja, especialmente no que diz respeito ao poder. do Papa sobre o
Purgatório (como está contido em seu pequeno livro chamado "Uma breve
nomeação"). Agora é certo que o Cônsul Abusionibus não tem poder algum
sobre o Purgatório. Novamente, pela opinião universal de toda a Igreja e pelo
consentimento geral de todos os homens instruídos, as indulgências nada mais
são que remissões de uma penitência [satisfadionis poenitentialis] imposta pelo
juiz [eclesiástico] de alguém. Como é claro no texto do Cânon Quod autem, a
penitência imposta por um juiz eclesiástico não pode ser outra coisa senão
obras de jejum, oração, esmolas, etc., e por isso não pode ser remetida pelas
chaves e recusar-se a aparecer, sendo assim culpado de contumácia. No
entanto, confiando na verdade de Deus, cheguei a Augsburgo com muito trabalho e
em meio a muitos perigos, e fui, de fato, gentilmente recebido pelo supracitado
reverendo. Aqui meu protesto e compromisso foram negligenciados, nos quais eu
me ofereci para responder em público ou em particular, perante um notário e
testemunhas, e finalmente diante de quatro distintos homens presentes, do posto
de conselheiros imperiais. De igual modo, apresentei a mim mesma e minhas
palavras à Santa Sé Apostólica, e ao julgamento de quatro notáveis universidades: Basileia, Freiburg, Louvain, por fim também àquele mais nobre pai de estudos [ou universidades,
studiorum] Paris. [Depois de tudo isso] ele simplesmente me pediu para me
retratar, nem estava disposto a me mostrar meus erros, nem por que razões ou
autoridades o erro poderia ser reconhecido por mim. Naturalmente demasiadamente
influenciado pelos irmãos de seu partido, e assumindo um aspecto de aspereza,
em ameaças terríveis e muito cruéis ele me ameaçou com o poder de um certo
Brief Apostólico, a menos que eu me retratasse com súplicas abjectas, e com
promessas de ser ensinado e com pedidos de informação. Então ele ordenou que eu
não voltasse antes de seu rosto. Vexado com esses problemas, eu então Recorri de sua audácia injusta e violenta e fingiu comissionar, a nosso Santíssimo
Senhor, Leão X, melhor informado, como está mais plenamente contido na
programação desse apelo. Agora, embora esse apelo (como eu disse) tenha sido
levianamente estimado, ainda não desejo nada até hoje, a não ser que meu erro
me seja mostrado; quem quer que possa estabelecê-lo (grifo nosso: foi demonstrado, mas Lutero em seu orgulho obstinado não aceitou). Em relação a isso, afirmo
uma segunda vez que estou pronto para me retratar, se me mostrar que falei
alguma coisa errada. Finalmente, submeti toda a minha disputa ao supremo
pontífice, de modo que não tenho mais nada a fazer nessas coisas do que esperar
por julgamento, Recorreu de sua audácia injusta e
violenta e fingiu comissionar, a nosso Santíssimo Senhor, Leão X, melhor
informado, como está mais plenamente contido na programação desse apelo. Agora,
embora esse apelo (como eu disse) tenha sido levianamente estimado, ainda não
desejo nada até hoje, a não ser que meu erro me seja mostrado; quem quer que
possa estabelecê-lo. Em relação a isso, afirmo uma segunda vez que estou pronto
para me retratar, se me mostrar que falei alguma coisa errada (grifo nossos: os esquívocos de Lutero já foram expostos biblicamente acima). Finalmente,
submeti toda a minha disputa ao supremo pontífice, de modo que não tenho mais
nada a fazer nessas coisas do que esperar pelo julgamento, e isso estou
esperando até agora. No entanto, como ouço, o mesmo mestre mais reverendo
Tomás, cardeal de São Sisto, escreve ao mais ilustre príncipe, lorde Frederico,
que são levados a cabo processos contra mim na Cúria Romana e que, pela
autoridade de nosso próprio mais sagrado senhor [o papa], os juízes pre- tendidos
levo o caso à minha condenação, não prestando atenção à minha obediência fiel e
superabundante, com a grande dificuldade com que apareci em Augsburgo; nem
cuidando da minha oferta mais honesta, na qual me apresentei para uma resposta
pública ou privada; finalmente desprezando uma das ovelhas de Cristo, que
humildemente pediu para ser ensinada a verdade e conduzida de volta do erro. De fato, sem uma audiência ou uma razão dada, com pura tirania e
plenitude de poder, eles me pediram para relembrar a opinião que eu acredito da
minha consciência ser a mais verdadeira, e desejam me enganar negando a fé de
Cristo e a verdadeira compreensão de uma Escritura mais simples (tanto quanto
minha consciência entende). O poder do
Papa não é contra nem acima, mas por e sob a majestade da Escritura e da
verdade; nem o papa recebeu poder para destruir as ovelhas, para lançá-las nas
mandíbulas dos lobos, mas para lembrá-las da verdade, como convém a um pastor e
bispo, o Vigário de Cristo. Por esta razão, sinto-me entristecido e
sobrecarregado, pois vejo que de tal violência acontecerá que ninguém se
atreverá a confessar o próprio Cristo, nem a pregar as Sagradas Escrituras em
sua igreja; e para que eu também seja forçado a sair de uma fé e entendimento
verdadeiro, racional e cristão, para opiniões vazias e mentirosas dos homens, e
levado a fábulas que enganam o povo cristão. Portanto, desde o supracitado,
nosso mais santo lorde Leão, não corretamente avisado, e acima das pretensas
palavras, comissão e juízes, e sua citação e processo, e tudo o que se seguiu
ou seguirá daí, e de qualquer que seja deles; e de qualquer excomunhão,
suspensão e sentenças de interdito, condenações, punições e multas; e de
quaisquer outras denúncias e declarações (como elas pretendem) de heresia e apostasia,
através delas ou uma delas tentada, feita e planejada, ou para ser tentada,
feita ou projetada; e da anulação dessas coisas, por assim dizer, por homens
maus e injustos que são inteiramente tirânicos e violentos (sua honra e
reverência sempre são exceção); também de quaisquer futuros problemas que
possam vir a mim, tanto para mim como para todos e cada um dos meus partidários
e aqueles que desejam ser meus adeptos; para que o Conselho se encontre
legalmente e em um lugar seguro, ao qual eu ou um defensor delegado por mim
pode ser livre para ir, e para ele ou para aqueles a quem posso ter direito,
costume ou privilégio de chamar e apelar, nestes escritos eu chamo e apelo, uma
primeira, uma segunda, uma terceira vez ; veemente, mais veemente, mais veementemente.
Eu exijo que o aviso de apelo [apostolus] seja concedido a mim, se houver
alguém que esteja disposto e seja capaz de concedê-lo a mim; e especialmente eu
peço de você, mestre Notário, atestado. Eu protesto contra seguir este meu
apelo pelo caminho da anulação, abuso, injustiça ou injustiça; e, além disso,
como é meu direito, reservo para mim a opção de acrescentar, encurtar, alterar,
corrigir e melhorar. E eu guardo para mim todo benefício da lei, e para "meus
adeptos e aqueles que desejam aderir" a mim.
14)- CARTA DE MARTINHO LUTERO À JOHANNES STAUPITZ [20 de Fevereiro de 1519] - Fala do seu temor de debater com o grande e renomado Teólogo católico João Eck !
A
Staupitz. 20 de Fevereiro de 1519 Ao reverendo e excelentíssimo padre Johan
Staupitz, vigário dos Ermitões de Santo Agostinho, e no culto de Cristo, o seu
patrono e superior.
Saudações! Reverendo padre: Ainda que esteja tão longe de mim e tão calado que não me
escreva as esperadíssimas cartas, me atreverei a quebrar o silêncio. Desejo –
bem como desejam todos – que te deixes ver alguma vez nesta situação afligida
pelas pragas do céu. Espero haver chegado até você as minhas Atas, ou seja, a
cólera e a indignação de Roma. Deus não somente me conduz, me arrebata, como
também me empurra; não estou em minha
sensatez: quero estar tranquilo e, todavia, me vejo pressionado no
fragor dos tumultos. Carlos Miltitz entrevistou-me em Altenburg. Estava
queixoso de que eu tinha ganho a todos para a minha causa e os afaste do papa.
Da exploração que fiz em todas as hospedagens deduzi que apenas dois a cada
cinco estavam a favor de Roma. Depois, na corte do príncipe, informei-me que
vinha armado com setenta breves apostólicos a fim de conduzir-me preso para a
Jerusalém homicida, a essa Babilônica de púrpura. Quando desesperou-se neste
projeto começou a tratar de que eu restituísse à igreja romana o que lhe havia
roubado, e se empenhou em convencer-me que eu me retratasse. Ao rogar-lhe que
me indicasse no que tinha que retratar-me, por fim, nos convencemos em remeter
a causa a alguns bispos. Propus- lhe o arcebispo de Salzburg, bem como ao de
Tréveres e ao de Freising. Pela tarde fui convidado, estivemos alegres na
comida e nos separamos depois de haver me dado um ósculo. Comportei-me como se
não estivesse consciente dessas italianidades e simulações. Também convocou a
Tetzel e lhe repreendeu. Em Leipzig, por fim, o convenceu de que gozasse de uma
estupenda mensalidade de noventa florins e mais três empregados e uma carruagem
livre de todo custo. Então, Tetzel desapareceu; ninguém – talvez, a exceção de
seus progenitores – sabe para onde ele se foi. Eck, meu
homem astuto, quer arrastar-me para novas disputas, como pode ver no que te
adjunto. Desta maneira, Deus cuida em manter-me andando ocupado. Mas, se é a
vontade de Cristo, desta disputa nada de bom poderá saldar para os direitos e
usos de Roma, que são o cetro em que Eck se apoia. Eu gostaria que visse
os meus livretos impressos em Basiléia[8] e que confrontasse o que os eruditos
opinam sobre mim, sobre Eck, sobre Silvestre e sobre os teólogos escolásticos.
Equivocando-se deliberadamente, com muitíssimo gracejo, chamam Silvestre (além
de outras coisas cheias de humor) de magiro de palácio, em lugar de mestre de
palácio (magiro em grego significa cozinheiro). Isto cairá mal aos heróis
romanos. Rogo a ti: reze por mim. Confio com firmeza que o Senhor forçará ao
teu coração para cuidar de mim. Sou um homem que está em perigo e empurrado à
sociedade, ao deboche, ao desprezo, a negligência e outras moléstias, além das
que me oprimem por ofício. Por fim, se aproximam os de Leipzig para a disputa
com Eck. Acusam-me de ser imprudente por escrever que rejeitava e reclamam que
cante a palinódia num escrito pessoal. Mas fui assegurado pelo duque George de
que eles haviam recusado antecipadamente e eu disse a eles em duas ocasiões que
o seu decano havia recusado anteriormente a minha petição, como na realidade o
fez. Desta maneira tão baixa quer esta gente impedir tal disputa; mas, o duque
George continua urgindo-a. Adeus, boníssimo padre.
20 de Fevereiro de 1519. Fr.
Martinus Lutherus, agostiniano.
(adágio que se aplica a Lutero e seus dicípulos)
15)- DEBATE E DEFESA DO FREI MARTINHO LUTERO CONTRA
AS ACUSAÇÕES DE JOÃO ECK [4 a 14 de Julho de 1519]
Frei Martinho Lutero saúda o distinto leitor!
Meu querido Eck está furioso, prezado leitor. Consagrou à Sé
Apostólica outra folha de debate, cheia de sua fúria e de acusações contra mim,
acrescentando às suas teses anteriores mais uma, fortemente irritada. Isto
representa uma bela ocasião para responder de uma vez por todas aos seus
ultrajes, se eu não tivesse receio de que isso poderia atrapalhar o futuro
debate. Mas tudo tem seu tempo. Por ora basta. Aduzindo
sentenças de vários santos pais, Eck acusou-me de inimigo da Igreja. Compreende
isso da seguinte maneira, prezado leitor: com "Igreja" ele designa
suas próprias opiniões e as de seus heróis que se empenharam pela causa das
indulgências. Isso porque ele é um consagrador da Sé Apostólica e fala à
maneira de seus supostos heróis, que usam as palavras da Escritura e dos pais
assim como Anaxágoras lidava com os elementos (grifos nossos: mas é isso que faz Lutero de forma pessoal e não eclesial como João Eck). Depois de as
dedicarem à Sé Apostólica, as palavras logo se transubstanciam a seu bel-prazer
(a bem dizer: prodigiosamente), transformando-se de qualquer coisa em qualquer
coisa. Prestam-se também para significar aquilo que sonham em delírio ou que
fantasiam na impotência de sua inveja feminil. Finalmente, seus conhecimentos
os abandonam de forma tão infeliz, que jamais compreendem direito nem mesmo
aquilo que de bom aprenderam e, como diz o apóstolo, "não entendem nem o
que dizem, nem os assuntos sobre os quais fazem afirmações" [1 Tim 1,7]; isto é, não sabem combinar predicado com sujeito nem sujeito com predicado numa
sentença categórica. Esperamos que, no debate vindouro, ele nos apresente ainda
outros testemunhos com a mesma habilidade, para que também as crianças possam
se divertir. Eu havia esperado que Eck reconhecesse a limitação de sua cabeça
através da carta de Erasmo, o mestre das ciências, e, depois, através da
insuperável apologia do dr. Karlstadt. Porém a
paciência de Eck supera tudo; mesmo que desagrade a todos os demais, basta-lhe agradar ao
menos a si mesmo e a seus heróis. Mas que ele me difama como herege e boêmio,
afirmando que estou reavivando cinzas velhas, etc. isto ele faz por sua
modéstia ou por seu ofício de consagração, pela qual tudo que consagra está
consagrado, não usando outro óleo senão o veneno de sua língua. Quero, porém
(para não tolerar esse ultraje), que saibas, prezado leitor, que, no que tange
à monarquia do pontífice romano, não desprezo o venerável consenso de tantos
fiéis na Itália, Alemanha, França, Espanha, Inglaterra e outros países. Somente
uma coisa peço ao Senhor: que jamais permita que eu diga ou pense algo que
agrade a Eck, tal como ele é agora; nem que, por causa do livre arbítrio, eu
eventualmente exponha Cristo, o Filho de Deus, ao ridículo; nem que, por causa
da Igreja Romana, eu negue que Cristo vive e reina na Índia e no Oriente; ou
que - para propor também eu um enigma a esse festivo fazedor de enigmas - eu
não volte a abrir, junto com Eck, a cloaca constantipolitana nem celebre novos
martírios da Igreja por causa dos antigos homicídios da África. Para que não
sejas prejudicado pelo escândalos de seu enigma envenenado, quero que saibas,
estimado leitor, que alguns incluem entre os artigos de João Huss também aquele
em que ele afirmou que a excelência papal do pontífice romano se deve ao
imperador, o que também Platina escreve claramente. Eu, porém, expus que essa
monarquia se prova por decretos pontificais, não imperiais. Assim, a própria
Igreja Lateranense canta, a respeito do alcance de sua autoridade, que, tanto
por decreto do papa quanto do imperador, ela é a mãe das Igrejas, etc. Esses
versos são bem conhecidos. E agora? Necessariamente para Eck também essa Igreja
seria hussita e estaria reavivando cinzas. Então, já que ela canta por ordem do
papa, com a concordância dos cardeais, de toda Roma e da Igreja universal, não
admira que Eck, enfastiado das cinzas velhas e em virtude de seu ofício de
consagração, deseje dedicar à Cátedra Apostólica um novo holocausto, reduzindo
a novas cinzas o papa, os cardeais e a própria Igreja Lateranense. Graças a
Deus, resta ao menos um Eck de mentalidade católica, aquele singularíssimo
perseguidor da singularidade, visto que todos os outros estão arruinados pelo
veneno da Boêmia. Mas por que haveria de causar surpresa que os sofistas dessa
espécie não conhecem os fatos históricos, uma vez que não entendem nem mesmo
suas próprias sentenças categóricas? Eu naturalmente nunca tratei esse tema,
nem pensei em debater sobre ele. Porém Eck já há muito tempo está ulcerado pelo
mais profundo ódio contra mim. Ele sabe que essas sentenças são odiosas.
Desesperando da possibilidade de vitória em outras coisas, ao menos neste ponto
esperava provocar indignação contra mim, uma vez que aprendeu (como se diz) a
bater no leãozinho ante os olhos do leão, fazendo de um debate em torno da
verdade uma tragédia de ódio. Mas eles que acusem o quanto quiserem, consagrem
suas adulações à Sé Apostólica, consagrem ao banquinho e ao tamborete; eles que
consagrem também à caixa apostólica (visto que esta é o que mais tem a ver com
a questão das indulgências e da monarquia); eles que fiquem manquejando ao
redor do altar do seu Baal, clamem mais alto (porque ele é um deus, talvez
esteja conversando, ou a caminho, ou numa estalagem, ou certamente está
dormindo) para que ele acorde. Para mim é suficiente que contra Cristo a Sé
Apostólica nada quer nem consegue. Nessa questão também não terei medo nem do
papa nem do nome do papa, menos ainda dessas peninhas e bonecas. Somente a uma
coisa aspiro: que o roubo do meu nome cristão não venha em prejuízo da
puríssima doutrina de Cristo. Pois aqui não quero que alguém espere paciência
de mim, não quero que Eck procure modéstia, seja sob o hábito preto, seja sob o
branco[26]. Maldita seja a glória daquela ímpia clemência com a qual Acabe
deixou escapar Ben-Hadade, inimigo de Israel. Pois aqui quero ser fortíssimo
não apenas no morder (o que dói a Eck), mas também insuperável em devorar, para
que possa devorar de uma só bocada (para falar com Isaias) os Silvestres e
Civestres, os Caetanos e Ecks e o resto dos falsos irmãos que combatem a graça
cristã. Eles que aterrorizem alguém outro com suas adulações e consagrações;
Martinho despreza os sacerdotes e consagradores da Sé Apostólica. Quanto ao
resto, veremos no debate e após ele. Porém também o dr. André Karlstadt, já há
muito tempo vencedor sobre o erro de Eck, virá não como um soldado desertor, mas
receberá confiantemente esse leão morto e por ele derrubado. Entrementes
permitimos que a miserável consciência se alegre com a esperança simulada do
triunfo e com a vâ jactância das ameaças. Por isso também eu acrescento às
minhas teses uma décima terceira, oposta à cólera de Eck. Deus fará com que
saia algo de bom do debate que Eck mancha com tanto mal, ódio e infâmia. Passa
bem, caro leitor.
Contra erros
novos e velhos, Martinho Lutero defenderá as seguintes teses na Universidade de
Leipzig:
-Lutero nega que Pedro tenha sido o chefe dos apóstolos;
declara que a obediência eclesiástica não se baseia no direito divino, mas que
foi introduzida pelas ordenações dos homens e do imperador (grifo nosso: Lutero nega as escrituras que em Lucas 10,16: "Quem vos ouve a mim ouvem quem vos rejeita, a mim rejeita...")
(aulinha básica para Lutero e seus seguidores)
-Nega que a Igreja
foi construída sobre Pedro; “Sobre esta pedra” etc. E, embora eu lhe citasse
Agostinho, Jerônimo, Ambrósio, Gregório, Cipriano, Crisóstomo, Leão e Bernardo,
com Teófilo, contradisse a todos eles sem pestanejar; e disse que ficaria
sozinho contra mil, embora não fosse apoiado por ninguém, porque somente Cristo
é o fundamento da Igreja, pois nenhum homem pode pôr outro fundamento,
defendendo ele então os gregos e os cismáticos, dizendo que, mesmo que esses
não estejam sob a obediência ao papa, estão ainda salvos. (H. Bettenson,
Documentos da Igreja Cristã, pp. 290-291).
No que concerne às afirmações dos boêmios, disse ele que
algumas de suas doutrinas condenadas no Concílio de Constança são muito cristãs
e evangélicas. Por este crasso erro, ele afastou de si muitos que antes eram
seus defensores. Entre outras coisas, quando o pressionei, dizendo: “Se o poder
do papa é somente de direito humano e provém do consentimento dos crentes,
donde vem o hábito de monge que vestes? De onde vens a licença de pregar e de
ouvir confissões de teus paroquianos? etc.”, ele replicou que era seu desejo
que não existisse ordem de mendicantes e disse ainda muitas outras coisas
escandalosas e absurdas: que um concílio, visto constar de homens, pode errar;
que não se prova pela Sagrada Escritura a existência de um purgatório, etc., -
tudo isso verifiquei lendo a nossa disputa, visto que foi transcrita por
relatores dignos de fé:
1. Toda pessoa peca diariamente, mas também faz penitência
diariamente, como ensina Cristo: "Fazei penitência" [Mat 4,17], com
exceção de um certo novo justo que não necessita de penitência; pois o celeste
agricultor diariamente também limpa as videiras frutíferas.
2. Negar que a
pessoa peca também ao fazer o bem, que o pecado venial é venial não por sua
natureza, mas somente pela misericórdia de Deus, ou que também após o Batismo
remanesce pecado na criança, significa calcar com os pés a Paulo e a Cristo de
uma só vez (Grifo nosso: ora, isto é fácil de refutar: Se o salário do pecado é a morte, as crianças não deveriam morrer após o batismo!).
3. Quem afirma que a boa obra ou a penitência começam com a aversão
aos pecados, antes do amor à justiça, e que nisso não se peca, a essa pessoa
contamos entre os hereges pelagianos, mas também provamos que ela comete uma
tolice contra seu santo Aristóteles.
4. Deus transforma o castigo eterno em
pena temporal, isto é, a de carregar a cruz. Os cânones ou os sacerdotes não
têm qualquer poder de impor ou de tirar essa cruz, mesmo que, seduzidos por
aduladores perniciosos, possam ter essa presunção.
5. Todo sacerdote deve
absolver o penitente de castigo e culpa, ou então peca; da mesma forma peca o
prelado superior se, sem causa razoabilíssima, reserva coisas ocultas, por mais
que isso contrarie a prática da Igreja, isto é, dos aduladores.
6. Pode ser que
as almas satisfaçam pelos pecados no purgatório; mas que Deus exige do
moribundo mais do que morrer de boa vontade, é afirmado com a mais infundada
temeridade, porque não pode ser provado de modo algum.
7. Revela que não sabe
nem o que é fé, nem o que é contrição, nem o que é livre arbítrio quem balbucia
que o livre arbítrio é senhor de seus atos, sejam bons, sejam maus, ou quem
sonha que alguém é justificado não somente pela fé na Palavra, ou que a fé não
é suprimida por um crime, qualquer que seja.
8. Certamente contraria a verdade
e a razão [afirmar] que as pessoas que morrem a contragosto têm falta de amor e
que, por isso, sofrem o horror do purgatório - mas só se verdade e razão forem
a mesma coisa que a opinião dos pseudoteólogos.
9. Sabemos que os
pseudoteólogos afirmam que as almas no purgatório estão certas de sua salvação
e que a graça não é aumentada nelas, mas nos admiramos desses homens
eruditíssimos por não poderem apresentar, sequer a um tolo, uma razão
verossímil para esta sua fé.
10. É certo que
o mérito de Cristo é o tesouro da Igreja e que os méritos dos santos nos ajudam; mas que ele seja um tesouro de indulgências, isso ninguém
faz crer, a não ser um adulador sem-vergonha, os que se afastam da verdade e
algumas práticas e usos inventados da Igreja.
11. É perder a razão afirmar que
as indulgências são um bem para o cristão; na verdade, elas são um defeito da
boa obra. O cristão deve rejeitar as indulgências por causa do abuso, pois o
Senhor diz: "Por amor de mim apago as tuas iniquidades" [Is 43.25],
não por amor do dinheiro.
12. Que o papa pode remitir todo castigo devido pelos
pecados tanto nesta vida quanto na futura e que as indulgências são de proveito
para quem não cometeu pecado grave, isso sonham sossegadamente os sofistas
totalmente indoutos e os aduladores pestilentos, embora não possam demonstrá-lo
sequer com um vestígio.
13. Demonstram que a igreja romana é superior a todas
as outras a partir dos mais frios decretos dos pontífices romanos surgidos nos
últimos 400 anos; contra esses, porém, estão as histórias comprovadas de 1.100
anos, o texto da Escritura Divina é o decreto do Concílio de Nicéia, de todos o
mais sagrado.
João Eck, relatório sobre o debate de Leipzig [1519]
16)-
ANEXO - Os 30 erros de João Huss condenados pelo Concílio de Constança que
Lutero contestou e defendeu:
1. A santa Igreja universal é única e a totalidade dos
predestinados. E adiante segue: a santa Igreja universal é única, como somente
um é o número de todos os predestinados.
2. Paulo nunca foi membro do demônio,
se bem que tenha cometido atos semelhantes aos da igreja dos malignos.
3. Os
não predestinados não fazem parte da Igreja, porque nenhum daqueles que a ela
pertencem se separará dela ao fim, pois a caridade da predestinação que a reúne
não cessará jamais [cf. 1 Co 13:8].
4. As duas naturezas, a divindade e a
humanidade, são um só Cristo.
5. O não predestinado, se bem que no presente
possa às vezes estar em estado de graça, nunca faz parte da santa Igreja,
enquanto o predestinado permanece sempre membro da Igreja, também se às vezes
pode ser privado de uma graça adventícia, jamais todavia da graça da
predestinação.
6. Se se entende a
Igreja como assembleia dos predestinados, estejam ou não atualmente em estado
de graça, ela é artigo de fé.
7. Pedro não foi e não é a cabeça da santa Igreja católica.
8. Os sacerdotes que vivem em pecado contaminam o poder sacerdotal e, como
filhos infiéis, têm um conceito infiel dos sete sacramentos da Igreja, do poder
das chaves, dos ofícios, das censuras, dos costumes, das cerimônias, das coisas
sagradas, da veneração das relíquias, das indulgências, das ordens.
9. A
dignidade papal teve origem no imperador, e a designação e a entronização do
Papa têm sido realizadas pelo poder imperial.
10. Ninguém sem uma especial
revelação pode razoavelmente afirmar, de si ou de um outro, que é cabeça de uma
Igreja particular; e o Romano Pontífice não é a cabeça da Igreja de Roma.
11.
Não se é obrigado a crer que algum Romano Pontífice seja a cabeça de alguma
santa Igreja particular, se Deus não o tiver predestinado.
12. Ninguém faz as
vezes de Cristo ou de Pedro se não o imitar nos costumes: nenhuma outra
sequela, de fato, deve ser mais fiel. Do contrário, não se recebe de Deus o
poder delegado, porque a conformidade dos costumes e a autoridade daquele que o
delega são requeridos para o ofício de vigário.
13. O Papa não é o sucessor
certo e verdadeiro de Pedro, príncipe dos apóstolos, se vive de modo contrário
ao de Pedro; e se pratica a avareza, é o vigário de Judas Iscariotes. É
igualmente evidente que os cardeais não são os sucessores certos e verdadeiros
do colégio dos apóstolos de Cristo, se não conduzirem uma vida semelhante à dos
Apóstolos, observando os mandamentos e os conselhos de nosso Senhor Jesus
Cristo.
14. Alguns doutores afirmam que quem deve receber uma censura eclesiástica,
mas não se quer corrigir, deve ser entregue ao braço secular. Eles seguem nisso
incontestavelmente os sumos sacerdotes, os escribas e os fariseus, os quais,
dizendo: “A nós não é permitido matar ninguém” [Jo 18:31], entregaram ao braço
secular o Cristo, que não quis obedecer-lhes em tudo; e assim são homicidas
mais culpados que Pilatos.
15. A obediência
eclesiástica é uma obediência inventada pelos sacerdotes da Igreja contra a
vontade expressa da Escritura.
16. A distinção imediata dos atos humanos consiste em que
são virtuosos ou viciosos: se alguém é vicioso e faz algo, age como vicioso; se
é virtuoso e faz algo, age como virtuoso. Pois assim como o vício, que é
chamado delito ou pecado mortal, contamina de modo geral os atos do vicioso,
assim a virtude vivifica todos os atos do virtuoso.
17. Os sacerdotes de Cristo
que vivem habitualmente segundo a sua lei e que têm conhecimento da Escritura e
o desejo de edificar o povo, devem pregar, não obstante uma pretensa
excomunhão. E mais adiante: Se o Papa ou um outro superior manda a um sacerdote
com estas disposições não pregar, o subordinado não deve obedecer.
18. Quem
acede ao sacerdócio, recebe por mandato o ofício de pregar; e deve executar o
mandato, não obstante uma pretensa excomunhão.
19. Com as censuras
eclesiásticas da excomunhão, da suspensão e do interdito, o clero para sua
própria exaltação subjuga o povo leigo, multiplica a cobiça, esconde a malícia
e prepara a estrada do anticristo. Isso é sinal evidente de que provêm do
anticristo tais censuras, que nos seus processos chamam fulminações e das quais
o clero se serve principalmente contra os que denunciam a malícia do anticristo
que o clero amplamente se tem apropriado.
20. Se o Papa é mau e sobretudo pré-conhecido
por Deus como perdido, então, como o apóstolo Judas, é um demônio, um ladrão,
um filho da perdição e não é a cabeça da santa Igreja militante, já que nem é
membro dela.
21. A graça da predestinação é o laço que une indissoluvelmente o
corpo da Igreja e cada um de seus membros a Cristo, a cabeça.
22. O Papa ou o
prelado mau e pré-conhecido <por Deus como perdido> é falsamente chamado
pastor; na realidade é ladrão e assaltante.
23. O Papa não deve ser chamado
“santíssimo” nem mesmo em razão do ofício, porque então também o rei deveria
chamar-se santíssimo pelo seu ofício, e os verdugos e os bandidos, santos.
Mais: também o diabo deveria chamar-se santo, porque é servidor de Deus.
24. Se
o Papa conduz uma vida contrária a Cristo, mesmo que tenha subido a sua função
por uma eleição canônica e legítima segundo a constituição humana vigente, ele
<de fato> estaria subindo por outra parte que por Cristo, mesmo se
ascendesse pela eleição feita em primeira instância por Deus. Pois Judas
Iscariotes, em regra e legitimamente eleito ao apostolado por Cristo Jesus, que
é Deus, todavia subiu por outra parte ao redil das ovelhas.
25. A condenação
dos 45 artigos de João Wyclif (que João Huss idolatrava) emitida pelos doutores é irracional, iníqua e
malfeita; além disso, a causa por eles alegada é fingida, a saber, porque
“nenhum deles é católico, mas são todos hereges ou errôneos ou escandalosos”.
26. Se os eleitores ou a maioria deles se declararam de acordo a viva voz sobre
uma pessoa segundo os usos e costumes humanos, nem por isso ela é legitimamente
eleita, ou nem por isso é verdadeiro e manifesto sucessor ou vigário do
Apóstolo Pedro ou de um outro Apóstolo num ofício eclesiástico. Portanto,
tenham os eleitores escolhidos bem ou mal, nós devemos crer naquilo que o
eleito faz, pois quanto mais alguém trabalha meritoriamente para o progresso da
Igreja, mais recebe poder de Deus para este fim.
27. Não existe o mínimo
indício de que, para governar a Igreja nas coisas espirituais, deva haver uma
única cabeça que sempre deve estar junto à Igreja militante e ser conservada.
28. Cristo governaria melhor a sua Igreja mediante seus verdadeiros discípulos
espalhados sobre a terra, sem esses chefes monstruosos.
29. Os Apóstolos e os
fiéis sacerdotes do Senhor administraram corajosamente a Igreja em tudo o que é
necessário para a salvação, antes que fosse introduzida a função papal; e assim
fariam até o dia do juízo se viesse a faltar o Papa, coisa bem possível.
30.
Ninguém é senhor civil, nem prelado, nem bispo, se está em pecado mortal.
17)- amorosa e pastoral CARTA
DO PAPA LEÃO X A FREDERICO, O SÁBIO [8 de Julho de 1520]
Amado filho, rejubilamo-nos
por não teres jamais demonstrado favor algum àquele filho da iniquidade,
Martinho Lutero. Não sabemos se isso se deve mais à tua sagacidade ou à tua
piedade. Esse Lutero apoia os
boêmios e os turcos, lamenta a punição de hereges, desdenha os escritos dos
santos doutores, os decretos dos concílios ecumênicos e as ordens dos
pontífices romanos e não dá crédito à opinião de ninguém, a não ser sua
própria, o que nenhum herege jamais ousou fazer. Não podemos tolerar
que a ovelha sarnenta continue a infectar o rebanho. Convocamos, portanto, um
conclave de veneráveis irmãos. O Espírito Santo também estava presente, pois
nesses casos Ele nunca se ausenta de nossa Santa Sé. Escrevemos uma bula,
selada com chumbo, na qual, dentre os inúmeros erros desse homem, selecionamos
aqueles em que ele perverte a fé, seduz o simplório e afrouxa os vínculos de
obediência, comedimento e humildade. Quanto aos
insultos dos quais ele se gaba contra nossa Santa Sé, nós os entregamos a Deus. Exortamos-te para que o faças voltar à sanidade e receber nossa
clemência. Caso ele persista em loucura, prende-o. Assinado sob o selo
do anel do Pescador, no dia 8 de Julho de 1520.
18)- CARTA
DE LUTERO AO PAPA LEÃO X EXALTANDO A RETIDÃO E SANTIDADE DESTE PAPA [6 de Setembro de 1520]
Martinho Lutero saúda Leão X, Pontífice Romano, em Cristo
Jesus, nosso Senhor. Amém!
[Vivendo] entre os monstros desta época, com os
quais já pelo terceiro ano me ocupo e luto, às vezes sou obrigado a dirigir o
olhar e a recordar-me também de ti, Beatíssimo Pai Leão. E mais: como aqui e
ali tu és considerado a única causa de minha luta, não posso jamais deixar de
me lembrar de li. E certo que a injustificada fúria de teus ímpios aduladores
me coagiu a apelar de tua sé a um futuro concilio, em nada respeitando as
vaníssimas disposições de teus predecessores Pio e Júlio, que, com estulta
tirania, o proíbem. Não obstante, entrementes jamais alienei meu ânimo de Tua
Beatitude ao ponto de não desejar, com todas as minhas forças, o melhor para ti
e para tua sé e de não rogar a Deus por isso, com diligência e com preces
gemebundas, tanto quanto pude. É verdade que comecei a quase desprezar e a
triunfar sobre os que até agora tentaram me aterrorizar com a majestade de tua
autoridade e de teu nome. Vejo, contudo, que resta uma coisa que não posso
desdenhar e que me levou a voltar a escrever a Tua Beatitude: é de meu
conhecimento que me acusam e me imputam como grave falta minha temeridade, devido
à qual julgam que não poupei nem sequer tua pessoa. Eu, porém — para tratar do
assunto abertamente —, estou cônscio de haver dito tão- somente coisas
magníficas e ótimas a teu respeito onde quer que tive de fazer menção de tua
pessoa. Mas se houvesse agido de outra forma, eu mesmo não poderia aprová-lo de
modo algum e estaria inteiramente de acordo com o juízo que aqueles fazem a meu
respeito. Neste caso, não há nada que eu faria com maior prazer do que retratar
essa minha temeridade e impiedade. Chamei-te de Daniel na Babilônia, e qualquer
leitor percebe perfeitamente com quão egrégio zelo defendi tua insigne
inocência contra teu contaminador Silvestre. Com efeito,
tua reputação e a fama de tua vida irrepreensível, cantadas em todo o orbe
pelos escritos de tantos grandes homens, são por demais célebres e augustas
para serem atacadas de qualquer maneira por qualquer pessoa, por maior que seja
seu renome. Não sou tolo ao ponto de ultrajar a quem todos só fazem louvar! Sim, sempre procurei
e sempre procurarei não ultrajar nem mesmo as pessoas que a opinião pública
desonra. Não me deleito com o crime de ninguém, pois eu mesmo estou
suficientemente cônscio da grande trave que está em meu próprio olho e não
posso ser o primeiro a atirar uma pedra na adúltera. É certo que, de modo
geral, investi acremente contra doutrinas ímpias e mordi os adversários de uma
maneira nada indolente, não por causa de seus maus costumes, mas por causa de
sua impiedade. E não me arrependo disso, tanto assim que resolvi, desprezando o
juízo dos seres humanos, perseverar nesse zelo veemente, a exemplo de Cristo
que, por causa de seu zelo, chama seus inimigos de raça de víboras, cegos,
hipócritas, filhos do diabo. E Paulo acusa o mago de filho do diabo, cheio de
todo dolo e malícia, a alguns chama de cães, enganadores, falsificadores. Se
aceitássemos o juízo desses ouvintes delicados, ninguém seria mais mordaz e
imodesto do que Paulo. Quem é mais mordaz do que os profetas? Realmente, a
vesana multidão dos aduladores tornou os ouvidos deste século tão delicados
que, tão logo sentimos que não somos aprovados, clamamos que estamos sendo
mordidos, e quando não podemos repelir a verdade com outra desculpa, fugimos
sob o pretexto da mordacidade, da impaciência, da imodéstia. De que serve o sal
se não morde? De que serve o fio da espada se não corta? "Maldito o homem
que fizer a obra do Senhor fraudulentamente." [Jr 48.10.] Por esta razão,
excelentíssimo Leão, rogo que me consideres desculpado com esta carta e te
persuadas de que jamais pensei nada de mal a respeito de tua pessoa, de que sou
alguém que te deseja o melhor em eternidade e de que não tenho contenda com
ninguém acerca de costumes, mas unicamente acerca da palavra da verdade. Em
todas as outras coisas cederei a qualquer um, porém não posso nem quero
abandonar e negar a palavra. Quem tem outra opinião a meu respeito ou entende
meus [escritos] de outra forma não tem uma opinião correta nem entende
verdadeiramente. No entanto, eu
realmente repeli tua Sé, que se chama de Cúria Romana. Ora, nem tu nem qualquer outra
pessoa pode negar que ela é mais corrupta do que qualquer Babilônia e Sodoma.
Tanto quanto compreendo, ela é de unia impiedade inteiramente deplorável, sem
esperanças e notória. Fiquei indignado com o fato de que se escarnece do povo
cristão sob teu nome e sob o pretexto da Igreja Romana. E assim resisti e
resistirei enquanto o espírito da fé viver em mim. Não que eu pretenda o
impossível e espere que apenas graças a mim alguma coisa seja promovida nessa
confusíssima Babilônia, visto que me combatem tantos aduladores furiosos.
Reconheço, porém, que estou em dívida com meus irmãos, a quem devo aconselhar
para que um menor número deles seja arruinado pelas pestes romanas ou sejam
arruinados de uma forma menos grave. Com efeito, tu mesmo não ignoras que já há
muitos anos não parte de Roma e inunda o orbe outra coisa senão devastação dos
bens, corpos e almas, bem como péssimos exemplos das piores coisas. Pois para
todas essas coisas são mais claras do que a luz, e a Igreja Romana, outrora a mais santa de todas, se transformou num
licenciosíssimo antro de salteadores, no lupanar mais impudente de todos, no
reino do pecado, da morte e do inferno, de modo que nem o anticristo, se
viesse, poderia cogitar algo para acrescem ai à maldade.Neste meio tempo, tu, Leão, estás sentado como um cordeiro em
meio aos lobos, como Daniel em meio aos leões, e moras, com Ezequiel, entre
escorpiões. O que podes tu sozinho opor a esses monstros? Ainda que juntasses a
ti três ou quatro cardeais eruditíssimos e ótimos, o que seriam eles entre
tantos [outros]? Todos vós morreríeis envenenados antes que vos antecipásseis
estatuindo [um decreto] para remediar a situação. A Cúria Romana está perdida.
A ira de Deus a atingiu até o fim. Odeia os concílios, tem medo de ser
reformada, não pode mitigar o furor de sua impiedade e cumpre o epitáfio de sua
mãe, a respeito da qual é dito: "Curamos Babilônia, e ela não sarou;
abandonemo-la." [Jr 51.9.] É certo que teria sido obrigação tua e de teus
cardeais tratar esses males, mas essa podagra se ri da mão saradora, e nem o
carro nem o cavalo obedecem às rédeas. Movido por
esse sentimento, sempre Iamentei, excelentíssimo Leão, que foste feito
pontífice nesta época, pois eras digno de tempos melhores. Já a Cúria Romana
não merece a ti nem pessoas semelhantes, e sim ao próprio Satanás, que, na verdade, reina mais do
que tu nessa Babilônia. Oxalá renunciasses àquilo que teus inimigos depravados
jactam ser tua glória e vivesses de uma modesta subsistência sacerdotal própria
ou de herança paterna! Jactar-se dessa glória merecem unicamente os iscariotes,
filhos da perdição. O que fazes na Cúria, estimado Leão? Somente isto: quanto
mais celerado e execrável for alguém, com tanto maior êxito usará teu nome e
tua autoridade para arruinar os bens e as almas, para multiplicar os crimes e
para oprimir a fé e a verdade, bem como toda a Igreja de Deus. Ó infelicíssimo
Leão, realmente estás sentado num sólio perigosíssimo! Digo-te a verdade porque
quero o teu bem. Pois se Bernardo se compadece de seu Eugênio, embora até então
a Sé Romana imperasse com melhor esperança (se bem que também naquela época era
corruptíssima), por que não haveríamos nós de queixar-nos — nós que, em 300
anos, tivemos tamanho acréscimo de corrupção e perdição? Não é verdade que sob
este vasto céu não há nada mais corrupto, pestilento e odioso do que a Cúria
Romana? Com efeito, suplanta incomparavelmente a impiedade dos turcos, de modo
que ela, que antigamente era a porta do céu, em realidade agora é uma boca
aberta do inferno, uma boca que não pode ser fechada por causa da ira de Deus
que acossa. Resta apenas uma possibilidade a nós, míseros que somos: a de poder
chamar alguns de volta e salvá-los dessa bocarra romana, como disse. Vê, meu Pai Leão, com que desígnio e por que razão ataquei
violentamente essa Sé pestilenta. Com efeito, tão pouco me propus maltratar tua
pessoa, que esperei que até mereceria teu reconhecimento e obraria por tua
salvação se arremetesse estrênua e acremente contra esse teu cárcere, sim,
contra esse teu inferno. Pois aproveitará a ti, a tua salvação e a muitos
outros contigo Indo o que o ímpeto de todas as inteligências possa realizar
contra a confusão dessa ímpia Cúria. Quem faz mal a ela faz teu ofício; quem a
execra de todos os modos glorifica a Cristo; em suma: quem não é romano é
cristão. No entanto, para falar mais amplamente, [digo ainda que]
jamais tive o propósito de investir contra a Cúria Romana ou debater sobre
qualquer coisa a ela relacionada. Ao ver que todos os remédios para salvá-la eram
sem esperança, desprezei-a e, dando-lhe termo de divórcio, disse-lhe:
"Que o sórdido continue sendo sórdido, e que o imundo continue sendo
imundo." [Ap 22.11]. Dediquei-me a plácidos e quietos estudos das Sagradas
Escrituras, para, através deles, ser útil aos irmãos que me cercam. Quando eu
tinha feito algum progresso nisto, Satanás abriu seus olhos e estimulou seu
servo João Eck, insigne adversário de Cristo, com um desenfreado
desejo de glória, para arrastar-me a um debate com o qual eu não contava, apanhando-me
numa palavrinha — que me escapara de passagem — a respeito do primado da Igreja
Romana. Aqui aquele vaidoso Traso, espumando e rangendo os dentes, jactava-se
de que tudo ousaria em favor da glória de Deus e da honra da santa Sé
Apostólica. Inflado [com a possibilidade] de abusar de teu poder, nada
esperava com maior certeza do que uma vitória. Ele buscava não tanto o primado
de Pedro quanto seu próprio primado entre os teólogos desta época. Julgava que,
para esta finalidade, um triunfo sobre Lutero teria não pouca importância.
Quando [o debate] acabou mal para o sofista, uma fúria incrível exasperou o
homem, pois achava que tão-somente ele era culpado pelo fato de que a infâmia
romana veio à luz por meu intermédio. Rogo-te, excelente Leão, que me permitas
defender aqui uma vez minha própria causa e acusar teus verdadeiros inimigos.
Suponho que seja de teu conhecimento o que comigo tratou o cardeal de S. Sixto,
teu legado, um homem imprudente e infeliz, mais ainda: infiel. Quando coloquei em suas mãos — por reverência a teu nome — a
mim e toda a minha causa, ele não tratou de estabelecer a paz, o que poderia
ter feito com uma única palavrinha, visto que, naquela ocasião, eu prometi
guardar silêncio e pôr um fim à causa se meus adversários recebessem a mesma
ordem. Entretanto, o homem da glória, não contente com esse acordo,
começou a justificar os adversários, a dar-lhes [plena] liberdade e a ordenar
que eu me retratasse, o que absoluta mente não fazia parte de seu mandato.
Aqui, quando as coisas estavam em ótimo estado, sua importuna tirania fez com
que piorassem muito. Por isso, toda a culpa por tudo o que se seguiu não é de
Lutero, mas de Caetano, que não permitiu que eu me calasse e ficasse quieto, o
que, naquela ocasião, pedi com todas as forças. Que mais deveria eu ter feito?
Seguiu-se Carlos von Miltitz — também ele um núncio de Tua Beatitude —, que,
com muito e variado esforço, correndo e tornando a correr para lá e para cá e
nada omitindo que contribuísse para reparar o estado da questão (que Caetano
havia turbado por sua inconsideração e soberba), finalmente conseguiu — também
com o auxílio do ilustríssimo príncipe-eleitor Frederico falar comigo
pessoalmente uma e outra vez. Mais uma vez não
resisti a teu nome, disposto a silenciar e também a aceitar como árbitro ou o
arcebispo de Trier ou o bispo de Naumburgo. Assim foi feito e impetrado.
Enquanto essas coisas estavam em andamento com boas perspectivas, eis que leu
outro e maior inimigo, Eck, atacou com o Debate de Leipzig, que tinha empreendido contra o Dr. Karlstadt. Quando surgiu uma nova questão acerca do primado do
papa, ele inesperadamente voltou suas armas contra mim e destruiu completamente
o acordo de paz. Entrementes, Carlos von Miltitz esperava. O debate foi
feito, os árbitros foram escolhidos, mas também aqui não se chegou a uma
decisão. Isto não é de admirar, visto que, por causa das mentiras, simulações e
ardis de Eck, tudo em toda parte estava sobremodo turbado, exulcerado e
confundido. Assim sendo, para onde quer que se inclinasse o veredito, teria
surgido um incêndio maior, pois ele buscava a glória, não a verdade. Também
aqui não omiti nada do que eu deveria ter feito. Confesso que nessa ocasião
veio à luz não pequena porção das corruptelas romanas. Contudo, se alguma falta
foi cometida nisto, é culpa de Eck, que assumiu um encargo que está acima de
suas forças. Enquanto persegue sua própria glória feito um louco, revela a
ignomínia romana a todo o mundo. Ele é
aquele inimigo teu, meu Leão, ou melhor, de tua Cúria. Do exemplo deste
único homem podemos aprender que não há inimigo mais pernicioso que o adulador.
Com efeito, que promoveu ele com sua adulação senão um mal que nem mesmo um rei
teria podido promover? Pois hoje em dia o nome da Cúria Romana cheira mal no
mundo, e a autoridade papal enlanguesce; a famosa ignorância tem má reputação.
Nada disso chegaria aos nossos ouvidos se Eck não tivesse perturbado o plano de
paz que Carlos e eu fizemos. Ele mesmo percebe isto claramente agora,
indignando-se, tarde demais e em vão, com a publicação de meus escritos. Ele
deveria ter pensado nisso quando, como um cavalo relinchante, buscava
insanamente a glória e não perseguia outra coisa senão seu próprio interesse
contra ti, ainda que com o máximo perigo para ti. O homem vaníssimo esperava
que eu pararia e me calaria por temor a teu nome, pois não creio que sua
presunção se devia a sua inteligência e erudição. Agora que vê que confio muito
e [continuo a] falar, ele se arrepende tarde demais de sua temeridade,
compreendendo — se é que compreende que há alguém no céu que resiste aos
soberbos e humilha os presunçosos. Assim, pois, como através desse debate nada
conseguimos senão uma maior confusão da causa romana, pela terceira vez Carlos
von Miltitz se dirigiu aos pais da ordem congregados em capítulo e pediu
conselho para apaziguar a controvérsia, que já estava extremamente disturbada e
perigosa. Visto que, com o favor de Deus, não havia esperança de proceder
contra mim pela força, enviaram a mim alguns dos mais célebres deles, que
pediram que eu pelo menos honrasse a pessoa de Tua Beatitude e, numa carta
humilde, alegasse como escusa minha inocência e a tua. [Disseram que] a questão
ainda não estava num estado de extremo desespero, se Leão X, por sua inata
bondade, a tomasse em suas mãos. Como eu sempre ofereci e desejei a paz, para
dedicar-me a estudos mais plácidos e úteis, e, contra isto mesmo, fiz tumulto
com tão grande paixão para conter, através da magnitude e do ímpeto das
palavras e da inteligência, os que me pareciam muitíssimo inferiores a mim, não
só cedi de bom grado, mas também o aceitei com alegria e gratidão como um
gratíssimo benefício, se fosse conveniente para satisfazer nossa esperança.
Assim venho, Beatíssimo Pai, e ainda prostrado rogo que, se possível,
intervenhas e ponhas um freio a esses aduladores, que são inimigos da paz
enquanto simulam paz. Mas que ninguém presuma
que eu vá me retratar, Beatíssimo Pai, a menos que prefira envolver a questão
num turbilhão ainda maior. Além disso, não admito leis de interpretação da palavra
de Deus, pois esta, que ensina a liberdade de todas as outras coisas, não deve
estar presa. Salvo estas duas coisas, nada há que eu não possa fazer e
sofrer e que não queira fazer e sofrer com a maior boa vontade. Odeio
contenções. Não provocarei ninguém, mas, em troca, não quero ser provocado. Se,
porém, for provocado, como Cristo é meu mestre, não ficarei mudo. Tua Beatitude
poderá, chamando a si e extinguindo essas contenções com uma palavra breve e
fácil, ordenar que ambas as partes guardem silêncio e paz. É isto o que sempre
desejei ouvir. Por conseguinte, meu pai Leão, toma cuidado para não dar ouvidos
a essas sereias, que não fazem de ti um simples ser humano, mas um semideus, de
modo que possas ordenar e exigir o que quiseres. Não acontecerá assim, e não
prevalecerás. És o servo dos servos e
estás, mais que todas as pessoas, numa posição misérrima e perigosíssima. Não te deixes enganar
pelos que fazem de conta que tu és o senhor do mundo, que não permitem que
alguém seja cristão sem [submeter-se] a tua autoridade e tagarelam que tens
poder sobre o céu, o inferno e o purgatório. Eles são teus inimigos e procuram
causar a perdição de tua alma, como diz Isaías: "Ó povo meu, os que te
chamam de bem-aventurado são os que te enganam." [Is 3.12] Erram os que te
elevam acima de um concilio e da Igreja universal. Erram os que atribuem
unicamente a ti o direito de interpretar a Escritura. Pois eles procuram
estatuir todas as suas próprias impiedades na Igreja sob teu nome, e,
infelizmente, através deles Satanás fez muito progresso sob teus predecessores. Em suma: não creias em ninguém que te exalta, mas sim em
quem te humilha. Pois este é o juízo de Deus: "Depôs os poderosos do
trono e exaltou os humildes." [Lc 1.52.] Vê quão diferente é Cristo de
seus sucessores, embora todos queiram ser vigários dele. E temo que de fato
muitos deles sejam vigários dele com excessiva seriedade. Pois um vigário é vigário quando o chefe está ausente. Se o
pontífice governa quando Cristo está ausente e não habita no coração dele, que
outra coisa é senão vigário de Cristo? Ora, o que é então essa Igreja senão uma
multidão sem Cristo? O que, porém, é tal vigário senão um anticristo e um
ídolo? Quão mais corretamente [procedem] os apóstolos, que se
denominam servos do Cristo presente, e não vigários do Cristo ausente! Talvez
eu seja impudente por parecer ensinar tão grande sumidade, da qual todos
precisam aprender e da qual, como jactam tuas pestilências, os tronos dos
juízes recebem a sentença. Sigo o exemplo de São Bernardo no livrinho Da
consideração, dirigido ao papa Eugênio, livrinho este que todo pontífice
deveria saber de cor. E não faço isso com a intenção de ensinar, mas por dever
de uma solicitude pura e fiel, que nos obriga a nos preocupar com nossos
próximos em todas as coisas, mesmo nas que são seguras, e não permite
considerar a dignidade ou indignidade, dando atenção tão-somente aos perigos e
às vantagens dos outros. Como sei que és revolvido e agitado pelas ondas em
Roma, isto é, em alto-mar, acossado por infinitos perigos por todos os lados, e
trabalhas em tal situação de miséria, que necessitas também da menor ajuda de
qualquer um dos menores irmãos, não me parece absurdo se eu esquecer de tua
majestade enquanto cumpro um dever da caridade. Não quero adular numa questão
tão séria e perigosa. Se não entenderem que,
nisso, sou teu amigo e mais do que sujeito a ti, há alguém que entende e julga.
Por fim, para não chegar de mãos vazias, Beatíssimo Pai, trago comigo este
pequeno tratado, publicado sob teu nome, como um auspício da paz a ser feita e
de boa esperança. Nele podes provar com que estudos eu preferiria e poderia
ocupar-me de modo mais fecundo, se teus ímpios aduladores o permitissem e
tivessem permitido até agora. É uma coisa pequena, se se considera o volume. No
entanto, a menos que eu me engane, é a suma da vida cristã exposta
resumidamente, se se capta o sentido. Pobre que sou, não tenho outra coisa com
que obsequiar-te, e tu não precisas ser enriquecido senão por um obséquio
espiritual. Com isto encomendo a mim mesmo à Tua Paternidade e Beatitude, que o
Senhor Jesus preserve perpetuamente. Amém.
Wittenberg, 6 de setembro de 1520.
19)- CONTRA A EXECRÁVEL BULA DO ANTICRISTO
(ATRIBUIDA BULA DE LEÃO X E A JOÃO ECK POR LUTERO):
Fui informado de que uma bula contra mim passou por toda a
terra antes de me alcançar, pois, sendo uma filha das trevas, temeu a luz da
minha face. Por esse motivo, e também porque ela condena
artigos notoriamente cristãos(?), tive minhas dúvidas se ela tinha realmente vindo de Roma e
não era, na verdade, produto daquele
homem de mentiras, dissimulações, enganos e heresias, o monstro João Eck. A
suspeita tornou-se ainda maior quando foi dito que Eck era o apóstolo da bula.
Na verdade, tanto o estilo como o azedume apontam para Eck. Para falar a
verdade, não é impossível que, onde Eck é o apóstolo, lá se encontre o reino do
Anticristo. Mesmo assim, nesse meio tempo, agirei como se acreditasse que Leão
não é o responsável; não para dar honras ao nome de Roma, mas porque não me
considero digno de sofrer coisas tão elevadas pela verdade de Deus. Pois quem
ficaria mais feliz perante Deus senão Lutero, se este fosse condenado por fonte
tão grandiosa e elevada, em razão de uma verdade tão evidente? A causa,
contudo, busca um mártir mais digno. Eu, com meus pecados, mereço outras
coisas. Mas quem quer que tenha escrito essa bula, este é o Anticristo(?). Declaro, perante
Deus, nosso Senhor Jesus, seus anjos sagrados e perante todo o (A bula Exsurge, Domine, chega no dia 10 de
Outubro de 1520, até Lutero) mundo que, com todo meu coração, discordo da
condenação dessa bula, amaldiçoo-a e abomino-a como sacrilégio e blasfêmia
contra Cristo, o Filho de Deus e nosso Senhor. Eis minha retratação, ó bula, tu
filha de bulas. Tendo dado meu testemunho, volto-me agora para a bula. Pedro
disse deves ser capaz de apresentar a razão da tua fé, mas essa bula me condena
por sua própria palavra, sem prova alguma das Escrituras, enquanto eu
fundamento todas as minhas afirmativas na Bíblia. Pergunto-me, ignorante
Anticristo, realmente crês que com palavras vazias podes prevalecer contra a
armadura das Escrituras? Teria aprendido isso com Colônia e Lovaina? Se
bastasse apenas isso, tão somente dizer “eu discordo, eu nego”, que tolo, que
asno, que toupeira, que bronco não poderia condenar? Não fica tua fronte vulgar
enrubescida quanto tentas, com tua fumaça frívola, resistir ao relâmpago da
Palavra divina? Por que não cremos nos turcos? Por que não aceitamos os judeus?
Por que não honramos os heréticos se condenar é tudo o que importa? Mas Lutero,
que está acostumado a bellum [guerra], não tem medo de bullum [bula]. Sei
distinguir entre um papel inócuo e a onipotente Palavra de Deus. Demonstram
ignorância e má fé ao forjar o advérbio “relativamente”. Meus artigos são
chamados “alguns heréticos, alguns errôneos, alguns escandalosos,
respectivamente”; isso é o mesmo que dizer: “Não sabemos qual é o quê”. Ó
meticulosa ignorância! Desejo ser esclarecido, não relativamente, mas de forma
completa e segura. Exijo que o demonstrem especificamente o que é herético de
forma absoluta e não relativamente, de forma nítida e não, confusamente, de
maneira segura e não provavelmente, de forma clara e não obscuramente, ponto
por ponto e não em geral(grifo nosso: foi feito em inúmeras ocasiões nos debates e disputas, porém Lutero não aceitou). Que demonstrem em que sou herético ou que sequem a
baba de sua ira. Dizem que alguns artigos são heréticos, alguns errôneos,
alguns escandalosos, alguns ofensivos. Daí se infere que os heréticos não são
errôneos, os errôneos não são escandalosos, e os escandalosos não são
ofensivos. Então, o que significa dizer que algo não é herético, não é escandaloso,
não é falso, mas, ainda assim, ofensivo? Por isso, ímpios e insensatos
papistas, escrevei com sobriedade se quiserdes escrever. Quer tenha sido Eck,
quer pelo papa, essa bula é a soma de toda impiedade, blasfêmia, ignorância,
imprudência, hipocrisia, mentiras. Em uma palavra, trata-se de Satanás e de seu
Anticristo. Onde estão todos agora – o excelentíssimo imperador Carlos, os reis
e príncipes cristãos? Vós fostes batizados em nome de Cristo e conseguis
suportar a voz caústica do Anticristo? Onde estais, bispos? Onde, doutores?
Onde está tu que confessa a Cristo? Ai de todos que vivem nesses tempos, a ira
de Deus está vindo sobre os papistas, os inimigos da cruz de Cristo, a fim de
que todos os homens resistem a eles. A ti, Leão
X, a teus cardeais e a todos os demais em Roma, digo-vos em vossa face: “Se
essa bula foi emitida em teu nome, lançarei mão do poder que me foi dado no
batismo, por meio do qual me tornei filho de Deus e coerdeiro em Cristo,
firmado sobre a rocha contra a qual os portões do inferno não podem prevalecer.
Apelo para que renuncies à tua blasfêmia diabólica e à tua impiedade audaciosa
e, se não fizeres, consideraremos todo o teu trono como possuído e oprimido por
Satanás, o trono amaldiçoado do Anticristo, no nome de Jesus Cristo, a quem
persegues”. Sou, contudo, dominado por meu zelo. Ainda não estou
convencido de essa bula tenha vindo do papa, mas sim daquele apóstolo da impiedade:
João Eck. Se alguém despreza minha advertência fraterna, estou livre de seu
sangue no dia do juízo. Prefiro morrer mil
vezes que voltar atrás em uma sílaba que seja dos artigos condenados. E como me excomungam
pelo sacrilégio da heresia, eu também vos excomungo em nome da verdade sagrada
de Deus. Cristo julgará qual excomunhão permanecerá. Amém.
20)-
CARTA DE MARTINHO LUTERO A JOHANNES STAUPITZ [14 de Janeiro de 1521]
A Staupitz. Jesus. Saudações!
Quando estávamos em Augsburg,
reverendíssimo pai, ao tratar deste meu assunto, e entre outras coisas, me
disse: “não esqueça, irmão, que tudo você começou em nome de nosso
Senhor Jesus Cristo”. Estas palavras as recebi não como faladas por você, mas
proferidas por meio da sua pessoa, e as tenho gravadas em minha memória. Com
estas mesmas palavras, suplico: “acorde também do que você me disse”. Este negócio
se tornou num jogo até agora; ao presente a coisa está se tornando mais sério
e, ao tom de suas palavras, se Deus não o completar, é impossível que chegue ao
seu término. Ninguém pode colocar em dúvida que tudo se acha na mão do
poderosíssimo Deus. Que de nós pode decidir aqui? O que pensarão os homens? É
tão violento o tumulto que se levanta, que me parece não será possível aplacar
até o dia final, que tanta é a animosidade a que de um lado, ou de outro
chegou. Ainda que emita excomunhões, queime livros e me mate, é
fato, que o papado não se encontra na mesma situação que antes. Todos os sinais
dizem que um grande portento está clamando às portas. Que afortunado seria o
papa se empenhasse em compor a paz com bons meios, em vez de afrontar a questão
tratando de eliminar a Lutero pelo redemoinho da violência! Queimei os livros e
a bula papal, no princípio o fiz com medo e rezando, mas hoje estou contente de
ter realizado, pelo que teria feito durante minha vida. São mais peçonhentos do
que eu acreditava serem. Emser, de Leipzig, escreveu em língua vernácula,
motivado pelo duque George, que está furioso comigo, e que “respirando ameaças
e morte”, dispôs na mesma aula de forma impiedosa que tomassem medidas contra
mim. O imperador me convocou por carta dirigida ao príncipe. Ao recusar, este revogou aquele a primeira carta com outras. Somente Deus sabe o que sucederá. O
nosso vigário Wenceslau marchou para Nürnberg. Zschessius se encontra em Grimma
e disse que partirá dali; Deus o conserve. Aqui tudo está florescendo como
antes. Hutten apostilou a bula com anotações provocadoras contra o papa e está
preparando outras coisas sobre o mesmo. Os meus
escritos foram queimados três vezes: em Lovaina, em Colônia e na Magúncia com
grande desprezo e perigo dos que os queimaram(?). Até Tomás Murner
furioso escreveu contra mim. Esse asno descalço de Leipzig não me incomoda.
Adeus, meu pai. Rogue pela palavra de Deus e por mim.
Estou arrebatado e
envolto nestas ondas. Wittenberg, dia de são Felix, 1521.
21)-
CARTA DE MARTINHO LUTERO A JOHANNES STAUPITZ [9 de Fevereiro de 1521]
Ao reverendo e excelentíssimo Johannes Staupitz, mestre na
sagrada teologia, agostiniano ermitão, seu primogênito no Senhor. Saudações!
Admira-me que as minhas cartas e meus livros não tenham
chegado ainda às tuas mãos, como deduzo de ti. Pregando aos demais, estou
desqualificando a mim mesmo, que até tal extremo me aliena o trato com os
humanos. Porque te adjunto poderás ter uma ideia do espírito com que trato a
Palavra de Deus. Nada se fez ainda em Worms contra mim, considerando que os
papistas andam maquinando desígnios perniciosos com invejável furor. Spalatino
escreveu-me dizendo que o evangelho goza ali de grande aceitação, que espera
que não me condenem sem antes escutarem e serem convencidos. Em Leipzig, sem
nenhum tipo de inibição, Emser escreveu contra mim acusações que são coletâneas
de mentiras desde o princípio até o fim. Percebo que preciso dar uma resposta a
este monstruoso projeto do duque George, que é quem nutre a loucura do autor.
Não me incomoda a notícia de que Leão X também se voltou contra ti. Desta
sorte, poderás erigir para exemplo do mundo a cruz que tanto pregaste. Não
gostaria que o lobo se contentasse com tua resposta na que lhe concedes mais do
que é justo; o interpretará como se renegasses de mim e de tudo o que é meu, ao
declarar que te vem a submeter a seu juízo. Por isso, se Cristo te ama, te
obrigará a reconvocação deste escrito, sendo que nessa bula se condenou tudo o
que ensinas e aprazes. Como nada disto te és desconhecido, parece-me que
ofendes a Cristo, pois aceitas como juiz aquele que é um furioso inimigo de
Cristo, a quem se desenfreia contra a palavra da graça. Terias que afirmar
isto, e repreendê-lo por esta impiedade. Que não é motivo para andar com medo,
senão que deves responder, neste tempo em que nosso Senhor Jesus Cristo se vê
condenado, despojado e blasfemado. Na mesma medida em que me exortas à
humildade, eu exorto a tua soberba; tua humildade é tão excessiva, como
excessiva é minha soberba. Mas, a situação é séria. Vemos que Cristo está
sofrendo. Se antes foi preciso calar, agora, quando o próprio boníssimo
Salvador que se entregou a si mesmo por nós, padecendo ignomínia por todo o
mundo, não lutaremos por ele, não ariscaremos o nosso pescoço? Meu pai, que é
muito mais grave o perigo do que muitos pensam; começa a entrar no vigor do
evangelho: “o que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de
meu pai, mas me envergonharei do que de mim se envergonhar”. Que pensem que eu
seja soberbo, avarento, adúltero, homicida, contra o Papa e réu de todos os
vícios, com tanto que não podem arguir de calar impiamente enquanto o Senhor
sofre e diz: “não há escapatória para mim; não há quem cuide de meu espírito;
olhava a minha direita e ninguém me reconhecia”. Tenho a confiança de que esta
confissão me perdoará todos os meus pecados. Que por este motivo lancei
confiado contra esse ídolo e verdadeiro anticristo de Roma. A palavra de Cristo
não é palavra de paz, senão que palavra de espada. Entretanto, o que direi,
“miserável eu sou, Minerva?”. Estas coisas escrevo a ti, em confiança, porque
muito temo que te coloques como mediador entre Cristo e o Papa, e que vejas o
quão violentamente contrário eles são entre si. Roguemos para que o Senhor
Jesus com o sopro de sua boca destrua sem tardar a este filho da perdição (?). Se
não queres vir após mim, deixe que eu marche e me retire. Não deixarei, pela
graça de Deus, a tarefa de jogar na cara as atrocidades deste monstro. De fato, que me enche de tristeza esta tua submissão, que me
revela a um Staupitz tão diferente daquele pregador da graça e da cruz. Não teria sofrido se
tivesses atuado desta forma antes da promulgação da bula e da ignomínia feita a
Cristo. Hutten e muitos outros escrevem com força a meu favor e estão
preparando canções que farão pouca graça a esta Babilônia. Nosso príncipe atua
com tanta prudência e fidelidade como com constância. Por seu mandato o edito
dessas declarações foi publicado em latim e alemão. Saúda-te Felipe e roga para
que cresça o teu ânimo. Por favor, dê saudações ao médico Ludovico que me
escreveu com tanto conhecimento. Não tive tempo para responder-lhe, pois tenho só trabalhado para mim. Adeus no Senhor e ore
por mim.
Wittenberg, Dia de santa Apolônia, 1521. Teu filho Martinus Lutherus.
22)- DISCURSO PRONUNCIADO NA DIETA DE WORMS POR
MARTINHO LUTERO [18 de Abril de 1521]
Introdução histórica por Teófanes Egido
Para a compreensão
do feito e do significado da atuação de Lutero ante a Dieta de Worms e de seu
discurso, é necessário considerar os eventos a seguir. O dia 15 de junho de
1520 traz muitos fatos obscuros com Federico o Sábio, duque da Saxônia
eleitoral e – como já vimos – protetor de Lutero. Roma decidiu condenar a
doutrina de Augustinho na bula Exsurge, Domine, certamente confusa. Na
realidade, o documento ainda não condena a pessoa de Lutero, e já conhecemos a
sua reação violenta, que em um ato teatral queimou a bula juntamente com os
textos representativos das práticas canônicas e morais da igreja (10 de
dezembro). No início do ano seguinte publicou-se a bula Decet romanum
pontificem com a excomunhão do “herege”. A excomunhão eclesiástica surtiu efeito
por ter sido referendada pela expulsão civil, ou seja, imperial. Não obstante,
o jovem imperador Carlos V, pressionado por dificuldades econômicas, pelo
compromisso com os costumes alemães, por rivalidades com a cúria de Roma, pelo
favor que a opinião pública manifestava por Lutero – convertido em herói dos
alemães, não quis condená-lo sem antes ouvi-lo. Para ele a melhor ocasião era
aproveitar a dieta – a primeira imperial - de Worms (aberta solenemente em 27
de janeiro de 1521) e convoca-lo a comparecer. O tempo transcorrido foi precioso para a causa luterana e,
de fato, foi uma das épocas mais relevantes de Lutero, desde o ponto de vista
de seus escritos e de sua influência. A convocação para a dieta, por outro
lado, lhe serviu como uma invejável oportunidade para sua exposição. Por isso
se sentiu expectante e temeroso, na condição de vítima e de herói, percebendo
com clareza a magnífica repercussão de um púlpito peculiar (cf. Gravier, o. c.,
50 ss). No dia 17 de abril, ao entardecer, compareceu diante da assembleia.
Lutero se viu surpreso: ele havia acreditado em uma
oportunidade para pregar suas ideias mas se encontrou em uma condição em que a
única opção que lhe era oferecida era de retratar-se ou não do conteúdo de seus
livros que Aleandro havia empilhado com cuidado. Diante da surpresa,
pediu uma prorrogação e, no dia seguinte, como resposta ao interrogatório,
pronunciou o célebre discurso que transcrevemos. O documento tem um valor
transcendental e é, talvez, o reflexo do momento mais decisivo e claro, não
somente da existência de Lutero, senão de toda a história de sua reforma.
Em tons melo dramáticos nega a autoridade do papa, dos
concílios, e proclama a autoridade da Escritura e da consciência(?). Quem viu nele uma
proclamação dos direitos da consciência individual pecou por um evidente
anacronismo, pois é indiscutível a valentia de Lutero, ainda monge, o qual
enfrentou boa parte dos componentes da dieta como arauto da liberdade do evangelho. A
resposta do imperador foi contundente e não menos decisiva: contra a heresia –
disse – “estou determinado em empenhar meus reinos e senhorios, meus amigos,
meu corpo, meu sangue, minha vida e minha alma” (Sandoval). Nem a decisão nem a
contundência de Carlos, ao decretar na dieta a expulsão imperial de Lutero,
puderam fazer muita coisa. As dificuldades da Espanha, o perigo da França, o
regresso do imperador à agitada Castela, a burocracia, o apoio de alguns
senhores, etc, atrasaram a publicação do edito firmado em 26 de maio de 1521,
quando Lutero estava em segurança, graças ao sequestro organizado pelo seu
protetor.
A declaração de Lutero:
Excelentíssimo senhor imperador, mui ilustres príncipes, mui
graciosos senhores,
Compareço pontual e obediente, à hora que me determinou
ontem à tarde, e suplico a vossa graciosíssima majestade e aos ilustríssimos
príncipes e senhores que, pela misericórdia de Deus, se dignem atender com
clemência esta minha causa, que espero seja a causa da justiça e da verdade. E
se por minha inexperiência me dirijo a alguém de forma incorreta, ou de alguma
maneira me comportar contra os usos e costumes da corte, rogo que me desculpem
com benevolência, porque não tenho vivido na corte, mas no isolamento do
monastério, e a única coisa que posso dizer é que até hoje minhas únicas
preocupações tem sido, tanto em minha docência como em meus escritos, a glória
de Deus e a instrução dos fiéis de coração humilde. Excelentíssimo imperador,
ilustres príncipes: vossa sereníssima majestade me levantou ontem duas questões:
-Se reconhecia como meus os livros que se multiplicam e tem
sido publicados em meu nome, e se estava disposto a seguir os defendendo ou
negá-los. Sobre o primeiro ponto minha resposta é simples; sem dúvida, me
mantenho com ela e seguirei mantendo-a sempre: se trata de livros
meus, que foram publicados em meu próprio nome, mas sempre com as possíveis
mudanças e interpretações mal feitas que devem ser atribuídas à astúcia ou a
importuna sabedoria de meus adversários. Em todo caso, reconheço somente o que
é meu e o que por mim foi escrito; mas não as interpretações de meus
adversários.
-Quanto à segunda questão, suplico à vossa serene majestade, se
digne levar em conta que meus livros não são todos da mesma classe. Há um
primeiro grupo de escritos nos quais trato da fé e costumes de uma maneira tão
simples e evangélica, que até meus adversários se veem obrigados a reconhecerem
sua utilidade e sua inocuidade, e que são dignos de ser lidos por um cristão. A
mesma bula do papa, por mais implacável e cruel que seja, admite que alguns
destes livros são inofensivos, embora, por um juízo estranho, os haja
condenado. O que aconteceria se eu decidisse retratá-los? Seria o único dos
mortais que condenaria a verdade que amigos e inimigos confessam de comum
acordo, o único em resistir à unanimidade desta confissão.
-Outra categoria de escritos é a que ataca o papado e as
empresas de seus seguidores, posto que sua péssima doutrina e exemplo tem
arrastado a toda a cristandade para a destruição espiritual e corporal. Porque todo o mundo
tem a experiência, testemunhada pelo general descontente, de que as leis dos
papas e suas doutrinas humanas (grifo nosso: quais por exemplo?) tem escravizado miseravelmente as consciências
dos fiéis, as tem atormentado e torturado; que a incrível tirania tem devorado
os bens e os recursos, e os segue devorando de forma insultante cada vez mesclando
capítulos heréticos com os que não eram, escrita por inspiração de inimigos de
Lutero, não duvidemos que no documento escapa a condenação da tese básica da
justificação pela fé somente, mas sobre todos em nossa nobre nação alemã. Além
disso, seus próprios decretos (por exemplo, Dist. 9, 25, quaest. 1 e 2)
apresentam como errôneas e inválidas as leis papais que estão em contradição
com o ensinamento do evangelho e dos pais da igreja. Se eu retratasse também
estes livros, não faria mais do que fortificar sua tirania e abrir de par em
par a tão grande impiedade não somente uma pequena janela, mas também todas as
portas, para que aquela entrasse de forma mais ampla bem como a comodidade que
jamais até agora teve. Minha retratação seria o melhor favor concedido a sua
ilimitada e desavergonhada malícia, e daria vigor e estabilidade a este
senhorio cada vez mais intolerável para o miserável povo, e mais se anuncia que
fiz tudo isto por ordem de vossa serena majestade e de todo o império romano.
Grande Deus, que estupenda ocasião serviria para encobrir a malícia e a
tirania!
-A terceira categoria é a constituída pelos livros que escrevi
para certas pessoas particulares, empenhadas em amparar a tirania romana e em
destruir meus ensinamentos sobre a fé. Confesso que contra esta gente tenho me
comportado mais duramente do que convém a um homem que tem professado a uma
religião. Tenho que acrescentar que não me considero um santo; não se trata
aqui de discutir sobre minha vida, mas sobre o que se ensina sobre Jesus
Cristo. Menos ainda que os anteriores me está permitido retratar
estes escritos, porque, se o fizesse, serviria de reivindicação para que a
tirania e a impiedade reinassem e se desencadeassem contra o povo de Deus com
maior violência que antes. Considerando que sou homem e não Deus, não me é
lícito defender meus escritos mas a maneira em que Jesus Cristo meu Senhor
defendeu seus ensinamentos diante de Anás quando este lhe interrogava e um
soldado lhe deu uma bofetada: “Se tem falado mal, lhe digo, mostre- me em que”. Se
o próprio Senhor, que tinha certeza de sua inerrância, não se recusou ao menos
escutar a contestação de seu ensinamento, ainda que fosse por parte do mais
humilde dos soldados, com quanta maior razão eu, escória da plebe,
constantemente exposto ao erro, devo desejar suplicar que se conteste minha
doutrina. Por este motivo, rogo a vossa serena majestade, a vós outros,
ilustres senhores e a todos os que possam fazê-lo, tanto o maior como o menor,
pela misericórdia de Deus, que me provem e me convençam de meus erros, que se
refute a base dos escritos proféticos e evangélicos. Se concluir-se que devo instruir-me melhor, nada melhor
disposto que eu retratar qualquer erro, seja o que for, eu seria o primeiro a
lançar meus escritos nas chamas. O que acabo de dizer evidencia que tenho
considerado e ponderado suficientemente as urgências, perigos, inquietudes e
dissenções que surgiram no mundo por ocasião de meus ensinamentos, como me censurou
ontem com energia e gravidade. O que mais me alegra em tudo isto é contrastar
que por causa da palavra de Deus nascem paixões e dissenções, porque este é o
caminho, a maneira e o acontecimento que segue a palavra de Deus sobre a terra
conforme a afirmação de Cristo: “Não vim para trazer paz, digo, mas a guerra;
eu vim para separar o filho do pai, etc.” É necessário que nos despertemos para
o quão admirável e terrível é nosso Deus em seus juízos, para que o anseio de
apaziguar os distúrbios não comece por rejeitar a palavra de Deus, nem venha a
ser que este intento nos atraia um dilúvio de desgraças insuportáveis. Devemos
vigiar para que o reinado de nosso jovem e privilegiado príncipe Carlos (em
quem, depois de Deus, se depositam tão grandes esperanças) não seja desgraçado
e se inaugure com auspícios funestos. Poderia respaldar tudo isto com numerosos
exemplos das Escrituras Sagradas que se referem ao Faraó, ao rei de Babilônia e
aos reis de Israel, personagens que conheceram os maiores desastres
precisamente quando seus sábios desígnios se ordenavam a estabelecer a paz e
afirmar seus reinados. “Porque é ele quem surpreende aos sábios em sua
sabedoria e transporta as montanhas sem que se apercebam disso”. É preciso,
pois, temer a Deus. Se falo estas coisas, não é porque creio que em elevadas
cúpulas tenham necessidade de meus ensinamentos e advertências, mas não posso
subtrair da minha Alemanha o serviço a que estou obrigado. E com estas palavras
me recomendo a vossa serena majestade e a vossos senhores, suplicando humildemente
que não permitam que as paixões de meus adversários me façam injustamente
detestável diante de vós. Eu disse. (Depois que eu falei desta forma, o arauto
imperial me quis repreender com dureza. Disse que não me havia inserido no
assunto e que não era possível voltar a discutir ponto que já haviam sido
condenados e definidos pelos concílios. Me obrigou então uma resposta simples e
sem sutilezas; “Queria retratar-me ou não?” Tenho aqui o que então respondi).
Posto que vossa graciosa majestade e vossos senhores me pedem uma resposta,
então a darei “sem chifres ou dentes”. A menos que se me convença por testemunho
da Escritura ou por razões evidentes – posto que
não creio no papa nem nos concílios somente, já que está claro que eles têm se
equivocado com frequência e tem se contradito entre eles mesmos (grifos nosso: onde e quando exatamente acnteceram estes equívocos?), estou acorrentado pelos textos escriturísticos que tenho
citado e minha consciência é uma escrava da palavra de Deus. Não posso nem
quero retratar-me em nada, porque não é seguro nem honesto atuar contra a própria
consciência.
Que Deus me ajude! Amém.
23)-
RELATOS SOBRE LUTERO NA DIETA DE WORMS
O funcionário de Treveris declarou diante do concílio
Martinho Lutero, a sua Majestade, sagrada e vitoriosa [sacra et invicta],
aconselhado por todos os estados do Santo Império Romano, ordena que compareça
aqui, ante o trono de sua majestade para que os retrate e retire, de acorda com
a força, a forma, o significado da citação-mandato decretada contra você por
sua majestade e que foi legalmente comunicada, os livros, tanto em latim como
em alemão que foram publicados e esparramados por todas as partes com o seu
conteúdo; portanto, eu, em nome da sua majestade imperial e dos príncipes do
Império te pergunto:
-Primeiro, confessa que estes livros expostos ante a sua
presença (e os mostrou uma porção dos livros expostos em latim e em alemão) e
que agora nomeamos um por um, que circulou com o teu nome na capa, são teus e
reconhece que te pertencem?
-Segundo, você deseja
se retratar e retirar o seu conteúdo, ou é sua intenção persistir e
reafirmá-los?
Após Aleander ler os títulos e feito relato resumido de seu
conteúdo, cedeu a resposta a Lutero que respondeu:
Ao que respondo tão breve e
corretamente como me é possível. Não posso negar que os livros são meus, e
jamais renegarei a nenhum deles: são todos de minha produção; e, também escrevi
outros que não foram mencionados. Mas quanto ao que segue, que reafirme todos nos mesmos
termos, ou que me retrate do que pronunciar que sobressaia à autoridade da
Escritura, porque o assunto envolve uma questão de fé e da salvação das almas,
e no que concerne à Palavra de Deus, que é a coisa mais importante no céu ou na
terra, em que todos devemos reverência, seria
perigoso e precipitado que eu fazendo uma declaração não premeditada, porque no
discurso não refletido é possível que se diga algo menos que o que se faz, e
algo além do que é a verdade; além disso, recordo a declaração de Cristo quando disse:
“qualquer um que me negar diante dos homens, eu o negarei diante do meu Pai que
está nos céus e diante dos seus anjos.” Por estas razões suplico, com todo
respeito, que vossa majestade imperial me conceda tempo para deliberar, a fim
de que possa responder à pergunta sem prejudicar a Palavra de Deus, e sem perigo
para minha própria alma. Uma avaliação da exclusão de Lutero pode ser feita na
carta do espanhol Alfonso de Valdés, secretário do imperador: Ali se tem, como
alguns imaginam, o fim da tragédia. Mas estou persuadido de que não é o fim,
senão o começo. Porque percebo que a
mentalidade dos alemães está terrivelmente exasperada contra a Sé Romana e, não
parecem dar importância aos editos do imperador; porque desde que foram
publicados os livros de Lutero são vendidos impunemente em cada canto e esquina
das ruas e nos mercados. Por esta causa podes adivinhar facilmente o que sucederá
quando o imperador se ausentar. Este mal poderia ter se curado com grande
vantagem para o Cristianismo se o Papa não tivesse se negado a convocar um
concílio geral, se houvesse preferido o bem estar público, antes que os seus
próprios interesses particulares; mas, enquanto ele insiste em que Lutero deve
ser condenado e queimado, eu percebo que a totalidade da cristandade corre para
a destruição, a menos que o próprio Deus nos ajude.
BIBLIOGRAFIA:
-Denzinger & Petrus Hünermann,
Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral - (São Paulo,
Editora Paulinas e Edições Loyola, 2006.
-Matthew Barrett, ed., Teologia da
Reforma (Rio de Janeiro, Thomas Nelson Brasil, 2017).
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