Em 21 de setembro de 2010, com a Carta Apostólica Ubicumque et semper, o
Papa Bento XVI criou um novo Organismo na Cúria Romana para assisti-lo em sua
missão: o Pontifício Conselho para promover a Nova Evangelização. A preocupação
pela “nova evangelização” já não é tão nova; mas ela apareceu mais claramente
na 4ª. Conferência Geral do Episcopado Latino Americano, em Santo Domingo
(1992). Lá, foi tema central da Conferência, por iniciativa do papa João Paulo
II. Em seguida, a mesma questão esteve presente nas assembléias Continentais do
Sínodo dos Bispos, em preparação ao Grande Jubileu do início do 3º milênio
cristão. A decisão do Papa, de criar um Pontifício Conselho para promover,
especificamente, a nova evangelização em toda a Igreja é certamente muito
significativa. O Papa dá a entender a todos que este é um propósito seu, e
deverá ser uma atitude da Igreja em todo o mundo, para responder aos desafios
postos pela atual “mudança de época” na história da humanidade. Não podemos
perder esta ocasião, se não queremos que a Boa Nova do Evangelho fique excluída
da vida do povo – dos povos – e da nova cultura que está sendo gerada por
muitos fatores. O novo Pontifício Conselho é especialmente importante para a
Europa, onde o Catolicismo foi historicamente muito importante e marcou a vida
e a cultura daqueles povos, mas hoje enfrenta grandes dificuldades.
O conceito
de “nova evangelização” poderia ser mal entendido e mal aplicado na Igreja?
De fato,
não se trata de desconsiderar o trabalho evangelizador já feito pelas gerações
que nos precederam, ao longo dos séculos. Trata-se, ao invés disso, de
valorizar “de novo”, aquilo que elas já fizeram e que, talvez, deixou de ser
feito em muitos lugares. Estamos, claramente, diante de um déficit de
evangelização em nossos dias. Por outro lado, tempos novos requerem anúncio
novo do Evangelho, novas sínteses culturais e o recurso a novas metodologias
para evangelizar. O fato é que não podemos considerar a evangelização, onde ela
já foi feita, um fato consumado de uma vez por todas; a bem da verdade, cada
geração necessita ser evangelizada novamente e até mais de uma vez ao longo da
vida! Tanto mais, se considerarmos que, atualmente, a passagem da fé, da
“herança apostólica” e da vida eclesial não acontece mais de forma automática.
Há uma ruptura na corrente de transmissão da fé. Quanta dificuldade representa,
para os pais, a evangelização dos filhos! E quantos pais católicos,
lamentavelmente, já não consideram mais ser sua missão evangelizar os filhos!
Eis, pois, como é necessária uma “nova evangelização”!
A mesma preocupação aparece também no tema da 13ª Assembleia Geral
Ordinária do Sínodo dos Bispos, em 2012, cuja preparação já começou: “A nova
evangelização e a transmissão da fé cristã”. Hoje, de fato, tornou-se crucial
para a Igreja e o futuro do Cristianismo que a fé, a “herança apostólica”
enriquecida por 20 séculos de testemunho cristão, continue sendo transmitida às
novas gerações e produza frutos para a vida do mundo. Como surgiu a ideia de
uma "nova evangelização"? Como se poderá concretizar em relação às
demais atividades da Igreja? Não corre o risco de se tornar mais um slogan ou
lugar-comum, encobrindo as mais diversas iniciativas e práticas pastorais?
“Nova Evangelização” (NE) designa “um projeto pastoral” preciso e original, nascido do Concílio do Vaticano II, em continuidade com a Constituição sobre a Igreja, a Lumen Gentium, sobre a Revelação, a Dei Verbum e sobre a Igreja no mundo moderno, a Gaudium et Spes. Essas três Constituições formam um tripé. A NE reconhece a prioridade da Palavra de Deus, o Verbo, ouvida na fé, de que a Igreja é a expressão histórica, como dom para o mundo, que é chamada a evangelizar.
Em fins dos anos setenta, sentia-se fortemente a necessidade de encontrar novos rumos, que unificassem em profundidade a ação de toda a Igreja. Tendo o Cardeal Albino Luciani, eleito papa com o nome de João Paulo I, sobrevivido apenas alguns dias, foi eleito para sucedê-lo o Cardeal Karol Wojtyla, com o nome de João Paulo II. Inaugura-se, em 1978, um dos mais longos pontificados da história, 27 anos. Não se põe em dúvida a fidelidade do novo papa ao Vaticano II, mas foi também evidente sua desconfiança em relação às novidades teológicas e pastorais surgidas no pós-concílio, e sua inclinação a se deixar guiar pela tradição milenar da Igreja, o que levou alguns autores mais afeitos às novidades a denunciar, na Igreja, uma alegada “volta à antiga disciplina”. Todavia ninguém contesta o carisma do vigoroso papa de 58 anos. Sua atuação é decididamente voltada para o futuro. Tem a convicção de que se deve empenhar a fundo na realização do projeto do Vaticano II em continuidade com a Tradição e enfrenta positivamente os problemas, não só da Igreja, mas de todo o mundo contemporâneo.
Nessa perspectiva, propõe uma retomada da Igreja a partir de suas origens sobrenaturais, uma “nova evangelização”. Menciona o termo, a primeira vez, na sua visita inicial à sua terra natal, em 1979 e o universaliza, por assim dizer, no discurso pronunciado na assembleia do CELAM, em Porto-Príncipe, em 1983. Não que tenha uma ideia exata do que significa essa “nova evangelização”. Não se tratava de uma teoria, uma visão clara do que fazer. Era uma direção a ser seguida pela Igreja. Intuição de pastor, que precisava determinar um rumo, para dar novo impulso à missão evangelizadora. Evangelização, dizia o Papa, nova, por “um novo ardor, novos métodos e novas experiências”. Era uma espécie de palavra profética, legada como um desafio a ser explorado tanto em seus fundamentos teóricos como em suas aplicações pastorais.
A “natureza” da Nova Evangelização
Um dos primeiros, e talvez o principal fruto da 13ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, em outubro de 2012, sobre A Nova Evangelização para a transmissão da fé cristã, é a análise do conceito de nova evangelização. Desde os Lineamenta e através de todo o Instrumentum Laboris, nota-se a preocupação, senão de definir no sentido estrito, pelo menos de caracterizar o que entender por Nova Evangelização. Ora, a resposta se encontra nos primeiros seis parágrafos da Mensagem ao povo de Deus, do dia 26 de outubro e nas nove Proposições, da 4ª à 12ª, que compõem o primeiro parágrafo do documento publicado oficiosamente em inglês, intitulado Natureza da Nova Evangelização.
“Os Padres Sinodais reconhecem o ensinamento do Vaticano II como instrumento vital para a transmissão da fé, no contexto da Nova Evangelização”, conclui o primeiro parágrafo das proposições (Proposição 12).
Declaração que vai muito mais longe do que aparenta à primeira vista. Implica o reconhecimento, por parte da assembleia sinodal, de que a NE está em continuidade com a renovação operada pelo Vaticano II. Por trás desse reconhecimento, está a interpretação de que o impulso renovador do Vaticano II tem sua origem não na Igreja nem no mundo, mas no acolhimento da Palavra, no ato de crer. Foi a resposta que já se havia dado no Catecismo da Igreja Católica, determinado pela Assembleia Extraordinária do Sínodo de 1985. O Catecismo, para ser fiel ao Vaticano II, optou pela apresentação das verdades da fé não em si mesmas, em função unicamente de seu conteúdo, como se fizera em 1566, no Catecismo Tridentino, mas pela sua apresentação na dupla perspectiva do desígnio de Deus e do ato livre de crer.
Por essa razão criou-se, em cada parte, uma primeira sessão, que coloca
em perspectiva a transmissão das verdades da fé nas quatro partes clássicas do
Catecismo: o Creio-Cremos, o ato de crer, na primeira parte, o mistério da
economia sacramental na segunda, a vida no Espírito, para a prática dos
mandamentos, e o sentido da oração na vida cristã, para a última parte.
Como o Catecismo, há vinte anos, a NE está em perfeita continuidade com
o Vaticano II. O primeiro parágrafo das Proposições parte das origens
trinitárias da Igreja, que é participação na vida da Trindade, “fonte da Nova
Evangelização” (Proposição 4), tal como o proclamou o Concílio, ao reconhecer a
Igreja como “sacramento da unidade de Deus e de toda a humanidade” (LG, 1), ou
seja, “o povo unido pela unidade mesma do Pai, do Filho e do Espírito Santo”
(LGI, 4), como já o dissera Cipriano de Cartago (†258).
Duas consequências maiores decorrem desse primeiro princípio: “o primado da graça de Deus” e a universalidade da salvação. Longe de ser uma atividade de propagação da religião católica, de proselitismo, a NE é chamada a estar presente em todas as culturas (Proposição, 5) como “proclamação do Evangelho (Proposição, 6), correspondendo ao “caráter missionário permanente e universal” da Igreja (Proposição, 7). Consiste, portanto, em “testemunhar o Evangelho no mundo secularizado em que vivemos” (Proposição, 8), a partir do “primeiro anúncio proeminente e explícito da salvação” (Proposição, 9), que é “obrigação de todo cristão e, ao mesmo tempo, direito inalienável de cada pessoa de conhecer Jesus Cristo e o Evangelho” (Proposição, 10), o que está inseparavelmente ligado com “a familiaridade com a Escritura, a Palavra de Deus” (Proposição, 11). Paralelamente, na sua Mensagem ao mundo, os Padres sinodais partem do encontro pessoal com Jesus, vivido pela samaritana (Mensagem, 1), para o qual convidam “todos os homens e mulheres do nosso tempo” (Mensagem, 2), pois esse encontro é a experiência fundamental da vida cristã em Igreja (Mensagem, 3), a ser alimentada pela leitura frequente das Escrituras (Mensagem, 4). Somos assim levados a nos converter, a nos deixar evangelizar (Mensagem, 5), consolidando nossa adesão a Deus, por Jesus Cristo e nos tornando capazes de transmiti-la em todas as circunstâncias e ocasiões de nossa vida (Mensagem, 6).
Fundamentos e prática da Nova Evangelização
Tanto a Mensagem quanto as Proposições se estendem em seguida a uma
série de considerações de ordem prática e pastoral a serem levadas em conta na
aplicação concreta do projeto neoevangelizador. O trabalho de sistematização é
deixado ao Santo Padre, que deverá retomar os elementos propostos pela
assembleia na esperada Exortação Apostólica.
Alguns eixos fundamentais, porém, podem ser confirmados desde já, a
partir de toda a literatura sobre a NE, a começar pelo que escreveu e falou
Bento XVI, em particular na proclamação do Ano da Fé; no ciclo de catequeses
sobre a fé, que inaugurou este ano; na sua quarta encíclica sobre a fé,
anunciada para a Páscoa de 2013 e nas muitas ocasiões que têm suscitado o
aprofundamento da reflexão sobre o tema.
Não há dúvida de que na base da NE está o encontro pessoal com Cristo,
como experiência fundamental, a marcar todo o quadro de nossa vida cotidiana.
Somos todos chamados a viver sempre e em todas as circunstâncias, como amigos
de Jesus e a fazer dessa amizade pessoal o clima de nossa existência.
Não sendo o cristianismo nem apenas uma filosofia de vida, nem, muito menos, uma pura moral, mas uma amizade pessoal com Jesus e com cada uma das Pessoas da Trindade, a fé é, antes de tudo, o laço pessoal de adesão a Deus e à sua Palavra, no Espírito. O ato de crer, em virtude de ser dom pessoal de Deus e ato de liberdade, tem prioridade sobre o conteúdo da fé, constituído pelas expressões referentes à vivência da relação pessoal que as sustenta. Nos termos do Catecismo (nº 150), “a fé é antes de tudo adesão pessoal a Deus e, inseparavelmente, mas em segundo lugar, livre acolhimento da totalidade da verdade revelada por Deus”.
FÉ COMO Dom
de Deus -
Ao promulgar o Ano da Fé, Bento XVI nos convida “a compreender de maneira mais profunda os conteúdos da fé e, juntamente com eles, também o ato pelo qual decidimos, com plena liberdade, entregar-nos totalmente a Deus” (Porta fidei, 10). É preciso, portanto, distingui-los, mas para uni-los. “Existe, de fato, uma unidade profunda entre o ato com que se crê e os conteúdos a que damos o nosso assentimento. O apóstolo Paulo permite adentrar esta realidade quando escreve: «Acredita-se com o coração e, com a boca faz-se a profissão de fé» (Rm 10, 10). O coração indica que o primeiro ato, pelo qual se chega à fé, é dom de Deus, ação da graça que age e transforma a pessoa até ao mais íntimo dela mesma” (Ib.) O fundamento da NE é, então, o ato de crer, que é dom de Deus, despertado pelo encontro pessoal com Jesus, que os discípulos são chamados a preparar – como Felipe e André encaminharam os gregos de que fala João, que queriam ver Jesus (12, 22). A função do primeiro anúncio é de facilitar esse encontro, por isso, a sua importância central na NE. Na verdade, o “primeiro anúncio” não se limita ao querigma inicial, que deixaria de ser ativo quando começa a catequese. Toda a formação cristã deve ser constantemente animada pelo despertar do ato de crer, sem o qual o conteúdo da fé não se sustenta, devido à unidade profunda que existe na fé entre o ato de crer e o conteúdo das verdades reveladas. A NE não é, portanto, uma tarefa específica, nem um momento determinado da transmissão da fé, mas a alma que mantém viva a catequese, o espírito em que a Palavra é efetivamente acolhida, o clima em que a Palavra de Deus deve ser sempre, na Igreja, proclamada e ensinada.
Fonte: adaptado de Aletéia
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