Golpe? Que golpe? Onde estava o comandante? Onde estavam as tropas, onde estavam as pessoas armadas? Se faltaram todos esses elementos, não pode ser caracterizado como golpe, mas um ato isolado e pontual de puro VANDALISMO! Simples assim!
O EX PRESIDENTE BOLSONARO AFIRMOU:
“Olha só, isso está sendo investigado...o Ives Gandra falou
sobre isso, que aquilo teria sido uma resposta a alunos da Escola do Comando e
Estado Maior do Exército em 2017. Agora vocês podiam pedir pro senhor Alexandre
de Moraes… que a VEJA publicou ali um furo de reportagem a parte executória,
né? do que seria a GLO ou o artigo 142, ou estado de defesa, não sei. Que
publique todo esse papel, que não é documento. O estado de defesa só chegaria aqui no Congresso depois de o
presidente da República ouvir o Conselho da Defesa e o Conselho da República e
decidir. Agora, falar em golpe, com todo o respeito, com respaldo na
Constituição, isso não existe! Golpe é ao arrepio de tudo”, comentou o ex-presidente.
Bolsonaro então disse que:
"nunca se viu golpe num domingo e sem armas... estão
querendo dar ares de golpe ao 8 de Janeiro. Houve atos de vandalismo e
depredação, que são abomináveis, ninguém concorda com isso, mas tomada de
poder, isso não existe!”, comentou.
Na sequência, Bolsonaro citou declarações do atual ministro da Defesa,
José Múcio Monteiro, escolhido para o posto pelo presidente Lula!
Na segunda-feira, o chefe das Forças Armadas (de Lula) disse em uma live que: "não houve um grande líder que mandou as pessoas cometerem os atos do 8 de Janeiro. Mais ainda, ele disse, e é uma pessoa bem informada, o José Múcio, de que quem praticou esses atos de vandalismo não foram as pessoas do acampamento. Quem são as pessoas do acampamento, no Brasil todo? Eram pessoas de idade, chefes de família, com a bandeira nas costas e uma Bíblia na mão. Elas estavam orando 24 horas por dia. Então, acho que não tem o que falar. Eu lamento, ainda tem mais de 200 pessoas presas”, declarou Bolsonaro.
“Há poucos dias, há poucas semanas, eu conversei com uma pessoa do meu condomínio e ele falou que estava tomando conta dos seus filhos sozinho. Eu falei: ‘Ficou viúvo?’. ‘Não, minha esposa está presa’. Não tem cabimento essas prisões. Não tem cabimento o julgamento dessas pessoas serem julgadas na última instância. Têm que ser julgadas na primeira instância! Cadê o devido processo legal? Ou vivemos numa democracia ou não vivemos”, relatou o ex-presidente. Ele então disse ter três assessores presos — desde 3 de maio, pelo caso da fraude em cartões de vacina — e que não cabe e nem se justifica a prisão preventiva para esses casos: o capitão do Exército Sérgio Cordeiro, o ex-sargento do Bope da PM do Rio Max Cordeiro e o próprio tenente-coronel Mauro Cid, que segundo Bolsonaro “só poderia ser preso numa circunstância diferente daquela que ocorreu, em flagrante, por ser oficial do Exército.
“Você pode ver, não se justifica a prisão preventiva deles, eles
não podem destruir provas, não podem interferir no processo. Então aos três não
justifica isso! E nós estamos aqui aceitando que se passe por cima do devido
processo legal? Ou temos uma democracia ou não temos! Ontem, a visita do pai do
coronel Cid, que é um general da minha turma, não pode visitar o filho. A
esposa do Max não pode visitá-lo porque não está vacinada. Pelo que eu sei, o
passaporte vacinal não é cobrado mais em lugar nenhum do Brasil, pelo que eu
sei, pode ser que em algum lugar específico… E o local onde não morreu quase
ninguém por Covid foi presídio”, concluiu.
General Heleno diz que 8/1 não foi tentativa de golpe, o que
exigiria líder e planejamento
Cézar Feitoza - Brasília
O general Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), afirmou que os ataques às sedes dos três Poderes em 8 de janeiro não foram uma tentativa de golpe contra a democracia. Ele disse à CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do Distrito Federal que não havia planejamento nem líder —em esforço para blindar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
"Um golpe, para ter sucesso, precisa ter líderes, um líder
principal, que esteja disposto a assumir esse papel. Não é uma atitude simples,
considerando o tamanho do Brasil. Esse termo ‘golpe’ está sendo usado com
extrema vulgaridade, e não é simples avaliar que uma manifestação possa
caracterizar um golpe", disse Heleno.
O ex-ministro ainda disse que um golpe coordenado poderia ter sido bem-sucedido !
"Ele teria condições de acontecer se tivesse sido planejado.
Isso é no mundo inteiro, verificamos no mundo inteiro, às vezes acontece essa
história. Mas é um processo que não é assim, sair para rua e dar um golpe,
ainda mais em um país como o Brasil", disse Heleno após negar que tivesse
atuado na articulação dos acampamentos golpistas em frente aos
quartéis-generais.
Augusto Heleno prestou depoimento para esclarecer a atuação do GSI diante dos acampamentos. O general disse que:
"Só conheceu as manifestações por fotografia e que elas pareciam sadias, onde se fazia muitas orações. Eu acho que o acampamento foi uma atividade que durou muito tempo, sem nenhum acontecimento de maiores consequências ruins e foi uma experiência nova em termos de manifestação política ordeira e disciplinada, que deve ter acrescentado algumas coisas nos movimentos políticos brasileiros", disse o ex-ministro.
Heleno ainda negou que o fato de Bolsonaro ter criticado (pontualmente) a Justiça Eleitoral, as urnas eletrônicas e não ter reconhecido o resultado das eleições, tenha inflado diretamente manifestações golpistas de seus apoiadores. Ele disse que:
"O ex-presidente sinalizou que respeitaria o resultado eleitoral ao afirmar, após debate eleitoral no segundo turno, que "quem tiver mais votos leva". E afirmou que não caberia a ele nem ao Exército, após os ataques de dezembro, dar declarações confirmando a posse do presidente eleito Lula (PT) tomaria posse. Na história do Brasil está muito nítido que o Exército sempre se pautou pela legalidade, democracia e por esses princípios democráticos. Isso não tinha razão para ser dito, disse. Eu, como ministro, não podia passar por cima do presidente e fazer algo que seria da competência dele".
Heleno isentou o general Gonçalves Dias, que o sucedeu na chefia
do GSI, dos ataques de 8 de janeiro !
Ele afirmou que não é possível se tornar um "expert" da pasta em pouco tempo. "É natural, essas mudanças de funções geram isso", completou. Ele também se negou a comentar a atuação do major José Eduardo Natale, que entregou água para os manifestantes que estavam próximos ao gabinete presidencial durante os ataques. O ex-ministro se explicou ao ser questionado pelo deputado distrital Fábio Felix (PSOL) sobre a interação que teve com um apoiador de Bolsonaro na saída do Palácio da Alvorada em 19 de dezembro. Na ocasião, Heleno foi questionado se "bandido não sobe a rampa" — grito de ordem adotado por bolsonaristas radicais que acamparam na frente do QG do Exército. O então ministro respondeu que "não".
"Não tinha nome na pergunta, e eu continuo achando que ladrão não sobe a rampa! Continuo achando isso, não tinha nome na pergunta, disse Heleno à CPI...As narrativas é que são fantasiosas", afirmou.
Os deputados distritais também questionaram Heleno sobre a minuta de decreto encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres que sugeria um golpe de Bolsonaro contra o TSE. O general respondeu que:
"Não participei de reuniões com o ex-presidente sobre o assunto. É um documento apócrifo que fazia algumas conjecturas que nunca foram consideradas, porque era um documento sem credibilidade, sem construção que pudesse ser respeitada e colocada em execução", disse.
Colunista Augusto de Franco: “8 de janeiro - atentado
golpista à democracia, não golpe de Estado”
O que foi o 8 de janeiro de 2023 em Brasília? Certamente foi um atentado à democracia praticado por bolsonaristas, mas não golpe de Estado, nem terrorismo. Vejamos por quê. Antes de qualquer coisa é preciso perceber que toda essa conversa sobre o 8 de janeiro está servindo de combustível para manter e escalar a polarização política por parte dos dois populismos em disputa. Da parte do lulopetismo, para dizer que foi vítima de um terceiro golpe de Estado (o primeiro teria sido o impeachment de Dilma e o segundo a prisão de Lula). Da parte do bolsonarismo, para dizer que foram esquerdistas infiltrados que fizeram a baderna, com a conivência (planejada) de funcionários do novo governo.
É tudo falso como uma nota de 13 ou de 22 reais!
Bolsonaro talvez queria, mas não conseguiu, dar um golpe de Estado em "termos tradicionais", nem quando estava no governo, nem depois que saiu. Por que? Porque não tinha força político-militar para tanto. Ponto. Uma turbamulta de bolsonaristas, sem qualquer experiência política (e militar), cometeu vandalismo e outros crimes ao invadir as sedes dos três poderes com propósitos golpistas. Mas o que fizeram dificilmente levaria a um golpe de Estado. Foi mais um cosplay do 6 de janeiro americano, jocosamente chamado de “capimtólio”.
Os bolsonaristas invadiram prédios públicos vazios num domingo, desarmados e sem qualquer estratégia de tomada de poder. Mesmo que não fossem reprimidos (como o foram, tardiamente), fariam o quê depois de depredar? E mesmo que acampassem nas sedes dos três poderes legítimos, isso não impediria o governo eleito de continuar funcionando em outras instalações. A menos que estivesse em curso uma armação com setores dos comandos das forças armadas para entrar em campo em seguida, enviando tanques e tropas para ocupar as instituições, empastelar a imprensa, prender juízes, parlamentares e executivos. Ao que tudo indica, embora houvesse o desejo, não havia tal combinação, nem mesmo o embrião de uma armação desse tipo. Como Bolsonaro não estava mais no governo, seria necessário que um governo provisório se impusesse, decretando e fazendo cumprir medidas no lugar (e à revelia) das instituições governamentais, legislativas e judiciárias.
“Seria
necessário que executassem prisões, fechassem estradas, portos e aeroportos,
tomassem rádios e TVs para transmitir seus atos institucionais etc. Nada disso
existiu!”
Os vândalos não praticaram qualquer ato tipicamente terrorista (talvez com exceção da tentativa de explosão de um caminhão de combustível, que não se consumou). Houve danos à propriedade pública, mas não houve nenhuma explosão, nenhuma morte ou atentado grave à vida e à liberdade de pessoas ou coletividades. Claro que os vândalos golpistas devem ser processados na forma da lei (como estão sendo). O que fizeram foi crime, que não pode ficar sem punição. Mas ninguém será condenado por terrorismo, porque a lei brasileira não permite e porque não foi mesmo! Dito isso, imaginemos o que seria necessário para dar um golpe de Estado de caráter fascistoide no Brasil, estando fora do governo – e no dia 8 de janeiro Bolsonaro não estava mais no governo (e sim Lula), ao contrário do 6 de janeiro americano (em que Trump ainda governava, Biden só tomou posse no dia 20 de janeiro).
Claro que "as considerações abaixo são de caráter necessariamente
especulativo, feitas por comparação" ao que costuma ocorrer em golpes de Estado
perpetrados por forças fascistoides em circunstâncias semelhantes:
-Em
primeiro lugar, nem se poderia começar a pensar nisso (num golpe de Estado à
moda antiga) na ausência de uma articulação com setores das forças armadas que
comandam tropas.
-Em
segundo lugar, quem quisesse fazer isso deveria provocar atos disruptivos que
pudessem justificar (aos olhos da opinião pública) a intervenção de setores
articulados das forças armadas em nome do restabelecimento da ordem. O
movimento, como mostra a experiência de atos semelhantes desferidos pela
extrema-direita, seria para estabelecer uma nova ordem e livrar o país do caos,
da corrupção, dos inimigos da família, da pátria e de deus.
-Não,
não bastaria invadir prédios públicos vazios, num domingo, com legiões de
tiazinhas do zap e aposentados do pavê, aloprados e inexperientes do ponto de
vista político e militar, desarmados e despreparados para o confronto. Seria
preciso causar comoção na opinião pública, por exemplo, com explosão de pontes,
torres de energia, portos e aeroportos e reservatórios de abastecimento de
água. Isso deveria ser precedido por uma paralisação de categorias essenciais
para o abastecimento de alimentos e outros insumos fundamentais para o
funcionamento das cidades (como, por exemplo, os caminhoneiros).
-Barricadas
nas vias urbanas também seriam necessárias, sobretudo para evitar ou dificultar
deslocamentos das forças leais ao governo e capilarizar a comoção social.
Poderiam estar presente nessas barricadas – para aumentar a legitimidade do
movimento – o próprio pessoal simpatizante que mora nos prédios contíguos, com
suas famílias mesmo, com homens, mulheres, crianças e idosos, portando
bandeiras do Brasil e entoando cantos patrióticos. Elementos de milícias
(armados) deveriam estar presentes no meio desses moradores. É óbvio que uma
articulação com as milícias já existentes deveria pre-existir e também com
elementos simpáticos (armados, por exemplo dos clubes de tiro).
-Isso
deveria estar articulado com grupos paramilitares táticos, armados e preparados
para escaramuças de sorte a praticar atos de intimidação e terrorismo. Aqui
também seria essencial uma articulação com setores das forças policiais
militares prontos para organizar sublevações e motins nos quarteis e para dar
guarida aos agentes da nova ordem.
-Algumas
prisões deveriam ser efetuadas logo no início do movimento, como as de
ministros de tribunais superiores, de presidentes das casas legislativas e
outros líderes parlamentares que não aderissem, dos dirigentes dos partidos
governistas e dos jornalistas pró-governo. Uma black list sempre aparece nessas
horas (mas só porque foi cuidadosamente preparada com antecedência).
-Deveria
estar redigida já a constituição de um governo provisório (tendo ou não na sua
chefia o antigo titular, Bolsonaro, no caso, sob a justificativa de que as
eleições foram fraudadas): e aqui, sim, faria sentido – mas não isoladamente –
algo como a minuta encontrada no armário do ex-ministro da Justiça, Anderson
Torres, ora preso, que previa a decretação de um Estado de Defesa no prédio do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na ausência de outros fatores, uma minuta
desse tipo não passaria em nenhum lugar (nem no parlamento, nem nos tribunais),
mesmo com Bolsonaro ainda no governo – o que não foi o caso. Teria de ser
imposta pela força. E, portanto, deveria haver força político-militar para
tanto. Vai e volta e tudo se resume nisso.
-Além
disso, deveria haver uma declaração oficial das forças sublevadas para ser lida
pelas principais redes de rádio e TV (que seriam tomadas por grupos táticos).
-Também
deveriam estar prontos (ou pelo menos esboçados) uma série de atos
institucionais para serem impostos ao Congresso Nacional ou, no impedimento da
reunião de seus membros eleitos, por uma assembléia constituída com elementos
do movimento insurgente (com os parlamentares que aderissem ao movimento), na
própria sede do Congresso Nacional (e isto, sim, justificaria a sua ocupação
por manifestantes).
-E tudo
isso seria só o início de um golpe de Estado (à moda antiga) de verdade. Se
houvesse resistência de forças leais ao legítimo governo, seria instalada uma
dualidade de poder. E aí as ações poderiam tomar outro caráter, de guerra civil
aberta.
Nada disso acima aconteceu!
Não porque não houvesse vontade dos golpistas de que acontecesse (na hipótese de eles saberem o que fazer para desfechar um golpe de Estado à moda antiga estando já fora do governo). E sim porque não havia condições objetivas para que acontecesse (nem com Bolsonaro no governo, nem fora dele). O que aconteceu, entretanto, foi gravíssimo e exige as providências judiciais que, aliás, já estão sendo tomadas.No entanto, não precisaríamos entrar agora no debate fútil e estiolante de um golpe de Estado que não ocorreu e não poderia ter ocorrido. Essa CPMI do 8 de janeiro que está para ser instalada só convém aos dois populismos em disputa. Em vez de isolar a extrema-direita e de frear o avanço do antiliberalismo estrutural da esquerda, mantém a bipolarização dificultando o surgimento de uma oposição democrática.
JURISTA Dr Ives Gandra diz que “sua interpretação do artigo 142
foi profundamente distorcida”
O jurista e professor Dr Ives Gandra da Silva Martins afirma que a sua interpretação sobre o artigo 142 foi "profundamente distorcida" por pessoas que desejavam uma intervenção militar. O dispositivo tem a seguinte redação:
"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército
e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares,
organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do
presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos
poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da
ordem."
Em
artigo publicado em 2020 na revista eletrônica Consultor Jurídico, Ives Gandra
retomou a discussão sobre o artigo 142. Para ele, em casos excepcionais, em que
um poder esteja invadindo as competências de outro, as Forças Armadas podem ser
convocadas pelo órgão que estiver sofrendo a interferência, para garantia da
lei e da ordem.
"O que eu disse não tem nada a ver com a interpretação que
eles fizeram, do que acharam que eu tinha dito. Ninguém queria a interpretação correta do artigo 142. E fizeram uma
interpretação própria tentar defender isso [intervenção militar]. Mas eu estou
convencido de que há uma distância abissal entre o que eu disse e o que eles
interpretaram. O artigo 142 sempre foi muito
mal interpretado, e não é uma interpretação minha. A minha interpretação está
nos livros que eu escrevi", aponta Ives Gandra.
O advogado declara que nunca houve risco de golpe de Estado. Por ser professor emérito da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército há 34 anos, ele diz conhecer o pensamento dos generais e garante que os militares respeitam a Constituição e não embarcariam em aventuras. Dessa maneira, Ives Gandra entende que os ataques de 8 de janeiro não configuram uma tentativa de golpe. Embora bolsonaristas pudessem ter essa intenção, eles sabiam que não tinham o apoio dos militares, destaca o advogado. E "nenhum grupo desarmado no mundo inteiro dá golpe de Estado", ressalta. De acordo com ele, o governo Lula deve explicar por que não pediu auxílio às Forças Armadas, mesmo tendo informações de que haveria ataques em Brasília.Mesmo não tendo votado em Lula nas eleições de 2022 — ele declarou voto em Bolsonaro —, Ives Gandra torce para que o petista faça um bom governo. Para isso, opina que o presidente deve "deixar de ficar brigando com o passado" e aceitar que o Brasil deve passar por um período de austeridade para equilibrar as contas públicas. Na segunda parte da entrevista concedida à ConJur, Ives Gandra ainda minimizou a importância da minuta do "decreto do golpe", encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, e disse ser contrário instituição de quarentena para militares, magistrados e integrantes do Ministério Público entrarem na política.
Veja a
segunda parte da entrevista:
ConJur — Em
artigo publicado na ConJur após as eleições, o senhor afirmou que não haveria
golpe, mas ressaltou que o STF deveria respeitar a independência dos poderes. O
STF não agiu em defesa da democracia após os constantes ataques à Corte
promovidos pelo governo Bolsonaro e seus apoiadores?
Ives Gandra Martins — Desde agosto de 2022, eu vinha dizendo que não havia risco nenhum de golpe. Nunca houve. Para ter um golpe, seria preciso que as Forças Armadas estivessem dispostas a isso. Eu garantia — por ser professor emérito da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército há 34 anos, conhecendo o pensamento de mais de 90% dos generais brasileiros nesse período — que essa movimentação da direita era bobagem. Quando Lula, com uma pequena margem ganhou as eleições, no mesmo dia eu declarei em entrevista que não havia nenhum risco e que era bobagem as pessoas continuarem em frente aos quartéis, porque as Forças Armadas não dariam golpe. Os militares conhecem e respeitam a Constituição brasileira. O que aconteceu foi que, até 31 de dezembro, houve pressão sobre os militares para que eles fizessem alguma coisa, e a resposta foi um silêncio absoluto. Isso na época em que Bolsonaro ainda era presidente. Depois que Bolsonaro saiu, é evidente, as Forças Armadas não tomaram posição. E não teriam posição, já que teriam um chefe que não era favorável a isso [Lula]. Falei com Bolsonaro uma vez após ele perder a eleição. E ele nunca foi apoiador disso. Ele disse que iria respeitar os resultados. No dia 8 de janeiro, estava o povo desarmado, já que não havia tanques, não havia revólveres, não havia espingardas. Então pergunto o seguinte: como se dá um golpe de Estado assim? Foi um movimento deflagrado quando eles perceberam que o Exército não iria se movimentar nunca.A medida mais simples que o governo Lula deveria ter feito era ter pedido proteção ao governo do Distrito Federal. Veja o que aconteceu em São Paulo, em movimentos semelhantes. Colocaram força policial. Então começa uma gritaria e já para. Porque não se dá golpe com grito, se dá golpe com tanque. O governo federal estava evitando a criação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) porque, se há uma CPI, é preciso ver por que houve omissão, e onde está essa omissão. Em São Paulo, onde se pretendia fazer, não houve nada, porque o serviço de inteligência usou força militar. No Distrito Federal, apenas chamaram o ministro da Justiça [Flávio Dino] e o governador [Ibaneis Rocha] e deixaram por isso mesmo. Eles dispensaram reforço, não fortaleceram a segurança, não pediram ao Exército, como fez [o então presidente] Michel Temer quando invadiram o Congresso — os militares resolveram a situação com facilidade. Se o Exército tivesse sido alertado, tudo isso poderia ter sido evitado. Na prática, o Exército e a polícia que desocuparam, porque é isso que eles têm que fazer.Eu sempre disse que nunca houve risco de ruptura institucional no Brasil. O próprio general Tomás Ribeiro Paiva [comandante do Exército] me disse que "não interessa em quem nós votamos, nós somos as forças do Brasil". Então falar em golpe é um verdadeiro absurdo, porque eu nunca vi golpe sem armas.
ConJur — Como o senhor avalia,
juridicamente, a minuta do decreto para estabelecer estado de defesa no Tribunal
Superior Eleitoral, encontrada na casa de Anderson Torres, ex-ministro da
Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do DF?
Ives Gandra Martins — Esse papel que foi encontrado com o ex-secretário de Segurança do Distrito Federal instituía estado de defesa. O que é o estado de defesa? Está na Constituição. O que está na Constituição não é golpe. Aquele documento teria alguma viabilidade jurídica se fosse assinado, quando o Estado fizesse uma intervenção no Judiciário. Como se faz o estado de defesa? O presidente pede o estado de defesa, o Congresso é convocado para analisá-lo em até 24 horas. Se não validar, a medida é derrubada. Você acha que mais da metade do Senado iria apoiar aquilo? É evidente que não. Agora, o conteúdo desse documento é de tal ordem que não seria apoiado em nenhuma hipótese, porque o estado de defesa é implementado em caso de problema regional, ao contrário do estado de sítio, que serve para problema nacional, quando a democracia está sendo rompida. Então esse documento não teria validade nenhuma. Diversas coisas que são colocadas nos jornais não têm nenhuma relação com o aspecto jurídico. Falar em golpe, em grupos armados sem Forças Armadas é brincadeira (irresponsável, diga-se de passagem). É como dizer que um time de futebol da 25ª divisão do Acre pode ganhar da seleção argentina. São coisas inviáveis. As Forças Armadas dão total apoio ao governo, qualquer que fosse ele.
ConJur — Se o senhor diz que não foi
uma tentativa de golpe, como classifica os ataques às sedes dos três poderes em
Brasília em 8 de janeiro?
Ives Gandra Martins — O 8 de janeiro foi um movimento de pessoas que pensavam que poderiam mudar a história do Brasil, mas que sabiam desde o início que não daria certo, até porque ficaram dois meses tentando convencer as Forças Armadas a apoiá-las. É como se eu quisesse envenenar uma pessoa e, em vez de arsênico, eu lhe desse açúcar. Aquilo que se chama de crime impossível no Código Penal. Mesmo achando que deveriam fazer, na prática, a inviabilidade e a impossibilidade material se impuseram. Foi exatamente como aconteceu quando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o PT invadiram o Congresso Nacional na época de Temer. Claro que era um contingente menor, e Temer imediatamente declarou estado de emergência, mas na prática era isso.Em primeiro lugar, materialmente, quem examinava os fatos sabia que, se durante dois meses eles não conseguiram conversar com as Forças Armadas, não seria naquele momento que iriam conseguir. Em segundo lugar, eles não tinham Força Armada nenhuma para poder dar um golpe. Em terceiro lugar, nós sabemos que se o governo foi alertado, por que as Forças Armadas não foram defender? Afinal de contas, não são instalações do Distrito Federal, mas do governo federal. As Forças Armadas deveriam ter sido empregadas para isso, assim como o governo de São Paulo quando teve informação nesse sentido. Por essa razão que o governo não queria a CPI, porque terão que apresentar informações. Eu não vi nenhuma obscenidade. Apesar de as CPIs sempre serem cinematográficas, midiáticas, eu queria saber por que o governo federal, tendo as informações — porque tinham as informações —, não tomou nenhuma providência. Esse é o problema!
ConJur — A
responsabilidade pela segurança de Brasília não era do governo do Distrito
Federal?
Ives
Gandra Martins — O governo do Distrito Federal é o governo onde está o governo
federal. Eles têm que ter responsabilidade. Mas, na prática, os prédios têm
também polícia. Basta pedir reforço das Forças Armadas. O governo tinha as
informações e não chamou as Forças Armadas. E queria saber por que isso não foi
feito. O governo distrital tem responsabilidade de tomar conta da sociedade.
Mas o governo federal, tendo as informações, poderia pedir reforço para os
militares. Flavio Dino diz que ligou para o governador do DF, e ele lhe disse
para ficar tranquilo. Se eu fosse ministro, não ficaria tranquilo e pediria
reforço das minhas forças, das Forças Armadas. Isso deve ser examinado na CPI.
Mas isso é passado. Hoje, temos que pensar em como tirar o país desse impasse,
desse momento.
ConJur
— Como isso pode ser feito?
Ives Gandra Martins — Lula deveria esquecer o passado e governar pensando que qualquer possibilidade de recuperar esse período em que ele aumentou consideravelmente os gastos públicos vai depender de muita austeridade. Ele aumentou os gastos ao elevar o número de ministérios de 23 para 37, ao criar a PEC da Gastança com o Bolsa Família. Nessa PEC, ele pretende definir todo o aumento de gastos, mas sem definir receitas. As previsões de receitas são todas aleatórias, de tributar apostas esportivas, importações chinesas. São definições muito incertas. O ideal é deixar de ficar brigando com o passado, e ele vai se defendendo pontualmente dos adversários, e passar a governar com todos esses grandes desafios. Fazer com que essa era fiscal seja mais segura e aceitar passar por um período de austeridade, que foge das suas promessas de campanha, mas que é a única forma de se fazer.O conselho que eu daria para Lula é de buscar inspiração em Campos Salles, um dos maiores presidentes do Brasil. Campos Salles assumiu e passou dois anos com toda a austeridade possível. Todos o criticaram. Mas nos dois anos subsequentes, ele foi considerado um excepcional presidente. O Brasil teve um progresso extraordinário. O ministro da Fazenda de Campos Salles [Joaquim Murtinho] dizia o seguinte: "Nós temos que saber como arrumar os fundos do barco, para que ele possa navegar". Então Lula deveria seguir Campos Salles, não se importar com os primeiros meses desses quatro anos e admitir que a austeridade é o melhor caminho para abaixar os juros do Banco Central. Caso contrário, só teremos políticas monetárias que vão travar o desenvolvimento. Não adianta pensar em gastos se não tem receita. Enfim, é um palpite de um velho professor de Direito para alguém em quem ele não votou, mas cujo governo gostaria que desse certo.
ConJur — Apoiadores de Bolsonaro que
promoveram os ataques de 8 de janeiro em Brasília pediam a "aplicação do
artigo 142 da Constituição". O senhor acredita que a sua interpretação
sobre o artigo 142 pode ter incentivado extremistas a pedir uma intervenção
militar e atacar as sedes dos três poderes?
Ives Gandra Martins — Eu não sei. Mas a minha interpretação foi profundamente distorcida. Mesmo na ConJur. Eu publiquei diversos artigos explicando a minha interpretação. Em primeiro lugar, a intervenção jamais serviria para desconstituir poderes. Em segundo lugar, a aplicação seria pontual, no caso de um poder invadir as competências do outro. Em terceiro lugar, seria uma medida excepcionalíssima. E em quarto lugar, apenas se um poder a pedisse. Na prática, era praticamente impossível que alguma situação cumprisse os quatro pontos, de forma a legitimar a intervenção militar.Vou dar um exemplo: o artigo 49, inciso XI, da Constituição Federal, diz que cabe ao Legislativo zelar por sua competência normativa perante o Judiciário. Vamos admitir que o Judiciário invada a competência normativa do Legislativo, e o Legislativo não aceite e edite um decreto legislativo contra essa invasão de competência, mas os dois poderes não cheguem a um consenso. Nesse cenário, se o Legislativo recorrer às Forças Armadas, elas podem interferir nesse ponto concreto.Quando isso foi discutido na Assembleia Constituinte, foi como uma norma excepcionalíssima, como o estado de defesa. A minha interpretação sempre foi essa. O que fizeram foi uma distorção. Olha, eu jamais diria um negócio desses [permitindo a intervenção militar para depor um presidente]. Eu reiterei a minha interpretação diversas vezes. O que pode ter acontecido foi que, em um determinado momento, não eu, mas a ConJur, ao dar às Forças Armadas o nome de "poder moderador" em meu artigo, fez com que essa figura passasse a dominar a discussão, como se fosse um poder superior aos outros, quando é um poder dentro de um outro poder [o Executivo]. Tanto que eu sempre disse que apesar de o presidente da República ser o chefe das Forças Armadas, se fosse ele a intervenção, não poderia nunca aproveitar para decidir em causa própria.O que eu disse não tem nada a ver com a interpretação que eles fizeram, do que acharam que eu tinha dito. Ninguém queria a interpretação correta do artigo 142. E fizeram uma interpretação própria tentar defender isso [intervenção militar]. Mas eu estou convencido de que há uma distância abissal entre o que eu disse e o que eles interpretaram. O artigo 142 sempre foi muito mal interpretado, e não é uma interpretação minha. A minha interpretação está nos livros que eu escrevi.Agora, eu estou convencido que nenhum grupo desarmado no mundo inteiro dá golpe de Estado, como já mencionei. E esses vídeos que estão sendo distribuídos agora mostram que todo mundo tinha conhecimento de que isso iria acontecer, e não tomaram providências. Pelo contrário, desguarneceram a proteção. O governo vai ter que se explicar na CPI.
ConJur —
Deputados do PT preparam uma PEC que excluiria, do caput do artigo 142 da
Constituição, o termo "garantia da lei e da ordem". Com isso, o
dispositivo ficaria com a seguinte redação: "As Forças Armadas,
constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições
nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na
disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se
à defesa da pátria e à garantia dos poderes constitucionais". Como avalia
a proposta?
Ives Gandra Martins — Essa proposta o PT apresentou na Assembleia Constituinte. Foi Fernando Henrique Cardoso quem, após conversas com militares, defendeu uma proposta intermediária, que é a que foi incorporada ao artigo 142 da Constituição. Essa proposta do PT tem dois aspectos. O primeiro é retomar uma discussão que foi feita na Assembleia Constituinte, o que não tem problema nenhum. O segundo aspecto é que o simples fato de apresentarem a proposta demonstra que o artigo 142 tem uma outra força, que eles não querem aceitar. A força que eu aponto na minha interpretação. Se a minha interpretação é completamente desavisada, não há necessidade de mudar o artigo. Mas se o Congresso aceitar mudar, não tem problema nenhum.Fernando Henrique Cardoso chegou à atual redação do artigo 142 como uma conciliação entre os radicais do PT e os militares que entendiam que era preciso ter uma certa tranquilidade para garantir a democracia. Não para intervir, mas para garantir a democracia. Assim como o estado de defesa e o estado de sítio também foram colocados na Constituição para garantir a democracia. O instrumento nunca foi utilizado, mas se a democracia entrasse em um descompasso absurdo, quem poderia repor a lei e a ordem seriam as Forças Armadas. Isso para garantir a democracia, e não para desconstitui-la. Eu sempre disse isso nas minhas aulas. A diferença do que houve em 1964 é que naquele momento houve um rompimento da ordem democrática. Hoje, as Forças Armadas só poderiam atuar para garantir que não haja descompasso. Essa é a minha interpretação, que o artigo 142 serve para garantir a democracia.
ConJur — A mesma PEC coloca
automaticamente na reserva os militares que assumirem ou disputarem cargo
público. Como avalia a medida? Seria positivo estabelecer quarentena para
militares, policiais, magistrados e integrantes do MP entrarem na política?
Ives
Gandra Martins — Penso que não. Eu sou contrário a essas quarentas. Por que tem
que ter uma quarentena para essas pessoas não poderem exercer livremente a
cidadania? É como se o cidadão já tivesse se curado de uma moléstia, mas
tivesse que ficar isolado da sociedade por um período muito além daquele em que
poderia transmitir a moléstia para outras pessoas. Eu nunca fui favorável a
nenhuma quarentena. Nem para militares nem para magistrados, integrantes do MP
ou policiais.
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BIBLIOGRAFIA:
-https://www.conjur.com.br/2023-mai-03/entrevista-ives-gandra-silva-martins-advogado-professor
-https://dagobah.com.br/8-de-janeiro-atentado-golpista-a-democracia-nao-golpe-de-estado/
-https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/06/heleno-diz-que-81-nao-foi-tentativa-de-golpe-o-que-exigiria-lider-e-planejamento.shtml
-https://veja.abril.com.br/coluna/radar/bolsonaro-defende-mauro-cid-e-diz-que-8-de-janeiro-nao-foi-golpe
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