Por *Francisco José Barros
Araújo
“E ninguém, acendendo uma vela, a cobre com algum vaso,
ou a põe debaixo da cama; mas põe-na no velador, para que os que entram vejam a
luz...” (Lucas 8,16).
A atividade intelectual é, antes de tudo, uma atitude de
contemplação. Essa atitude, seja ela voltada para o religioso ou para a
mundanidade, carece quase sempre de um desprender-se do real; porém, não
como fuga mundi,
senão como um olhar desde o alto, para que se possa ter uma visão panorâmica da
realidade. Santo Tomás de Aquino compreendeu muito bem esse método, ao cunhar a
frase contemplare et contemplata aliis tradere –
contemplar e dar aos outros o fruto da contemplação – (cf. S. Tomás, Summa Theologiae, IIa-IIae, q. 188, art. 6),
e que será, por isso mesmo, usada como lema da Ordem dos Pregadores, da qual
ele fazia parte. Essa contemplação não
se prende apenas ao universo religioso, como parece nos levar a crer a frase
cunhada por Santo Tomás, embora ele tivesse a razão e os olhos voltados para
Deus. Não há como ter uma vida intelectual profunda sem esse contato permanente
com a solidão, principal via de acesso à vida contemplativa. Fruto de um longo
processo de estudo e maturação, a produção intelectual aflora feito plantas que
nascem e cujas sementes estão debaixo do solo, escondidas dos olhos alheios.
Não são frutos do acaso, nem brotam do nada como pensam alguns. Com razão, já
nos revela o contemplativo autor do Eclesiastes 3,1-13:
"Tudo tem o
seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de
plantar, e tempo de arrancar o que se plantou;Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de
derrubar, e tempo de edificar;Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de
prantear, e tempo de dançar;Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar
pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar;Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de
guardar, e tempo de lançar fora;Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de
estar calado, e tempo de falar;Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de
guerra, e tempo de paz.Que proveito tem o trabalhador naquilo em que
trabalha? Tenho visto o trabalho que Deus deu aos filhos
dos homens, para com ele os exercitar.Tudo fez formoso em seu tempo; também pôs o
mundo no coração do homem, sem que este possa descobrir a obra que Deus fez
desde o princípio até ao fim.Já tenho entendido que não há coisa melhor para
eles do que alegrar-se e fazer bem na sua vida;E também que todo o homem coma e beba, e goze do
bem de todo o seu trabalho; isto é um dom de Deus...”
Assim, pois, há um tempo de estudar, pesquisar e também de
meditar, seguido de um tempo de escrever e de partilhar com os outros aquilo
que aprendemos, ou apreendemos. Gostaria
de abordar
a relação que Thomas Merton faz entre contemplação e o cuidado e atenção que o
verdadeiro contemplativo, ainda que não me considere assim, ou não
tenha consciência da contemplação, devo ter com o meu próximo. O contemplativo
sabe por experiência própria que qualquer tentativa de se apoderar do estado de
plenitude em que chegar (e se chegar) durante a meditação, ou em outras palavras,
se apoderar do espírito, resultará no mais puro fracasso e a sensação de perda
e a incapacidade de retê-lo serão como a sensação da água que lhe escorre entre
os dedos. A alegria gerada na contemplação não pode ser retida, pelo contrário,
deve ser irradiada para todos. Esse é o verdadeiro e único caminho para
os frutos da contemplação. Não só a alegria. Então, inicio com as palavras de
Thomas Merton:
“A frase de Santo Tomás, contemplata aliis tradere (dividir com os outros os
frutos da contemplação),
não é retamente compreendida se não temos em mente a imagem de um São Francisco
andando pelas estradas da Itália medieval, transbordando de
alegria com a mensagem que só podia ser-lhe diretamente comunicada pelo
Espírito de Deus. A sabedoria e a salvação
pregadas por Francisco foram não apenas a exuberância da mais alta espécie de
vida contemplativa, mas foram simplesmente a expressão da plenitude do Espírito
cristão, isto é, do Espírito Santo. Homem algum poderá ser um apóstolo de
Cristo, se não é cheio do Espírito Santo. E homem algum é cheio do Espírito
Santo, se não faz o que normalmente se espera de um homem que segue Cristo até
o fim: abandonar todas as coisas, para recobrá-las em Cristo. (Fl 3,8).O que há de notável em São Francisco é que, no sacrifício que fez
de todas as coisas, ele incluiu também todas as ‘vocações’, no sentido limitado
do termo. Edificados durante séculos pelos vários ramos da família religiosa
franciscana, ficamos surpresos de pensar
que São Francisco se pôs em marcha nas estradas da Úmbria, sem a menor ideia de
possuir uma ‘vocação franciscana’. E de fato não possuía. Ele lançara aos
ventos todas as vocações, com as suas vestes e outras possessões. Não se
considerava um apóstolo, mas um mendigo errante. Certamente não se tomou por
monge; se tivesse querido ser monge, teria achado uma porção de mosteiros para
entrar. E, evidentemente, não era também consciente de ser um
‘contemplativo’. Nem se preocupava. Levava, entretanto, as duas ao mesmo
tempo, e com a mais alta perfeição. Nenhuma boa obra lhe foi estranha, nenhuma
obra de misericórdia, corporal ou espiritual, faltou em sua bela vida! Sua
liberdade abraçava tudo.” (Homem algum é uma ilha – Editora Agir, 6ª Ed.
1976 pág. 142, 143. Grifos nossos).
Um aspecto fundamental da contemplação é que ela é alimentada pela
misericórdia!
Ninguém pode ser um verdadeiro contemplativo se não for movido
pela misericórdia, compaixão e amor ao próximo. No exemplo de São Francisco,
que Merton cita no texto acima, podemos notar uma característica muito visível
em Francisco: A alegria. Mas Francisco levara a alegria a patamares
excepcionais; ele transbordava de alegria! Alegria com o Cristo, com a mensagem
de salvação que ele sentiu tocar-lhe ao contemplar o crucificado na pequena
capela de São Damião:
“Ó glorioso Deus altíssimo, iluminai
as trevas do meu coração...”
Evidentemente, um dos frutos da contemplação é a alegria, e esta
só é plena enquanto dividida com os outros. Dividir a alegria significa
multiplicá-la. Significa levar aos outros o verdadeiro sentido da contemplação.
Muito mais do que um esforço intelectual e de concentração, esforço aliás
inócuo pois a contemplação nos é dada e jamais pode ser por nós tomada, é um
caminho de desapego e desprendimento, um abandonar todas as coisas para recobrá-las em Cristo. A
contemplação é o próprio desapego que começa no mais profundo do nosso ser.
Lá no abismo obscuro da nossa alma onde a Luz de Deus brilha e ilumina as
trevas do nosso coração, como Francisco muito bem experimentou. Aliás, Merton
na sua obra “Novas sementes de contemplação” no segundo capítulo é muito
enfático: “A única maneira de nos
libertarmos das ideias erradas sobre a contemplação é a
experiência” (Novas sementes de contemplação – Ed. Fissus, 1999, pág. 15).
Experiência que nos é concedida se a buscarmos com sinceridade e simplicidade
de coração. A contemplação não é algo exclusivo de mentes ou espíritos
privilegiados, nem é prerrogativa de alguma religião em particular. É
acessível à todos:
“O desejo de conhecer a Deus, de penetrar seu
mistério por meio da percepção espiritual não é exclusivo dos cristãos. É algo
que encontramos em toda parte onde tenha existido religião.” (Espiritualidade, contemplação e paz – Ed.
Itatiaia, 1962, pág. 56).
Na tradição
cristã, a contemplação é, nas palavras de Merton, um conhecimento
quase-experimental de Deus numa escuridão luminosa que é a perfeição da fé.
Através do dom do Espirito Santo, é uma plena comunhão do espírito humano com
Deus. Uma comunhão de amor e compreensão. Uma comunhão tão rica e plena que
ultrapassa a capacidade humana e torna-se inconsciente e consciente ao mesmo
tempo. O contemplativo (o contemplativo infuso), perde a consciência de ser um
contemplativo, mas está plenamente desperto, atento, ciente do amor que o une a
Deus.
“A contemplação, porém, não será dada àqueles que voluntariamente se distancia de Deus,
limitam a vida interior a uns tantos exercícios rotineiros de piedade e uns
poucos atos externos de adoração e culto feitos como por obrigação. Pessoas
assim cuidam de evitar o pecado. Respeitam
a Deus como Mestre, mas seus corações não Lhe pertencem. Não estão realmente interessados Nele, a
não ser enquanto os assegura contra a perda do céu e o risco do inferno. Na
prática têm a mente e o coração tomados por suas ambições, aborrecimentos,
consolos e prazeres, bem como por todos os seus interesses mundanos, ansiedades
e temores. Deus só está convidado a entrar nesse círculo encantado para
desfazer as dificuldades e distribuir recompensas...Deus não se manifesta a
essas almas porque não O procuram com desejo sincero.” (Ibidem, pág. 61,
62 e 63).
Não O
procuram com desejo sincero, ou estão mergulhadas na ilusão de que buscam, sem
estarem conscientes, de que na verdade estão imersas na busca e satisfação de
seus pulverizados e inúmeros desejos; busca
que não as deixam escapar de uma armadilha espiritual que construíram para si
mesmas e as escravizam num ciclo interminável de auto satisfação e construção
de novos desejos.
“Se alguém quiser se preparar para receber o
Espírito Santo e Seu Amor, deve desviar
seus desejos de todas as satisfações e interesses oferecidos por este mundo,
porque as coisas espirituais não podem ser apreciadas ou compreendidas pela
mente ocupada com satisfações temporais e meramente humanas. Spiritualia
videri non possunt nisi quis vacet a terrenis.” (Ibidem, pág. 64).
Enfim, o contemplativo não é e não pode ser uma pessoa taciturna,
reticente. Ele é acima de tudo o portador da alegria da vida interior em
Cristo, confiante e cheio de fé a ponto de “abandonar todas as coisas, para recobrá-las em Cristo”.
Fé que o faz buscar a contemplação até não mais estar consciente de que é um
“contemplativo”. Um título que já não lhe importa mais! Mas que o faz pedir ao
Pai celestial que lhe abra o coração à silenciosa presença do Espírito de seu
Filho e o introduza no misterioso silêncio onde o amor lhe é revelado e o faz
dizer:
Maranatha! Vem, Senhor Jesus! (Ap. 22, 20).
CONCLUSÃO:
O mundo competitivo no qual vivemos não deixa lugar para a
contemplação nem muito menos para a ociosidade. A entrega total ao mundo do
trabalho e o consequente desligamento da vida pessoal e familiar são vistos com
bons olhos pela sociedade, a tal ponto que é sempre merecedor de elogios aquele
profissional que não leva problemas pessoais ou familiares para o trabalho.
Não
é pequeno o número de crianças que são criadas por babás enquanto seus pais se
entregam numa luta frenética à sua vida profissional. E como que para
aliviar a consciência pesada por haver abandonado os filhos à própria sorte,
muitos os enchem de presentes e quinquilharias, talvez na tentativa de suprir
as suas constantes ausências. O que esquecemos é que a vida segue seu
curso e, quando menos esperamos, nos vemos sozinhos no mundo, longe dos filhos
e afastados do trabalho pelo obvio motivo da aposentadoria que acaba chegando.
Aí já não há mais muito que fazer. Percebemos que toda a nossa vida foi
desperdiçada para juntar bens que sequer conseguimos usufruir, pois apenas
agora nos damos conta que temos um corpo, e que necessitamos controlar nossas
taxas, cuidar de artrites e artroses, enquanto a juventude fica para trás;
sentimos-nos interiormente vazios, ainda que nossas casas estejam cheias de
coisas, às quais há muito tempo nem mesmo lhes dirigimos nosso olhar. Conheço muita gente que jamais leu um livro em sua vida,nem a bíblia do gênesis
ao Apocalípse, e não falo daqueles que não sabem ler nem escrever. E o
pior: quando estas pessoas se gabam disso. Acabam se tornando pessoas
vazias e que pouco ou nada tem a dizer a si e aos outros diante das
circunstâncias da vida. Vivem às vezes como meras companhias melancólicas de animais.
Pensam que viver se resume em trabalhar, sacolejar o corpo ao som de músicas
medíocres e encher a cara no bar da esquina nos fins de semana, assistindo ao
seu time jogar, e muitas vezes perder, o que é pior. Experimente ler um livro
por semana, ou por mês.Ouse desligar sua TV nos fins de semana, afinal nela só
passa lixo cultural, que nada nos acrescenta, muito pelo contrário, nos
diminui. Mas, se não tiver outro jeito, após assistir, pense, medite, contemple,
escreva, ou compartilhe seu ponto de vista. Partilhe com quem você convive as
suas leituras e reflexões. Partilhe com seus filhos também. Só assim você verá
o quanto é bom contemplare
et contemplata aliis tradere!
*Francisco José Barros
Araújo – Bacharel em Teologia pela Faculdade Católica do RN, conforme diploma
Nº 31.636 do Processo Nº 003/17
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O mundo competitivo no qual vivemos não deixa lugar para a contemplação nem muito menos para a ociosidade. A entrega total ao mundo do trabalho e o consequente desligamento da vida pessoal e familiar são vistos com bons olhos pela sociedade, a tal ponto que é sempre merecedor de elogios aquele profissional que não leva problemas pessoais ou familiares para o trabalho. Não é pequeno o número de crianças que são criadas por babás enquanto seus pais se entregam numa luta frenética à sua vida profissional. E como que para aliviar a consciência pesada por haver abandonado os filhos à própria sorte, muitos os enchem de presentes e quinquilharias, talvez na tentativa de suprir as suas constantes ausências. O que esquecemos é que a vida segue seu curso e, quando menos esperamos, nos vemos sozinhos no mundo, longe dos filhos e afastados do trabalho pelo obvio motivo da aposentadoria que acaba chegando. Aí já não há mais muito que fazer. Percebemos que toda a nossa vida foi desperdiçada para juntar bens que sequer conseguimos usufruir, pois apenas agora nos damos conta que temos um corpo, e que necessitamos controlar nossas taxas, cuidar de artrites e artroses, enquanto a juventude fica para trás; sentimos-nos interiormente vazios, ainda que nossas casas estejam cheias de coisas, às quais há muito tempo nem mesmo lhes dirigimos nosso olhar.
Sulamita - MG
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