Por* Andréia Gripp
Você
já teve a coragem de se perguntar "em que Deus tem
acreditado?"
E
já perguntou, no seu trabalho, família, comunidade, em que Deus as pessoas
acreditam? Parece estranho fazer essa pergunta? Mas não é! Faça a experiência e verá que a pergunta não é tão
absurda quanto parece à primeira vista, e que constatará que realmente muitas vezes criamos e cultuamos um deus que
nós próprios criamos, e não o Deus revelado por Jesus o Cristo que se
encarnou. Sabemos que a fé, a
crença em um deus, é o centro de toda religião. Como cristãos, o centro de
nossa identidade deve ser a fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Não
pode haver algo implícito ou reducionista da fé cristã, mas sim, a vivência
ainda mais profunda e radical dela: se a fé cristã é trinitária, os cristãos não podem abrir mão de professar
as três pessoas da Santíssima Trindade, sob pena de renegar-se a si mesmo. Mas, pensemos bem:
Será
que todos os cristãos têm uma "fé trinitária?" Faça uma nova experiência,
pergunte a você, e as pessoas com quem você convive:
“Quem
é Deus Pai, quem é Jesus e quem é o Espírito Santo? Como eles se relacionam entre si? Como se relacionam conosco? Como agem
no mundo e, qual o papel das pessoas da Santíssima Trindade na história da
salvação?” - Com certeza você vai ficar espantado com as respostas e verá
que muitos ainda não deixaram a fé imatura e superficial, porque simplesmente
ainda não tiveram um entendimento sobre a Trindade e, portanto, também não
tiveram uma experiência real com o Deus Uno e Trino. Para mudar essa situação é preciso
desenvolver um discurso que nos leve a uma experiência trinitária e nos livre
da tentação do individualismo e
do falso racionalismo revanchista e preconceituoso, que teme fazer as perguntas
para melhor crer e aderir ao imperativo da fé como fez Maria, que nos abra ao
mistério do outro e nos leve a transmitir com a nossa vida e nossa história a
experiência do Deus Ágape, que caminha conosco, e conosco escreve a nossa
história e a história da humanidade. Isso vai além, muito além, das difíceis
fórmulas filosóficas e teológicas do dogma da Trindade.
Questões
fundamentais
A
linguagem cristã sempre esteve permeada e penetrada pela revelação trinitária
de Deus! Mas, como anunciar o
Deus Uno e Trino no mundo plural em que vivemos hoje, onde o homem
emancipado “privatizou” a fé e criou um supermercado espiritual, cheio de
teísmos (crença num deus como entidade superior, sem nome e identidade),
deísmos (crença num deus como arquiteto universal que põe o mundo em movimento,
mas não se relaciona com ele nem se revela) e monoteísmos reducionistas (crença
num único deus, um tanto despersonalizado, sem rosto, sem nome, senhor e
dominador do cosmo e da história)? Hoje
a pergunta fundamental a ser respondida pela nova evangelização, não é tanto o
fato de Deus existir ou não, mas, “De que Deus estamos falando? O que significa para nós a existência de Deus?” Anunciamos Jesus
Cristo. Mas, neste contexto plural e confuso, não podemos falar de Jesus Cristo
sem o contextualizar na dinâmica da Trindade, sob o risco de não estarmos
fazendo uma verdadeira evangelização. Professar a fórmula de fé de que Deus
vive e se revela e pode ser experimentado e conhecido como Pai, Filho e
Espírito Santo deve se verificar na realidade do homem Jesus de Nazaré, na sua
encarnação, vida, morte e ressurreição, assumidas, afirmadas e confirmadas por
Deus, seu Pai. “Jesus é o
Filho de Deus”! Esta é a afirmação fundamental da fé cristã.
Anunciar
a Trindade!
É
impressionante perceber como
muitas pessoas que se dizem católicas chegam à comunidade com um distanciamento
de Deus Pai, fruto de um relacionamento superficial, com um “Deus de barba
branca que mora lá no céu”. Deus Pai, para eles, é aquele Ser Supremo,
onipresente, mas distante, muito distante. A pessoa do Espírito Santo é, para alguns,
totalmente desconhecida (às vezes só identificada como a pomba citada no
batismo de Jesus e as línguas de fogo, em Pentecostes). Para os que têm uma experiência mais carismática, é definido como aquele
que nos leva a Deus, mas é, infelizmente, algumas vezes mais identificado com
as sensações espirituais que concede ao orante. A presença do Espírito é fatalmente identificada
com um arrepio que se sentiu na oração, uma emoção, um calor, etc. Um reducionismo
infantil e insignificante do Ser e missão da Terceira Pessoa da Santíssima
Trindade.
Esta
realidade nos remete a uma grande responsabilidade:
Quando
não anunciamos um Deus Trindade não somos fiéis à revelação bíblica. Corremos o risco de supervalorizar uma das pessoas da Santíssima Trindade
em detrimento das outras e criar uma grande distorção na vida de fé! O
Deus da Revelação, que devemos anunciar em nossa evangelização, é a Santíssima
Trindade: mistério de comunidade das pessoas divinas, de salvação, de comunhão e de amor.
Para
a nossa salvação!
Falar
de um Deus em três pessoas só
é possível pelo fato dEle ter se revelado a si mesmo como Trindade. E, Deus não se revela para nos dar
informações intelectuais sobre si próprio. Ele só se revelou e se revela, falou
e fala sobre si mesmo para nos salvar. Por isso, no anúncio da Boa Nova, é preciso estabelecer uma relação
inseparável entre Cristologia, Trindade e Soteriologia (salvação). A
Trindade é mistério, e mistério de salvação para nós. - “O mistério de Deus em si mesmo e o
mistério da nossa vida em graça são um só e mesmo mistério. Deus não é
outra coisa senão aquilo que Ele revela no seu agir em favor de nós, embora o que podemos perceber do seu agir por nós não esgote aquilo que
Ele é em si mesmo” (afirmam
os teólogos Maria Clara Bingemer e Vitor Galdino, no livro “O Deus
Trindade: A vida no coração do Mundo”).
Como
sabemos que isso é verdade?
Lendo
a Bíblia, escutando a Igreja e estando atentos à experiência de Deus em nós e
nas outras pessoas. Porque o Espírito Santo nos diz e ensina a dizer Abbá, Pai
(Rm 8, 15; Gl 4,6) e Jesus é o Senhor (1Cor 12,3). É o Espírito Santo quem nos leva à experiência e ao conhecimento de
Deus-Pai e Deus-Filho. É no e pelo Espírito que podemos refletir sobre essa
experiência de chamar Deus de Pai e Jesus de Senhor. É no e pelo Espírito que podemos transmiti-la aos
outros de maneira coerente e inteligível nas nossas ações evangelizadoras.
A
força do testemunho!
Segundo
teólogos, filósofos, e sociólogos, vivemos num tempo marcado pela “crise da
modernidade” (ou pós-moderno, como alguns chamam).Mas o que significa isso? Bem, para entender esse termo, é preciso saber
que a modernidade foi o período histórico em que a concepção do mundo passou de
teocêntrica (Deus no centro de todas as coisas) para antropocêntrica (tendo o
homem como sujeito de todas as coisas, e a medida de si mesmo).Foram séculos de história da humanidade marcados
pela supervalorização da razão em detrimento da emoção e do espiritual,
fundamentado no cogito de René Descartes: penso, logo existo. É a partir dessa
época histórica que a ciência se emancipa da teologia e passa a
combatê-la. Essa autonomia humana
(ou do sujeito como se diz na filosofia) é como um novo ressurgir da tentação
de Adão, que queria ser como Deus, distanciou o homem de seu criador e criou
grandes dificuldades para a evangelização, e precisamos pedir uma sabedoria
para saber lidar com isto. Bem,
a crise da modernidade chega com a crise do racionalismo e, como que numa
reação, com a supervalorização das emoções, do subjetivismo, do espiritualismo. Se por um lado podemos nos alegrar com o total fracasso da afirmação
nefasta de Nietzsche (aquele que afirmou que Deus morreu), por outro nos
assustamos com o crescimento de seitas e correntes filosóficas da Nova Era, que
igualmente ao racionalismo, afastam o homem do verdadeiro Deus, o
Deus-Trindade, que se relaciona comigo pessoalmente e por mim se encarnou,
morreu e ressuscitou.No mundo pós-moderno a afetividade está supervalorizada e
a subjetividade impera e reina, colocando graves questões para a fé
trinitária,pois se vai substituindo o Deus Trinitário, bíblico, pelo Deus
light. O Deus bíblico impulsiona o ser
humano a ser sujeito transformador da história, enquanto o Deus light não o
questiona, é inebriante e o faz experimentar sensações que “elevam” a alma.
Resta-nos
responder à pergunta: O que é para o mundo hoje a existência de Deus? Faz
alguma diferença?
Se
esta pergunta for feita a várias pessoas numa rua de um grande centro urbano,
haverá muitas respostas diferentes. No ambiente em que vivemos, sem sombra de dúvidas, será o que nós,
cristãos, conseguirmos transmitir com a nossa vida. Não conhecemos Deus através de fórmulas
teológicas, nem podemos transmiti-lo desta forma, também. Por isso, se queremos
realmente evangelizar, precisamos converter a nossa práxis. O que significa
isso? Significa que precisamos fazer as obras de Deus (Jo 3,21. 6,28. 7,17).
Afirma a teóloga Maria Clara Bingemer: “Se é o Espírito do próprio Deus que está em nós, e se nos deixamos
mover e guiar por ele, tudo que fizermos será obra Dele em nós e estaremos
espalhando pelo mundo as marcas do próprio Deus que age por meio de nós. Nosso
encontro com Deus é um acontecimento radical. Só podemos nos relacionar, pensar
e falar sobre Ele, deixando-nos surpreender e questionar radicalmente por
Ele...”continua a teóloga. Para
que esse encontro aconteça, faz-se necessário acolher humildemente, na fé, na
escuta, a Revelação Divina, na qual Deus se aproxima de nós e apresenta seu
Mistério de Pai, Filho e Espírito Santo, de forma transformadora e comprometida
com a nossa história e, a partir dela, com a história da humanidade.
*Andréia
Gripp - Missionária da Comunidade Católica Shalom
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