* Por: Simone Weil
O segredo da condição
humana é que não há equilíbrio entre o homem e as forças da natureza que o
cercam e que o ultrapassam infinitamente na inação; não há equilíbrio senão na
ação pela qual o homem recria sua própria vida no trabalho. A grandeza do homem
é sempre recriar a vida. Recriar o que lhe é dado. Forjar a própria coisa que o
suporta:
a)-Pelo trabalho, ele
produz sua própria existência natural.
b)-Pela ciência,
recria o universo, por meios de símbolos.
c)-Pela arte, recria
a aliança entre seu corpo e sua alma (vide o discurso de Eupalinos).
Note-se que cada uma
dessas três coisas é qualquer coisa de pobre, vazio e de vão, quando tomada em
si mesma e fora das três (cultura operária - pode-se continuar esperando).O
próprio Platão não é senão um precursor.
Os gregos conheciam a arte, o esporte, mas não o trabalho. O senhor é
escravo do escravo, no sentido em que o escravo é quem fabrica seu senhor.
Há duas tarefas:
1ª)-Individualizar a
máquina;
2ª)-Individualizar a
ciência (vulgarização, uma universidade popular, de molde socrático, voltada
para os fundamentos dos ofícios).
Por que não houve nunca um místico operário ou camponês que tenha
escrito sobre o aproveitamento da aversão ao trabalho?
Esta aversão, que é
tão frequente, sempre também, ameaçadora - a alma a evita e procura esconder-se
no disfarce de uma reação vegetativa. Seu reconhecimento é um perigo de morte. E
esta é a origem da mentira tão comum aos meios populares, (há uma mentira comum
a cada nível). Essa aversão é o fardo do tempo. Reconhecê-la sem se
dobrar a ela é excitante. A aversão sob todas as formas é uma das mais
preciosas misérias dadas ao homem como escada para subir. Eu, pessoalmente,
conheço muito bem a matéria. O negócio seria transformar toda aversão em
aversão de si mesmo.
A monotonia é o que há de mais belo e mais terrível!
a)-De mais belo,
quando é um reflexo da eternidade.
b)-De mais terrível,
quando é o índice de uma perpetuidade sem mudanças: tempo ultrapassado ou tempo
esterilizado. O círculo é o simbolismo da bela monotonia, a oscilação pendular
da monotonia atroz.
Espiritualidade do trabalho
O trabalho faz sentir de maneira fatigante o fenômeno da finalidade
disparada como uma bala: trabalhar para comer, comer para trabalhar.
Se uma dessas duas
coisas é olhada como um fim, ou se uma das duas é olhada separadamente, estamos
perdidos. O ciclo encerra a verdade. Um esquilo girando em sua gaiola e a
rotação da esfera celeste. Miséria extrema e extrema grandeza. É quando o homem
se vê como um esquilo girando em sua gaiola circular, que ele já não se mente a
si mesmo, e se coloca a um passo da salvação.
A grande dor do trabalho manual é que somos obrigados a fazer esforço,
durante longas e longas horas, simplesmente para existir. O escravo é aquele a
quem não se propõe nenhum bem como finalidade de suas fadigas, senão a simples
existência. Não lhe resta, então, senão ser um alienado ou cair num nível
simplesmente vegetativo.
Nenhuma finalidade
terrestre deixa de afastar de Deus os trabalhadores. Eles estão sozinhos nessa
situação. Todas as outras condições implicam fins particulares, que colocam um
biombo entre o homem e o bem puro. Para eles, esse biombo não existe. Não têm
nada em excesso de que se devam despojar. Fazer esforço por necessidade e não
por um bem-empurrado, não atraído - para manter sua existência tal qual ela é -
é sempre escravidão.
Neste sentido, a escravidão dos trabalhadores manuais é irredutível. Um
esforço sem finalidade. É terrível - ou é a mais bela das coisas - se se trata
de uma finalidade sem fim. Só a beleza permite a satisfação com aquilo que é. Os trabalhadores precisam mais de poesia do que de pão.
Precisam de que sua vida seja uma poesia. Precisam de uma luz de eternidade.
Somente a religião pode estar na fonte dessa poesia. Não é a religião, é a
revolução que é o ópio do povo. A privação dessa poesia explica todas as
formas de desmoralização.
A escravidão é o trabalho sem luz de eternidade, sem
poesia, sem religião
Que a luz eterna dê,
não uma razão de viver e trabalhar, mas uma plenitude que dispense a procura
dessa razão. À falta disso, os únicos estimulantes são a violência e o lucro. A
violência resulta de uma opressão contra o povo. Há alegrias paralelas à
fadiga. Alegrias sensíveis: comer, repousar, os prazeres do domingo...mas não o
dinheiro. Nenhuma poesia toca autenticamente o povo, se nela não houver fadiga.
E a fome e a sede são decorrências da fadiga.
________________________________________
*Simone Weil
(1909-1943) nasceu em Paris, e foi, possivelmente, a primeira grande
mulher de nosso século a marcar sua presença no campo da filosofia. Pensou e
viveu intensamente. Militou na política revolucionária, viveu um ano
como operária na fábrica Renault, esteve presa e, quando ameaçada de ter
cassados seus direitos, respondeu à autoridade:
"Sempre considerei a cassação como o coroamento normal de minha
carreira"
Trotskista militante,
durante algum tempo, foi afinal atraída pela metafísica católica
e pela mística, restando, porém, um pouco obscura a certeza em torno de sua
conversão. Pois, fiel à sua raça, parecia-lhe uma deslealdade abandoná-la nos
dias da perseguição nazista. Mas estava profundamente tocada pela inspiração divina da fé
cristã. Morreu durante a guerra. Conheceu a humilhação e a fome. O
texto que hoje publicamos é de sua obra "La Pesanteur e la Grace".
------------------------------------------------------
Apostolado Berakash – Se você gosta de nossas publicações
e caso queira saber mais sobre determinado tema, tirar dúvidas, ou até
mesmo agendar palestras e cursos em sua Igreja, grupo de oração, paróquia,
cidade, pastoral, e ou, movimento da Igreja, entre em contato conosco
pelo e-mail:
filhodedeusshalom@gmail.com
Postar um comentário
Todos os comentários publicados não significam a adesão às ideias nelas contidas por parte deste apostolado, nem a garantia da ortodoxia de seus conteúdos. Conforme a lei o blog oferece o DIREITO DE RESPOSTA a quem se sentir ofendido(a), desde que a resposta não contenha palavrões e ofensas de cunho pessoal e generalizados. Os comentários serão analisados criteriosamente e poderão ser ignorados e ou, excluídos.