O DIREITO
DAS MINORIAS DEVE PREVALECER SOBRE A MAIORIA?
Não!
Eu não vou desistir de apontar as ações e avaliações que considero absurdas e
atentatórias ao estado de direito! Até porque estamos diante de uma
manifestação apenas; não é a primeira nem será a última. Uma coisa é ser
favorável, como sou, à união de gays e até mesmo à adoção de crianças; outra,
muito diferente, é defender a maneira heterodoxa como esse “direito” passou a
ser reconhecido no Brasil: contra o que vai explicitado na Constituição, por
decisão do Supremo, que, então, usurpou o papel do Congresso e se fez de
legislador. A
pergunta óbvia, que ninguém responde, é esta: Será apenas nesse caso, que diz
respeito aos gays, ou a prática se estenderá a qualquer assunto? Boa parte decidiu não pensar, mas
torcer. Haveria o risco de o pensamento ser confundido com atraso! Nestes
termos estão sendo colocadas as coisas: quem apóia a decisão do Supremo é
“progressista” e “laico”; quem não apóia e “atrasado” e “religioso”.É a
estupidificação a que a militância politicamente correta conduz o
debate. Cria-se uma falsa clivagem para driblar a questão
essencial.Pode-se ser, como é o caso deste escriba, favorável ao mérito da
decisão, mas absoluta e resolutamente contrário à forma escolhida. Ela
esculhamba a democracia e transforma o Supremo numa espécie de Congresso Paralelo.
Folha e Estadão publicaram editoriais a respeito! São dois exercícios nada
meritórios de falácias lógicas...Seguem trechos do da Folha:
O fato de a Carta omitir a união homossexual não impede seu
reconhecimento, entendeu o STF.Se impedisse, haveria contradição com um
objetivo fundamental da lei maior, consagrado logo no artigo 3º:“Promover
o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação”.Já respondi ontem a
essa questão. Levados a termo todos os princípios abstratos da Carta, não
haveria uma só restrição ordenadora que parasse de pé. Mas isso ensejaria um
debate longuíssimo.Constituições são emendadas e leis são reformadas justamente
quando se considera que elas já não atendem às demandas da sociedade e dos
indivíduos. A Folha faz uma coisa curiosa: nega a óbvia desarmonia
Constitucional para poder justificar a decisão atabalhoada do Supremo. Atenção,
redator! Atenção, Folha! Não é que a Constituição “omita” os homossexuais quando
define união estável! Nada disso! Ela ESPECIFICA qual é união protegida pelo
estado: entre homem e mulher! O texto pode não ser bom, mas é aquele.
Tem de ser mudado? Que seja! Mas pelo Congresso!
Diferentemente de outros países de maioria católica (como Espanha, Portugal ou Argentina), cujos Parlamentos já haviam superado a restrição de direitos a homossexuais, o sistema político brasileiro, e não apenas o Legislativo, é ainda muito permeável a argumentos religiosos. Coitados dos católicos! Lá estão eles apanhando da Folha, só para não variar! Pra começo de conversa, os evangélicos são até mais ativos nas restrições ao casamento gay. Melhor seria, então, falar em “cristãos”. Mas note, leitor: o jornal reconhece que, nos países citados, quem tomou a decisão foram os respectivos Parlamentos! Nada indica que o Congresso estivesse disposto a contrariar essa poderosa corrente de opinião e aprovar alguma legislação com avanços significativos sobre o tema. A decisão do STF é histórica, portanto e mais uma vez, por reconhecer e reafirmar a laicidade do Estado brasileiro. Nesse trecho, a Folha atinge o estado da arte porque esse é o argumento que justificou todas as ditaduras no Brasil e no mundo. Aliás, ele esteve na raiz do fechamento do Congresso nos tempos idos do famoso “Pacote de Abril” (pesquisem!).Como o Congresso, segundo a Folha, não queria “contrariar” a “poderosa corrente de opinião”, então o STF foi lá e contrariou por ele. Achando que já tinha argumentado com eficiência e suficiência, o redator não tem dúvida: saca a conjunção “portanto” e conclui que a decisão é “histórica”. Só que há uma probleminha aí: quem tem mandato para mudar a Constituição é o Congresso, não o Supremo. O Supremo, dessa forma, adiantou-se na defesa de direitos individuais que parcelas crescentes da opinião pública almejavam ver reconhecidos, diante da omissão do Congresso. Uma democracia, para ser completa, precisa ter mecanismos como esse para impedir que grupos sociais, mesmo que majoritários, impeçam a garantia de direitos fundamentais de minorias. Uma democracia, para ser completa, respeita a independência entre os Poderes. Se não respeita, então é manca e corre o risco de ser outra coisa. O que a Folha fez com esse editorial foi declarar a obsolescência do Congresso, QUE REPRESENTA O CONJUNTO DOS BRASILEIROS. O jornal prefere os 10 do STF como representantes de “parcelas crescentes da opinião públicas”.
Entendi... as parcelas crescentes (minorias) podem mais do que o todo?
O contraste disso com a exemplar
votação do Supremo – cujos membros, ao que se saiba, têm todos religião –
equivale à proverbial passagem da noite para o dia. Ademais, a Corte tomou a si,
quando provocada, uma incumbência que, pela ordem natural das coisas, cabia ao
Congresso Nacional. Os políticos se acovardaram diante da
demanda de uma parcela da população. Uns, por serem contrários a ela. Outros,
indiferentes ou mesmo favoráveis, mas não engajados, para não comprar briga com
aqueles, estando a grande maioria de ambos os lados no mesmo confortável barco
governista. A omissão do Congresso mostra ainda uma
vez a sua distância em relação às questões da vida real dos brasileiros e seu
desinteresse em criar direitos – salvo em benefício próprio ou dos seus
patronos. São
os mesmos, fracos e insustentáveis argumentos da Folha. Também, ali se nota a
censura à religião, como se essa fosse a questão. Também, o Estadão investe contra
o Congresso, tão cheio de vícios e quem há de negar ? para justificar que o
Supremo aja em seu lugar, usurpando uma de suas prerrogativas. Até parece que um
Congresso que se cala diante dessa violência institucional poderá ser melhor um
dia… Tende a piorar! Nos dois editoriais, estão dadas as
bases argumentativas para a defesa de ditaduras virtuosas. Alguns poderiam
protestar: “Mas a causa que eles defendem é boa; ditaduras defendem
causas ruins”. Errado! A questão é de método:“A democracia também é um mecanismo de
tomada de decisões, o pior deles, com exceção de todos os outros que têm sido
tentados de tempos em tempos...”como já disse Churchill. Golpear com “bons valores” os adversários, fraudando as regras
democráticas, nada tem de meritório. Segundo Thomas Paine: "Devemos preservar até nossos
inimigos da opressão se queremos garantir a própria liberdade, ou o expediente
discricionário a que eventualmente recorrermos um dia se voltará contra
nós." - Chegamos ao ponto, como se nota acima,
em que editoriais de dois dos mais importantes jornais do país aplaudem o
Supremo justamente porque ele atuou como se Legislativo fosse. Como os dois
veículos concordam com o mérito da decisão, então a violação da prerrogativa de
um Poder e a extrapolação da do outro lhes parecem obra do mais puro
iluminismo.
Será que a Igreja quer impor seus “princípios morais” para as leis do Estado?
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