Confesso que, mesmo nos meus tempos de militância marxista — entre 1988 e 1998, em Aracati-CE —, eu nunca consegui me sentir confortável com a ideia de depender do Estado. Como filho mais velho, fui criado com o senso de responsabilidade batendo à porta desde cedo. Meu pai, homem simples e direto, repetia sempre uma lição que carrego até hoje: “Não fique sentindo peninha de você mesmo, porque o mundo lá fora não vai ter pena de você!” Talvez por isso eu nunca tenha alimentado esse vício perigoso do paternalismo estatal. O Estado, quando se propõe a cuidar demais, acaba fazendo o oposto: transforma cidadãos em dependentes. Diz o que é melhor para nós, se mete em nossas escolhas, dita regras e, por fim, molda pessoas obedientes — pobres, saudáveis o suficiente para trabalhar, mas incapazes de pensar com autonomia. É um sistema que prefere súditos dóceis a indivíduos livres.
Mesmo na época em que eu acreditava estar lutando “pela causa”, buscando expropriar a burguesia, nacionalizar setores estratégicos e socializar riquezas (dos outros, claro), havia algo que me incomodava profundamente: a contradição de confiar todo o poder ao próprio Estado que eu dizia querer transformar. No fundo, eu intuía que burocratas e burgueses são feitos do mesmo material — seres humanos, com suas fraquezas, vaidades e ambições. Tal percepção me levou a algo que sempre considerei essencial: olhar os três lados da moeda. E foi essa curiosidade — essa recusa em aceitar verdades prontas — que me fez sair da bolha ideológica e enxergar o mundo com outros olhos.
Nos textos que compartilho a seguir, apresento uma reflexão pessoal e crítica sobre o que chamei, na época, de “Fim do Estado” e minha breve fascinação por uma utopia chamada “governança global”. Hoje olho para tudo isso com um misto de ironia e aprendizado — porque é impressionante como podemos ser sinceramente ingênuos quando acreditamos estar “salvando o mundo”. Mas deixo o convite: leiam, discordem, debatam e, quem sabe, me iluminem com novos pontos de vista. Afinal, pensar é o que nos mantém livres.
Não confie no Estado
Por *Juliana Bravo
Quando folheamos as muitas
páginas da nossa Constituição Federal, as incontáveis garantias a direitos
inalienáveis e a vasta proteção ao cidadão podem, em um primeiro momento,
despertar o mais largo dos sorrisos daqueles que vivem sob a égide da Lei Maior
do Brasil. A realidade, contudo, impõe-se à letra da lei e nos recorda que o
poder do Estado facilmente dilacera cada uma das prerrogativas que, tal qual
indivíduos estabelecidos em uma democracia moderna, dávamos como certas. Um alerta deve estar
claro desde o início: não confie a defesa da sua propriedade ao governo. O
artigo constitucional que garante esse direito é o mesmo que o condiciona ao
atendimento de uma função social, figura que torna legal a intervenção estatal
na sua propriedade, sob o argumento de um interesse público relevante. O
interesse público relevante, contudo, é determinado pelos desejos políticos e
ideológicos de quem tem a caneta na mão. Quando o direito à fruição da sua propriedade
está subordinado às vontades do Estado, o real proprietário é ele, sendo o
indivíduo o mero detentor da coisa.
-Não confie a defesa do seu direito
de expressão ao governo! A capacidade de raciocinar e expressar ideias de maneira complexa
não somente é uma característica que destaca o ser humano de outros animais
como é um importante instrumento para a evolução civilizatória. Por mais desafiador
que seja conviver com ideias dissonantes das nossas, a tolerância a elas só é
possível quando as nossas próprias ideias são igualmente toleradas. Apesar de a
nossa Constituição prever o direito à livre manifestação do pensamento, a
verdade é que quem deveria garanti-lo endossa a censura daquilo que lhe é
contrário ou considerado politicamente incorreto. Bloqueios de contas em redes
sociais, buscas e apreensões infundadas e quebra de sigilos bancários por meio
de decisões monocráticas de ministros do STF – o guardião da Constituição
Federal – ditaram, nos últimos meses, o compasso sob o qual o Estado de Direito
brasileiro era tocado.
-Não confie a defesa da sua
vida ao governo! A vida, direito inviolável e condição para o exercício de inúmeros
outros direitos, também compõe o rol de garantias constitucionais, cabendo ao
Estado assegurá-lo em dupla acepção: o de continuar vivo e o de se ter vida
digna. Do latim dignĭtas, seu significado faz referência ao valor do indivíduo
como ser humano. Dignidade é uma qualidade que depende intrinsecamente da
racionalidade, uma vez que apenas nós, seres humanos, somos capazes de buscar a
felicidade e a altivez moral utilizando-nos da nossa autonomia e do
livre-arbítrio. Como esperar garantia de vida digna quando o Estado lança mão
de todos os recursos disponíveis para assegurar que grande parte dos frutos do
trabalho de cada pessoa seja destinado à manutenção – e ao crescimento – de
privilégios dos “amigos do rei” em detrimento da própria população que os custeia?
-Não confie a defesa das suas
liberdades ao governo! O Estado nos permite desfrutar de liberdade apenas o suficiente
para pensarmos que somos livres, mas não o suficiente para que sejamos, de
fato, indivíduos livres. Se uma crítica ao governo em rede social causa
receio de perseguição a quem a proferiu, se a Lei não é aplicada de forma
equitativa a todos os cidadãos, se o que se conquista por meio de trabalho
árduo é tomado por quem nada produz, então não vivemos pela cartilha de um
Estado Democrático de Direito que tanto se orgulha da própria Constituição.
Deveríamos
ter aprendido há muito tempo que governos que mentem, trapaceiam, perseguem e
extorquem seu povo, não são confiáveis e, de forma alguma, são amigos da
liberdade. Como já disse o economista austríaco Friedrich Hayek, em sua obra O
Caminho da Servidão: “sob o Estado de Direito, o indivíduo é livre
para perseguir seus fins e desejos pessoais, com a certeza de que os poderes do
governo não serão usados deliberadamente para frustrar seus esforços.” - No papel, podemos até ser tecnicamente livres,
mas, na realidade, somos tão livres quanto um burocrata estatal pode permitir.
*Juliana Bravo – Associada II do Instituto
Líderes do Amanhã.
Fonte-https://www.institutoliberal.org.br/blog/politica/nao-confie-no-estado/
Hora de enfrentar o Estado paternalista
Por Fernando Schuler
Li a
entrevista de um jovem professor de história sobre a reforma da Previdência.
Cara articulado, 28 anos e “de esquerda”. Diz que seu sonho era se
aposentar aos 53 e abrir um clube de poesia. Mas que agora tudo se desfez. Terá
que repensar as coisas. Li aquilo e fiquei pensando: “O que há com esse cara?
Podia pensar em ser empreendedor, abrir uma editora, um ‘Ted poesia’, uma ‘casa
do saber’, sei lá. Vai lá no Sebrae, pesquisa, pede alguns conselhos. O cara é
jovem, sem uma ruga no rosto, joelhos em dia. Compra um
livro de auto-ajuda”. Daqui a 25 anos não sei nem se ainda vão existir livros
de papel ou computadores pessoais. E o sujeito preocupado em se aposentar pelo
INSS?
-O Brasil velho é assim. Feito
de 76% de jovens com até 24 anos e preocupados em se aposentar ainda
cinquentões. Isso num país que gasta 12% do PIB com Previdência, quase três
vezes a média do que gastam países com mesmo perfil demográfico. Não acho que
as pessoas estejam preocupadas com números ou com a “sustentabilidade fiscal”.
Estamos simplesmente imersos em uma cultura política que desconfia do
“mercado”, foge do risco e das escolhas difíceis. País de cultura paternalista,
da qual a “esquerda” é sem dúvida a vanguarda, mas está longe de andar sozinha.
-O Brasil velho gosta de coisas
esquisitas como o imposto sindical. Criado na Constituição de 1937, a “polaca”,
o tributo sustenta hoje uma enorme máquina feita de 10.817 sindicatos de
trabalhadores, 5.251 sindicatos patronais, 549 federações, 43 confederações e 7
centrais sindicais. Lembranças nebulosas nos dão conta de que o sindicalismo liderado
por Lula, nos anos 70, teria defendido a livre associação sindical, o princípio
elementar de que as pessoas, querendo apoiar o seu sindicato, decidam pagar por
isso. O tempo tratou de apagar tudo isto. A esquerda que um dia ensaiou alguns
passos de independência caiu de boca no colo quente do Estado.
-O Brasil velho
gosta de voto obrigatório! Dia desses fui a um debate
com uma professora da Universidade de São Paulo. O debate andava meio morno e
resolvi dar uma provocada. Disse que precisávamos acabar
com a obrigatoriedade do voto. A senhora retrucou que não. Que isso iria apenas
favorecer os “mais ricos”. Na sua visão, brasileiro pobre precisa de um
empurrão do governo para votar. Se não acaba ficando em casa, no domingo,
assistindo ao Faustão. Olhei pra ela e me lembrei de Kant. O velho filósofo
dizia que a gente só aprende a ser livre exercitando a própria liberdade. É
como andar de bicicleta. As pessoas, independentemente da renda, vão aprendendo
a exercitar seus direitos. Leva algum tempo, mas
aprendem. Olhei pra ela e fiquei quieto. Mudei de assunto e continuei o debate.
-O mesmo vale para o
financiamento eleitoral. Sugeri, em um seminário, que os próprios indivíduos,
eleitores, apoiadores, deveriam financiar, com recursos próprios, os partidos
políticos. Cada um vai lá e
apoia o partido de sua preferência. Meu debatedor, bom cientista político,
pareceu irritado. O Brasil não tem tradição de apoio individual a coisa
nenhuma, disse ele. Ninguém põe dinheiro, ninguém acredita. Não tem jeito, o
Estado tem que bancar. Ato seguinte sugeriu um aumento do fundo partidário para
coisa de R$ 2,5 bilhões. Lembrei a ele que o tempo “gratuito” de TV, para os
partidos, já custa R$ 500 milhões e que o fundo partidário era de pouco mais de
R$ 300 milhões antes das últimas eleições. Ele olhou pra mim com cara de tio
sabido e disse: “Democracia custa caro, Fernando”. O debate seguiu, e hoje
estamos perto de aprovar no Congresso um fundo partidário “turbinado” de algo
mais do que R$ 2 bilhões. O ponto é que vivemos em um tempo surpreendente
e confuso. Há a reforma da Previdência, há a chance real de acabar com o
imposto sindical e há mesmo a chance de fazer uma minirreforma política, que
devolva ao voto o sentido de um direito. Há um Brasil que tenta se livrar de velhos
fantasmas do Estado Novo, da velha conversa fiada de que nossa gente é incapaz
de andar com as próprias pernas. Há um país que, talvez embalado por essa crise toda, tenta andar
um bocadinho à frente. Oxalá.
*Fernando Schüler é cientista político e
professor do Insper
CONCLUSÃO
Olhar para trás e revisitar antigas crenças é um exercício doloroso, mas libertador. Não é fácil admitir que fomos parte de uma engrenagem ideológica que, em nome da justiça, acabou se alimentando da dependência e da submissão. Com o tempo, compreendi que o Estado — esse ente que se apresenta como salvador — é, muitas vezes, apenas o disfarce da vaidade humana ampliada. Por trás dos discursos nobres e das promessas de igualdade, existe sempre um projeto de poder. E poder, como bem sabemos, raramente combina com liberdade. O paternalismo estatal é sedutor: ele oferece segurança, conforto e a ilusão de que alguém está no controle. Mas, em troca, exige nossa autonomia, nossa voz e, principalmente, nossa capacidade de pensar por conta própria. É uma troca cara demais. Porque quando o Estado começa a decidir o que é melhor para todos, o indivíduo desaparece — e o cidadão se transforma em súdito, dependente e dócil, acreditando que obediência é virtude. Hoje percebo que o verdadeiro progresso não nasce da coerção nem da tutela, mas da consciência de que cada pessoa é responsável por sua própria vida. A liberdade é um fardo pesado — exige coragem, disciplina e, acima de tudo, maturidade moral. É muito mais fácil entregar o próprio destino a um governo, a um partido ou a uma ideologia do que assumir o risco de escolher e errar por conta própria. Mas é nesse risco que mora a dignidade humana. A experiência me ensinou que não existem sistemas perfeitos, nem salvadores de plantão. Toda vez que o Estado promete “cuidar de tudo”, é sinal de que quer controlar tudo. E quando o indivíduo se acostuma a esse controle, já não há revolução possível — porque a servidão, quando confortavelmente instalada, se confunde com normalidade. Portanto, se há uma verdadeira revolução a ser feita, ela começa dentro de cada um de nós. É a revolução da consciência contra a dependência, da responsabilidade contra o vitimismo, da liberdade contra o medo. O Estado pode até organizar a sociedade, mas jamais deve organizar a alma humana. Porque o dia em que precisarmos do Estado para pensar, sonhar ou decidir quem somos, já não seremos cidadãos — seremos apenas peças obedientes de uma máquina que chama de “bem comum” aquilo que é, no fundo, o controle total. E é justamente essa compreensão — fruto de erros, amadurecimento e autocrítica — que me fez ver que a maior vitória que alguém pode alcançar não é conquistar o poder, mas libertar-se da necessidade de ser governado o tempo todo.
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