SOLENE PROFISSÃO DE FÉ NA CONCLUSÃO DO «ANO DA FÉ»-PROCLAMADO POR OCASIÃO DO XIX CENTENÁRIO DO MARTÍRIO DOS APÓSTOLOS PEDRO E PAULO EM ROMA
CREDO DO
POVO DE DEUS
Praça de São Pedro - Domingo,
30 de Junho de 1968
Veneráveis irmãos e diletos filhos:
1. Encerramos, com esta Liturgia
solene, tanto a celebração do XIX centenário do martírio dos Santos Apóstolos
Pedro e Paulo, como este ano que denominamos "Ano da Fé". Nós o dedicamos à comemoração dos
Apóstolos, não só com a intenção de testemunhar nossa vontade inquebrantável de
conservar sem corrupção o depósito da Fé (cf. 1Tm 6, 20) que eles nos
transmitiram, senão também para confirmar o nosso propósito de relacionar a
mesma Fé com a vida dos tempos atuais, em que a Igreja deve peregrinar no
mundo.
2. Sentimo-nos na obrigação de
agradecer publicamente a todos os fiéis que responderam ao nosso convite,
fazendo com que o "Ano da Fé" produzisse o máximo de frutos, quer por uma adesão mais profunda à Palavra
de Deus, quer pela renovação da profissão de fé em muitas comunidades, quer
pela confirmação da própria fé, com o testemunho de uma vida autenticamente
cristã. Por isso, ao mesmo tempo que expressamos nosso reconhecimento,
sobretudo a nossos Irmãos no Episcopado e a todos os filhos da Santa Igreja,
queremos dar-lhes nossa Bênção Apostólica.
3. Julgamos ainda que devemos
cumprir o mandato, conferido por Cristo a Pedro, de quem somos Sucessor, embora
o último na ordem dos méritos, a saber: o de confirmar na fé os irmãos (Lc 22,
32). Portanto, ainda que estejamos
conscientes de nossa pequenez, contando porém com toda a força desse mandato
que nos impele, vamos fazer uma profissão de fé,
recitar uma fórmula de "Credo" que, embora não se deva chamar
estritamente definição dogmática, contudo repete, quanto à substância, a
fórmula de Nicéia ― a fórmula da imortal Tradição da Santa Igreja de Deus ―
com algumas explicações exigidas pelas condições espirituais de nossa época.
4. Ao fazer isto, bem sabemos que
perturbações em relação à fé agitam hoje certos grupos de homens. Eles não
escaparam à influência de um mundo que se está transformando profundamente e no
qual tantas verdades são postas em discussão ou totalmente negadas. Mais ainda: vemos que até alguns católicos
se deixam dominar por uma espécie de sede de mudança e novidades. A Igreja, sem
dúvida, julga ser de sua obrigação continuar sempre o seu esforço em penetrar
mais e mais os insondáveis mistérios de Deus, ricos de tantos frutos de
salvação para todos, e em apresentá-los ao mesmo tempo, de modo cada vez mais
apto, às gerações que se sucedem. Mas é preciso juntamente empregar o
máximo cuidado a fim de que, ao cumprir o necessário dever da investigação, não
se destruam verdades da doutrina cristã. Se isto acontecesse ― e vemos
dolorosamente como hoje de fato acontece ― iria causar perturbação e dúvida no
espírito de muitos fiéis.
5. A este respeito, muito importa advertir que, além daquilo que se pode observar e reconhecer cientificamente, a inteligência que Deus nos deu atinge o que é e não só as expressões subjetivas das chamadas estruturas ou da evolução da consciência humana. Aliás, devemos lembrar que pertence à interpretação ou hermenêutica, depois de examinar a palavra que foi pronunciada, procurarmos compreender e distinguir o sentido subjacente a qualquer texto e não inventar de certo modo esse sentido, segundo hipóteses arbitrárias.
6. Acima de tudo, porém,
confiamos firmissimamente no Espírito Santo ― alma da Igreja ― e na fé
teologal, em que se sustenta a vida do Corpo Místico. Por outra parte, não ignorando que o povo espera a palavra do Vigário
de Cristo, correspondemos a essa expectativa com alocuções e homilias, que
proferimos bem frequentemente. Hoje, todavia, se nos oferece a oportunidade
para pronunciar uma palavra mais solene.
7. Neste dia, pois, que
escolhemos para encerramento do "Ano da Fé", nesta solenidade dos
Santos Apóstolos Pedro e Paulo, queremos prestar à Majestade Suprema de Deus a
homenagem de uma profissão de fé. E como
outrora, em Cesaréia de Felipe, Simão Pedro, em nome dos Doze Apóstolos, à
margem das opiniões humanas, confessou ser Cristo verdadeiramente o Filho de
Deus vivo, assim também hoje o seu humilde sucessor, Pastor da Igreja
universal, em nome de todo o Povo de Deus, eleva a sua voz para dar firmíssimo
testemunho da Verdade divina, que só foi confiada à Igreja para que ela anuncie
a todas as nações. Queremos que esta nossa profissão de fé seja
suficientemente explícita e completa para satisfazer, de maneira adequada, à
necessidade de luz que angustia a tantos fiéis e a todos aqueles que no mundo
buscam a Verdade, seja qual for o grupo espiritual a que pertençam. Portanto,
para a glória de Deus onipotente e Senhor nosso, Jesus Cristo.
Confiando no auxílio
da Santíssima Virgem Maria e dos Bem-Aventurados Pedro e Paulo; para utilidade e progresso espiritual da Igreja; em nome de
todos os sagrados Pastores e de todos os fiéis cristãos; em plena comunhão
convosco, irmãos e filhos caríssimos, vamos pronunciar agora esta
profissão de fé:
8. Cremos em um só Deus ― Pai,
Filho e Espírito Santo ― Criador das coisas visíveis ― como este mundo, onde se
desenrola nossa vida passageira ―, Criador das coisas invisíveis ― como são os puros espíritos,
que também chamamos anjos [1] ―,
Criador igualmente, em cada homem, da alma espiritual e imortal[2].
9. Cremos que este Deus único é tão
absolutamente uno em sua essência santíssima como em todas as suas demais
perfeições: na sua onipotência, na sua ciência infinita, na sua providência, na
sua vontade e no seu amor. Ele é Aquele que é, conforme Ele próprio revelou a Moisés
(cf. Ex 3, 14); Ele é Amor como nos ensinou o Apóstolo São João (cf. 1Jo 4, 8);
de tal maneira que estes dois nomes ― Ser e Amor ― exprimem inefavelmente a
mesma divina essência Daquele que se quis manifestar a nós e que, habitando uma
luz inacessível (cf 1Tm 6,16), está, por si mesmo, acima de todo nome, de todas
as coisas e de todas as inteligências criadas. Só Deus pode dar-nos
um conhecimento exato e pleno de si mesmo, revelando-se como Pai, Filho e
Espírito Santo, de cuja vida eterna somos pela graça chamados a participar,
aqui na terra, na obscuridade da fé, e, depois da morte, na luz sempiterna. As
relações mútuas, que constituem eternamente as Três Pessoas, sendo, cada uma
delas, o único e mesmo Ser Divino, perfazem a bem-aventurada vida íntima do
Deus Santíssimo, infinitamente acima de tudo o que podemos conceber à maneira
humana[3]. Entretanto, rendemos graças à Bondade divina pelo fato de poderem
numerosíssimos crentes dar testemunho conosco, diante dos homens, sobre a
unidade de Deus, embora não conheçam o mistério da Santíssima Trindade.
10. Cremos, portanto, em Deus Pai
que desde toda a eternidade gera o Filho; cremos no Filho, Verbo de Deus que é
eternamente gerado; cremos no Espírito Santo, Pessoa incriada, que procede do
Pai e do Filho como Amor sempiterno de ambos. Assim nas três Pessoas Divinas que são igualmente eternas e iguais
entre si [4], a vida e a felicidade de Deus perfeitamente uno superabundam e se
consumam na super excelência e glória próprias da Essência incriada; e
sempre se deve venerar a unidade na Trindade e a Trindade na unidade [5].
11. Cremos em Nosso Senhor Jesus
Cristo, o Filho de Deus. Ele é o Verbo eterno, nascido do Pai antes de todos os
séculos e consubstancial ao Pai, homoousious to Patri. Por Ele tudo foi feito.
Encarnou por obra do Espírito Santo, de Maria Virgem, e se fez homem. Portanto,
é igual ao Pai, segundo a divindade, mas inferior ao Pai, segundo a
humanidade[6], absolutamente
uno, não por uma confusão de naturezas (que é impossível), mas pela unidade da
pessoa [7].
12. Ele habitou entre nós, cheio
de graça e de verdade. Anunciou e fundou o Reino de Deus, manifestando-nos em
si mesmo o Pai. Deu-nos o seu mandamento novo de nos amarmos uns aos outros
como Ele nos amou. Ensinou-nos o caminho das bem-aventuranças evangélicas, isto
é: a ser pobres de espírito e mansos, a tolerar os sofrimentos com paciência, a
ter sede de justiça, a ser misericordiosos, puros de coração e pacíficos, a
suportar perseguição por causa da virtude. Padeceu sob Pôncio Pilatos, Cordeiro de Deus que carregou os
pecados do mundo, e morreu por nós pregado na Cruz, trazendo-nos a salvação
pelo seu Sangue redentor. Foi sepultado e ressuscitou ao terceiro
dia pelo seu próprio poder, elevando-nos por esta sua ressurreição a
participarmos da vida divina que é a graça. Subiu ao céu, de onde há de vir
novamente, mas então com glória, para julgar os vivos e os mortos, a cada um
segundo os seus méritos: os que corresponderam ao Amor e à Misericórdia de Deus
irão para a vida eterna; porém os que os tiverem recusado até a morte serão
destinados ao fogo que nunca cessará. E o seu reino não terá fim.
13. Cremos no Espírito Santo,
Senhor que dá a vida e que com o Pai e o Filho é juntamente adorado e
glorificado. Foi Ele que falou pelos profetas e nos foi enviado por Jesus
Cristo, depois de sua ressurreição e ascensão ao Pai. Ele ilumina, vivifica, protege e governa a Igreja, purificando seus
membros, se estes não rejeitam a graça. Sua ação, que penetra no íntimo da
alma, torna o homem capaz de responder àquele preceito de Cristo: "Sede
perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste" (cf. Mt 5, 48).
14. Cremos que Maria Santíssima,
que permaneceu sempre Virgem, tornou-se Mãe do Verbo Encarnado, nosso Deus e
Salvador, Jesus Cristo[8]; e que por motivo desta eleição singular, em consideração dos
méritos de seu Filho, foi remida de modo mais sublime[9], e preservada imune de
toda a mancha do pecado original[10]; e
que supera de longe todas as demais criaturas, pelo dom de uma graça insigne[11].
15. Associada por um vínculo
estreito e indissolúvel aos mistérios da Encarnação e da Redenção[12], a
Santíssima Virgem Maria, Imaculada, depois de terminar o curso de sua vida
terrestre, foi elevada em corpo e alma à glória celestial[13]; e, tornada
semelhante a seu Filho, que ressuscitou dentre os mortos, participou
antecipadamente da sorte de todos os justos. Cremos que a Santíssima Mãe de Deus, nova Eva,
Mãe da Igreja[14], continua no céu a desempenhar seu ofício materno, em relação
aos membros de Cristo, cooperando para gerar e desenvolver a vida divina em
cada uma das almas dos homens que
foram remidos[15].
16. Cremos que todos pecaram em
Adão; isto significa que a culpa original, cometida por ele, fez com que a
natureza, comum a todos os homens, caísse num estado no qual padece as
consequências dessa culpa. Tal estado já não é aquele em que no princípio se encontrava
a natureza humana em nossos primeiros pais, uma vez que se achavam constituídos
em santidade e justiça, e o homem estava isento do mal e da morte. Portanto, é
esta natureza assim decaída, despojada de dom da graça que antes a adornava,
ferida em suas próprias forças naturais e submetidas ao domínio da morte, é
esta que é transmitida a todos os homens. Exatamente neste sentido, todo
homem nasce em pecado. Professamos pois,
segundo o Concílio de Trento, que o pecado original é
transmitido juntamente com a natureza humana, pela propagação e não por imitação, e se acha em cada um como próprio[16].
17. Cremos que Nosso Senhor Jesus
Cristo, pelo Sacrifício da Cruz, nos remiu do pecado original e de todos os
pecados pessoais, cometidos por cada um de nós; de sorte que se impõe como
verdadeira a sentença do Apóstolo: "onde abundou o delito, superabundou a
graça" (cf. Rm 5, 20).
18. Cremos professando num só Batismo, instituído por Nosso Senhor Jesus
Cristo para a remissão dos pecados. O Batismo deve ser administrado também às
crianças que não tenham podido cometer por si mesmas pecado algum; de modo que, tendo nascido com a privação da graça
sobrenatural, renasçam da água e do Espírito Santo para a vida divina em Jesus Cristo[17].
19.Cremos na Igreja una, santa,
católica e apostólica, edificada por Jesus Cristo sobre a pedra que é Pedro.
Ela é o Corpo Místico de Cristo, sociedade visível, estruturada em órgãos hierárquicos e, ao
mesmo tempo, comunidade espiritual. Igreja terrestre, Povo de Deus
peregrinando aqui na terra, e Igreja enriquecida de bens celestes, germe e
começo do Reino de Deus, por meio do qual a obra e os sofrimentos da Redenção
continuam ao longo da história humana, aspirando com todas as forças a
consumação perfeita, que se conseguirá na glória celestial após o fim dos
tempos[18]. No decurso do tempo, o Senhor Jesus forma a sua Igreja pelos
Sacramentos que emanam de sua plenitude [19]. Por eles a Igreja faz com que
seus membros participem do mistério da Morte e Ressurreição de Jesus Cristo,
pela graça do Espírito Santo que a vivifica e move [20]. Por conseguinte, ela é santa, apesar de incluir
pecadores no seu seio; pois em si mesma não goza de outra vida senão a vida da
graça. Se realmente seus membros se alimentam dessa vida, se santificam; se
dela se afastam, contraem pecados e impurezas espirituais, que impedem o brilho
e a difusão de sua santidade. É por isso que ela sofre e faz
penitência por esses pecados, tendo o poder de livrar deles a seus filhos, pelo
Sangue de Cristo e pelo dom do Espírito Santo.
20. Herdeira das promessas
divinas e filha de Abraão segundo o Espírito, por meio daquele povo de Israel,
cujos livros sagrados guarda com amor e cujos Patriarcas e Profetas venera com
piedade; edificada sobre o fundamento dos Apóstolos, cuja palavra sempre viva e
cujos poderes, próprios de Pastores, vem transmitindo fielmente de geração em
geração, no sucessor de Pedro e nos Bispos em comunhão com ele; gozando enfim da
perpétua assistência do Espírito Santo, a Igreja tem o encargo de conservar,
ensinar, explicar e difundir a Verdade que Deus revelou aos homens, veladamente
de certo modo pelos Profetas, e plenamente pelo Senhor Jesus. Nós
cremos todas essas coisas que estão contidas na Palavra de Deus por escrito ou
por tradição, e que são propostas pela Igreja, quer em declaração solene quer
no Magistério ordinário e universal, para serem cridas como divinamente
reveladas [21].
Nós cremos na infalibilidade de que goza o Sucessor de Pedro, quando fala ex
cathedra[22], como Pastor e Doutor de todos os cristãos e que reside também no
Colégio dos Bispos, quando com o Papa exerce o Magistério
supremo[23].
21. Cremos que a Igreja, fundada
por Cristo e pela qual Ele orou, é indefectivelmente una, na fé, no culto e no
vínculo da comunhão hierárquica [24]. No seio desta Igreja, a riquíssima variedade dos ritos
litúrgicos e a diversidade legítima do patrimônio teológico e espiritual ou de
disciplinas peculiares, longe de prejudicar a unicidade, antes a
declaram [25].
22. Reconhecendo também que fora da estrutura
da Igreja de Cristo existem muitos elementos de santificação e de verdade, que
como dons próprios da mesma Igreja impelem à unidade católica[26], e crendo,
por outra parte, na ação do Espírito Santo que suscita em todos os discípulos
de Cristo o desejo desta unidade[27], esperamos que os cristãos que ainda não gozam da plena
comunhão com a única Igreja, se unam afinal num só rebanho sob um único Pastor.
23. Cremos que a Igreja é
necessária para a Salvação, pois só Cristo é o Mediador e caminho da
salvação, e Ele se torna presente a nós no seu Corpo que é a Igreja [28]. Mas o desígnio
divino da Salvação abrange a todos os homens; e aqueles que,
ignorando sem culpa o Evangelho de Cristo e sua Igreja, procuram todavia a Deus
com sincero coração, e se esforçam, sob o influxo da graça, por cumprir com
obras a sua vontade, conhecida pelo ditame da consciência, também esses, em
número aliás que somente Deus conhece, podem conseguir a salvação eterna [29].
24. Cremos que a Missa, celebrada pelo
sacerdote, que representa a pessoa de Cristo, em virtude do poder recebido no
sacramento da Ordem, e oferecida por ele em nome de Cristo e dos membros do seu
Corpo Místico, é realmente o Sacrifício do Calvário, que se torna
sacramentalmente presente em nossos altares. Cremos que, como o Pão e o Vinho consagrados pelo Senhor, na última
ceia, se converteram no seu Corpo e Sangue, que logo iam ser oferecidos por nós
na Cruz; assim também o Pão e o Vinho consagrados pelo sacerdote "se convertem" no Corpo e Sangue de Cristo que assiste
gloriosamente no céu. Cremos ainda que a misteriosa presença do Senhor,
debaixo daquelas espécies que continuam aparecendo aos nossos sentidos do mesmo
modo que antes, é uma presença verdadeira, real e substancial[30].
25. Neste sacramento, pois,
Cristo não pode estar presente de outra maneira a não ser pela mudança de toda
a substância do pão no seu Corpo, e pela mudança de toda a substância do vinho
no seu Sangue, permanecendo apenas inalteradas as propriedades do pão e do
vinho, que percebemos com os nossos sentidos. Esta mudança misteriosa é chamada pela Igreja
com toda a exatidão e conveniência transubstanciação. Assim, qualquer
interpretação de teólogos, buscando alguma inteligência deste mistério, para
que concorde com a fé católica, deve colocar bem a salvo que na própria
natureza das coisas, isto é, independentemente do nosso espírito, o pão e o
vinho deixaram de existir depois da consagração, de sorte que o Corpo adorável
e o Sangue do Senhor Jesus estão na verdade diante de nós, debaixo das espécies
sacramentais do pão e do vinho[31], conforme o mesmo Senhor quis,
para se dar a nós em alimento e para nos associar pela unidade do seu Corpo
Místico[32].
26. A única e indivisível
existência de Cristo nosso Senhor, glorioso no céu, não se multiplica mas se
torna presente pelo Sacramento, nos vários lugares da terra, onde o Sacrifício
Eucarístico é celebrado. E depois da celebração do Sacrifício, a mesma existência
permanece presente no Santíssimo Sacramento, o qual no sacrário do altar é como
o coração vivo de nossas igrejas. Por isso estamos obrigados, por um dever
certamente suavíssimo, a honrar e adorar, na Sagrada Hóstia que os nossos olhos
vêem, ao próprio Verbo Encarnado que eles não podem ver, e que, sem ter deixado
o céu, se tornou presente diante de nós.
27. Confessamos igualmente que o Reino de Deus, começado aqui
na terra na Igreja de Cristo, "não é deste mundo" (cf. Jo 18, 36),
"cuja figura passa" (cf. 1Cor 7, 31), e também que o seu crescimento
próprio não pode ser confundido com o progresso da cultura humana ou das
ciências e artes técnicas; mas consiste em conhecer, cada vez mais
profundamente, as riquezas insondáveis de Cristo, em esperar sempre com maior
firmeza os bens eternos, em responder mais ardentemente ao amor de Deus, enfim
em difundir-se cada vez mais largamente a graça e a santidade entre os homens.
Mas com o mesmo amor, a Igreja é impelida a interessar-se continuamente pelo
verdadeiro bem temporal dos homens. Pois, não cessando de advertir a todos os seus filhos que
eles "não possuem aqui na terra uma morada permanente" (cf. Hb 13,
14), estimula-os também a que contribuam, segundo as condições e os recursos de
cada um, para o desenvolvimento da própria sociedade humana; promovam a
justiça, a paz e a união fraterna entre os homens; e prestem ajuda a seus
irmãos, sobretudo aos mais pobres e mais infelizes. Destarte, a grande solicitude com que a Igreja,
Esposa de Cristo, acompanha as necessidades dos homens, isto é, suas alegrias e
esperanças, dores e trabalhos, não é outra coisa senão o ardente desejo que a
impele com força a estar presente junto deles, tencionando iluminá-los com a
luz de Cristo, congregar e unir a todos Naquele que é o seu único Salvador. Tal solicitude
entretanto, jamais se deve interpretar como se a Igreja se acomodasse às coisas
deste mundo, ou se tivesse resfriado no fervor com que ela mesma
espera seu Senhor e o Reino eterno.
28. Cremos na vida eterna. Cremos
que as almas de todos aqueles que morrem na graça de Cristo ― quer as que se
devem ainda purificar no fogo do Purgatório, quer as que são recebidas por
Jesus no Paraíso, logo que se separam do corpo, como sucedeu com o Bom Ladrão
―, formam o Povo de Deus para além da morte, a qual será definitivamente
vencida no dia da Ressurreição, em que estas almas se reunirão a seus corpos.
29. Cremos que a multidão das
almas, que já estão reunidas com Jesus e Maria no Paraíso, constituem a Igreja
do céu, onde gozando da felicidade eterna, vêem Deus como Ele é (cf. 1Jo 3, 2)
[33], e participam com os santos Anjos, naturalmente em grau e modo diverso, do
governo divino exercido por Cristo glorioso, uma vez que intercedem por nós e ajudam muito a
nossa fraqueza, com a sua solicitude fraterna[34].
30. Cremos na comunhão de todos
os fiéis de Cristo, a saber: dos que peregrinam sobre a terra, dos defuntos que
ainda se purificam e dos que gozam da bem-aventurança do céu, formando todos
juntos uma só Igreja. E cremos igualmente que nesta comunhão dispomos do amor
misericordioso de Deus e dos seus Santos, que estão sempre atentos para ouvir
as nossas orações, como Jesus nos garantiu: "Pedi e recebereis" (cf.
Lc 11, 9-10; Jo 16, 24). Professando
está fé e apoiados nesta esperança, nós aguardamos a ressurreição dos mortos e
a vida do século futuro.
Bendito seja Deus: Santo, Santo,
Santo! Amém.
Pronunciado diante da Basílica de
São Pedro, dia 30 de junho do ano de 1968, sexto de nosso Pontificado.
PAPA PAULO VI
Notas
[1] cf. Concílio
Vaticano I, Constituição Dogmática Dei Filius.
[2] cf. Encíclica
Humani Generis; Concílio de Latrão V.
[3] cf. Concílio
Vaticano I, Constituição Dogmática Dei Filius.
[4] Símbolo
Quicumque, n. 75.
[5] Ibidem.
[6] Ibid. nº 76.
[7] Ibidem.
[8] cf. Concílio de
Éfeso: 251-252.
[9] cf. Concílio
Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen Gentium, 53.
[10] cf. Pio IX, Bula
Ineffabilis Deus.
[11] cf. Lumen
Gentium, 53.
[12] cf. ibidem 53,
58 e 61.
[13] cf. Constituição
Apostólica Munificentissimus Deus.
[14] cf. Lumen
Gentium, 53, 56, 61 e 63; Paulo VI, alocução na conclusão da 3ª Sessão do
Concílio Vaticano II; Exortação Apostólica Signum Magnum.
[15] cf. Lumen
Gentium, 62, Paulo VI, Exortação Apostólica Signum Magnum.
[16] cf. Concílio de
Trento, Decreto sobre o pecado original.
[17] cf. Concílio de
Trento, ibid.
[18] cf. Lumen
Gentium, 8 e 50.
[19] cf. ibid. 7 e
11.
[20] cf. Concílio
Vaticano II, Constituição Sacrosanctum Concilium 5 e 6; Lumen Gentium, 7, 12 e
50.
[21] cf. Concílio
Vaticano I, constituição Dei Filius.
[22] cf. ibid.,
Constituição Pastor Aeternus.
[23] cf. Lumen
Gentium, 25.
[24] cf. ibid, 8, 18
a 23; Decreto Unitatis Redintegratio.
[25] cf. Lumen
Gentium, 23; decreto Orientalium Ecclesiarum 2, 3, 5 e 6.
[26] cf. Lumen
Gentium, 8.
[27] cf. ibid. 15.
[28] cf. ibid. 14.
[29] cf. ibid. 16.
[30] cf. Concílio de
Trento, Sessão 13, Decreto sobre a Eucaristia.
[31] cf. ibid.; Paulo
VI, Encíclica Mysterium Fidei.
[32] cf. Suma
Teológica III, q. 73, a. 3.
[33] cf. Bento XII,
Constituição Benedictus Deus.
[34]cf. Lumen
Gentium, 49.
Fonte:https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/motu_proprio/documents/hf_p-vi_motu-proprio_19680630_credo.html
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