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#Carismas e Hierarquia: os dois pulmões que se completam e complementam a igreja de Cristo!

Written By Beraká - o blog da família on domingo, 15 de dezembro de 2019 | 13:33







Comentários do Blog Berakash: Vemos hoje sacerdotes defendendo e até negando a necessidade do sacerdócio ministerial na Igreja, como vemos também, leigos defendo um "Clericalismo exacerbado". Como encontrar o equilíbrio nestas duas dimensões da Igreja: Carismas e Poder? A espiritualidade laical é uma espiritualidade que une polos distintos e processos improváveis de comunhão, isto é, encontrar Deus em todas as coisas, contemplar na ação, usar de todas as coisas na medida em que nos levem a um fim maior. Ela permite que muitos aspectos do nosso mundo que estão nos fragmentando façam sentido em uma mesma direção, que é encontrar o rosto encarnado de Cristo em meio à realidade diversa, e, nela, sentir-nos chamado a ser redenção do gênero humano, ou seja, a fazer sentido da esperança e do projeto de vida, de justiça e de dignidade em meio à realidade. Essa espiritualidade permite que, em todos os âmbitos da vida cotidiana, profissional, política, social, cívica, sintamos que somos chamados a fazer a diferença, que, seja o que for que façamos, fazemo-lo com uma profunda convicção de que ali estamos construindo o Reino e que isso seja notado. Não que seja notado de uma maneira qualitativamente distinta, mas sim pela profundidade e pelo testemunho de fazê-lo com toda a certeza de que Deus trabalha dentro da vida e que nós somos um pouco criadores com Ele. O Papa Francisco está chamando a uma forte afirmação do laicato de hoje e não só em palavras. Eu acho que a exortação apostólica Gaudete et exsultate é uma absoluta convicção a partir do pontificado de Francisco e um mapa para poder fazer do meio da vocação laical o caminho privilegiado para a santidade. Ela está reafirmando e reivindicando essa vocação na Igreja, que não é uma vocação secundária, que não é uma vocação também reduzida, mas sim o caminho pleno para responder aos sinais mais profundos da realidade hoje. O papa também está marcando para nós leigos e leigas, linhas muito concretas, por exemplo, na criação do novo Dicastério para a Vida, a Família e os Leigos, no qual tivemos alguns encontros e avanços importantes como a nomeação de subsecretários dentro desse âmbito eclesial na figura de leigas. O único antídoto contra o clericalismo é um laicato maduro, responsável, capaz de encontrar seu próprio lugar na Igreja e que possa ser uma interlocução construtiva com a Igreja, mas, ao mesmo tempo, servir de interface para responder a todos os outros espaços onde hoje a Igreja não está ou não pode estar presente ou está cada vez mais limitada para chegar. O século presente, como já dizia o Concílio Vaticano II, é o século dos leigos, mas cabe a nós fazer um discernimento profundo, com maturidade, a partir da complementaridade, para poder encontrar a nossa verdadeira identidade e a nossa contribuição mais profunda no meio desse caminho do Reino. O kairós que estamos vivendo hoje, a partir do Concílio Vaticano II e até o Papa Francisco, passa necessariamente pela sua concretização, pelo fato de os leigos encontrarem seu verdadeiro chamado e vocação no meio da Igreja, porém, é preciso entender que a Igreja não é  uma ANARQUIA, nem muito menos uma DEMOCRACIA, mas um "Reino de Ordem" (conf. I Cor 14,33).






CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ (NOTIFICAÇÃO SOBRE O LIVRO: «IGREJA: CARISMA E PODER - ENSAIOS DE ECLESIOLOGIA MILITANTE» DE FREI LEONARDO BOFF, O.F.M.)




INTRODUÇÃO






No dia 12 de fevereiro de 1982, Frei Leonardo Boff, OFM, tomou a iniciativa de enviar à Congregação para a Doutrina da Fé a resposta que deu à Comissão arquidiocesana para a Doutrina da Fé do Rio de Janeiro, que criticara o seu livro « Igreja: Carisma e Poder » (Editora Vozes - Petrópolis, RJ, Brasil, 1981). Declarava que aquela crítica continha graves erros de leitura e de interpretação.A Congregação, após ter estudado o livro nos seus aspectos doutrinais e pastorais, expôs ao Autor, numa carta de 15 de maio de 1984, algumas reservas, convidando-o a aceitá-las e oferecendo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de um diálogo de esclarecimento. Tendo porém em vista a repercussão que o livro estava tendo entre os fiéis, a Congregação informou L. Boff de que, em qualquer hipótese, a carta seria publicada, levando eventualmente em consideração a posição que ele viesse a tomar por occasião do diálogo.No dia 7 de setembro de 1984, L. Boff foi recebido pelo Cardeal Prefeito da Congregação, acompanhado pelo Mons. Jorge Mejía, na qualidade de Secretário. Foram objeto do colóquio alguns problemas eclesiológicos surgidos da leitura do livro « Igreja: Carisma e Poder » e assinalados na carta de 15 de maio de 1984. A conversa, que se desenvolveu num clima fraterno, proporcionou ao Autor ocasião de expor seus esclarecimentos pessoais, que ele quis também entregar por escrito. Tudo isto foi explicado num comunicado final publicado e redigido de comum acordo com L. Boff. Concluído o diálogo, foram recebidos pelo Cardeal Prefeito, em outra sala, os Eminentíssimos Cardeais Aloísio Lorscheider e Paulo Evaristo Arns, que se encontravam em Roma para esta oportunidade. A Congregação examinou, seguindo a praxe que lhe é própria, os esclarecimentos orais e escritos fornecidos por L. Boff e, embora tomando nota das boas intenções e das repetidas declarações de fidelidade à Igreja e ao Magistério por ele expressas, sentiu-se contudo no dever de salientar que as reservas levantadas acerca do conteúdo do livro e assinaladas na carta, não poderiam, na sua substância, considerar-se superadas. Julga pois necessário, assim como estava previsto, agora publicar, nas suas partes essenciais, o conteúdo doutrinal da mencionada carta.






PREMISSA DOUTRINAL










A eclesiologia do livro « Igreja: Carisma e Poder » propõe-se ir ao encontro dos problemas da América Latina e, em particular do Brasil, com uma coletânea de estudos e perspectivas (cf. p. 13). Tal intenção exige, de um lado, uma atenção séria e aprofundada às situações concretas, às quais o livro se refere e, por outro lado, — para realmente corresponder ao seu objetivo — a preocupação de inserir-se na grande tarefa da Igreja universal, no sentido de interpretar, desenvolver e aplicar, sob a inspiração do Espírito Santo, a herança comum do único Evangelho, entregue, uma vez para sempre, pelo Senhor à nossa fidelidade. Deste modo a única fé do Evangelho cria e edifica, ao longo dos séculos, a Igreja católica, que permanece una na diversidade dos tempos e na diferença das situações próprias às múltiplas Igrejas particulares. A Igreja universal realiza-se e vive nas Igrejas particulares e estas são Igreja exatamente enquanto continuam a ser, num determinado tempo e lugar, expressão e atualização da Igreja universal. Deste modo, com o crescimento e o progresso das Igrejas particulares cresce e progride a Igreja universal; ao passo que, debilitando-se a unidade, diminuiria e decairia também a Igreja particular. Por isso o verdadeiro discurso teológico não pode jamais contentar-se em apenas interpretar e animar a realidade de uma Igreja particular, mas deve, ao contrário, procurar aprofundar os conteúdos do depósito sagrado da palavra de Deus, depósito confiado à Igreja e autenticamente interpretado pelo Magistério. A praxis e as experiências que sempre têm origem numa determinada e limitada situação histórica, ajudam o teólogo e o obrigam a tornar o Evangelho acessível ao seu tempo. A praxis, contudo, não substitui, nem produz a verdade, mas está a serviço da verdade, que nos foi entregue pelo Senhor. O teólogo é, pois, chamado a decifrar a linguagem das diversas situações — os sinais dos tempos — e a abrir esta linguagem à inteligência da fé (cf. Enc. Redemptor hominis, n. 19). Examinadas à luz dos critérios de um autêntico método teológico — aqui apenas brevemente assinalados — certas opções do livro de L. Boff manifestam-se insustentáveis. Sem pretender analisá-las todas, colocam-se em evidência apenas as opções eclesiológicas que parecem decisivas, ou seja: a estrutura da Igreja, a concepção do dogma, o exercício do poder sagrado e o profetismo.






A ESTRUTURA DA IGREJA






L. Boff coloca-se, segundo as suas próprias palavras, dentro de uma orientação, na qual se afirma « que a igreja como instituição não estava nas cogitações do Jesus histórico, mas que ela surgiu como evolução posterior à ressurreição, particularmente com o processo progressivo de desescatologização » (p. 123). Consequentemente, a hierarquia é para ele « um resultado » da « férrea necessidade de se institucionalizar », « uma mundanização », no « estilo romano e feudal » (p. 71). Daí deriva a necessidade de uma « mutação permanente da Igreja » (p. 109); hoje deve emergir uma « Igreja nova » (p. 107, passim), que será « uma nova encarnação das instituições eclesiais na sociedade, cujo poder será pura função de serviço » (p. 108). Na lógica destas afirmações explica-se também a sua interpretação acerca das relações entre catolicismo e protestantismo: « Parece-nos que o cristianismo romano (catolicismo) se distingue por afirmar corajosamente a identidade sacramental e o cristianismo protestante por uma afirmação destemida da não-identidade » (p. 132; cf. pp, 126 ss., 140).Dentro desta visão, ambas as confissões constituiriam mediações incompletas, pertencentes a um processo dialético de afirmação e de negação. Nesta dialética « se mostra o que seja o cristianismo. Que é o cristianismo? Não sabemos. Somente sabemos aquilo que se mostrar no processo histórico » (p. 131). Para justificar esta concepção relativizante da Igreja — que se encontra na base das críticas radicais dirigidas contra a estrutura hierárquica da Igreja católica — L. Boff apela para a Constituição Lumen gentium (n. 8) do Concílio Vaticano II. Da famosa expressão do Concílio « Haec Ecclesia (se. única Christi Ecclesia) ... subsistit in Ecclesia catholica », ele extrai uma tese exatamente contrária à significação autêntica do texto conciliar, quando afirma: de fato, « esta (isto é, a única Igreja de Cristo) pode subsistir também em outras Igrejas cristãs » (p. 125). O Concílio tinha, porém, escolhido a palavra « subsistit » exatamente para esclarecer que há uma única « subsistência » da verdadeira Igreja, enquanto fora de sua estrutura visível existem somente « elementa Ecclesiae », que — por serem elementos da mesma Igreja — tendem e conduzem em direção à Igreja católica (LG 8). O Decreto sobre o ecumenismo exprime a mesma doutrina (UR 3-4), que foi novamente reafirmada pela Declaração Mysterium Ecclesiae, n. 1 (AAS LXV [1973], pp. 396-398).A subversão do significado do texto conciliar sobre a subsistência da Igreja está na base do relativismo eclesilógico de L. Boff, supra delineado, no qual se desenvolve e se explicita um profundo desentendimento daquilo que a fé católica professa a respeito da Igreja de Deus no mundo.






DOGMA E REVELAÇÃO




(foto reprodução)






A mesma lógica relativizante encontra-se na concepção da doutrina e do dogma expressa por L. Boff. O Autor critica, de modo muito severo, « a compreensão doutrinária da revelação » (p. 73). É verdade que L. Boff distingue entre dogmatismo e dogma (cf. p. 139), admitindo o segundo e rejeitando o primeiro. Todavia, segundo ele, o dogma, na sua formulação, é válido somente « para um determinado tempo e circunstâncias » (pp. 127-128). « Num segundo momento do mesmo processo dialético o texto deve poder ser ultrapassado para dar lugar a outro texto do hoje da fé » (p. 128). O relativismo que resulta de semelhantes afirmações torna-se explícito quando L. Boff fala de posições doutrinárias contraditórias entre si, contidas no Novo Testamento (cf. p. 128). Consequentemente « a atitude verdadeiramente católica » seria de « estar fundamentalmente aberto a todas as direções » (p. 128). Na perspectiva de L. Boff a autêntica concepção católica do dogma cai sob o veredito do « dogmatismo »: « Enquanto perdurar este tipo de compreensão dogmática e doutrinária da revelação e da salvação de Jesus Cristo dever-se-á contar irretorquivelmente com a repressão da liberdade de pensamento divergente dentro da Igreja » (pp. 74-75).A este propósito convém ressaltar que o contrário do relativismo não é o verbalismo ou o imobilismo. O conteúdo último da revelação é o próprio Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, que nos convida à comunhão com Ele; todas as palavras referem-se à Palavra, ou — como diz São João da Cruz: « ... a su Hijo ... todo nos habló junto y de una vez en esta sola Palabra y no tiene más que hablar » (Subida del Monte Carmelo, II, 22, 3). Mas nas palavras, sempre analógicas e limitadas, da Escritura e da fé autêntica da Igreja, baseada na Escritura, exprime-se, de modo digno de fé, a verdade acerca de Deus e acerca do homem. A constante necessidade de interpretar a linguagem do passado, longe de sacrificar esta verdade, torna-a, antes, acessível e desenvolve a riqueza dos textos autênticos. Avançando, guiada pelo Senhor, que é o caminho e a verdade (Jo 14, 16), a Igreja, que ensina e que crê, está convencida de que a verdade expressa pelas palavras de fé não só não oprime o homem, mas o liberta (Jo 8, 32) e é o único instrumento de verdadeira comunhão entre os homens de diversas classes e opiniões, enquanto uma concepção dialética e relativizante o expõe a um decisionismo arbitrário.No passado, esta Congregação teve ocasião de mostrar que o sentido das fórmulas dogmáticas permanece sempre verdadeiro e coerente, determinado e irreformável, embora possa ser ulteriormente esclarecido e melhor compreendido (cf. Mysterium Ecclesiae, n. 5: AAS LXV [1973], pp. 403-404).Para continuar na sua função de sal da terra, que nunca perde o seu sabor, o « depositum fidei » deve ser fielmente conservado na sua pureza, sem deslizar no sentido de um processo dialético da história e em direção ao primado da praxis.






O EXERCÍCIO DO PODER SAGRADO










Uma «grave patologia » de que, segundo L. Boff, a Igreja romana deveria livrar-se, é provocada pelo exercício hegemónico do poder sagrado que, além de torná-la uma sociedade assimétrica, teria também sido deformado em si mesmo. Dando por certo que o eixo organizador de uma sociedade coincide com o modo específico de produção que lhe é próprio, e aplicando este princípio à Igreja, L. Boff afirma que houve um processo histórico de expropriação dos meios de produção religiosa por parte do clero em prejuízo do povo cristão que, em consequência, teria sido privado de sua capacidade de decidir, de ensinar etc. (cf. pp. 75, 215 ss., 238-239). Além disso, após ter sofrido esta expropriação, o poder sagrado teria também sido gravemente deformado, vindo a cair deste modo nos mesmos defeitos do poder profano em termos de dominação, centralização, triunfalismo (cf. pp. 98, 85, 91 ss.).Para remediar estes inconvenientes, propõe-se um novo modelo de Igreja, no qual o poder seria concebido sem privilégios teológicos, como puro serviço articulado de acordo com as necessidades da comunidade (cf. pp. 207, 108).Não se pode empobrecer a realidade dos sacramentos e da palavra de Deus enquadrando-a no esquema da « produção e consumo », reduzindo deste modo a comunhão da fé a um mero fenómeno sociológico. Os sacramentos não são «material simbólico », a sua administração não é produção, a sua recepção não é consumo. Os sacramento são dom de Deus. Ninguém os « produz ». Todos recebemos por eles a graça de Deus, os sinais do eterno amor. Tudo isto está além de toda produção, além de todo fazer e fabricar humano. A única medida que corresponde à grandeza do dom é a máxima fidelidade à vontade do Senhor, de acordo com a qual todos seremos julgados — sacerdotes e leigos — sendo todos « servos inúteis » (Lc 17, 10). Existe sempre, decerto, o perigo de abusos; põe-se sempre o problema de como garantir o acesso de todos os fiéis à plena participação na vida da Igreja e na sua fonte, isto é, na vida da Senhor. Mas interpretar a realidade dos sacramentos, da hierarquia, da palavra e de toda a vida da Igreja em termos de produção e de consumo, de monopólio, expropriação, conflito com o bloco hegemónico, ruptura e ocasião para um modo assimétrico de produção, equivale a subverter a realidade religiosa. Ao contrário de ajudar na solução dos verdadeiros problemas, este procedimento leva, antes, à destruição do sentido autêntico dos sacramentos e da palavra da fé.






O PROFETISMO NA IGREJA





O livro « Igreja: Carisma e Poder » denuncia a hierarquia e as instituições da Igreja (cf. pp. 65-66, 88, 239-240). Como explicação e justificação para semelhante atitude reivindica o papel dos carismas e, em particular, do profetismo (cf. pp. 237-240, 246, 247). A hierarquia teria a simples função de « coordenar », de « propiciar a unidade, a harmonia entre os vários serviços », de « manter a circularidade e impedir as divisões e sobreposições », descartando pois desta função « a subordinação imediata de todos aos hierarcas » (cf. p. 248).Não há dúvida de que todo o povo de Deus participa do múnus profético de Cristo (cf. LG 12); Cristo cumpre o seu múnus profético não só por meio da hierarquia, mas também por meio dos leigos (cf. ib. 35). Mas é igualmente claro que a denúncia profética na Igreja, para ser legítima, deve permanecer sempre a serviço, para a edificação da própria Igreja. Esta não só deve aceitar a hierarquia e as instituições, mas deve também colaborar positivamente para a consolidação da sua comunhão interna; além disso, pertence à hierarquia o critério supremo para julgar não só o exercício bem orientado da denúncia profética, como também a sua autenticidade (cf. LG 12).







CONCLUSÃO







Ao tornar público o que acima ficou exposto, a Congregação sente-se na obrigação de declarar, outrossim, que as opções aqui analisadas de Frei Leonardo Boff são de tal natureza que põem em perigo a sã doutrina da fé, que esta mesma Congregação tem o dever de promover e tutelar.O Sumo Pontífice João Paulo II, no decorrer de uma Audiência concedida ao Cardeal Prefeito que subscreve este documento, aprovou a presente Notificação, deliberada em reunião ordinária da Congregação para a Doutrina da Fé, e ordenou que a mesma fosse publicada.



Roma, Sede da Congregação para a Doutrina da Fé, 11 de Março de 1985.



Joseph Card. Ratzinger

Prefeito



+ Alberto Bovone - Arcebispo tit. de Cesarea de Numidia

Secretário






“Laicato e Clericalismo” – Avanços e desvios no entendimento do Sacerdócio Comum dos fieis!













A Igreja de Cristo, do Papa ao mais simples dos fiéis, é um reino de sacerdotes, uma nação consagrada ao culto de Deus. Mas isso não significa que a todos correspondam, indistintamente, os mesmos papéis e poderes.Nos últimos tempos, uma das questões que tem gerado mais dúvidas e mal-entendidos entre os fiéis diz respeito ao chamado sacerdócio comum. Há quem pense tratar-se de pura e simples “novidade”, introduzida em tempos recentes como algo totalmente estranho ao conteúdo da sagrada Tradição; outros, pelo contrário, interpretando de forma indevida e exagerada os documentos eclesiásticos em que se fala do assunto, pretendem atribuir aos leigos poderes e prerrogativas que eles, na verdade, jamais exerceram em toda a história da Igreja.A fim de esclarecer o verdadeiro alcance da expressão “sacerdócio comum dos fiéis”, conforme o sentido autêntico que lhe dá a Igreja, convém transcrever aqui algumas páginas cristalinas em que o Pe. Antonio Royo Marín [1] explica de modo mais do que transparente este tema controvertido, que, longe de ser um detalhe marginal dentro da doutrina católica, tem grandes repercussões práticas na vida espiritual de todos os batizados.As explicações seguintes servem, antes de tudo, para pôr em relevo o que, no fundo, já está dito com todas as letras no próprio Catecismo da Igreja Católica (cf. n. 1591s), a saber: o sacerdócio comum e ministerial, embora constituam duas participações no único sacerdócio de Cristo, são distintos não apenas em grau, mas essencialmente.Um princípio teológico fecundíssimo ensina que tudo o que há em Jesus Cristo como cabeça do Corpo místico existe também, proporcionalmente, nos membros desse mesmo corpo, contanto que se trate de perfeições comunicáveis.




Em Jesus Cristo, com efeito, há duas classes de perfeições muito distintas entre si:





- Umas lhe são de tal maneira próprias e exclusivas que são, em si mesmas, incomunicáveis aos demais; tais são, por exemplo, a união hipostática e a plenitude absoluta de graça.





- Outras que são, por sua própria natureza, comunicáveis aos membros de seu Corpo místico e estão em Cristo como cabeça ou origem primária da qual derivam para os demais; tais são, principalmente, a graça santificante, as virtudes infusas e os dons do Espírito Santo.A este segundo grupo de graças pertence o seu sacerdócio. 






Cristo o possui em toda a sua plenitude absoluta e, neste sentido, o sacerdócio lhe é próprio e exclusivo; mas Ele pode comunicar (e de fato comunica) a seus membros uma participação verdadeira e real do seu próprio sacerdócio, ainda que em graus muito diferentes de intensidade e perfeição.Existe um abismo entre a participação do sacerdócio de Cristo que recebem todos os fiéis e a do ministro de Jesus Cristo, que recebeu o sacramento da Ordem sacerdotal. Essa participação do seu sacerdócio constitui a essência mesma do chamado caráter sacramental, que, como se sabe, é como uma marca ou selo indelével que imprimem na alma três dos sete sacramentos instituídos pelo próprio Cristo: o Batismo, a Confirmação e a Ordem sacerdotal. 




Por conseguinte, todo aquele que recebe um sacramento que imprime caráter participa, por isso mesmo, do sacerdócio de Jesus Cristo - Essa participação:





- Começa com o caráter do sacramento do Batismo.



- Aperfeiçoa-se com o sacramento da Confirmação.



- E chega à máxima plenitude que pode alcançar em nós com o caráter do sacramento da Ordem.







De maneira que não é nenhum erro nem sequer um “piedoso exagero” falar de um sacerdócio dos fiéis, não em sentido metafórico, mas num sentido muito real e verdadeiro! O caráter batismal e o da Confirmação conferem aos simples fiéis uma participação muito real e verdadeira do sacerdócio de Jesus Cristo em sentido próprio. É claro que é preciso entender retamente o verdadeiro alcance desta participação para não incorrer em lamentáveis equívocos e extravios. Existe um abismo entre a participação do sacerdócio de Cristo que recebem todos os fiéis, pelo fato de estarem batizados e confirmados, e a do ministro de Jesus Cristo, que recebeu, além disso, o sacramento da Ordem sacerdotal.






Vamos expor a seguir, com toda precisão e cuidado, numa série de conclusões, o que pertence a um (sacerdócio comum) e a outro sacerdócio (sacerdócio ministerial):












Em primeiro lugar, é falso e herético dizer que todos os cristãos são sacerdotes no mesmo sentido em que o são os que receberam devidamente o sacramento da Ordem! Esta conclusão consta expressamente das declarações do Concílio de Trento contra os reformadores protestantes, que afirmavam semelhante disparate. No entanto, os simples fiéis recebem, sim, uma participação verdadeira e real do sacerdócio de Jesus Cristo em virtude do caráter do Batismo e da Confirmação. Esta conclusão consta claramente dos lugares teológicos tradicionais. Eis aqui as provas:





A Sagrada Escritura





Os textos alusivos ao sacerdócio de todo o povo fiel são abundantíssimos. Já no Antigo Testamento se vai insinuando progressivamente esta sublime realidade, cuja plena revelação estava reservada para a lei evangélica. Oferecemos a seguir uma seleção de textos extraídos dos dois Testamentos bíblicos:






Ao promulgar a Lei no Sinai, Deus disse ao povo por boca de Moisés:





"Agora, pois, se obedecerdes à minha voz, e guardardes minha aliança, sereis o meu povo particular entre todos os povos. Toda a terra é minha, mas vós me sereis um reino de sacerdotes e uma nação consagrada. Tais são as palavras que dirás aos israelitas" (Ex 19, 5-6).





O profeta Isaías renova esta promessa, aplicando-a aos tempos messiânicos:





"O espírito do Senhor repousa sobre mim, porque o Senhor consagrou-me pela unção […]; virão estrangeiros apascentar vosso gado miúdo, gente de fora vos servirá de lavradores e vinhateiros; a vós chamar-vos-ão sacerdotes do Senhor, de ministros de nosso Deus sereis qualificados" (Is 61, 1-6).






O Apóstolo São Pedro escreve taxativamente em sua primeira epístola dirigindo-se a todos os cristãos:






"quais outras pedras vivas, vós também vos tornais os materiais deste edifício espiritual, um sacerdócio santo, para oferecer vítimas espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo" (1Pd 2, 5).





E um pouco mais abaixo:





"Vós, porém, sois uma raça escolhida, um sacerdócio régio, uma nação santa, um povo adquirido para Deus, a fim de que publiqueis as virtudes daquele que das trevas vos chamou à sua luz maravilhosa" (1Pd 2, 9).






São Paulo alude claramente ao sacerdócio dos fiéis, sobretudo quando os exorta a se oferecerem a Deus em sacrifício:





"Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: é este o vosso culto espiritual" (Rm 12, 1).





São João evangelista insiste repetidas vezes no Apocalipse:





"da parte de Jesus Cristo […],  que nos ama, que nos lavou de nossos pecados no seu sangue e que fez de nós um reino de sacerdotes para Deus e seu Pai" (Ap 1, 5-6).





"Cantavam um cântico novo, dizendo: Tu és digno de receber o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste imolado e resgataste para Deus, ao preço de teu sangue, homens de toda tribo, língua, povo e raça; e deles fizeste para nosso Deus um reino de sacerdotes, que reinam sobre a terra" (Ap 5, 9-10).





Na Sagrada Escritura, portanto, se encontra claramente expressa a doutrina do sacerdócio real dos simples fiéis.






Os Santos Padres na Igreja Primitiva





Na unidade da fé e do Batismo formamos uma sociedade indivisível e participamos todos de uma comum dignidade! É muito frequente nos Santos Padres a alusão ao sacerdócio dos fiéis. 






Eis aqui, a título de exemplo, um texto muito expressivo de São Leão Magno dirigindo-se ao povo de Roma por ocasião do aniversário de sua eleição papal:





"Tendes motivos para celebrar este aniversário se fosse vosso. Porque, embora a Igreja de Deus esteja constituída por diversos graus, a integridade de seu sagrado corpo resulta da união de todos os seus membros. Como diz o Apóstolo, “todos somos um em Cristo” (Gl 3, 28), e não há um só membro tão separado do ofício de outro que não esteja unido com ele na unidade da cabeça. Porque a todos os regenerados em Cristo, o sinal da cruz os faz reis, e a unção do Espírito Santo os consagra sacerdotes, para que, à parte este especial serviço de nosso ministério (sua dignidade papal), todos os cristãos espirituais e razoáveis saibam ser de régia dignidade e partícipes do ofício sacerdotal. De fato, o que há de mais régio do que, tendo a alma submetida a Deus, ser governante do próprio corpo? E que outra coisa é mais sacerdotal do que oferecer a Deus uma consciência pura e oferecer no altar do coração as hóstias imaculadas da piedade? E sendo tudo isso, pela graça de Deus, comum a todos, é justo e razoável que vos alegreis no dia de nossa eleição como se se tratasse de vossa própria honra. Com efeito, em todo o corpo da Igreja não existe mais do que um só pontificado (o de Cristo), cuja graça misteriosa, embora se derrame com maior abundância (pelas exigências do ministério) sobre os membros superiores (o Papa, os bispos, os sacerdotes), nem por isso deixa de fluir sem parcimônia até os membros inferiores [2].





O Magistério da Igreja





O ensinamento oficial da Igreja a respeito do sacerdócio dos fiéis foi exposto com extraordinária precisão e claridade em nossos dias pelos imortais pontífices Pio XI e Pio XII. Vejamos alguns textos:







Pio XI, em sua Encíclica "Miserentissimus Redemptor", escreve [3]:






"Não gozam da participação deste misterioso sacerdócio e deste ofício de satisfazer e sacrificar somente aqueles de quem Nosso Senhor se serve para oferecer a Deus a oblação imaculada, do nascente ao poente em todo lugar (cf. Ml 1, 11), senão que toda a família cristã, chamada com razão pelo Príncipe dos Apóstolos “raça escolhida, um sacerdócio régio” (1Pd 2, 9), deve, tanto por si mesma como por todo o gênero humano, oferecer sacrifícios pelos pecados, quase da mesma maneira que todo sacerdote e pontífice, “escolhido entre os homens e constituído a favor dos homens como mediador nas coisas que dizem respeito a Deus” (Hb 5, 1).







Pio XII, em sua magnífica Encíclica "Mediator Dei", expõe amplamente a natureza do sacerdócio dos fiéis, rechaçando as imprecisões e exageros que sobre ele vêm-se difundido ultimamente e proclamando com rigor e exatitude a doutrina verdadeira. Transcrevemos alguns parágrafos particularmente representativos [4]:






-"Com clareza não menor, os ritos e as orações do sacrifício eucarístico significam e demonstram que a oblação da vítima é feita pelos sacerdotes em união com o povo".




-"De fato, não somente o sagrado ministro, depois da oferta do pão e do vinho, voltado para o povo diz explicitamente: “Orai, irmãos, para que 'o meu e o vosso sacrifício' sejam aceitos junto a Deus-Pai onipotente”, mas ainda as orações com as quais é oferecida a vítima divina são, além do mais, ditas no plural, e nelas se indica que também o povo toma parte como ofertante neste augusto sacrifício."





-"Diz-se, por exemplo: “Pelos quais nós te oferecemos, e que eles mesmos te oferecem… Por isso te suplicamos, ó Senhor, aceitar aplacado esta oferta dos teus servos e de toda a tua família… Nós, teus servos, como ainda o teu povo santo, oferecemos à tua excelsa majestade os dons e dádivas que tu mesmo nos deste, a hóstia pura, a hóstia santa, a hóstia imaculada”.




-"Nem é de admirar que os fiéis sejam elevados a uma tal dignidade. Com a água do Batismo, com efeito, os cristãos se tornam, a título comum, membros do Corpo místico de Cristo sacerdote, e, por meio do caráter que se imprime nas suas almas, são delegados ao culto divino, participando assim, de modo condizente ao próprio estado, do sacerdócio de Cristo".






A razão teológica







Pio XII destacou com toda precisão no texto que acabamos de citar a razão teológica fundamental do sacerdócio dos fiéis: o caráter sacramental do Batismo, completado pelo caráter do sacramento da Confirmação [5]. Não é nenhum erro nem sequer um “piedoso exagero” falar de um sacerdócio dos fiéis, não em sentido metafórico, mas num sentido muito real e verdadeiro!Com efeito, como explica Santo Tomás e é doutrina comum em teologia, o caráter sacramental não é outra coisa que um sinal ou um distintivo que fica impresso na alma de maneira indelével e que nos configura a Cristo sacerdote, dando-nos uma participação física e formal do seu próprio sacerdócio eterno! Escutemos o Doutor Angélico:





"O caráter é, de modo geral, um certo selo com que se marca uma pessoa com o fim de ordená-la a um determinado fim, assim como se marca o dinheiro, para usá-lo no câmbio, ou o soldado, para associá-lo ao batalhão. Pois bem, o cristão está destinado a duas coisas: A primeira e principal é a fruição da glória eterna, e para isto ele é marcado com o selo da graça. A segunda é receber ou administrar às outras pessoas as coisas que pertencem ao culto de Deus, e para isto ele é marcado com o caráter sacramental. Ora, todos os ritos da religião cristã derivam do sacerdócio de Cristo. Por isso, é claro e evidente que o caráter sacramental é o caráter de Cristo, a cujo sacerdócio se configuram os fiéis segundo os caracteres sacramentais, que não são outra coisa que certas participações do sacerdócio de Cristo derivadas do mesmo Cristo" [6].






CONCLUSÃO






Esta participação no sacerdócio de Cristo começa com o simples caráter batismal, é ampliado e aperfeiçoado com o da Confirmação e chega à sua plena perfeição com o da Ordem sagrada. Com relação à Igreja, o batismo nos faz cidadãos seus; a Confirmação, soldados; a ordem sacerdotal, ministros! 




-Com relação à fé, o batizado a professa! (conforme: Romanos 10,9-13;Lucas 9,26)



-O confirmado a defende! (conforme 1 Ped. 3,15; II Tim. 4,1-5 - ATENÇÃO! "Não seja burro pecando duas vezes, ou seja, fazendo errado e ensinando errado! Para alguns você será o evangelho vivo e único na vida de muitas pessoas!).



-E o sacerdote ordena as coisas que lhe dizem respeito! (conforme Hebreus 5,1-4).






Referências:






1.      Cf. Antonio R. Marín, Jesucristo y la Vida Cristiana. Madrid: BAC, 1961, pp. 566-570, nn. 552-554.



2.      S. Leão Magno, Serm. IV, De natali ipsius IV, c. 1 (PL 54, 148-149). Os parênteses explicativos são do Pe. Antonio Royo Marín, bem como as restantes notas abaixo.



3.      Pio XI, Encíclica “Miserentissimus Redemptor”, de 8 mai. 1928 (AAS 20 [1928] 172).



4.      Pio XII, Encíclica “Mediator Dei”, de 20 nov. 1947, nn. 78-79 (AAS 39 [1947] 555-556).



5.      Que o Batismo, a Confirmação e a Ordem sacerdotal imprimam caráter na alma de quem recebe validamente estes sacramentos é uma verdade de fé expressamente definida pelo Concílio de Trento.



6.      S. Th. III, q. 63, a. 3, co. Precisamente porque o caráter é uma mera participação do sacerdócio de Cristo, o mesmo Cristo não tem caráter sacerdotal. O seu sacerdócio pleno e absoluto está para o caráter assim como o perfeito e próprio está para o imperfeito e participado.



 

 

Análise do livro Igreja: carisma e poder de Leonardo Boff




Comentário: Foi publicado em julho 1981 um novo livro de Frei Leonardo Boff O.F.M., que traz o título: “Igreja: carisma e poder” (Ed. Vozes, Petrópolis 1981). Esta obra vem suscitando hesitações e contradições no meio católico.






Em síntese: O presente artigo analisa a obra eclesiológica de Frei Leonardo Boff, mostrando tratar-se de estudo tendencioso e ambíguo. A partir do esquema, preconcebido, de que a cobiça do poder inspirou o comportamento dos pastores da Igreja através dos séculos, o autor propõe uma Igreja “carismática”, em que não haja docentes e discentes, mas se adotem os critérios de comportamento de uma democracia humana. O estilo do autor é veemente, chegando á sátira; hipóteses são propostas como teses (principalmente quando o autor recorre à exegese bíblica protestante); falta por vezes ao autor a akribia (senso de exatidão) necessária a um estudo científico para matizar os respectivos dizeres, dando a posições discutidas o atributo de discutidas. Tal akribia se impõe de modo especial numa obra que não é destinada apenas a especialistas, mas se volta para o grande público, o qual muitas vezes está despreparado para discernir o certo do incerto e do errado.



Queremos crer que Frei Leonardo não se quer afastar da doutrina da reta fé; ele professa em seu livro que a Igreja é sacramentum, no qual, além de elementos humanos, há também valores divinos; todavia tais afirmações são empalidecidas, ou sufocadas pela veemência das acusações feitas à Santa Igreja. No decorrer da leitura do livro têm-se não raro a impressão de estar diante de uma obra inspirada por protestantismo e marxismo.É sempre desagradável dizer Não a um irmão, especialmente quando se sabe que é pessoa bem intencionada. A consciência, porém, pode exigir que o façamos no intuito de servir à verdade, que é patrimônio comum de todos os homens. – Neste artigo proporemos algumas considerações gerais sobre o livro em foco; depois passaremos à análise da tese central do livro; em apêndice será publicada uma recensão do Pe. Perego S. J. sobre outro livro eclesiológico de L. Boff.

 



1. Considerações gerais - Examinaremos quatro pontos sucessivos



1.1. O estilo da obra

 


Quem lê a obra em pauta, observa de imediato algumas características significativas:


O autor aborda questões importantes de história da Igreja ou de doutrina de fé, fazendo afirmações generalizadas, sem explicitar matizes.  Propõe hipóteses como se fossem teses firmes e indiscutíveis – o que ilude o leitor despreparado. 



Aliás, é curioso que desejando combater o autoritarismo, L. Boff, use de linguagem extremamente autoritária, IMPOSITIVA, INERRANTE, caricatural, sarcástica (não propõe, mas impõe) - Impugnando a procura de segurança na doutrina e na disciplina dentro da Igreja, o autor parece ter segurança absoluta daquilo que diz; quem não concorda com ele, pode ser tachado de “cínico” (pág. 64, nº 9), de “ignorante” (p. 65), de “subserviente e inexpressivo” (p. 65), como pode ser escarnecido com ironia (pág. 68, nº 14).  




Diante de várias páginas do livro (para não dizer: diante do livro inteiro) o leitor tem a impressão de que está não frente a um teólogo ou um intelectual que estuda com objetividade e sem paixões o seu tema, mas, sim, diante de um escritor tendencioso e preconcebido, como são muitas vezes os adversários da Igreja, que afirmam sem conhecer bem (e sem querer conhecer bem) o assunto, pois estão interessados em denegrir e caricaturar passionalmente. Entende-se (embora não se justifique) que um não especialista combativo proceda de tal maneira, mas não se compreende que um teólogo como Frei Leonardo o faça. A propósito tenham-se em vista as páginas 96, 100, 140, 143, 144 e outras.




1.2. Linguagem ambígua

 

 

L. Boff usa vocabulário e linguagem que freqüentemente têm o sabor da ambigüidade – o que não se admite nem num livro científico nem num livro de ampla divulgação. Assim:



a) “Estamos no fim das reformas, urge re-criar (a Igreja)” (pág. 101). Significa isto que vamos destruir todo o passado e recomeçar atualmente a história da Igreja, como o quis fazer Lutero no século XVI e como até hoje fazem os discípulos de Lutero, criando centenas de denominações, das quais as últimas já não são cristãs?



b) À pág. 126 lê-se: “No Novo Testamento constata-se a irredutibilidade de várias posições teológicas; existem contradições entre elas, assim entre S. Mateus e a epístola aos Gálatas, a epístola aos Romanos e a epístola de São Tiago. Mesmo dentro do corpus paulinum constatam-se contradições entre Rm 7,12 e Gl 3,13, concernindo à valorização da lei judaica” (pág. 126). – Ora as palavras “contradições” e “irredutibilidade” são, no mínimo, ambivalentes ou impróprias. O que há no Novo Testamento, são enfoques diversos ou a consideração de aspectos diferentes da mesma realidade que é a Lei de Moisés e a justificação; esses aspectos, julgados diversamente pelos Apóstolos, se complementam mutuamente e não são irredutíveis uns aos outros. Com efeito; São Paulo considera a entrada na graça ou na justiça (que se faz pela fé sem as obras), ao passo que São Tiago e São Mateus consideram a perseverança na justiça (que não ocorre sem obras); São Paulo mesmo ora focaliza a Lei de Moisés enquanto é santa e preceitua a santidade de vida (Rm), ora focaliza a Lei enquanto foi ocasião a que Israel conhecesse a sua fraqueza (Gl).



c) À p. 127, o autor fala da relatividade das fórmulas de fé e da necessidade de criar novas expressões da verdade revelada… Seria bom matizar esta afirmação: Paulo VI, na sua encíclica “Mysterium fidei” em 1965, lembrou a necessidade de guardar, apesar de tudo, certos termos e fórmulas aos quais se prende desde séculos a expressão da mensagem revelada; algo de análogo se deu em 1972 por parte da S. Congregação para a Doutrina da Fé na sua Instrução “Mysterium Filii Dei”. O abandono de certas expressões clássicas ocasionou e pode ocasionar perigo para a própria mensagem.



d) À p. 119 algo de semelhante ocorre em relação às páginas do Novo Testamento. Citando o autor protestante W. Marxsen, Leonardo Boff fala da “maneira dogmática de se ler os textos do Novo Testamento. Esta maneira dogmática considera pura e simplesmente, sem dar-se conta das mediações históricas, que o Novo Testamento é sem mais Palavra de Deus. Utiliza os textos dogmaticamente para justificar doutrinas, fundamentar inapelavelmente medidas disciplinares da Igreja. Portanto o catolicismo assume aqui novamente uma conotação pejorativa, como uma forma patológica de se viver e sentir a mensagem cristã”. – Perguntamo-nos: que significa isto? O Novo Testamento não pode ser tomado como fonte donde depreendamos as verdades da fé? Cremos que o autor não quer dizer isto, mas poderia ser interpretado como se o quisesse dizer.



e) Todo o cap. VII é uma exaltação do sincretismo! Sincretismo, no caso, quer dizer: capacidade de assimilar elementos novos sem destruição do essencial (pág. 170). Curioso, porém: o autor acha que “foi um erro histórico a exclusão do protestantismo” (pág. 141). Acha (?) que as mudanças na Igreja podem ocorrer à semelhança da conversão do pão e do vinho no corpo e sangue de Cristo na Missa; cf. pág. 109, nº 41 (citando uma poesia de Lothar Zenetti).



1.3. Influência marxista

 



O leitor não pode deixar de perceber certa influência do marxismo (ou de aspectos tendenciosos e discutíveis do marxismo) nas expressões e nas categorias assumidas pelo autor.



Assim às págs. 91-93, L. Boff transcreve um texto atribuído a um analista brasileiro, deixado no anonimato, sendo apenas citada no rodapé da pág. 93 a obra-fonte com título francês: “L’Église et la politique au Brésil” (sem local e ano de edição), “75-78”.  Esse trecho, assaz longo, compara a autoridade na Igreja com a autoridade no Partido Comunista da União Soviética antes da revolução chinesa!  Haveria entre ambos um paralelismo de estruturas e de comportamentos (pág. 93). Esta afirmação é, no mínimo, estranha e despropositada. À pág. 217 Emile Durkheim é associado às autoridades doutrinárias que L. Boff  tenciona seguir (o autor se faz discípulo de gente muito pouco cristã).  Se tais afirmações fossem proferidas por um comunista, tendencioso e superficial, não causariam surpresa; mas, ditas por um teólogo, que não pode deixar de conhecer matizes e facetas da matéria, torna-se algo de incompreensível e estarrecedor. A mesma comparação entre Igreja e marxismo reaparece à pág. 67.



À pág. 94, nº 20, os Papas Leão XIII e Pio XI são tidos como mais afins aos ideais do fascismo do que aos do liberalismo ou socialismo! A obsessão por ver ideologias em tudo é grande… – L. Boff cita Ch. Dawson, Religion and Modern State, N. Y., 1936, 135-136 para se fundamentar no caso.



Às págs. 184-187, a divisão do trabalho na Igreja condiciona as classes na Igreja.


À pág. 75 lê-se na Igreja alguns detêm os meios de produção religiosa e, consequentemente, “detêm o poder, criam e controlam o discurso oficial”. Seriam os membros da hierarquia. Os demais fiéis seriam os meros consumidores de tais bens. L. Boff julga que os detentores dos meios de produção “elaboram a sua correspondente teologia, que vem justificar, reforçar e socializar o seu poder, atribuindo origem divina à forma histórica de seu exercício” (pág. 76)! – Concepções marxistas aí estão subjacentes, desfigurando por completo a imagem da vida e do magistério da Igreja. Ademais a afirmação de L. Boff deveria ser comprovada, pois ela resulta de um esquema concebido a priori e aplicado cegamente à Igreja. Um teólogo não ignora quanto é artificial ou falsa a tese de L. Boff (ou do marxismo) quando aplicada à Igreja.



Às págs. 176s, o autor enfatiza o princípio de que “o eixo organizador de uma sociedade reside no seu modo de produção peculiar … Esta atividade é infra-estrutural e sobre ela se constrói tudo o mais na sociedade… Também a Igreja é condicionada, limitada e orientada pelo modo de produção específico”. Para ilustrar e corroborar tal asserção, Boff cita à pág. 177 A. Gramsci, um dos mentores do marxismo na Itália. O autor, portanto, recorre às categorias de análise marxista da sociedade, categorias que são materialistas e atéias e, por conseguinte, jamais poderão servir para construir uma autêntica teologia; de resto, o uso das mesmas foi explicitamente condenado pelo S. Padre João Paulo II em discurso proferido aos Bispos do CELAM aos 2/07/80: “A libertação cristã … não recorre … à praxis ou análise marxista, pelo perigo de ideologização a que se expõe a reflexão teológica, quando se realiza partindo de uma praxis que recorre à análise marxista. Suas conseqüências são a total politização da existência cristã, a dissolução da linguagem da fé na das ciências sociais e o esvaziamento da dimensão transcendental da salvação cristã”.



O c. VIII (págs. 172-195) é também altamente significativo, apresentando as características de uma Igreja articulada com a classe hegemônica e as características de uma Igreja articulada com as classes subalternas. Mais uma vez tem-se, subjacente, o esquema marxista de classe opressora e classe oprimida. O pobre seria sempre uma epifania do Senhor?  Todo pobre é sempre um espoliado ou um empobrecido? Cf.  pág. 186. Será que a akribía (exatidão), científica permite afirmar isto sem mais? Cf. PR 247/1980, p. 282-291 (que significa pobre no Documento de Puebla?).




1.4. O papel da exegese protestante liberal

 



O autor confia plenamente nas sentenças dos exegetas protestantes mais liberais, que tentam interpretar os Evangelhos e a figura de Cristo segundo referenciais racionalistas e assaz duvidosos (porque subjetivos). Por isso L. Boff julga que Jesus mesmo não fundou a Igreja, mas que esta se deriva da vontade dos apóstolos inspirados pelo Espírito Santo (págs. 222s 216). A bibliografia citada por Frei Leonardo é, em grande parte, protestante liberal, ficando as clássicas obras da teologia católica relegadas para o plano do superado.



2. A Igreja no livro em foco

 







Frei Leonardo não deixa de reconhecer que na Igreja há elementos divinos e elementos humanos (pág. 221) e que a Igreja é sacramento (pág. 130s)… Todavia tais afirmações são raras e pálidas no conjunto do livro, onde a Igreja é geralmente tratada como sociedade meramente humana, na qual teriam prevalecido os abusos de homens gananciosos e prepotentes. De modo especial a secção das págs. 60-76 é caricatural, com veste de aparato científico.



Tem-se a impressão de que, segundo Boff, a Igreja autêntica seria governada pelo povo de Deus, que deveria ter nos bispos e no Papa os seus representantes, de tal modo que não se justificaria a distinção entre Igreja discente e Igreja docente:



“A hierarquia se sente membro da Ecclesia discens e o leigo membro da Ecclesia docens.  Cada qual é mestre e discípulo um do outro e todos seguidores do Evangelho. Na coexistência e simultaneidade das duas funções, deve-se entender o apelo de Jesus para que ninguém se deixe chamar de mestre, pai ou diretor espiritual, pois todos somos irmãos (cf. Mt 23, 8-10)” (pág. 215).



Pergunta-se então: qual o critério para discernir verdade e erro se todos são mestres e discípulos?  Seria o Espírito Santo, que falaria no íntimo dos fiéis? Tal critério está sujeito a ser manipulado pelo subjetivismo, como demonstra a história do Protestantismo, cujas últimas denominações não reconhecem mais a Divindade de Cristo (cf. Mórmons, Testemunhas de Jeová, Estudiosos da Bíblia).



Paulo Freire é citado para provar que a distinção entre docente e discente é patológica e desumanizante. A Paulo Freire são contrapostas as figuras dos Papas Gregório XVI (+ 1846) e Pio X (+ 1914); L. Boff cita frases destes Pontífices que evidentemente eram condicionadas pela necessidade de rejeitar o liberalismo e o modernismo da respectiva época. Cf. pág. 218. Seria desejável a menção, muito mais importante, do “carisma seguro da verdade”, que o Concílio do Vaticano II atribui aos Bispos para guardarem e transmitirem autenticamente a mensagem da fé (cf. Constituição Dei Verbum nº 8).  Se alguém quer dizer que os carismáticos devem governar a Igreja, não esqueça tal carisma peculiar dos Bispos. Diz explicitamente o Concílio:



“O ofício de interpretar autenticamente a palavra de Deus escrita ou transmitida foi confiado unicamente ao magistério vivo da Igreja, cuja autoridade se exerce em nome de Jesus Cristo.  Tal magistério evidentemente não está acima da Palavra de Deus, mas a seu serviço, não ensinando senão o que foi transmitido …; com a assistência do Espírito Santo, piamente ausculta aquela Palavra, santamente a guarda e fielmente a expõe” (Dei Verbum nº 10).



Assim vemos que carisma e autoridade (= poder, na linguagem do livro em foco) não se opõem entre si. Deve haver autoridade na Igreja (e isto, por instituição do próprio Cristo; cf. Mt 16,16-19; Lc 22, 31s; Jo 21,5-17…); todavia essa autoridade não é comparável à que os homens detêm e exercem em sociedades meramente humanas, mas é autoridade carismática, ou seja, apoiada por especial carisma (= dom) de Deus para jamais levar o povo de Deus a erros em matéria de fé e de moral, antes para fazê-lo reconhecer cada vez mais as exigências do Evangelho sempre que isto se torne necessário. Mesmo os Papas de vida moral mais censurável, como Alexandre VI (1492-1503), nunca emitiram um decreto que contrariasse à fé e à moral da Igreja. Numa palavra, a autoridade na Igreja é serviço (diakonía), e não exercício de poder arbitrário.




Se não se admite essa carisma indefectível da verdade (que está acima da erudição dos teólogos, embora precise desta), é natural que se caia no Protestantismo e, muito especialmente, no Protestantismo congregacionalista (onde a congregação dos fiéis se governa na mais autêntica forma democrática).  






Na verdade, a autoridade na Igreja vem de Cristo, que prolonga sua tríplice função sacerdotal, profética e pastoral nos ministros que Ele escolhe e ordena e que exercem suas funções não por delegação dos fiéis, mas por disposição do próprio Cristo (cf. discurso de João Paulo II aos ordenados no Maracanã aos 2/07/80); mesmo que haja eleição de Bispos, o eleito não recebe do povo a sua autoridade, mas de Cristo mediante os eleitores. Compreende-se até certo ponto que deva haver autoridade forte na Igreja, pois esta não é obra humana. Se fosse criação de homens, logicamente poderia ser retocada e re-criada por homens, as suas decisões seriam tomadas simplesmente por maioria de votos; deveria prevalecer exclusivamente o bom senso fundamentado sobre razões filosóficas ou científicas. Acontece, porém, que a Igreja não é sociedade meramente humana; é, sim, sacramentum, ou seja, realidade sensível que assinala e transmite uma realidade divina, isto é, a presença e a graça de Cristo. Por isto os pastores da Igreja têm o dever de preservar a mensagem da fé e as autênticas expressões desta não segundo critérios puramente humanos, mas segundo os critérios que a S. Escritura, colocada dentro da Tradição viva da Igreja, aponta ao povo de Deus; para realizar esta função, o magistério da Igreja goza de especial assistência do Espírito (cf. Mt 16,16-19; Lc 22,31s; Jo 21, 15-17; 14,26); tal assistência não depende da santidade ou das faltas dos pastores da Igreja, mas se exerce sempre que a Igreja se deva pronunciar oficialmente em matéria de fé e de costumes.



 

Houve, sem dúvida, no passado da Igreja atitudes de Papas e Bispos fortemente autoritárias, que não correspondem ao modo de pensar e agir nem dos eclesiásticos nem do mundo de hoje. Observe-se, porém, que não se pode julgar o passado à luz das categorias de pensar e agir do presente. Os antigos praticavam de boa fé o que nos pode parecer hoje inaceitável; a geração que hoje acusa o passado, será um dia veementemente acusada pelas futuras gerações. Não se pode esquecer, por exemplo, que São Francisco de Assis, Santa Clara, S. Tomás de Aquino, S. Alberto Magno, S. Boaventura e outros santos e sábios viveram em pleno século XIII, que foi um século de Inquisição, e não deixaram uma palavra de protesto contra esta. – Aliás, sempre houve santos entre os Papas e pastores da Igreja através dos seus vinte séculos; viveram o amor a Deus e o serviço aos irmãos tão generosamente quanto lhes sugeriam as circunstâncias de sua época.




Todo fiel católico deve reconhecer que entre os pastores da Igreja de Cristo confiada a Pedro houve e há falhas intelectuais e morais. Mas isto não o impede de afirmar que, através das mãos humanas dos clérigos (às vezes, manchadas e poluídas), passou e passa incólume o ouro de Deus para todos os fiéis. Ainda poderíamos citar numerosas passagens do livro de Frei L. Boff merecedoras de observações. O livro está, de ponta a ponta, inspirado pelos princípios que assinalamos até aqui. Tais princípios e as aplicações que dos mesmos faz L. Boff, se tomados a sério, levar-nos-iam a dizer que a eclesiologia de Boff é camufladamente protestante.As considerações propostas neste artigo permanecem no plano dos estudos, onde é lícito (e, às vezes, necessário) discordar; principalmente quando se trata das verdades da fé, o dever de fidelidade aos autênticos mananciais (no caso, ao Senhor Jesus) é duplamente imperioso. Cremos que as hipóteses e as afirmações de Frei Leonardo, entregues à ampla divulgação num estilo “gostoso” de sátira e caricatura “científica”, são destinadas a destruir mais do que a construir, pois o autor não oferece ao leitor a ocasião de ver outros aspectos que ele aborda; ele não ajuda o leitor a criticar e a matizar as posições assumidas no livro; ao contrário, o autor da obra usa de estilo que parece dirimente … ou mesmo esmagador de qualquer tese contrária (quando na verdade se trata de um conjunto, em grande parte, subjetivo, oscilante e vulnerável).  Cremos que Frei Leonardo, sincero como é, não deixará de refletir sobre estes tópicos.







APÊNDICE

 



A fim de evidenciar aos nossos leitores que as críticas à obras de Frei Leonardo Boff procedem também de outras fontes, como são os teólogos e recenseadores de livros europeus, já em junho de 1980 publicamos nesta revista uma recensão do livro “Jesus Cristo Libertador” elaborada pelo Pe. Leroy O. P. (cf. PR 246/1980), págs. 243-248).  Neste fascículo publicaremos uma recensão da eclesiologia de Frei Leonardo Boff tal como aparece em livro congênere ao que acabamos de analisar, ou seja, no volume UNA IGLESIA QUE NACE DEL PUEBLO (Ediciones Sigueme, Salamanca 1979, págs. 523). Esta obra compreende duas partes. A primeira contém os relatórios e as exposições proferidas no Encontro das Comunidades Eclesiais de Base ocorrido em Vitória (Brasil) de 6 a 8 de Janeiro de 1975. A segunda parte apresenta os ecos do Encontro das mesmas realizado também em Vitória (ES) de 29/07 a 1/08/1976; nessa secção da obra acham-se os estudos de seis peritos, a saber: o sociólogo protestante Jether Pereira Ramalho, o Pe. Eduardo Hoornaert, o sociólogo católico Pedro Ribeiro de Oliveira, o Pe. João Batista Libânio S. J., Frei Carlos Mesters e Frei Leonardo Boff. A respeito do texto deste último o Pe. A. Perego S. J. escreveu uma apreciação na revista Divus Thomas de Piacenza, 83.3, 1980, págs. 289-291, que se segue em tradução portuguesa:



“O sexto estudo, de Leonardo Boff, estende-se na descrição das comunidades de base como redescoberta ou, melhor, como refundação da Igreja. O ensaio-rio de Boff contém muitas páginas válidas e estimulantes; infelizmente, porém, apresenta muitas outras que confundem as idéias e não respeitam a doutrina da Igreja. Além de descrever a Igreja latina pré-conciliar com traços caricaturais, além de contrapor a Igreja-instituição e a Igreja carismática e além de pretender gratuitamente que a comunidade tenha precedido, no tempo, a organização (págs. 495s), o discurso do autor é contaminado por escatologismo de baixo jaez. Afirma que Jesus viveu sob o pesadelo da iminência escatológica do Reino e se enganou redondamente a este propósito (pág. 475).  Aceita de olhos fechados a tese de Loisy segundo a qual “Cristo pregou o Reino de Deus e, no lugar deste, veio a Igreja” (págs. 477, 479), como também aceita a tese de Küng conforme a qual Cristo “não fundou nenhuma Igreja”, mas colocou apenas premissas para que a Igreja surgisse depois da sua morte (pág. 478). A Igreja dos gentios estava totalmente fora do horizonte de Jesus e os doze Apóstolos não podem ser chamados “Igreja em miniatura” (pág. 480). Pedro, fundamento da Igreja, como refere Mt 16,18, é apenas uma explicação etiológica1 (págs. 481-482).  A faculdade de ligar e desligar é apenas de caráter doutrinário, e Pedro tem função de representante mais do que de chefe da comunidade (pág. 482).



Jesus falhou no intuito de instaurar o Reino, mas não desesperou; e Deus realizou a sua expectativa, concretizando o Reino na pessoa de Jesus.  A Igreja assim substitui, de certo modo, o Reino não realizado, na medida em que é comunidade que continua a pregá-lo como se estivesse já realizado em Jesus (págs. 484-485).



A última ceia, com a instituição da Eucaristia e do sacerdócio do Novo Testamento, não é elemento constitutivo da Igreja, mas uma simples antecipação festiva do Reino que Jesus julgava pudesse irromper de um momento para o outro no mundo (pág. 483). A Igreja, essencialmente “Igreja dos gentios” (pág. 485), helenizável e helenizada (pág. 486), não nasceu em Pentecostes, mas depois: os Apóstolos não suspeitaram nem mesmo que a Igreja tivesse nascido em Pentecostes; nesta ocasião eles ainda esperavam ver Jesus aparecer sobre as nuvens (pág. 487).







Por isto a Igreja, não instituída por Cristo, “nasceu de uma decisão dos Apóstolos” e, se a Igreja “nasceu de uma decisão dos Apóstolos movidos pelo Espírito, então é claro, conclui o autor, que à Igreja toca essencialmente o poder de decisão comunitária, disciplinar e dogmática”, em conseqüência, a Igreja está ilimitadamente aberta a toda adaptação espácio-temporal sobre qualquer ponto, mesmo no que diz respeito à sagrada hierarquia (págs. 489-490); esquece o autor que esta é de iure divino.



“O episcopado, o presbiterado e as outras funções perdurarão” (pág. 491), diz o autor; mas logo depois acrescenta que “o importante não está neste ponto, mas no poder decisório da Igreja” (pág. 491).  Em conseqüência, torna-se legítimo falar de “reinvenção” da Igreja (pág. 492); no caso particular da Eucaristia, se a Igreja o quisesse recebido o sacramento da Ordem. Seria até conveniente que, na atual situação de escassez de ministros ordenados, fossem delegados alguns leigos como ministros extraordinários para celebrar a Eucaristia. A sua celebração, porém, não se deveria chamar Missa, nem ser executada segundo o Ritual da Missa, mas chamar-se-ia Ceia do Senhor e se desenrolaria segundo um procedimento inventado pela criatividade popular (págs. 493-502).



Não é necessário que nos detenhamos em mostrar a inconciliabilidade destas opiniões do autor com a fé da Igreja. Acrescentemos apenas duas coisas. A primeira é que, em todos estes pontos, o autor, longe de ser original, segue acriticamente alguns autores modernos ditos “de crista da onda”, dos quais imita também a pouco louvável astúcia de rotular, como questões disputadas, as explanações nas quais são contrabandeadas doutrinas espúrias. A segunda é a imperdoável leviandade com que o autor líquida em bloco toda a séria e sólida teologia pré-conciliar como se fosse um acervo de “teses dogmáticas de antemão estipuladas” (pág. 491).



"O livro se encerra sob o signo do entusiasmo e apresentando conclusões que nos parecem precisar de ser repensadas; tem aos montes, premissas inadmissíveis ou bastante discutíveis como são muitas das opiniões  expressas pelos relatores".



A. PEREGO

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1 Explicação etiológica … Isto quer dizer que o episódio de Mt 16, 16-18 teria sido forjado pelas comunidades cristãs primitivas para explicar a causa (aitia, em grego) do primado exercido pelos Bispos de Roma, em virtude de iniciativa própria e não por mandato de Jesus.  A propósito pode-se observar que as frases de Jesus em Mt 16, 16-19 só se podem entender se foram originariamente proferidas em aramaico pelo próprio Jesus. Nenhuma comunidade cristã de língua grega teria “inventado” tal discurso de Jesus, pois a língua grega não usava as expressões que o texto de Mt 16,16-19 apresenta: Bar-jona, carne e sangue, Pai que está nos céus, portas do inferno, ligar-desligar, Kepha-kepha (em grego dir-se-ia Petros, petra, e não haveria trocadilho).  Donde se vê que não se pode negar a autenticidade da promessa de primado feita a Pedro em Mt 16, 16-19.




Fonte - Revista : “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”

D. Estevão Bettencourt, osb

Nº : 260 – ano : 1982 – Pág. 15




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CIDADÃO DO MUNDO, NORDESTINO COM ORGULHO, Brazil
Neste Apostolado APOLOGÉTICO (de defesa da fé, conforme 1 Ped.3,15) promovemos a “EVANGELIZAÇÃO ANÔNIMA", pois neste serviço somos apenas o Jumentinho que leva Jesus e sua verdade aos Povos. Portanto toda honra e Glória é para Ele.Cristo disse-nos:Eu sou o caminho, a verdade e a vida e “ NINGUEM” vem ao Pai senão por mim" (João14, 6).Defendemos as verdade da fé contra os erros que, de fato, são sempre contra Deus.Cristo não tinha opiniões, tinha a verdade, a qual confiou a sua Igreja, ( Coluna e sustentáculo da verdade – Conf. I Tim 3,15) que deve zelar por ela até que Ele volte(1Tim 6,14).Deus é amor, e quem ama corrige, e a verdade é um exercício da caridade. Este Deus adocicado, meloso, ingênuo, e sentimentalóide, é invenção dos homens tementes da verdade, não é o Deus revelado por seu filho: Jesus Cristo.Por fim: “Não se opor ao erro é aprová-lo, não defender a verdade é nega-la” - ( Sto. Tomás de Aquino).Este apostolado tem interesse especial em Teologia, Política e Economia. A Economia e a Política são filhas da Filosofia que por sua vez é filha da Teologia que é a mãe de todas as ciências. “Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao vosso nome dai glória...” (Salmo 115,1)

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