Teólogo *Francisco José Barros de Araújo: "a ação da Graça depende das circunstâncias e gratuidade divina"
A reflexão sobre a ação da graça ocupa lugar central na tradição teológica cristã, desde os Padres da Igreja até os grandes pensadores escolásticos e contemporâneos. A graça, enquanto dom gratuito de Deus, constitui o princípio que possibilita a salvação e a cooperação humana na vida espiritual. No entanto, como observa o teólogo Francisco José Barros de Araújo, a eficácia da graça não é uniforme ou mecânica, mas depende de circunstâncias concretas da vida do indivíduo, além de sua abertura à ação divina. Essa perspectiva articula-se com reflexões clássicas de Santo Agostinho sobre a predestinação e a liberdade humana, assim como com os ensinamentos de Tomás de Aquino, que reconhece a cooperação da vontade humana sem comprometer a gratuitidade da graça. Ao analisar a ação da graça sob a lente das circunstâncias e da gratuidade divina, busca-se compreender a dimensão relacional e dinâmica da experiência de fé, ressaltando tanto a soberania de Deus quanto a responsabilidade humana. Este enfoque permite um diálogo fecundo entre tradição teológica, experiência espiritual e prática pastoral, oferecendo subsídios para compreender como a graça se manifesta concretamente na vida cristã.
PRECISAMOS ANTES DE TUDO, DIFERENCIAR a GRAÇA DIVINA DAS VIRTUDES HUMANAS!
A graça divina é um dom de Deus, dado de forma imediata, plena e perfeita, sem depender de méritos ou esforços humanos. Ela é gratuita, soberana e não se consegue “ganhar” por esforço próprio; é um presente que Deus nos concede para nos santificar, iluminar nossa mente e fortalecer nossa vontade na direção do bem. Já as virtudes humanas — como a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança — não nos são dadas prontas, mas precisam ser exercitadas e cultivadas ao longo da vida. Elas exigem esforço, disciplina, prática e repetição consciente de ações corretas. Podemos receber ajuda da graça para desenvolvê-las, mas o ato de virtuoso depende da nossa cooperação ativa.
Uma sentença teológica que nos ajuda a distinguir claramente esses dois conceitos é:
“A graça é dada, pronta e completa; as virtudes humanas, para adquirirmos, precisam ser exercitadas.”
Portanto, enquanto a graça nos transforma de dentro para fora, tornando possível o contato direto com Deus e a vida sobrenatural, as virtudes humanas nos preparam para cooperar com essa graça, formando caráter, disciplina moral e hábitos do bem. Reconhecer essa diferença é essencial para viver a fé de forma autêntica, consciente e eficaz, sem confundir dom gratuito com esforço próprio.
-Exemplo de Graças divinas: Sabedoria, Justificação, frutos do sacrifício da Missa, Sacramentos, Martírio, Dons extraordinários como: bilocação, dom de ciência, milagres, profecias, e interpretação de línguas.
-Exemplo de Virtudes humanas: Paciência, Conhecimento, Perdão, Sinceridade, Veracidade, Humildade, Cortezia, etc. (as virtudes humanas não são um patrimônio exclusivo do Cristianismo, mas da humanidade, ou seja, até pessoas que não foram Cristãs, como Platão e outros filósofos, as desenvolveram).
Receber de deus dons extraordinários não é sinônimo de salvação, muito pelo contrário!
A experiência de dons espirituais extraordinários — como profecia, línguas, cura ou milagres — pode ser impressionante, mas não garante, por si só, a vida eterna. Jesus mesmo nos alerta sobre isso de maneira contundente:
“Nem todo o que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21).
Continuando, Ele acrescenta:
“Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E em teu nome não expulsamos demônios e não fizemos muitos milagres?’ Então lhes direi claramente: ‘Nunca vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade’” (Mt 7,22-23).
Esses versículos deixam claro que os sinais extraordinários não substituem a santidade de vida, a obediência a Deus e a prática das virtudes cristãs. Os dons são meios para servir e edificar a Igreja, não garantias de salvação.O Magistério da Igreja reforça essa distinção. São João Paulo II, na encíclica Dominum et Vivificantem (1986), afirma que:
"Os dons do Espírito Santo são dados para o serviço da Igreja e a edificação do Corpo de Cristo, e não para a exaltação pessoal ou para garantir automaticamente a salvação” (§25).
Além disso, o Catecismo da Igreja Católica ensina:
“A santidade consiste em uma vida vivida na graça de Deus, com fé, esperança e caridade; os dons do Espírito Santo fortalecem-nos para tal vida, mas não substituem a cooperação livre e consciente com Deus” (CIC 2003-2005).
Portanto, os milagres, profecias ou carismas são sinais da presença do Espírito, mas a salvação exige algo mais profundo:
fé verdadeira, amor a Deus e ao próximo, prática das virtudes e perseverança na graça. A vida cristã não se mede pelos dons extraordinários que recebemos, mas pela fidelidade diária à vontade de Deus.
-1 Pedro 4,10-11: "Cada um administre aos outros o dom como o recebeu, como bons mordomos da multiforme graça de Deus. Se alguém prega, fale segundo as palavras de Deus; se alguém tem o dom de administrar, administre segundo o poder que Deus dá; para que em tudo Deus seja glorificado por Jesus Cristo, a quem pertence a glória e poder para todo o sempre. Amém!"
-Romanos 12,6-10: "Temos diferentes dons, de acordo com a graça que nos foi dada. Se alguém tem o dom de profetizar, use-o na proporção da sua fé. Se o seu dom é servir, sirva; se é ensinar, ensine; se é dar ânimo, que assim faça; se é contribuir, que contribua generosamente; se é exercer liderança, que a exerça com zelo; se é mostrar misericórdia, que o faça com alegria.O amor deve ser sincero. Odeiem o que é mau; apeguem-se ao que é bom. Dediquem-se uns aos outros com amor fraternal. Prefiram dar honra aos outros mais do que a si próprios."
O TESTEMUNHO DAS ESCRITURAS sobre: tempo, local e disposições interiores para receber a graça!
A experiência da graça divina não ocorre de maneira aleatória ou automática. A Bíblia nos mostra que Deus age em momentos específicos, em lugares determinados e em corações preparados, e que nossa abertura interior é fundamental para receber os dons de Deus.Em Pentecostes, por exemplo, o tempo e o lugar foram essenciais:
“Chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar” (At 2,1).
A graça do Espírito Santo se derramou plenamente sobre os apóstolos porque eles estavam no tempo certo, no lugar determinado por Deus e unidos em oração. A presença física e a disposição espiritual foram condições para o agir divino, quem não obedeceu a esse chamado e não estava ali presente, perdeu essa graça específica.Do mesmo modo, o anúncio do nascimento de Jesus revela o cuidado de Deus com o tempo e o lugar:
“No sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré...” (Lc 1,26).
A manifestação do plano divino exige obedecer ao tempo e ao contexto que Deus escolhe e nos ordena, demonstrando que a graça não é fruto da improvisação humana, mas do planejamento divino e da disposição daquele que a recebe.O Antigo Testamento reforça essa lógica:
-“Vem o Dia em que o Renovo de Yahweh será belo e glorioso, e o Fruto da Terra será a felicidade e a glória dos sobreviventes de Israel. E aqueles que restarem em Sião e permanecerem em Jerusalém serão chamados santos” (Is 4,2-3).
-“Assim diz o SENHOR: No tempo da graça Eu te escutei, e no dia da salvação eu te ajudei. Eu te guardei e coloquei como aliança entre o povo...” (Is 49,8).
Esses textos indicam que permanecer no lugar certo e manter-se espiritualmente atento é condição para experimentar a salvação e a glória prometida. A obediência ao chamado divino e a perseverança no bem tornam possível a ação transformadora da graça.O salmista também exorta para a disposição interior:
“Se ouvirdes hoje a voz de Deus, não endureçais o vosso coração, como em Meribá, e ainda como naquele dia em Massá, no deserto...” (Sl 95,8).
Ou seja, mesmo diante da ação de Deus, a dureza de coração impede a recepção da graça. A abertura interior é tão importante quanto o tempo e o lugar.Por fim, São Paulo nos recorda que a graça é um dom gratuito de Deus, mas que requer fé:
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus” (Ef 2,8).
Portanto, a Escritura ensina que para receber a graça de Deus, é necessário:
-Estar no tempo que Ele determinou (e não no nosso);
-Estar no lugar que Ele escolheu e nos chamou para estarmos presentes;
-Manter o coração disposto e aberto ao tempo, lugares e as demoras de Deus.
Quando estas condições se encontram, a graça se derrama de forma plena, transformando a vida do homem e conduzindo-o à santidade. Sem essas disposições, mesmo diante da presença de Deus, o dom pode passar despercebido, como alertam os salmos e a experiência dos apóstolos.
A Bíblia nos ensina que a graça de Deus se manifesta de forma plena quando tempo, lugar e disposição interior se encontram, e que, sem essa cooperação humana, mesmo diante da presença divina, o dom pode passar despercebido.Um exemplo é o chamado de Samuel (1 Sm 3,1-10). O jovem ouviu a voz de Deus porque estava no tempo certo, no lugar certo (o templo) e com o coração atento e obediente. Sua prontidão permitiu que a graça se manifestasse de maneira transformadora. Outro caso é Noé, chamado por Deus a construir a arca (Gn 6,13-22). Mesmo sem compreender plenamente o plano divino, sua obediência e disponibilidade no tempo e lugar indicados foram essenciais para que Deus preservasse sua família e cumprisse o projeto de salvação.A experiência de Zaqueu (Lc 19,1-10) também ilustra essa realidade: ele subiu em uma árvore para ver Jesus, mostrando sua disposição interior e iniciativa. Por isso, a graça de Cristo transformou sua vida e trouxe salvação à sua casa.De forma similar, Cornélio e Pedro (At 10,1-48) receberam a graça plena porque Cornélio buscava a Deus com oração e esmolas, e Pedro estava pronto a obedecer à revelação divina, permitindo que o Evangelho se estendesse aos gentios. No Pentecostes (At 2,1-4), os apóstolos receberam o Espírito Santo porque estavam reunidos no mesmo lugar, unidos em oração e preparados espiritualmente, tornando-se testemunhas corajosas e transformadas de Cristo.A resposta de Maria em Nazaré (Lc 1,26-38) mostra que a graça do Encarnado se manifestou plenamente porque ela estava no tempo e lugar certos e aberta à vontade de Deus, respondendo com total entrega: “Eis aqui a serva do Senhor”. Finalmente, Ana, mãe de Samuel (1 Sm 1,9-20) nos ensina que a perseverança na oração e a confiança plena em Deus são disposições interiores essenciais para que a graça conceda aquilo que o coração fiel anseia.
Esses exemplos bíblicos deixam claro que a graça divina não age isoladamente, mas em harmonia com nossa cooperação livre e consciente. Quando tempo, lugar e disposição interior se encontram, Deus derrama a graça de forma plena, transformando vidas e conduzindo à santidade. Sem essas condições, mesmo diante de milagres e sinais, a graça pode passar despercebida.
recebimento da GRAÇA SEGUNDO O MAGISTÉRIO DA IGREJA:
Sacramentos: sinais eficazes da
graça de Deus
§1131 "Os
sacramentos são sinais eficazes da graça, instituídos por Cristo e confiados à
Igreja, por meio dos quais nos é dispensada a vida divina. Os ritos visíveis
sob os quais os sacra- mentos são celebrados significam e realizam as graças
próprias de cada sacramento. Produzem fruto naqueles que os recebem com as
disposições exigidas."
Conforme o
Catecismo da Igreja Católica, os sacramentos são sinais sensíveis, instituídos
por Cristo, a fim de produzir a graça em nossas almas e santificá-las. Em
outras palavras, são eventos de salvação pelos quais Deus intervém na vida dos
homens, através de seu Filho Jesus Cristo e do Espírito Santo, na Igreja.
Segundo Santo Agostinho, os sacramentos no Antigo Testamento prometiam a
salvação, já no Novo Testamento a comunicam, ou seja, são eficazes. É
pela Igreja, a fiel administradora dos Sacramentos, que se manifesta e continua
a salvação que Deus realizou em Cristo, de modo que não pode haver Igreja sem
sacramentos, nem sacramentos sem Igreja. Ainda segundo o
Catecismo da Igreja, os sacramentos foram instituídos por Cristo e são sete, a
saber: Batismo, Confirmação, Eucaristia, Penitência, Unção dos
Enfermos, Ordem e o Matrimônio. Esses sete sacramentos são ainda
divididos em Sacramentos da Iniciação Cristã, Sacramentos de Cura e Sacramentos
de Serviço.Conforme o Catecismo da Igreja, “os fieis, de fato renascidos no
Batismo, são fortalecidos pelo Sacramento da Confirmação e, depois, nutridos
com o alimento da vida eterna na Eucaristia” (1212). Os Sacramentos de Cura,
isto é, Penitência e Unção dos enfermos, concedem aos fieis a libertação do
pecado e o fortalecimento nas debilidades do corpo e da alma. Esses sacramentos
são sinais eficazes da graça de Deus, mas somente produz fruto na vida de quem
o recebe à medida que este se abre na fé, devoção, e com a intensidade do
coração, de acordo com a generosidade. Portanto, abramo-nos nosso coração neste
tempo em que Cristo nos toca, assim como tocou em tantos pecadores em tempos
terrenos, e agora nos seus sete sacramentos.
Definição (teológica - magisterial) da significação da graça:
§1996 Nossa JUSTIFICAÇÃO vem da graça de Deus. A graça é favor, o socorro
gratuito que Deus nos dá para responder a seu convite: tomar-nos filhos de
Deus, filhos adotivos participantes da natureza divina, da Vida Eterna.
§2003 A graça é antes de tudo e principalmente o dom do Espírito que nos
justifica e nos santifica. Mas a graça compreende igualmente os dons que o
Espírito nos concede, para nos a associar à sua obra, para nos tornar capazes
de colaborar com a salvação dos outros e com o crescimento do corpo de Cristo,
a Igreja. São as graças sacramentais dons próprios dos diferentes sacramentos.
São, além disso, as graças especiais, chamadas também "carismas",
segundo a palavra grega empregada por S. Paulo e que significa favor, dom
gratuito, benefício. Seja qual for seu
caráter, às vezes extraordinário, como o dom dos milagres ou das línguas, os
carismas se ordenam à graça santificante e têm como meta o bem comum da Igreja.
Acham-se a serviço da caridade, que edifica a Igreja.
§2005 Sendo de ordem sobrenatural, a graça escapa à nossa experiência e
só pode ser conhecida pela fé. Não podemos, portanto, nos basear em nossos
sentimentos ou em nossas obras para dai deduzir que estamos justificados e salvos.
No entanto, segundo a palavra do Senhor: "É pelos seus frutos que os
reconhecereis" (Mt 7,20), a consideração dos benefícios de Deus em nossa
vida e na dos santos nos oferece uma garantia de que a graça está operando em
nós e nos incita a uma fé sempre maior e a uma atitude de pobreza confiante. Acha-se
uma das mais belas ilustrações desta atitude na resposta de Sta. Joana d'Arc a
uma pergunta capciosa de seus juízes eclesiásticos:
Interrogada se sabe se está na graça de Deus, responde: "Se
não estou, que Deus me queira pôr nela; se estou, que Deus nela me
conserve!"
Graça atual
§2000 A "graça santificante" é um dom habitual, uma disposição estável e
sobrenatural para aperfeiçoar a própria alma e torná-la capaz de viver com
Deus, e agir por seu amor.
Deve-se distinguir a graça habitual, disposição
permanente para viver e agir conforme o chamado divino, e as graças atuais, que
designam as intervenções divinas, quer na origem da conversão, quer no decorrer
da obra da santificação.
§2024 A graça santificante nos faz "agradáveis a Deus". Os
carismas, graças especiais do Espírito Santo, são ordenados à graça
santificante e têm como alvo o bem comum da Igreja. Deus opera também, por
graças atuais múltiplas, que se distinguem da graça habitual, permanente em
nós.
RESUMINDO:
Graça
habitual - A “Graça Santificante” é uma qualidade permanente que DEUS dá a alma, e que permanecerá nela, desde que ela não a torne inoperante pelo pecado mortal deliberado. Este dom transforma a alma e a eleva a um plano sobrenatural, de tal modo que, uma pessoa em “estado de graça” tem preciosas prerrogativas:
1 – É santo e agradável a DEUS. (Hb 12,28)
2 – É chamado filho de DEUS. (1 Jo 3,1)
3 – É templo do ESPÍRITO SANTO. (1 Cor 3, 16)
4 – E em consequência, tem o privilégio de entrar no Céu.
Assim sendo, podemos afirmar que a “Graça Santificante” é uma nova vida dada por DEUS à alma. E uma vez que esta nova vida é uma virtude (não humana) criada pelo próprio DEUS, pode-se dizer que a alma dócil a Graça Santificante participa da Natureza Divina. (2 Pdr 1,4). Também, podemos afirmar que a Graça é dom do ESPÍRITO SANTO que nos justifica e santifica, que nos faz agradável a DEUS e nos convida ao serviço da Caridade, e por conseguinte, nos torna participantes da Vida Divina.
-É
uma disposição estável que aperfeiçoa a alma
-É
infundida na alma pelo Espírito Santo
-É
uma disposição permanente para viver e agir conforme o chamado de Deus
-É
uma semente da vida eterna
-Torna
a alma semelhante a Deus
Graça
atual: é um dom transitório, ou seja, é como se fosse uma “luz” para a mente ou uma “força”, ou um “estimulo” para a vontade, a fim de que a pessoa faça o bem e evite o pecado. Não é um dom permanente como a Graça Santificante. É um “impulso Divino” que ajuda cada um a fazer ações acima de suas forças naturais. Como exemplo externo de “Graça Atual” pode-se mencionar: Coragem momentânea para superar um desafio, um bom conselho de um confessor, a leitura de um bom livro, participar de um seminário Cristão...no sentido de que, sob a providência de DEUS, os mencionados exemplos ocasionam a conversão e prática de boas ações.
-É
um dom que Deus oferece a todos os homens
-É
um convite que Cristo dirige a todos os seres humanos
-É
uma intervenção de Deus que coloca o organismo sobrenatural em movimento
-É um impulso divino (efusão), que faz com que as virtudes e os dons infusos funcionem
-É
responsável pela conversão do pecador e pela santificação do justo
-É
obtida por meio da oração
Graças de estado (serviço ministerial):
§2004 Entre as graças especiais, convém mencionar as graças de estado,
que acompanham o exercício das responsabilidades da vida cristã e dos
ministérios no seio da Igreja: “Tendo, porém, dons diferentes,
segundo a graça que nos foi dada, aquele que tem o dom da profecia, que o
exerça segundo a proporção de nossa fé; aquele que tem o dom do serviço, que o
exerça servindo; quem tem o dom do ensino, ensinando; quem tem o dom da
exortação, exortando. Aquele que distribui seus bens, que o faça com
simplicidade; aquele que preside, com diligência; aquele que exerce
misericórdia, com alegria.” (Rm 12,6-8).
Oração dom da graça
§2713 Dessa forma, a oração mental é a expressão mais simples do mistério
da prece. A oração é um dom, uma graça; não pode ser acolhida senão na
humildade e na pobreza. A oração é uma relação de aliança estabelecida por Deus
no fundo de nosso ser. A oração é comunhão: a Santíssima Trindade, nesta
relação, conforma o homem, imagem de Deus, "a sua semelhança".
AS
VIRTUDES DIFEREM DA GRAÇA
§1810 As virtudes humanas
adquiridas pela educação, por atos deliberados e por uma perseverança
sempre retomada com esforço são purificadas e elevadas pela graça divina. Com o
auxílio de Deus, forjam o caráter e facilitam a prática do bem. O homem
virtuoso sente-se feliz em praticá-las.
Preparação para
receber a graça
§2001 A preparação do homem para acolher a graça é já uma obra da graça.
Esta é necessária para suscitar e manter nossa colaboração na justificação pela
fé e na santificação pela caridade. Deus acaba em nós aquilo que Ele mesmo
começou, "pois começa, com sua
intervenção, fazendo com que nós queiramos e acaba cooperando com as moções de
nossa vontade já convertida": Sem dúvida, operamos também nós, mas
o fazemos cooperando com Deus, que opera predispondo-nos com a sua
misericórdia. E o faz para nos curar, e nos acompanhará para que, quando já
curados, sejamos vivificados; predispõe-nos para que sejamos chamados e
acompanha-nos para que sejamos glorificados; predispõe-nos para que vivamos
segundo a piedade e segue-nos para que, com Ele, vivamos para todo o sempre, pois sem Ele nada podemos fazer.
§2022 A iniciativa divina na obra da graça precede, prepara e suscita a
livre resposta do homem. A graça responde às aspirações profundas da liberdade
humana; chama-a a cooperar consigo e a
aperfeiçoa.
Por tudo isto que vimos, podemos deduzir que:
Para o recebimento eficaz da graça de Deus, não basta apenas desejar ser tocado por Ela; é necessário estar no tempo e lugar que Deus deseja, com o coração e a mente preparados para acolher o dom que Ele quer derramar. A graça divina não é impessoal nem automática; ela exige disposição interior, abertura e docilidade. Assim como no dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo se manifestou sobre os apóstolos reunidos em unidade e oração, Deus continua a operar em nós de maneira concreta e pessoal nos diversos momentos e contextos da vida cristã. Podemos experimentar essa graça na oração pessoal, na leitura da Sagrada Escritura, na participação na Santa Missa, no recebimento dos sacramentos, na formação e serviço na Igreja, nas reuniões comunitárias, nos retiros espirituais e até mesmo nas atividades seculares que nos são confiadas. Cada um desses momentos, quando vividos com consciência da presença de Deus, torna-se um verdadeiro sacramento, ou seja, um meio pelo qual o Senhor se faz presente e transforma nossa vida. Viver dessa forma exige docilidade ao Espírito Santo, disposição para deixar-se conduzir por Deus e coragem para testemunhar Cristo em todas as circunstâncias. Assim, nosso cotidiano se torna espaço de encontro com a graça, e nossas ações, ainda as mais simples, passam a refletir a presença viva de Deus no mundo. Em cada momento, Ele nos chama a responder com fé, entrega e amor, tornando-nos instrumentos vivos de Sua obra redentora.
Portanto, se Deus se comprometeu a derramar graças em sua participação na Missa, na oração pessoal ou comunitária, em momentos de formação ou encontros reflexivos, mas você, livre e deliberadamente, sem justa causa, não estava presente, a graça passou, se derramou, mas você infelizmente não a recebeu.Essa graça, concedida e reservada para aquele momento específico, não ficou armazenada para outra ocasião: ela se perdeu para você. E isso não é apenas uma teoria; trata-se da dinâmica da liberdade humana e da cooperação com Deus.Agora, imagine se algum dos apóstolos não estivesse reunido, como Deus havia ordenado, no dia de Pentecostes. Se eles tivessem desobedecido ou faltado por descuido, a promessa do Espírito Santo não teria sido plenamente recebida. É exatamente isso que as Escrituras nos ensinam: Deus oferece a graça, mas é necessária a nossa disposição, presença e docilidade para recebê-la.
Como lembra Lucas 24,49:
"E eis que sobre vós envio a Promessa de meu Pai; ficai, porém, na cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder."
E João 14,16-28 reforça:
"Eu vos tenho falado estas coisas, estando ainda convosco; mas o Paráclito, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, este vos ensinará todas as coisas!"
Jesus também advertiu em Mateus 10,17-20:
"Acautelai-vos, porém, dos homens; porque eles vos entregarão aos sinédrios, e vos açoitarão nas suas sinagogas; e sereis até conduzidos à presença dos governadores, e dos reis, por causa de mim, para lhes servir de testemunho a eles, e aos gentios. Mas, quando vos entregarem, não vos preocupeis como, ou o que haveis de falar, porque naquela mesma hora vos será ministrado o que haveis de dizer. Porque não sois vós quem falará, mas o Espírito de vosso Pai é que fala em vós!"
Esses textos nos ensinam algo fundamental: a graça de Deus exige nossa cooperação. Estar presente, no lugar e momento que Ele deseja, não é apenas um ato externo, mas uma disposição interior de abertura, docilidade e confiança. Assim como os apóstolos receberam o Espírito Santo em Pentecostes porque estavam reunidos e obedientes, nós também podemos ser canais vivos da graça divina quando nos colocamos na posição que Deus providenciou para nós. Em outras palavras: Deus quer derramar sua graça, mas não podemos recebê-la passivamente. A oportunidade de sermos tocados por Ele é real e concreta, mas depende da nossa liberdade e prontidão para acolher o dom divino.
CONCLUSÃO
A reflexão sobre a ação da graça à luz da tradição católica revela um equilíbrio sutil entre a soberania divina e a cooperação humana, conceito que Santo Agostinho desenvolveu em profundidade ao tratar da predestinação e da liberdade. Para Agostinho, a graça é um dom totalmente gratuito de Deus, necessário para qualquer ação virtuosa ou salvífica, pois, sem ela, a vontade humana permanece inclinada ao pecado. Contudo, mesmo na perspectiva agostiniana, a manifestação da graça no indivíduo está condicionada à sua abertura interior e às circunstâncias concretas de sua vida, o que torna a experiência da graça não apenas um evento transcendente, mas também relacional e histórico. Tomás de Aquino complementa essa visão ao sistematizar a cooperação da vontade humana com a ação divina, sem que isso comprometa a gratuidade da graça. Na Suma Teológica, Aquino explica que a graça é necessária para elevar a natureza humana à participação na vida divina, mas a disposição moral e as circunstâncias externas influenciam a efetividade da ação de Deus. Essa perspectiva tomista evidencia que a graça não opera de maneira arbitrária; ao contrário, ela respeita a ordem natural e as condições humanas, promovendo uma integração entre ação divina e responsabilidade moral. Portanto, a conclusão central que emerge dessa análise é que a graça, embora sempre gratuita e soberana, se manifesta de modo diferenciado conforme as circunstâncias humanas e a abertura da pessoa ao divino. Isso não significa uma limitação da ação de Deus, mas sim uma valorização da liberdade humana como colaboradora da obra divina. A perspectiva católico-tomista e agostiniana demonstra que a experiência da graça é simultaneamente transcendente e concreta, envolvendo uma interação dinâmica entre a vontade de Deus e a resposta do ser humano, em contexto histórico e ético. Essa compreensão tem implicações práticas e espirituais importantes: orienta a vida cristã para a cooperação consciente com a graça, destaca a responsabilidade moral em face dos dons divinos e reforça a necessidade de formação espiritual que harmonize fé, razão e prática ética. Em última análise, compreender a graça como gratuita, mas dependente de circunstâncias e abertura humana, permite ao cristão viver de forma mais consciente, responsável e alinhada com a tradição católica clássica, integrando a riqueza agostiniana da experiência interior com a profundidade tomista da razão e da ordem moral.
Referências Bibliográficas
-CALVINO, João. Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Editora Vida Nova, 2018.
-AUGUSTINO, Santo. De Gratia et Libero Arbitrio. Roma: Patristic Texts, 2010.
-PELICAN, Jaroslav. Teologia da Graça: Uma História da Doutrina Cristã. São Paulo: Paulus, 2005.
-LONERGAN, Bernard. Insight: Uma Teoria da Compreensão. Petrópolis: Vozes, 2012.
-RAHNER, Karl. Ação de Deus na História Humana. Rio de Janeiro: Vozes, 1975.
-TERTULIANO. De Praescriptione Haereticorum. Paris: Bibliothèque Patristique, 2003.
-CATECISMO da Igreja Católica. Brasília: Edições CNBB, 1993. §§1996-2010.
*Francisco
José Barros de Araújo - Francisco José
Barros Araújo – Bacharel em Teologia pela Faculdade Católica do RN, conforme
diploma Nº 31.636 do Processo Nº 003/17 - Perfil curricular no sistema Lattes do
CNPq Nº 1912382878452130.
“Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!”
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