Tratar
de fé e política nem sempre é fácil. O mais comum é encontrar pessoas cuja
visão da política e da própria participação sócio-transformadora é bastante
negativa. A religião, nessa perspectiva, não poderia envolver-se em assuntos
considerados profanos, sob pena de degenerar em subversão.
É
necessário insistir e investir, no meio cristão, em uma introdução ao
relacionamento entre fé e política que parta de um princípio capaz de conjugar
essas duas instâncias, harmonizando-as em nome do bem comum.
A opção
preferencial pelos pobres pode desempenhar esse papel, mostrando-nos como o
engajamento político é uma exigência da adesão ao projeto de Jesus.
Como a fé cristã vê os
pobres?
Não
falamos aqui da virtude evangélica da pobreza, mas da situação de exclusão da
maior parte da população mundial. Primeiramente, existe a ação desses pobres,
expressa especialmente nas bem-aventuranças (ver Mt 5, 3 e Lc 6, 20), prova
contundente de que os excluídos devem ser protagonistas de sua libertação.
Afinal,
como dizia Paulo Freire, “ninguém liberta ninguém: nós nos libertamos em
comunhão”.
Mas há também a ação em
favor dos pobres: “Vós sempre tendes convosco os pobres e, quando quiserdes,
podeis fazer-lhes bem” (Mc 14, 7).
Fazer
o bem aos necessitados integra visceralmente o projeto de Jesus, conforme
constatamos no famoso texto bíblico do juízo final, em Mt 25, 31-46.
Para
Paulo, a fé deve agir pela caridade (ver Gl 2, 10 e 5, 6).
Nossa
atenção cristã precisa estar voltada para os antigos e novos rostos de pobres,
incluindo os ricos macerados pelas mais variadas opressões existenciais.
(Já
dizia Dom Helder Cãmara: “Tem rico que é tão pobre, que a única coisa que tem é
dinheiro...”)
Há
também os pobres amparados por instituições e estruturas beneficentes, e há os
“pobres-pobres”, sem ninguém por eles, dos quais, sobretudo, devemos nos
ocupar.
Na
ótica cristã, o pobre é o necessitado de cuidado e amor. Sem dúvida, a marca
social da miséria e da marginalização reclama uma preferência maior para
aqueles que são excluídos e praticamente anulados no sistema econômico e
político dominante.
O que significa opção
preferencial?
O
Catecismo da Igreja Católica, nos seus números 2443-2449, e o Compêndio da
Doutrina Social da Igreja, no número 182, ajudam-nos a entender “opção” como
sinônimo de “amor”.
Fala-se
de “amor preferencial pelos pobres”, uma expressão muito bela e significativa,
pois traz implícita a idéia de que qualquer opção cristã deve ser guiada pela
caridade.
Quanto ao qualificativo
“preferencial”, temos de ter cuidado para explicá-lo:
1)- Alguns
o rejeitam por acharem que é redundante ou pouco radical; outros, porque
indicaria uma parcialidade ou favoritismo na práxis religiosa.(Cristo morreu
pelos pobres ou pelos pecadores ? Deus salva por categorias ?).
2)- Na
verdade, dizer que a opção pelos pobres é preferencial não significa afirmar
que seja exclusiva ou excludente. Deus não tem um amor maior por uns do que por
outros. Amor preferencial é um amor que dá prioridade. Pensemos em uma mãe e
seus dois filhos. A mãe não ama um filho mais do que ao outro, mas sabe dar
prioridade quando um deles está sofrendo. Esse é o jeito de mãe, o jeito do Pai
do filho pródigo, o jeito de todo amor verdadeiro.
3)- O
pe. Kolvenbach, ex-prepósito geral dos jesuítas, expressou tal dinâmica com uma
frase emblemática: “Os pobres não são os únicos, mas são os primeiros”. É assim
no Reino de Deus, chamado a começar aqui na terra.
4)- Por
tudo isso, a ação em favor dos pobres, manifesta como opção preferencial, “está
implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para nos
enriquecer com sua pobreza” (Bento XVI, no Discurso Inaugural da Conferência de
Aparecida).
5)- Os
documentos do episcopado latino-americano, de Medellín a Aparecida, lembram a
vinculação entre seguimento de Cristo e promoção humana. É uma exigência perene
para a Igreja o engajamento em todos os espaços da vida social, sempre segundo
o ponto de vista dos oprimidos. E se a libertação dos pobres é um critério
essencial da fé cristã, podemos dizer que, na opção preferencial por eles, fé e
política se abraçam.
6)- De
fato, a assistência voltada à doação imediata do necessário à sobrevivência não
esgota a opção pelos pobres. Também deve haver uma palavra evangélica dirigida
aos construtores da sociedade e à transformação das estruturas assentadas na
lógica do acúmulo excludente. Isso se faz através da política, tanto na esfera
partidária como no campo mais amplo da atuação dos sindicatos, das associações,
das igrejas e de todos os grupos chamados a valorizar os mecanismos de
participação e controle social do regime democrático.
Assim,
a fé cristã exige a opção preferencial pelos pobres e, por tal opção, abre-se à
atuação política.
Política é a arte de
buscar, em comunhão, o bem comum.
Sem
reduzir-se à política partidária, mas envolvendo toda ação orientada a promover
uma sociedade mais justa e igualitária, ela é necessária para uma ordenação
social condizente com a nossa humanidade.
A
aversão do povo à politicagem ou à perversão da política não pode ser desculpa
para se deixar de lado o compromisso sócio-transformador.
Um
documento da CNBB, intitulado “Exigências Éticas da Ordem Democrática”,
assevera:
“A
existência de milhões de empobrecidos é a negação radical da ordem democrática.
A situação em que vivem os pobres é critério para medir a bondade, a justiça e
a moralidade, enfim, a efetivação da ordem democrática. Os pobres são os juízes
da vida democrática de um país”.
A vida
dos pobres, critério de nossa fé, seja também o critério da política,
levando-nos a participar, nos diversos níveis e instituições políticas, da
construção de um mundo melhor.
Será o
caminho da autenticidade de nossa fé e a nossa contribuição para o
amadurecimento da democracia em nosso país.
Tarcísio
Bráulio Gonçalves
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