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Carta encíclica Veritatis Splendor - O perene tratado sobre a moral do papa São João Paulo II

Written By Beraká - o blog da família on sexta-feira, 11 de novembro de 2022 | 11:10

 





A LIBERDADE RESPONSÁVEL NA CARTA ENCÍCLICA VERITATIS SPLENDOR DO PAPA SÃO JOÃO PAULO II

 



Por João Roberto dos Santos da Costa e Silva.1

 



Este artigo apresenta um tema relevante para superar a crise moral do mundo moderno. Examino um dos grandes legados de São Papa João Paulo II, que inserem a doutrina do Concílio Ecumênico Vaticano II nos debates sobre a vida, a sociedade e a cultura. Ele apresentou a liberdade responsável como uma realidade que fará com que o homem moderno responda, de verdade, ao sempre atual convite de Jesus Cristo, “vem e segue-me”. Sua resposta é não somente a porta para a liberdade responsável, mas também para a Salvação. O Pontífice dedicou-se à antropologia cristã, que ensina o homem a ser homem, superando as teses de Kant sobre a ordem moral convencional.


 

 

 

Este artigo sobre a liberdade responsável faz parte de dois grandes conjuntos temáticos, ambos em pleno desenvolvimento.

 

 

 

O primeiro no campo da Religião, iniciado com o Mestrado em João Paulo II no programa de Ciências da Religião da P.U.C. - SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). A tese sobre os Discursos para o Dia Mundial da Paz foi apresentada no dia 1 de outubro de 1999. O segundo conjunto temático situa-se no campo da Ciência Política e das Humanidades, e teve início no ano 2000 na Espanha com as primeiras pesquisas sobre Alexis de Tocqueville, o grande especialista em democracia2 . A “Carta Encíclica Veritatis Splendor” pertence ao conjunto de documentos da doutrina social da Igreja, e está centrada na permanente Aliança de Deus com os homens. Neste texto mostro um aspecto do método pedagógico de Karol Wojtyla direcionado para o conhecimento da realidade espiritual e material: a análise fenomenológica. Ele considera, fundamentado na verdade revelada nas Sagradas Escrituras, dois fulcros, suportes ou “chão” próprios do mundo cristão, que são a

 

 

1 Administrador de Empresa, Filósofo, Mestre em Ciências da Religião e Doutor em Ciência Política e Humanidades, atualmente trabalha com Consultoria Filosófica.

 

 

2 A pesquisa no Doutorado teve inicio em 2000 na Universidad de Navarra, em Pamplona. A tese sobre a liberdade individual no pensamento de Tocqueville foi apresentada no dia 18 de dezembro de 2008 na Universidade San Pablo CEU de Madri. Considero que o pensamento de Karol Wojtyla ajudou-me substancialmente na compreensão dos temas tocquevillianos sobre a dignidade do homem como homem.

 

 

 

amizade de Deus com cada pessoa humana e a paz que o homem encontra quando dá sua adesão ao convite de Jesus Cristo de realizar efetivamente a vida cristã. O Pontífice analisa comparativamente a situação do jovem do Evangelho e a do homem moderno. Ele quer ensinar o dinâmico projeto da civilização do amor e da paz. Com essa intenção, oferece subsídios para a efetiva formação da consciência moral da pessoa. Evidentemente, a ordem moral constitui a chave da liberdade responsável.

 

 

 

 

Este artigo está dividido em quatro partes:

 

 

 

 

 

-A estrutura lógica da Encíclica,

 

 

-O argumento da liberdade responsável com referência ao educador cristão.

 

 

-Em defesa da liberdade responsável.

 

 

-As considerações finais.

 

 

 

Com este tema chamo a atenção para alguns elementos que se encontram na origem dos problemas da vida atual e reitero a ideia de que sem liberdade individual a vida humana torna-se medíocre, assim como um diamante que, no meio da lama, não pode mostrar seu brilho. Veremos que João Paulo II convida o homem moderno a decidir-se pela liberdade responsável. Sua meta é a construção de uma verdadeira vida intelectual, moral e espiritual, fato que auxilia a pessoa a desenvolver a inteligência. O objeto de análise da Encíclica concentra-se nos problemas que envolvem a vida humana no mundo contemporâneo e na possibilidade do homem, isto é, cada um de nós (inclusive eu e cada leitor), de descobrir o caminho da liberdade em sua união com Jesus Cristo, o Verbo de Deus encarnado. De modo análogo ao jovem rico do Evangelho, em seu encontro pessoal com Cristo, o homem contemporâneo está chamado a responder objetivamente a seus desafios. Entretanto, para abraçar a doutrina cristã em plenitude, precisa de uma adequada formação da consciência moral que lhe ajude a responder com o adequado uso da razão às exigências da liberdade responsável. Não podemos esquecer que o jovem rico só foi capaz de responder emotivamente, uma resposta vinculada a um sentimento mesquinho do possuir que anulou a verdadeira dimensão do seu ser. (o drama do jovem rico do Evangelho constitui um método pedagógico importante nesta Encíclica). O Pontífice estabelece uma analogia entre o jovem que não aceita o convite de Jesus e o homem contemporâneo que vive de costas para Deus. Com isso, ele questiona alguns problemas que arruínam o mundo intelectual contemporâneo. 3 Por exemplo, o historicismo, uma doutrina no campo da história segundo a qual a história de cada indivíduo seria suficiente para explicar sua natureza e valor. Essa epistemologia provoca um reducionismo antropológico e põe em evidência as teorias desenvolvidas pelos filósofos da Ilustração que negaram a fé. A crítica a esse modo irreal de fazer história constitui o ponto de partida do objetivo do Pontífice. Na verdade, ele quer dar subsídios para que cada ser humano possa recuperar o lugar que lhe é devido na construção de sua própria história abraçando o bem espontaneamente. Nessa dinâmica de grandeza antropológica, a vontade precisa ser adequadamente educada porque jogará um papel essencial na realização plena do ser. Essa meta é a identificação com Jesus Cristo, o caminho, a verdade e a vida. Está estabelecida, portanto, a contraposição entre a antropologia de Karol Wojtyla e a antropologia de Immanuel Kant. Esta temática se justifica devido à luta de João Paulo II contra as diversas formas de totalitarismo e os demais erros da modernidade no campo social, político, econômico, jurídico, cultural, entre outras dimensões da vida humana que sofrem a influência nefasta do excessivo racionalismo. João Paulo II põe o dedo em algumas feridas da modernidade. Por exemplo, o pensamento de George Hegel e sua teoria da história; os totalitarismos do século XX como o marxismo, o nazismo, e o fascismo; e a opção pela economia neoliberal. Esse conjunto de ideologias destroça a qualidade da vida humana. Veremos a seguir os dois temas nucleares deste artigo. O argumento da liberdade responsável com referência ao educador cristão (a verdadeira liberdade) João Paulo II no Magistério Pontifício considera o quadro intelectual de nossos dias, e mostra ao educador cristão que a formação da consciência moral e a conquista da liberdade responsável constituem duas tarefas urgentes para solucionar a crise de identidade no mundo moderno. A evangelização, a catequese e a escola cristãs ganham novo alento com a “Carta Encíclica Veritatis Splendor”. Surge um novo sentido da vida diante da missão urgente do reencontro do homem com Deus e consigo próprio .

 

 

 

 

3 Ricardo Yepes Stork e Javier Aranguren Echevarría mostram que o princípio intelectual da conduta humana está apoiado na educação: “Boa parte dos objetivos das atividades do homem corre por conta da escolha e aprendizado individuais. No nosso caso, o instinto vem em boa parte completado ou substituído pela aprendizagem”. Ricardo Yepes Stork e Javier Aranguren Echevarría, Fundamentos de Antropologia.

 

 

 

 

Na Encíclica é manifesta a vontade de dialogar com os demais especialistas em cristianismo, moral, antropologia e ciências sociais. Ele mostra que a capacidade de cada ser humano de realizar opções vitais fundamentais está intrinsecamente unida ao conteúdo de sua formação e grau de liberdade. O homem é um ser que quer viver em liberdade. Por essa razão, como cabeça visível da Igreja, ele exorta os responsáveis pela formação humana a ensinar a todos o caminho para a Aliança com Deus e a felicidade. A antropologia cristã caracteriza-se por dois aspectos distintos. Um é a parte teórica dos princípios morais e o outro a parte prática do ato humano. Esta segunda dimensão vincula-se aos diversos âmbitos da vida humana, como os costumes, as leis, o pensamento, a vontade, a liberdade verdadeira e responsável, os fenômenos espirituais exteriorizados, e as experiências vitais. Deste modo justifica-se a exigência da vida litúrgica intensamente espiritualizada. Esse novo contexto constitui um grande desafio do educador cristão, que precisa ir além de todos os mal-entendidos que ocorreram no pós-Concílio(não por causa do Vat. II em si, mas de seus pseudo intérpretes) e que não conseguiram dar ao homem o que ele procura: Deus. A nova atitude perante o mistério do Verbo Encarnado inclui o sentido de respeito, a reverência, a oração e a adoração. Sem dúvida, essa conduta constitui um conjunto de opções vitais fundamentais. A chave irrenunciável para o relacionamento com Deus4. A liberdade responsável está vinculada a uma verdadeira liberdade, a qual transcende todos os tempos. Neste sentido, a Carta Encíclica Veritatis Splendor ajuda cada ser humano a reencontrar a linha da história pessoal em relação com a História Universal e a História da Salvação. Em seu combate ao historicismo, Wojtyla explica que o Verbo de Deus se encontra presente a cada momento da história, e que essa presença é decisiva para conduzir os homens até Deus. O célebre “a Deus, por Cristo no Espírito Santo” constitui uma verdade de fé que a comunidade científica está chamada a compreender, a viver e a apoiar, em defesa das opções vitais fundamentais de cada ser humano. No contexto da doutrina cristã, a escolha consciente vincula-se inequivocamente ao equilíbrio entre a fé e a razão. Escreve o Pontífice: Um ideal de excelência humana; tradução de Patrícia Carol Dwyer (São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” - Ramon Llull, 2005, p. 28)

 

 

 

4 Para Francisco Faus a consciência bem formada constitui o alicerce da vida moral. Mas cuidado, porque, ainda que alguns digam que a consciência é a voz de Deus, ela pode ser a voz do diabo ou dos desejos egoístas. Só quando a pessoa se esforça por formar uma consciência verdadeira e reta pode julgar com certeza: “Deus falará sem dúvida através dela, e então, sim, a consciência será a voz de Deus: a voz que inundará de luz e de segurança o caminho da vida, levando-nos pelas sendas do amor e da paz”. (Francisco Faus, A voz da consciência - São Paulo: Quadrante, 1966, p. 61).

 

 

 

 

O interesse pela liberdade, hoje particularmente sentido, induz muitos estudiosos de ciências, quer humanas quer teológicas, a desenvolver uma análise mais profunda da sua natureza e dos seus dinamismos. Salienta-se acertadamente que a liberdade não é só a escolha, “decisão sobre si mesmo” e determinação da própria vida a favor ou contra o Bem, a favor ou contra a Verdade, em última análise, a favor ou contra Deus. Justamente se destaca a elevada importância de algumas opções, que dão “forma” a toda a vida moral de um homem, configurando-se como o sulco dentro do qual poderão encontrar espaço e incremento as demais escolhas cotidianas particulares (JOÃO PAULO II, 1993, p. 102, art. 65). Com esta referência ao pro-Deo e o contra-Deum, o conversio e o anversio de Santo Agostinho, estamos em presença dos dois elementos que definem a linha de análise fenomenológica da Veritatis Splendor. Como já me referi anteriormente na introdução, para examinar a liberdade responsável é preciso considerar a amizade de Deus com cada pessoa humana e a paz que o homem encontra quando dá sua adesão ao convite de Jesus Cristo de realizar efetivamente a vida cristã. Segundo a História da Salvação, a Aliança de Deus com os homens vincula-se à misericórdia, ao amor, ao perdão. Além disso, a paz é um dom que só Cristo pode dar. Para construir a civilização da paz e do amor caberá a cada ser humano empenhar-se com todo empenho na realidade espiritual e material. Não há a menor sombra de dúvida. Essa dimensão vital depende do querer livre, a liberdade responsável. A amizade originária de Deus com o homem está presente na doutrina social de João Paulo II, o grande mestre da filosofia perene. Em seu magistério, João Paulo II mostra as diversas enfermidades pessoais e sociais que arruínam a vida individual e coletiva. Os graves problemas da modernidade estão, de certo modo, vinculados a acontecimentos difíceis, os conflitos conjugais e familiares, os graves problemas trabalhistas, a solidão, entre outros acontecimentos. Tudo isso prejudica e leva a uma ruptura das relações familiares, sociais e profissionais. Evidentemente tudo isso provoca a crise existencial e espiritual na qual o indivíduo humano torna-se incapaz de perceber o sentido da própria vida. O Pontífice refere-se ao drama do jovem egoísta que se mostrou incapaz de dar sua adesão ao convite de Jesus. Nesse argumento é nítida a falta da liberdade responsável, o elemento que lhe permite explicar as causas que levam o homem contemporâneo a rechaçar o convite de Jesus de segui-lo incondicionalmente. O jovem rico, que, durante toda a vida, tinha cumprido os mandamentos em referência a um querer meramente formal e convencional, sem dizer o que lhe vinha de dentro do coração deixou-se levar pela tristeza, o emocional, no momento que o Senhor lhe dirigiu o convite “vai e vende o que tens e dá-o aos pobres”. Seguir o Senhor teria sido o grande passo de sua vida. Infelizmente, ao invés de permanecer nas páginas do Evangelho, desapareceu sem deixar rastro por ter achado que Jesus pedia demais... Este é o drama pessoal de um personagem que poderia ter-se dedicado à educação cristã com seu exemplo, mas que, por falta de uma maior grandeza de alma, não estava preparado para assumir compromissos efetivos e duradouros. O convite de Jesus colocava em contraposição a soberba do ter e a humildade do ser, uma contraposição difícil de administrar devido à soberba. O homem pecador necessita de um elevado grau de maturidade aliado à graça para realizar a escolha acertada. Na realidade, só há uma tristeza santa, a tristeza do arrependimento, e, mesmo assim, a pessoa precisa ser cuidadosa para não se deixar levar pela depressão. O educador preparado para sua missão sabe que o arrependimento não é depressão, mas possibilidade de reconciliação. João Paulo II participa do debate moral da atualidade, em torno ao qual aparecem inúmeras tendências e teorias que questionam e negam os fundamentos da doutrina moral cristã. No entanto, a moral cristã é o aspecto ético da Revelação de Deus aos homens, na pessoa histórica, concreta e viva de Jesus Cristo, o Verbo de Deus Encarnado, a sólida rocha na qual os cristãos depositam sua esperança na construção de um mundo onde exista a caridade, a solidariedade e a subsidiariedade. João Paulo II examina a condição humana do homem contemporâneo, indica sua falta de liberdade e reitera a importância de propor às pessoas, e especialmente aos jovens, os modelos e as experiências que os ajudem a crescer nas dimensões humana, espiritual, psicológica, moral e intelectual. A cultura moderna apresenta um déficit de pontos de referência. Ora, isso é um perigo porque a falta de modelos contribui para fragilizar a pessoa humana induzindo-a a considerar que todos os comportamentos se equivalem. Diante desse quadro, é fundamental que a família, a escola, os movimentos de jovens, as associações paroquiais e os educadores passem a cuidar da formação (no dia 14 de novembro de 2003 João Paulo II dá o diagnóstico e propõe a cura para a depressão: “O aumento dos estados depressivos tornou-se preocupante. Neles revelam-se fragilidades humanas, psicológicas e espirituais que, pelo menos em parte, foram induzidas pela sociedade. É importante tomar consciência das repercussões que têm sobre as pessoas as mensagens veiculadas pelos meios de comunicação, os quais exaltam o consumismo, a satisfação imediata dos desejos, a corrida a um bem material sempre maior. É preciso propor novos caminhos, para que cada um possa construir a própria personalidade, cultivando a vida espiritual, fundamento da existência madura. A participação entusiasmada nas Jornadas Mundiais da Juventude mostra que as novas gerações procuram Alguém que possa iluminar o seu caminho quotidiano, dando-lhes a razão para viver e ajudando-as a enfrentar as dificuldades”. Discurso do Papa João Paulo II aos participantes na Conferência Internacional sobre "A Depressão". http://www.healthpastoral.org/text.php?cid=155&sec=5&docid=57&lang=br Texto pesquisado no dia 9/06/10. 7) da pessoa humana no sentido de revogar o predomínio do relativismo, do utilitarismo e do pragmatismo. A antropologia pedagógica foi desenvolvida de modo inovador no Concílio Ecumênico Vaticano II, que representa o grande empenho de João XXIII de estabelecer o diálogo da Igreja com o mundo moderno, o célebre aggiornamento (O aggiornamento é a adaptação e a nova apresentação dos princípios católicos ao mundo atual e moderno, sendo por isso um dos objetivos fundamentais do Concílio Vaticano II ).Com o importante diálogo da Igreja com o mundo será possível fazer frente à falta de fé e conquistar a liberdade responsável. Entretanto, João Paulo II questiona a facilidade com que aumenta o número de teorias que se afastam das verdades do Evangelho e que agravam a crise de identidade do homem contemporâneo. Essa é uma crise da unidade, da verdade, da bondade, e da beleza do ato especificamente humano. Como já foi dito anteriormente, esse reducionismo antropológico põe em evidência as teorias desenvolvidas pelos filósofos da Ilustração, aqueles que exaltaram o uso da razão na conquista do conhecimento científico e ignoraram a fé para o conhecimento da verdade. Parece um paradoxo, mas essas teorias desprovidas do sentido comum encontram-se na origem da crise da razão. O saber depende em grande medida da verdadeira liberdade.

 

 

 

 

Apresentarei agora a resposta de João Paulo II aos que negam a existência da liberdade responsável, uma temática que situa o leitor no contexto da teoria do conhecimento

 




 


 



Em defesa da liberdade responsável Inicialmente cabe perguntar: - Por que o Pontífice está preocupado com a atual crise dos valores cristãos, que nega o sentido da liberdade verdadeira e responsável? - Encontramos essa resposta em dois argumentos principais:

 

 

 

-O primeiro argumento nos situa ante a ruptura do vínculo de dois importantes elementos da doutrina moral cristã, a união entre a fé e a razão, e a união entre a verdade e a liberdade.

 

 

 

-O segundo argumento enfoca a perda do sentido absoluto da vida humana, cuja origem pode-se delimitar em quatro fenômenos:

 

 

a) a desordem social, política, econômica e religiosa;

 

 

b) a fugacidade e a ruptura do tempo histórico em meio aos paradoxos da vida moderna;

 

 

c) a agonia da reta razão;

 

 

d) a soberba, o pecado de origem.

 



 

 


 



Tudo isto traz como consequência o voluntarismo, o relativismo, o utilitarismo e o pragmatismo. O Pontífice analisa estes fenômenos no marco teórico da antropologia pedagógica apresentada no Concílio Ecumênico Vaticano II, que responde às exigências da “filosofia perene”. O Papa Bento XVI esteve em Chipre no início de junho. Teve um encontro com o presidente da república, as autoridades civis e o corpo diplomático no jardim do palácio presidencial de Nicósia, onde mencionou a Carta Encíclica Veritatis Splendor de João Paulo II. Enfocou a questão da obrigação moral, que não pode ser vista como uma lei que se impõe de fora e que exige um tipo de obediência sem sentido. A criatura humana encontra o princípio da ordem moral no encontro com a Realidade Absoluta, cujo reflexo encontra correspondência na consciência bem formada. Nesse encontro, Cristo faz o convite para que o homem sirva a verdade, a justiça e o amor. Desse modo amadurece o sentido de responsabilidade individual pela integridade e o mútuo respeito, acontecem as relações humanas que consolidam a confiança e se estreitam os vínculos de amizade pessoal e institucional. Segundo a Carta Encíclica Veritatis Splendor, é fundamental retomar a filosofia perene porque os grandes pensadores ensinaram como construir a ordem moral. Essa tarefa é uma decisão humana irrenunciável para consolidar a presença de Deus na modernidade e superar a atual crise dos valores cristãos em sua dimensão global. Por certo, na Encíclica lemos que o Magistério da Igreja está chamado a ajudar o homem contemporâneo em seu desafio de alcançar o discernimento sobre os fundamentos hermenêuticos do Evangelho centrado na pessoa real de Jesus Cristo. Transcrevo a recomendação em defesa da liberdade responsável: Precisamente sobre as questões que caracterizam hoje o debate moral e à volta das quais se desenvolveram novas tendências e teorias, o Magistério, por fidelidade a Jesus Cristo e em continuidade com a tradição da Igreja, sente com maior urgência o dever de oferecer o próprio discernimento e ensinamento, para ajudar o homem no seu caminho em busca da verdade e da liberdade (JOÃO PAULO II, 1993, p. 48, art. 27). Este texto está dirigido especificamente aos responsáveis pelo Magistério da Igreja. Ao estabelecer este compromisso com os demais bispos, João Paulo II ensina que a liberdade responsável responde ao desejo que o homem sente de unir-se a Deus na pessoa de Jesus Cristo. Em sua dimensão espiritual, o homem se realiza plenamente em sua abertura ao querer de Deus.  (“Platão, Aristóteles e os estóicos deram grande importância a esta realização pessoal –eudemonia– como finalidade para cada ser humano, e viram no caráter moral o caminho para a alcançar”. Bento XVI, “Três modos para realizar a verdade moral na política”, L’Osservatore Romano, Ano XLI, número 24 - 2.112, sábado 12 de junho de 2010, p. 4. 9). O título deste documento Carta Encíclica Veritatis Splendor (o esplendor do sol da verdade) vincula-se à pessoa de Jesus Cristo, através da assistência do Espírito Santo. Estas duas pessoas da Santíssima Trindade prestam uma inestimável ajuda na tarefa de discernir e interpretar a Lei de Deus. Encontro uma referência ao atual problema da fé e da razão no estudo realizado pelo bispo de Grosseto na Itália. Dom Angelo Scola explica a causa da incapacidade do homem moderno de reconhecer nas palavras de Jesus Cristo o caminho para uma autêntica vida moral assentada nos princípios da filosofia perene. Este estudo coloca em contraposição a antropologia de Wojtyla e a antropologia de Kant, o autor que fundamenta o comportamento do homem em uma norma universal, formal e convencional, e nega a pessoa de Jesus Cristo como o sol para onde cada um de nós deve dirigir a própria vida, assim como se fosse um girassol em busca da luz que faz circular a seiva.Essa contraposição entre o pensamento kantiano e a Doutrina Social da Igreja, segundo Dom Angelo Scola(1995, p. 4), é conseqüência da persistência da provocação iluminista, à qual Kant deu rigor, pela qual um acontecimento histórico (Jesus Cristo) não poderia ser fundamento e prova de verdades universais e necessárias. Em síntese, afirma-se que não existe homogeneidade entre o acontecimento de Jesus Cristo e a lei moral. Mais ainda, assegura-se explicitamente sua recíproca heterogeneidade, chegando à conclusão de que é impossível que desse acontecimento derive a norma moral. Agora bem, a matriz iluminista do pensamento de Kant está profundamente enraizada na moderna tendência ao individualismo. Trata-se de uma epistemologia que nega qualquer fundamento metafísico da norma moral e incapacita o homem para aceitar o convite de Jesus de segui-lo incondicionalmente. O bispo de Grosseto ainda assinala a crítica de João Paulo II ao mau uso do conjunto de teorias desenvolvidas na Ilustração, a que Kant deu continuidade. Por exemplo, no campo da teoria política e econômica, assim como no campo social e cultural. Em franca oposição a essas teorias, o Pontífice recorda as duas leis morais da Tradição cristã. A primeira é a Lei de Deus e a segunda é a Lei Natural. A Lei de Deus é a Lei Eterna e Universal por antonomásia, e a Lei Natural faz-se presente em cada homem e em cada realidade social, assim como uma resposta às exigências do sentido comum e do bom senso. Estas duas leis são a base sólida da liberdade responsável, um bem irrenunciável para assegurar a dignidade de cada homem que vive ordenado ao fim 8 A tradução do texto é de minha autoria. 10 último, que é o próprio Deus. Nesta perspectiva teleológica a Lei Natural também se constitui como o fundamento prático de uma consistente relação de deveres e de direitos, a qual possibilita a consolidação do amor e da paz entre os homens. A Lei Natural é uma realidade comum a cada pessoa humana, e reflete a Lei de Deus inscrita em cada coração. Portanto, uma tese deve ficar bem assimilada no momento de falar de liberdade responsável na Encíclica de João Paulo II. É o sentido teleológico da Lei de Deus e da Lei Natural. Em essência, a doutrina moral cristã é uma doutrina cujo objeto próprio é a ação do homem ordenada ao projeto salvífico de Deus. Para mostrar a contraposição entre a sua antropologia e a antropologia de Kant, o Pontífice utiliza a experiência daquele jovem que se aproxima de Jesus Cristo porque tem a intuição de que naquele Mestre se encontram a unidade, a verdade, a bondade e a beleza do ato especificamente humano. Ele havia buscado esses bens ao longo de sua vida, e lhe parecia que estava próximo de alcançá-los. Por certo, sua pergunta possui caráter universal: “Que devo fazer de bom para alcançar a vida eterna?” (JOÃO PAULO II, 1993, p. 19, art. 9). Jesus responde através de um singular convite constituído por duas máximas. A primeira é o “vai, vende tudo o que possuíres, dá o dinheiro aos pobres” (JOÃO PAULO II, 1993, p. 35, art. 18); e a segunda é o “vem e segue-me” (JOÃO PAULO II, 1993, p. 35, art. 18). Este chamado põe em contraste a soberba do ter e a humildade do ser, em uma perspectiva de vida onde cabe falar na pobreza do Evangelho. Segundo a Escritura, o homem tendo aquilo que comer e vestir já é o suficiente. Há uma contraposição clara entre o que a Escritura define como pobreza cristã (ou mais exatamente “pobreza paulina” – o homem e a mulher tendo roupa e vestuário seria o bastante –) e a pobreza para a qual Cristo chama o jovem rico. Em outras palavras, existe aqui a distinção entre a pobreza cristã comum e a não comum, própria de um determinado estado de vida inteiramente entregue à causa do Evangelho.

 

 

 

Considerações finais

 




Para finalizar, mostrarei um dos fundamentos da doutrina antropológica do Concílio Ecumênico Vaticano II, que é a possibilidade do segundo nascimento. Em seu projeto para reformar a mentalidade moderna, Wojtyla reforça o argumento de que quando o homem estreita laços de amizade com Deus passa a amar e  a identificar-se com o fazer e o querer de Deus. Nesse dinâmico relacionamento constrói a própria identidade. O homem alcança esse ápice na sequela Christi (JOÃO PAULO II, 1993, p. 35, art. 19), ou seja, quando segue a Jesus incondicionalmente. Essa é uma opção vital fundamental que prepara a inteligência e a vontade de cada indivÍduo humano para uma vida digna e efetivamente livre. Isto significa que quando a pessoa conquista a liberdade responsável nasce pela segunda vez. João Paulo II refere-se ao coração do homem como um santuário, no qual cada ser humano guarda e segue a Lei de Deus e vive segundo os preceitos da Lei Natural. Este santuário é a própria consciência moral, sede da importante relação entre a liberdade e a verdade. Segundo a doutrina de Santo Agostinho(2009, p. 274), o homem tem uma lei inscrita no coração pelo próprio Deus, e sua identidade está enraizada em sua obediência incondicional a essa Lei que lhe ilumina o coração. Para penetrar na antropologia do Concílio Ecumênico Vaticano II é indispensável compreender a magnitude desse encontro permanente com o Verbo de Deus feito Homem. Para isso a liberdade responsável, verdadeira e individual, é um fator indispensável. Infelizmente, essa liberdade foi freqüentemente negada na modernidade e no âmbito do cristianismo protestante. Na verdade, as religiões da Reforma defendem uma antropologia do homem corrompido incapaz de alcançar a salvação pelo mérito de suas obras e não apenas inclinado pelas três concupiscências (da carne, dos olhos e a soberba da vida) para o mal (1 Jo 2, 15-17). No protestantismo não cabe falar em liberdade responsável para o encontro com o Logos divino que age no âmbito da criação e da redenção e os que negam a possibilidade desse encontro espontâneo, como foi o caso de Kant, reduzem o homem a um simples agente capaz apenas de obedecer a normas morais gerais e convencionais. Ainda que essa antropologia reducionista possa, de algum modo, contribuir para uma justa avaliação das diversas situações vividas pelo homem em seu dia a dia, nunca poderá substituir o valor absoluto da vontade iluminada pelo intelecto (o livre arbítrio) nas horas de cada decisão. A pessoa livre reconhece sua fraqueza e volta-se para Jesus. O 2º nascimento pela liberdade e o esforço: “De fato, somos em certo modo pais de nós mesmos, quando pela boa disposição de espírito e pelo livre arbítrio, nos formamos a nós mesmos, nos geramos e nos damos à luz” (São Gregório de Nissa (sobre o Eclesiastes) - bispo do século IV, em: Liturgia das Horas, Gráfica de Coimbra, 1993. VII semana do Tempo Comum, volume III, p. 289).“Cristo, ó Deus, o céu e a terra, neste princípio, no nosso Verbo, no Vosso Filho, na Vossa virtude, na Vossa Sabedoria, falando e agindo de um modo admirável. Quem poderá compreendê-lo? Quem poderá contá-lo? Que luz é esta que me ilumina de quando em quando e me fere o coração sem o lesar? Horrorizo-me e inflamo-me: horrorizo-me enquanto sou diferente dela, inflamo-me enquanto sou semelhante a ela” (SANTO AGOSTINHO, Confissões; tradução de J. de Oliveira e A. Ambrósio de Pina. -24ª ed.- Petrópolis: Editora Vozes, 2009, p. 274). Cristo que lhe ajuda a definir sabiamente suas opções vitais e fundamentais (JOÃO PAULO II, 1993, p. 55, art. 90). Encontra-se um famoso exemplo de liberdade individual, da dignidade do pensamento e capacidade de discernimento em Mateus 11, que Blaise Pascal trabalha de forma admirável em seus Pensées (Pensamentos) quando define o homem como um caniço agitado pelo vento (PASCAL, 2005, p. 86). Para ele o princípio da ordem moral é pensar bem, corretamente, principalmente sobre as verdades divinas. Desse modo, o homem alcança sua real dignidade. O erudito francês recorre ao mesmo método que Cristo utiliza ao examinar o papel de João Batista como anunciador da civilização do amor e da paz: “O que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? O que fostes ver? Um homem vestido com roupas finas? Mas os que vestem roupas finas estão nos palácios dos reis. Então, o que fostes ver? Um profeta?...” (Mt 11, 7-9). Podemos responder com segurança e em uníssono: é claro que não! Antes de terminar, digo ainda, com o Papa Bento XVI, que toda a história da teologia é, no fundo, o exercício do compromisso de uma inteligência capaz de mostrar a inteligibilidade da fé, sua harmonia e articulação interna, o seu bom senso e a sua capacidade para promover o bem do homem. O Pontífice examina a colaboração entre a fé e a razão em São Tomás de Aquino, recorda o compromisso de seu antecessor com a dignidade humana e propõe o nexo entre a Lei Natural e a responsabilidade para a reconstrução da ordem moral no mundo contemporâneo. É preciso ver que na Encíclica Evangelium vitae João Paulo II afirmou que uma democracia sadia, livre e soberana depende de valores humanos e morais essenciais e naturais. Estamos uma vez mais em presença do que muita gente rejeita hoje em dia, que é a Lei Natural. No entanto, essa lei deriva da própria verdade do ser humano, exprime e tutela a dignidade da pessoa e consagra a civilização do amor e da paz. (“O homem não é senão um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo; um vapor, uma gota de água basta para matá-lo. Mas, ainda que o universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre do que aquilo que o mata pois ele sabe que morre e a vantagem que o universo tem sobre ele. O universo nada sabe. Toda a nossa dignidade consiste pois no pensamento. É daí que temos de nos elevar, e não do espaço e da duração que não conseguiríamos preencher. Trabalhemos, pois, para pensar bem: eis o princípio da moral”. PASCAL, Blaise, Pensamentos; edição, apresentação e notas Louis Lafuma ; tradução Mário Laranjeira; 2ª ed.- São Paulo: Martins Fontes, 2005- Paidéia). “A defesa dos direitos universais do homem e a afirmação do valor absoluto da dignidade da pessoa postulam um fundamento. Não é precisamente a lei natural, este fundamento com os valores não negociáveis que ela indica?”. (Bento XVI, “Para uma visão ampla e confiante da razão humana”, L’Osservatore Romano, Ano XLI, número 25  - 2.113, sábado 19 de junho de 2010, pp. 4-5. 13).  Portanto, no contexto de uma rigorosa ciência política, a democracia verdadeira, livre e soberana constitui um ato humano de primeira grandeza. Para que as sociedades contemporâneas superem tanto o relativismo ético no plano individual como o totalitarismo do Estado no plano político, precisarão privilegiar a liberdade responsável.

 

 




 




Bibliografia Específica

 

 

 

 

-BENTO XVI, “Três modos para realizar a verdade moral na política”, L’Osservatore Romano, Ano XLI, número 24 (2.112), sábado 12 de junho de 2010, p. 4. BENTO XVI, “Para uma visão ampla e confiante da razão humana”, L’Osservatore Romano, Ano XLI, número 25 (2.113), sábado 19 de junho de 2010, pp. 3-4.

 

 

 

-BÍBLIA SAGRADA, tradução dos originais mediante a versão dos monges de Maredsous. São Paulo: Editora Ave-Maria, 1997.

 

 

 

-FAUS, Francisco, A voz da consciência. São Paulo: Quadrante, 1966.

 

 

 

-JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Veritatis Splendor; 2ª. ed, São Paulo: Edições Paulinas, 1993.

 

 

-JOÃO PAULO II, Discurso do Papa João Paulo II aos participantes na Conferência Internacional sobre "A Depressão". Pontifical Council for Health Pastoral Care, sexta-feira, 14 de Novembro de 2003.Disponível em: http://www.healthpastoral.org/text.php?cid=155&sec=5&docid=57&lang=br Acessado em: 9 de junho de 2010.

 

 

 

-LITURGIA DAS HORAS, Gráfica de Coimbra, 1993. VII semana do Tempo Comum, volume III.

 

 

-PASCAL, Blaise, Pensamentos. 2ª ed.- São Paulo: Martins Fontes, 2005 (Paidéia).

 

 

 

-SANTO AGOSTINHO, Confissões; tradução de J. de Oliveira e A. Ambrósio de Pina. -24ª ed.- Petrópolis: Editora Vozes, 2009.

 

 

 

-SCOLA, Mons. Angelo, “Jesucristo, ley vivente y personal”, en: Reflexiones sobre la encíclica Veritatis Splendor. Barcelona: Servei De Documentació Montalegre. 3a. època; any XII, setmanes 35 i 36. 17 de setembre de 1995, p. 4.

 

 

 

-YEPES STORK, Ricardo e ARANGUREN ECHEVARRÍA, Javier, Fundamentos de Antropologia. Um ideal de excelência humana; tradução de Ptraatrícia Carol Dwyer. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramon Llull), 2005.




CAPÍTULO II DA VERITATIS SPLENDOR - «NÃO VOS CONFORMEIS COM A MENTALIDADE DESTE MUNDO (RM 12, 2)







 



A Igreja e o discernimento de algumas tendências da teologia moral hodiernaEnsinar o que é conforme à sã doutrina (cf. Tit 2, 1)

 








28. A meditação do diálogo entre Jesus e o jovem rico permitiu-nos recolher os conteúdos essenciais da Revelação do Antigo e do Novo Testamento sobre o agir moral. Ou sejam: a subordinação do homem e da sua acção a Deus, Aquele que «só é bom»; a relação entre o bem moral dos actos humanos e a vida eterna; o seguimento de Cristo, que abre ao homem a perspectiva do amor perfeito; e, enfim, o dom do Espírito Santo, fonte e auxílio da vida moral da «nova criatura» (cf. 2 Cor 5, 17).Na sua reflexão moral, a Igreja teve constantemente presente as palavras, que Jesus dirigiu ao jovem rico. A Sagrada Escritura, de facto, permanece a fonte viva e fecunda da doutrina moral da Igreja, como recordou o Concílio Vaticano II: «O Evangelho é (...) fonte de toda a verdade salutar e de toda a disciplina de costumes». Aquela conservou fielmente aquilo que a palavra de Deus ensina, tanto acerca das verdades a acreditar, como sobre o agir moral, isto é, o agir agradável a Deus (cf. 1 Ts 4, 1), realizando um progresso doutrinal análogo ao verificado no âmbito das verdades da fé. Assistida pelo Espírito Santo que a guia para a verdade total (cf. Jo 16, 13), a Igreja nunca cessou, nem poderá cessar, de perscrutar o «mistério do Verbo encarnado», no qual «se esclarece verdadeiramente o mistério do homem».


 

29. A reflexão moral da Igreja, sempre realizada à luz de Cristo, o «bom Mestre», desenvolveu-se também na forma específica de ciência teológica, chamada «teologia moral», uma ciência que acolhe e interroga a Revelação divina e, ao mesmo tempo, responde às exigências da razão humana. A teologia moral é uma reflexão que se refere à «moralidade», ou seja, ao bem e ao mal dos actos humanos e da pessoa que os realiza, e neste sentido está aberta a todos os homens; mas é também «teologia», enquanto reconhece o princípio e o fim do agir moral n'Aquele que «só é bom» e que, doando-Se ao homem em Cristo, lhe oferece a bem-aventurança da vida divina.O Concílio Vaticano II convidou os estudiosos a porem «especial cuidado em aperfeiçoar a teologia moral, cuja exposição científica, mais alimentada pela Sagrada Escritura, deve revelar a grandeza da vocação dos fiéis em Cristo e a sua obrigação de dar frutos na caridade para a vida do mundo». O mesmo Concílio convidou os teólogos «a buscar constantemente, de acordo com os métodos e exigências próprias do conhecimento teológico, a forma mais adequada de comunicar a doutrina aos homens do seu tempo; porque uma coisa é o depósito da fé ou as suas verdades, outra, o modo como elas se enunciam, sempre, porém, com o mesmo sentido e significado».Daí o posterior convite, lançado a todos os fiéis, mas dirigido particularmente aos teólogos: «vivam, pois, os fiéis em estreita união com os demais homens do seu tempo, e procurem compreender perfeitamente o seu modo de pensar e sentir, qual se exprime pela cultura».O esforço de muitos teólogos, incentivados pelo encorajamento do Concílio, já deu os seus frutos com interessantes e úteis reflexões sobre as verdades da fé a crer e a aplicar na vida, apresentadas de forma mais adequada à sensibilidade e às questões dos homens do nosso tempo. A Igreja e, em particular, os Bispos, a quem Jesus Cristo confiou primariamente o ministério de ensinar, acolham com gratidão um tal esforço e estimulem os teólogos a prosseguirem o trabalho, animados por um profundo e autêntico temor do Senhor, que é o princípio da sabedoria (cf. Prov 1, 7). Ao mesmo tempo, porém, no âmbito das discussões teológicas pós-conciliares, foram-se desenvolvendo algumas interpretações da moral cristã que não são compatíveis com a «sã doutrina» (2 Tim 4, 3). Certamente o Magistério da Igreja não pretende impor aos fiéis nenhum sistema teológico particular nem mesmo filosófico, mas para «guardar religiosamente e expor fielmente» a Palavra de Deus, ele tem o dever de declarar a incompatibilidade com a verdade revelada de certas orientações do pensamento teológico ou de algumas afirmações filosóficas. 

 




30. Ao dirigir-me com esta Encíclica a vós, Irmãos no Episcopado, desejo enunciar os princípios necessários para o discernimento daquilo que é contrário à «sã doutrina», apelando para aqueles elementos do ensinamento moral da Igreja, que hoje parecem particularmente expostos ao erro, à ambiguidade ou ao esquecimento. De resto, são os elementos de que depende «a resposta para os enigmas da condição humana que, hoje como ontem, profundamente preocupam os seus corações: que é o homem? qual o sentido e a finalidade da vida? que é o pecado? donde provém o sofrimento, e para que serve? qual o caminho para alcançar a felicidade verdadeira? que é a morte, o juízo e a retribuição depois da morte? finalmente, que mistério último e inefável envolve a nossa existência, do qual vimos e para onde vamos?». Estas e outras questões — como: que é a liberdade e qual a sua relação com a verdade contida na lei de Deus? qual é o papel da consciência na formação do perfil moral do homem? como discernir, em conformidade com a verdade sobre o bem, os direitos e os deveres concretos da pessoa humana? — podem-se resumir na pergunta fundamental que o jovem do Evangelho pôs a Jesus: «Mestre, que devo fazer de bom para alcançar a vida eterna?». Enviada por Jesus a pregar o Evangelho e a «instruir todas as nações (...) ensinando-as a observar tudo» o que Ele mandou (cf. Mt 28, 19-20), a Igreja propõe sempre de novo, hoje também, a resposta do Mestre: esta possui luz e força capazes de resolver inclusive as questões mais discutidas e complexas. Esta mesma luz e força impelem a Igreja a desenvolver constantemente a reflexão não só dogmática mas também moral, num âmbito interdisciplinar, tal como é necessário especialmente para os novos problemas. É sempre nessa mesma luz e força que o Magistério da Igreja realiza a sua obra de discernimento, acolhendo e pondo em prática a admoestação que o apóstolo Paulo dirigia a Timóteo: «Conjuro-te diante de Deus e de Jesus Cristo que há-de julgar os vivos e os mortos, e em nome da Sua aparição e do Seu Reino: prega a palavra, insiste oportuna e inoportunamente, repreende, censura e exorta com bondade e doutrina. Porque virá o tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina. Desejosos de ouvir novidades, escolherão para si uma multidão de mestres, ao sabor das paixões, e hão-de afastar os ouvidos da verdade, aplicando-os às fábulas. Tu, porém, sê prudente em tudo, suporta os trabalhos, evangeliza e consagra-te ao teu ministério» (2 Tim 4, 1-5; cf. Tit 1, 10.13-14).

 



«Conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres» (Jo 8, 32)

 




31. Os problemas humanos mais debatidos e diversamente resolvidos na reflexão moral contemporânea, estão ligados, mesmo se de várias maneiras, a um problema crucial: o da liberdade do homem.Não há dúvida que a nossa época adquiriu uma percepção particularmente viva da liberdade. «Os homens de hoje tornam-se cada vez mais conscientes da dignidade da pessoa humana», como já constatava a Declaração conciliar Dignitatis humanae, sobre a liberdade religiosa. Daí a reivindicação de que os homens possam «agir segundo a própria convicção e com liberdade responsável, não forçados por coacção, mas levados pela consciência do dever». Em particular, o direito à liberdade religiosa e ao respeito da consciência no seu caminho para a verdade é sentido cada vez mais como fundamento dos direitos da pessoa, considerados no seu conjunto. Assim, o sentido mais agudo da dignidade e da unicidade da pessoa humana, bem como do respeito devido ao caminho da consciência, constitui certamente uma conquista positiva da cultura moderna. Esta percepção, em si mesma autêntica, encontrou múltiplas expressões, mais ou menos adequadas, algumas das quais, porém, se afastam da verdade do homem enquanto criatura e imagem de Deus, e requerem, portanto, ser corrigidas ou purificadas à luz da fé. 




 

32. Em algumas correntes do pensamento moderno, chegou-se a exaltar a liberdade até ao ponto de se tornar um absoluto, que seria a fonte dos valores. Nesta direcção, movem-se as doutrinas que perderam o sentido da transcendência ou as que são explicitamente ateias. Atribuíram-se à consciência individual as prerrogativas de instância suprema do juízo moral, que decide categórica e infalivelmente o bem e o mal. À afirmação do dever de seguir a própria consciência foi indevidamente acrescentada aqueloutra de que o juízo moral é verdadeiro pelo próprio facto de provir da consciência. Deste modo, porém, a imprescindível exigência de verdade desapareceu em prol de um critério de sinceridade, de autenticidade, de «acordo consigo próprio», a ponto de se ter chegado a uma concepção radicalmente subjetivista do juízo moral.



 






Como facilmente se compreende, não é alheia a esta evolução, a crise em torno da verdade. Perdida a ideia de uma verdade universal sobre o bem, cognoscível pela razão humana, mudou também inevitavelmente a concepção da consciência: esta deixa de ser considerada na sua realidade original, ou seja, como um ato da inteligência da pessoa, a quem cabe aplicar o conhecimento universal do bem numa determinada situação e exprimir assim um juízo sobre a conduta justa a eleger, aqui e agora; tende-se a conceder à consciência do indivíduo o privilégio de estabelecer autonomamente os critérios do bem e do mal e agir em consequência. Esta visão identifica-se com uma ética individualista, na qual cada um se vê confrontado com a sua verdade, diferente da verdade dos outros. Levado às últimas consequências, o individualismo desemboca na negação da ideia mesma de natureza humana.Estas diversas concepções estão na origem das orientações de pensamento que sustentam a antinomia entre lei moral e consciência, entre natureza e liberdade.

 




33. Paralelamente à exaltação da liberdade, e paradoxalmente em contraste com ela, a cultura moderna põe radicalmente em questão a própria liberdade. Um conjunto de disciplinas, agrupadas sob o nome de «ciências humanas», chamou justamente a atenção para os condicionamentos de ordem psicológica e social, que pesam sobre o exercício da liberdade humana. O conhecimento desses condicionalismos e a atenção que lhes é prestada são conquistas importantes, que encontraram aplicação em diversos âmbitos da existência, como, por exemplo, na pedagogia ou na administração da justiça. Mas alguns, ultrapassando as conclusões, que legitimamente se podem tirar destas observações, chegaram ao ponto de pôr em dúvida ou de negar a própria realidade da liberdade humana.São de lembrar ainda algumas interpretações abusivas da pesquisa científica a nível antropológico. Partindo da grande variedade de tradições, hábitos e instituições existentes na humanidade, concluem, senão sempre pela negação de valores humanos universais, pelo menos com uma concepção relativista da moral.

 




34. «Mestre, que devo fazer de bom para alcançar a vida eterna?». A pergunta moral, à qual responde Cristo, não pode prescindir da questão da liberdade, pelo contrário, coloca-a no centro dela, porque não há moral sem liberdade: «Só na liberdade é que o homem se pode converter ao bem». Mas qual liberdade? Perante os nossos contemporâneos que «apreciam grandemente» a liberdade e que a «procuram com ardor», mas que «muitas vezes a fomentam dum modo condenável, como se ela consistisse na licença de fazer seja o que for, mesmo o mal, contanto que agrade», o Concílio apresenta a «verdadeira » liberdade: «A liberdade verdadeira é um sinal privilegiado da imagem divina no homem. Pois Deus quis "deixar o homem entregue à sua própria decisão" (cf. Sir 15, 14), para que busque por si mesmo o seu Criador e livremente chegue à total e beatífica perfeição, aderindo a Ele».Se existe o direito de ser respeitado no próprio caminho em busca da verdade, há ainda antes a obrigação moral grave para cada um de procurar a verdade e de aderir a ela, uma vez conhecida. Neste sentido, afirmava com decisão o Cardeal J. H. Newman, eminente defensor dos direitos da consciência: «A consciência tem direitos, porque tem deveres». Algumas tendências da teologia moral hodierna, sob a influência das correntes subjectivistas e individualistas agora lembradas, interpretam de um modo novo a relação da liberdade com a lei moral, com a natureza humana e com a consciência, e propõem critérios inovadores de avaliação moral dos actos: são tendências que, em sua variedade, coincidem no facto de atenuar ou mesmo negar a dependência da liberdade da verdade. Se queremos realizar um discernimento crítico destas tendências, capaz de reconhecer o que nelas existe de legítimo, útil e válido, e indicar, ao mesmo tempo, as suas ambiguidades, perigos e erros, devemos examiná-las à luz da dependência fundamental da liberdade da verdade, dependência que foi expressa do modo mais claro e autorizado pelas palavras de Cristo: «Conhecereis a verdade, e a verdade vos tornará livres» (Jo 8, 32).

 



I. A liberdade e a lei




 

«Não comas da árvore da ciência do bem e do mal» (Gn 2, 17)

 




35. Lemos no livro do Génesis: «O Senhor deu esta ordem ao homem: "Podes comer do fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas o da árvore da ciência do bem e do mal, porque, no dia em que o comeres, certamente morrerás"» (Gn 2, 16-17).Com esta imagem, a Revelação ensina que não pertence ao homem o poder de decidir o bem e o mal, mas somente a Deus. O homem é certamente livre, uma vez que pode compreender e acolher os mandamentos de Deus. E goza de uma liberdade bastante ampla, já que pode comer «de todas as árvores do jardim». Mas esta liberdade não é ilimitada: deve deter-se diante da «árvore da ciência do bem e do mal», chamada que é a aceitar a lei moral que Deus dá ao homem. Na verdade, a liberdade do homem encontra a sua verdadeira e plena realização, precisamente nesta aceitação. Deus, que «só é bom», conhece perfeitamente o que é bom para o homem, e, devido ao seu mesmo amor, propõe-lo nos mandamentos.Portanto, a lei de Deus não diminui e muito menos elimina a liberdade do homem, pelo contrário, garante-a e promove-a. Bem distintas se apresentam, porém, algumas tendências culturais hodiernas, que estão na origem de muitas orientações éticas que colocam no centro do seu pensamento um suposto conflito entre a liberdade e a lei. Tais são as doutrinas que atribuem a simples indivíduos ou a grupos sociais a faculdade de decidir o bem e o mal: a liberdade humana poderia «criar os valores», e gozaria de uma primazia sobre a verdade, até ao ponto de a própria verdade ser considerada uma criação da liberdade. Esta, portanto, reivindicaria tal autonomia moral, que, praticamente, significaria a sua soberania absoluta.

 




36. A exigência moderna de autonomia não deixou de exercer o seu influxo também no âmbito da teologia moral católica. Se é certo que esta nunca pretendeu contrapor a liberdade humana à lei divina, nem pôr em dúvida a existência de um fundamento religioso último das normas morais, foi, porém, incitada a uma profunda revisão do papel da razão e da fé na individuação das normas morais que se referem aos comportamentos específicos «intramundanos», ou seja, relativos ao próprio sujeito, aos outros e ao mundo das coisas.Deve-se reconhecer que, na origem deste esforço de revisão, acham-se algumas instâncias positivas, que em boa parte, aliás, pertencem à melhor tradição do pensamento católico. Solicitados pelo Concílio Vaticano II, quis-se favorecer o diálogo com a cultura moderna, pondo em evidência o carácter racional — e, portanto, universalmente compreensível e comunicável — das normas morais que pertencem ao âmbito da lei moral natural. Pretendeu-se, além disso, confirmar o carácter interior das exigências éticas que dela derivam e que só se impõem à vontade como uma obrigação por força do reconhecimento prévio da razão humana e, em concreto, da consciência pessoal.Esquecendo, porém, a dependência da razão humana da Sabedoria divina e, no actual estado de natureza decaída, a necessidade, mais, a efectiva realidade da Revelação divina para o conhecimento das verdades morais, mesmo de ordem natural,  alguns chegaram a teorizar uma completa soberania da razão no âmbito das normas morais, relativas à recta ordenação da vida neste mundo: tais normas constituiriam o âmbito de uma moral puramente «humana», isto é, seriam a expressão de uma lei que o homem autonomamente daria a si próprio, com a sua fonte exclusiva na razão humana. Desta lei, Deus não poderia de modo algum ser considerado Autor, salvo no sentido que a razão humana exerceria a sua autonomia legislativa por força de um mandato original e total de Deus ao homem. Ora, estas tendências de pensamento levaram a negar, contra a Sagrada Escritura e a doutrina constante da Igreja, que a lei moral natural tenha Deus como autor e que o homem, mediante a sua razão, participe da lei eterna, dado que não é ele a estabelecê-la.

 




37. Querendo, porém, manter a vida moral num contexto cristão, foi introduzida por alguns teólogos moralistas uma nítida distinção, contrária à doutrina católica, entre uma ordem ética, que teria origem humana e valor apenas temporal, e uma ordem da salvação, para a qual contariam somente algumas intenções e atitudes interiores relativas a Deus e ao próximo. Consequentemente, chegou-se ao ponto de negar, na Revelação divina, a existência de um conteúdo moral específico e determinado, universalmente válido e permanente: a Palavra de Deus limitar-se-ia a propor uma exortação, uma genérica parénese, que depois unicamente a razão autónoma teria a tarefa de preencher com determinações normativas verdadeiramente «objectivas», ou seja, adequadas à situação histórica concreta. Naturalmente, uma autonomia assim concebida comporta também a negação à Igreja e ao seu Magistério de uma competência doutrinal específica sobre normas morais concretas relacionadas com o chamado «bem humano»: elas não pertenceriam ao conteúdo próprio da Revelação, nem seriam em si próprias relevantes para a salvação.É impossível não ver que uma tal interpretação da autonomia da razão humana comporta teses incompatíveis com a doutrina católica.Neste contexto, é absolutamente necessário esclarecer, à luz da Palavra de Deus e da tradição viva da Igreja, as noções fundamentais da liberdade humana e da lei moral, como também as suas relações profundas e interiores. Só assim será possível corresponder às justas exigências da racionalidade humana, integrando os elementos válidos de algumas correntes da teologia moral hodierna sem prejudicar o património moral da Igreja com teses derivadas de um conceito erróneo de autonomia.

 



Deus quis deixar o homem «entregue à sua própria decisão» (Sir 15, 14)

 




38. Retomando as palavras do Sirácida, o Concílio Vaticano II explica assim a «verdadeira liberdade», que, no homem, é «sinal privilegiado da imagem divina»: «Deus quis "deixar o homem entregue à sua própria decisão", para que busque por si mesmo o seu Criador e livremente chegue à total e beatífica perfeição, aderindo a Ele». Estas palavras indicam a maravilhosa profundidade da participação na soberania divina, à qual foi chamado o homem: indicam que o poder do homem se estende, de certa maneira, sobre si mesmo. Este é um aspecto constantemente acentuado na reflexão teológica sobre a liberdade humana, interpretada como uma forma de realeza. Escreve, por exemplo, S. Gregório de Nissa: «O espírito manifesta a sua realeza e excelência (...) pelo facto de ser sem dono e livre, governando-se soberanamente pelo seu querer. De quem é próprio isto, senão de um rei? (...) Assim a natureza humana, criada para ser senhora das outras criaturas, pela semelhança com o Soberano do universo, foi estabelecida como uma imagem viva, participante da dignidade e do nome do Arquétipo».[65]

 

Já o governar o mundo constitui para o homem uma tarefa grande e cheia de responsabilidade, que compromete a sua liberdade na obediência ao Criador: «Enchei e dominai a terra» (Gn 1, 28). Sob este aspecto, compete ao indivíduo, bem como à comunidade humana, uma justa autonomia, à qual a Constituição conciliar Gaudium et spes dedica uma especial atenção. É a autonomia das realidades terrenas, significando que «as coisas criadas e as próprias sociedades têm leis e valores próprios, que o homem irá gradualmente descobrindo, utilizando e organizando».




 

39. Não só o mundo, mas o homem mesmo foi confiado ao seu próprio cuidado e responsabilidade. Deus deixou-o «entregue à sua própria decisão» (Sir 15, 14), para que procurasse o seu Criador e alcançasse livremente a perfeição. Alcançar significa edificar pessoalmente em si próprio tal perfeição. Com efeito, do mesmo modo que ao governar o mundo, o homem o forma segundo a sua inteligência e vontade, assim também praticando actos moralmente bons, o homem confirma, desenvolve e consolida em si mesmo a semelhança com Deus.No entanto, o Concílio pede vigilância perante um falso conceito da autonomia das realidades terrenas, ou seja, o de considerar que «as criaturas não dependem de Deus e que o homem pode usar delas sem as ordenar ao Criador». Aplicado depois ao homem, tal conceito de autonomia produz efeitos particularmente danosos, assumindo, em última análise, um carácter ateu: «Pois, sem o Criador, a criatura não subsiste. (...) Antes, se se esquece de Deus, a própria criatura se obscurece».




 

40. O ensinamento do Concílio sublinha, por um lado, a actividade da razão humana na descoberta e na aplicação da lei moral: a vida moral exige a criatividade e o engenho próprios da pessoa, fonte e causa dos seus actos deliberados. Por outro lado, a razão obtém a sua verdade e autoridade da lei eterna, que não é senão a própria sabedoria divina. Na base da vida moral, está, pois, o princípio de uma «justa autonomia» do homem, sujeito pessoal dos seus atos. A lei moral provém de Deus e n'Ele encontra sempre a sua fonte: em virtude da razão natural, que deriva da sabedoria divina, ela é simultaneamente a lei própria do homem. De facto, a lei natural, como vimos, «não é mais do que a luz da inteligência infundida por Deus em nós. Graças a ela, conhecemos o que se deve cumprir e o que se deve evitar. Esta luz e esta lei, Deus a concedeu na criação». A justa autonomia da razão prática significa que o homem possui em si mesmo a própria lei, recebida do Criador. Mas, a autonomia da razão não pode significar a criação, por parte da mesma razão, dos valores e normas morais. Se esta autonomia implicasse uma negação da participação da razão prática na sabedoria do divino Criador e Legislador, ou então se sugerisse uma liberdade criadora das normas morais, segundo as contingências da história ou das diversas sociedades e culturas, uma tal suposta autonomia contradiria o ensinamento da Igreja sobre a verdade do homem.Seria a morte da verdadeira liberdade: «Mas não comas da árvore da ciência do bem e do mal, porque, no dia em que comeres, certamente morrerás (Gn 2, 17).

 







41. A verdadeira autonomia moral do homem de modo algum significa a recusa, mas sim o acolhimento da lei moral, do mandamento de Deus: «O Senhor deu esta ordem ao homem... » (Gn 2, 16). A liberdade do homem e a lei de Deus encontram-se e são chamadas a compenetrar-se entre si, no sentido de uma livre obediência do homem a Deus e da benevolência gratuita de Deus ao homem. E, portanto, a obediência a Deus não é, como pensam alguns, uma heteronomia, de modo que a vida moral estivesse submetida à vontade de uma omnipotência absoluta, externa ao homem e contrária à afirmação da sua liberdade. Na verdade, se heteronomia da moral significasse negação da autodeterminação do homem ou imposição de normas estranhas ao seu bem, estaria em contradição com a revelação da Aliança e da Encarnação redentora. Semelhante heteronomia seria apenas uma forma de alienação, contrária à sabedoria divina e à dignidade da pessoa humana.Alguns falam, justamente, de teonomia, ou de teonomia participada, porque a livre obediência do homem à lei de Deus implica, de facto, a participação da razão e da vontade humana na sabedoria e providência de Deus. Proibindo ao homem comer da «árvore da ciência do bem e do mal», Deus afirma que o homem não possui originariamente como própria esta «ciência», mas só participa nela através da luz da razão natural e da revelação divina, que lhe manifestam as exigências e os apelos da sabedoria eterna. A lei, portanto, deve entender-se como uma expressão da sabedoria divina: ao submeter-se a ela, a liberdade submete-se à verdade da criação. Por isso, é necessário reconhecer na liberdade da pessoa humana, a imagem e a proximidade de Deus, que Se «encontra em todos» (cf. Ef 4, 6); da mesma forma, impõe-se confessar a majestade do Deus do universo e venerar a santidade da lei de Deus infinitamente transcendente. Deus semper maior. [74]

 



Feliz o homem que põe o seu enlevo na lei do Senhor (cf. Sal 1, 1-2)

 




42. Modelada sobre a de Deus, a liberdade do homem não só não é negada pela sua obediência à lei divina, mas apenas mediante essa obediência, ela permanece na verdade e é conforme à dignidade do homem, como diz claramente o Concílio: «A dignidade do homem exige que ele proceda segundo a própria consciência e por livre adesão, ou seja, movido e induzido pessoalmente desde dentro e não levado por cegos impulsos interiores ou por mera coacção externa. O homem atinge esta dignidade quando, libertando-se da escravidão das paixões, tende para o fim pela livre escolha do bem e procura a sério e com diligente iniciativa os meios convenientes». Na sua inclinação para Deus, para Aquele que «só é bom», o homem deve livremente fazer o bem e evitar o mal. Mas para isso, o homem deve poder distinguir o bem do mal. Fá-lo, antes de mais, graças à luz da razão natural, reflexo no homem do esplendor da face de Deus. Neste sentido, escreve S. Tomás ao comentar um versículo do Salmo 4: «Depois de ter dito: Oferecei sacrifícios de justiça (Sal 4, 6), como se alguns lhe pedissem quais são as obras da justiça, o Salmista acrescenta: Muitos dizem: quem nos fará ver o bem? E, respondendo à pergunta, diz: A luz da Vossa face, Senhor, foi impressa em nós. Como se quisesse dizer que a luz da razão natural, pela qual distinguimos o bem do mal — naquilo que é da competência da lei natural — nada mais é senão um vestígio da luz divina em nós».[76] Disto se deduz também o motivo pelo qual esta lei é chamada lei natural: chama-se assim, não por referência à natureza dos seres irracionais, mas porque a razão, que a dita, é própria da natureza humana. 







 

43. O Concílio Vaticano II lembra que «a suprema norma da vida humana é a própria lei divina, objectiva e universal, com a qual Deus, no desígnio da sua sabedoria e amor, ordena, dirige e governa o universo inteiro e os caminhos da comunidade humana. Desta sua lei, Deus torna o homem participante, de modo que este, segundo a suave disposição da divina providência, possa conhecer cada vez mais a verdade imutável».O Concílio remete para a doutrina clássica sobre a lei eterna de Deus. S. Agostinho define-a como «a razão ou a vontade de Deus que manda observar a ordem natural e proíbe alterá-la»;[79] S. Tomás identifica-a com «a razão da divina sabedoria que conduz tudo ao devido fim».E a sabedoria de Deus é providência, amor que cuida com diligência. É o próprio Deus, portanto, que ama e cuida, no sentido mais literal e fundamental, de toda a criação (cf. Sab 7, 22; 8, 11). Mas aos homens, Deus provê de um modo diferente do usado com os seres que não são pessoas: não «de fora», através das leis da natureza física, mas «de dentro», mediante a razão que, conhecendo pela luz natural a lei eterna de Deus, está, por isso mesmo, em condições de indicar ao homem a justa direcção do seu livre agir. [81] Deste modo, Deus chama o homem a participar da Sua providência, querendo dirigir o mundo, por meio do próprio homem, ou seja, através do seu cuidado consciencioso e responsável: não só o mundo das coisas, mas também o das pessoas humanas. Neste contexto se situa a lei natural como a expressão humana da lei eterna de Deus: «Em relação às outras criaturas — escreve S. Tomás —, a criatura racional está sujeita de um modo mais excelente à divina providência, enquanto ela também se torna participante da providência ao cuidar de si própria e dos outros. Por isso, ela participa da razão eterna, graças à qual tem uma inclinação natural para o acto e o fim devidos; esta participação da lei eterna na criatura racional é chamada lei natural».




 

44. A Igreja referiu-se frequentemente à doutrina tomista da lei natural, assumindo-a no próprio ensinamento moral. Assim, o meu venerado predecessor Leão XIII sublinhou a essencial subordinação da razão e da lei humana à Sabedoria de Deus e à Sua lei. Depois de dizer que «a lei natural está escrita e esculpida no coração de todos e de cada um dos homens, visto que esta não é mais do que a mesma razão humana enquanto nos ordena fazer o bem e intima a não pecar», Leão XIII remete para a «razão mais elevada» do divino Legislador: «Mas esta prescrição da razão humana não poderia ter força de lei, se não fosse a voz e a intérprete de uma razão mais alta, à qual o nosso espírito e a nossa liberdade devem estar submetidos». De facto, a força da lei reside na sua autoridade de impor deveres, conferir direitos e aplicar a sanção a certos comportamentos: «Ora, nada disso poderia existir no homem, se fosse ele mesmo a estipular, como legislador supremo, a norma das suas acções». E conclui: «Daí decorre que a lei natural é a mesma lei eterna, inscrita nos seres dotados de razão, que os inclina para o acto e o fim que lhes convém; ela é a própria razão eterna do Criador e governador do universo».

 








O homem pode reconhecer o bem e o mal, graças àquele discernimento entre o bem e o mal que ele mesmo realiza com a sua razão, em particular com a sua razão iluminada pela Revelação divina e pela fé, em virtude da lei que Deus outorgou ao povo eleito, a começar pelos mandamentos do Sinai. Israel foi chamado a acolher e viver a lei de Deus como particular dom e sinal da eleição e da Aliança divina, e, ao mesmo tempo, como garantia da bênção de Deus. Assim, Moisés podia dirigir-se aos filhos de Israel, perguntando-lhes: «Que povo há tão grande que tenha deuses como o Senhor, nosso Deus, sempre pronto a atender-nos quando O invocamos? Qual é o grande povo, que possua mandamentos e preceitos tão justos como esta Lei que hoje vos apresento? (Dt 4, 7-8). Nos Salmos, encontramos os sentimentos de louvor, gratidão e veneração que o povo eleito é chamado a nutrir pela lei de Deus, a par da exortação a conhecê-la, meditá-la e levá-la à vida: «Feliz do homem que não segue o conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem toma assento na reunião dos enganadores; antes, põe o seu enlevo na lei do Senhor e sobre ela medita, dia e noite» (Sal 1, 1-2); «A lei do Senhor é perfeita, reconforta o espírito; os Seus testemunhos são fiéis, tornam sábio o homem simples. Os Seus mandamentos são rectos, deleitam o coração; os Seus preceitos são puros, iluminam os olhos» (Sal 18 19, 8-9).

 




45. A Igreja acolhe com gratidão e guarda com amor todo o depósito da Revelação, tratando-o com religioso respeito e cumprindo a sua missão de interpretar autenticamente a lei de Deus à luz do Evangelho. Além disso, a Igreja recebe como dom a nova Lei, que é o «cumprimento» da lei de Deus em Jesus Cristo e no Seu Espírito: é uma lei «interior» (cf. Jer 31, 31-33), «escrita, não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, nos nossos corações» (2 Cor 3, 3); uma lei de perfeição e de liberdade (cf. 2 Cor 3, 17); é «a lei do Espírito de vida em Cristo Jesus» (Rm 8, 2). A propósito desta lei, escreve S. Tomás: «Esta pode ser denominada lei num duplo sentido. Primeiramente, lei do espírito é o Espírito Santo (...) que, habitando na alma, não só ensina o que é necessário realizar pela iluminação da inteligência sobre as coisas a serem cumpridas, mas inclina também a agir com rectidão (...) Num segundo sentido, lei do espírito pode designar o efeito próprio do Espírito Santo, ou seja, a fé que actua pela caridade (Gál 5, 6), a qual, portanto, ensina interiormente sobre as coisas que devem ser feitas (...) e inclina o afecto a agir». Apesar de habitualmente, na reflexão teológico-moral, se distinguirem a lei de Deus positiva ou revelada da lei natural, e, na economia da salvação, a lei «antiga» da lei «nova», não se pode esquecer que estas e outras distinções úteis referem-se sempre à lei, cujo autor é o mesmo e único Deus e o destinatário é o homem. As diversas maneiras como, na história, Deus cuida do mundo e do homem, não só não se excluem entre si, mas, pelo contrário, apoiam-se e compenetram-se mutuamente. Todas elas derivam e terminam no sábio e amoroso desígnio eterno com que Deus predestina os homens «a serem conformes à imagem do Seu Filho» (Rm 8, 29). Neste desígnio, não há qualquer ameaça à verdadeira liberdade do homem: pelo contrário, o seu acolhimento é o único caminho para a afirmação da liberdade.

 



«O que a lei ordena já está escrito nos seus corações» (Rm 2, 15)

 



46. O suposto conflito entre liberdade e lei afirma-se hoje com especial intensidade no caso da lei natural, e particularmente no que se refere à natureza. Na verdade, os debates sobre natureza e liberdade acompanharam sempre a história da reflexão moral, subindo de tom no Renascimento e na Reforma, como se pode deduzir dos ensinamentos do Concílio de Trento. A época contemporânea está caracterizada por uma tensão análoga, mesmo se num sentido diferente: o gosto pela observação empírica, os processos de objectivação científica, o progresso técnico, algumas formas de liberalismo levaram a contrapor os dois termos, como se a dialéctica — senão mesmo o conflito — entre liberdade e natureza fosse uma característica estrutural da história humana. Noutras épocas, parecia que a «natureza» submetesse totalmente o homem aos seus dinamismos e até aos seus determinismos. Ainda hoje, as coordenadas espaço-temporais do mundo sensível, as constantes físico-químicas, os dinamismos corpóreos, os impulsos psíquicos, os condicionamentos sociais parecem ser, para muitos, os únicos factores realmente decisivos das realidades humanas. Neste contexto, também os factos morais, não obstante a sua especificidade, são com frequência tratados como se fossem dados estatisticamente comprováveis, como comportamentos observáveis ou explicáveis somente com as categorias dos mecanismos psicossociais. E assim alguns estudiosos de ética, obrigados por profissão a examinar os factos e os gestos do homem, podem ser tentados a medir a própria ciência, senão as suas prescrições, baseando-se numa relação estatística dos comportamentos humanos concretos e das opiniões morais da maioria.Outros moralistas, pelo contrário, preocupados em educar para os valores, mantêm-se sensíveis ao prestígio da liberdade, mas com frequência concebem-na em oposição, ou em contraste, com a natureza material e biológica, sobre a qual deveria progressivamente ir-se afirmando. A propósito disto, diferentes concepções convergem no facto de esquecerem a dimensão de criatura da natureza e desconhecerem a sua totalidade. Para alguns, a natureza fica reduzida a simples material ao dispor do agir humano e do seu poder: ela deveria ser profundamente transformada, antes, superada pela liberdade, dado que constituiria um seu limite e negação. Para outros, é na promoção ilimitada do poder humano ou da sua liberdade, que se constituem os valores económicos, sociais, culturais e até morais: a natureza serviria para significar tudo aquilo que no homem e no mundo se coloca fora da liberdade. Tal natureza compreenderia, em primeiro lugar, o corpo humano, a sua constituição e os seus dinamismos: a este dado físico, opor-se-ia tudo o que é «construído», isto é, a «cultura», como obra e produto da liberdade. A natureza humana, assim entendida, poderia ser reduzida e tratada como mero material biológico ou social, sempre disponível. O que significa, em última análise, definir a liberdade por si mesma, tornando-a uma instância criadora de si própria e dos seus valores. Desta forma, no caso extremo, o homem nem sequer teria natureza, e seria por si mesmo o próprio projecto de existência. O homem nada mais seria que a sua liberdade!

 






47. Neste contexto, surgiram as objecções de fisicismo e naturalismo contra a concepção tradicional da lei natural: esta apresentaria como leis morais, leis que, em si próprias, seriam somente biológicas. Assim, com grande superficialidade, ter-se-ia atribuído a alguns comportamentos humanos um carácter permanente e imutável e, nesta base, pretender-se-ia formular normas morais válidas universalmente. Segundo alguns teólogos, semelhante «argumentação biologista ou naturalista» estaria também presente em certos documentos do Magistério da Igreja, especialmente naqueles que se referem ao âmbito da ética sexual e matrimonial. Com base numa concepção naturalista do acto sexual, teriam sido condenadas como moralmente inadmissíveis a contracepção, a esterilização directa, a masturbação, as relações pré-matrimoniais, as relações homossexuais, como também a fecundação artificial. Ora, segundo o parecer destes teólogos, a avaliação moralmente negativa de tais actos não teria em suficiente consideração o carácter racional e livre do homem, nem o condicionamento cultural de cada norma moral. Dizem eles que o homem, como ser racional, não só pode, mas até deve decidir livremente o sentido dos seus comportamentos. Este «decidir o sentido» deverá ter em conta, obviamente, as múltiplas limitações do ser humano, que possui uma condição corpórea e histórica.

 

Deverá, além disso, tomar em consideração os modelos de comportamento e os significados que estes assumem numa determinada cultura. E, sobretudo, deverá respeitar o mandamento fundamental do amor de Deus e do próximo. Mas Deus — afirmam ainda — fez o homem como um ser racionalmente livre, deixou-o «entregue à sua própria decisão», e dele espera uma própria formação racional da sua vida. O amor do próximo significaria sobretudo, ou mesmo exclusivamente, respeito pela livre decisão de si próprio. Os mecanismos dos comportamentos típicos do homem e também das chamadas «inclinações naturais», no máximo, estabeleceriam — como dizem — uma orientação geral do comportamento correcto, mas não poderiam determinar a avaliação moral de cada um dos actos humanos, tão complexos do ponto de vista das situações.

 



48. Perante uma tal interpretação, ocorre considerar atentamente a recta relação que existe entre a liberdade e a natureza humana, e particularmente o lugar que ocupa o corpo humano nas questões da lei natural.Uma liberdade, que pretenda ser absoluta, acaba por tratar o corpo humano como um dado bruto, desprovido de significados e de valores morais enquanto aquela não o tiver moldado com o seu projecto. Consequentemente, a natureza humana e o corpo aparecem como pressupostos ou preliminares, materialmente necessários para a opção da liberdade, mas extrínsecos à pessoa, ao sujeito e ao acto humano. Os seus dinamismos não poderiam constituir pontos de referência para a opção moral, uma vez que as finalidades destas inclinações seriam só bens «físicos», chamados por alguns «pré-morais». Fazer-lhes referência, para procurar indicações racionais sobre a ordem da moralidade, deveria ser qualificado como fisicismo ou biologismo. Em semelhante contexto, a tensão entre a liberdade e uma natureza concebida em sentido redutivo, termina numa divisão no mesmo homem.Esta teoria moral não está de acordo com a verdade sobre o homem e sobre a sua liberdade. Contradiz os ensinamentos da Igreja sobre a unidade do ser humano, cuja alma racional é per se et essentialiter a forma do corpo. [86] A alma espiritual e imortal é o princípio de unidade do ser humano, é aquilo pelo qual este existe como um todo — «corpore et anima unus»[87] — enquanto pessoa. Estas definições não indicam apenas que o corpo, ao qual é prometida a ressurreição, também participará da glória; elas lembram igualmente a ligação da razão e da vontade livre com todas as faculdades corpóreas e sensíveis. A pessoa, incluindo o corpo, está totalmente confiada a si própria, e é na unidade da alma e do corpo que ela é o sujeito dos próprios actos morais. A pessoa, através da luz da razão e do apoio da virtude, descobre no seu corpo os sinais prévios, a expressão e a promessa do dom de si, de acordo com o sábio desígnio do Criador. É à luz da dignidade da pessoa humana — que se afirma por si própria — que a razão depreende o valor moral específico de alguns bens, aos quais a pessoa está naturalmente inclinada. E tendo em vista que a pessoa humana não é redutível a uma liberdade que se autoprojecta, mas comporta uma estrutura espiritual e corpórea determinada, a exigência moral originária de amar e respeitar a pessoa como um fim e nunca como um simples meio, implica também, intrinsecamente, o respeito de alguns bens fundamentais, sem os quais cai-se no relativismo e no arbitrário.

 









49. Uma doutrina que separe o acto moral das dimensões corpóreas do seu exercício, é contrária aos ensinamentos da Sagrada Escritura e da Tradição: essa doutrina faz reviver, sob novas formas, alguns velhos erros sempre combatidos pela Igreja, porquanto reduzem a pessoa humana a uma liberdade «espiritual», puramente formal. Esta redução desconhece o significado moral do corpo e dos comportamentos que a ele se referem (cf. 1 Cor 6, 19). O apóstolo Paulo declara excluídos do Reino dos céus os «imorais, idólatras, adúlteros, efeminados, sodomitas, ladrões, avarentos, bêbados, maldizentes e salteadores» (cf. 1 Cor 6, 9-10). Tal condenação — assumida pelo Concílio de Trento [88] — enumera como «pecados mortais», ou «práticas infames», alguns comportamentos específicos, cuja aceitação voluntária impede os crentes de terem parte na herança prometida. De facto, corpo e alma são inseparáveis: na pessoa, no agente voluntário e no acto deliberado, eles salvam-se ou perdem-se juntos.

 









50. Pode-se agora compreender o verdadeiro significado da lei natural: ela refere-se à natureza própria e original do homem, à «natureza da pessoa humana», que é a pessoa mesma na unidade de alma e corpo, na unidade das suas inclinações tanto de ordem espiritual como biológica, e de todas as outras características específicas, necessárias para a obtenção do seu fim. «A lei moral natural exprime e prescreve as finalidades, os direitos e os deveres que se fundamentam sobre a natureza corporal e espiritual da pessoa humana. Portanto, não pode ser concebida como uma tendência normativa meramente biológica, mas deve ser definida como a ordem racional segundo a qual o homem é chamado pelo Criador a dirigir e regular a sua vida e os seus actos e, particularmente, a usar e dispor do próprio corpo». Por exemplo, a origem e o fundamento do dever de respeitar absolutamente a vida humana devem-se encontrar na dignidade própria da pessoa, e não simplesmente na inclinação natural para conservar a própria vida física. Assim, a vida humana, mesmo sendo um bem fundamental do homem, ganha um significado moral pela referência ao bem da pessoa, que deve ser sempre afirmada por si própria: enquanto é sempre moralmente ilícito matar um ser humano inocente, pode ser lícito, louvável ou até mesmo obrigatório dar a própria vida (cf. Jo 15, 13) por amor do próximo ou em testemunho da verdade. Na realidade, só fazendo referência à pessoa humana na sua «totalidade unificada», ou seja, «alma que se exprime no corpo e corpo informado por um espírito imortal», pode ser lido o significado especificamente humano do corpo. Com efeito, as inclinações naturais adquirem dimensão moral, apenas enquanto se referem à pessoa humana e à sua autêntica realização, a qual, por seu lado, pode acontecer sempre e somente na natureza humana. Rejeitando as manipulações da corporeidade que alteram o seu significado humano, a Igreja serve o homem indicando-lhe o caminho do verdadeiro amor, o único onde ele pode encontrar o verdadeiro Deus.A lei natural, assim entendida, não deixa espaço à divisão entre liberdade e natureza. De facto, estas estão harmonicamente ligadas entre si, e intimamente aliadas uma à outra.

 




«Mas ao princípio não foi assim» (Mt 19, 8)








 

51. O suposto conflito entre liberdade e natureza repercute-se também sobre a interpretação de alguns aspectos específicos da lei natural, sobretudo da sua universalidade e imutabilidade. «Onde estão, pois, escritas estas regras — perguntava-se S. Agostinho — a não ser no livro daquela luz que se chama verdade? Daqui, portanto, é ditada toda a lei justa e se transfere directamente ao coração do homem que pratica a justiça, não vivendo aí como estrangeira, mas quase que imprimindo-se nele, à semelhança da imagem que passa do anel à cera, sem abandonar todavia o anel». Graças precisamente a esta «verdade», a lei natural implica a universalidade. Aquela, enquanto inscrita na natureza racional da pessoa, impõe-se a todo o ser dotado de razão e presente na história. Para se aperfeiçoar na sua ordem específica, a pessoa deve fazer o bem e evitar o mal, deve vigiar pela transmissão e conservação da vida, aperfeiçoar e desenvolver as riquezas do mundo sensível, promover a vida social, procurar o verdadeiro, praticar o bem, contemplar a beleza. A cisão criada por alguns entre a liberdade dos indivíduos e a natureza comum a todos, como emerge de certas teorias filosóficas de grande repercussão na cultura contemporânea, obscurece a percepção da universalidade da lei moral por parte da razão. Mas, enquanto exprime a dignidade da pessoa humana e põe a base dos seus direitos e deveres fundamentais, a lei natural é universal nos seus preceitos e a sua autoridade estende-se a todos os homens. Esta universalidade não prescinde da individualidade dos seres humanos, nem se opõe à unicidade e irrepetibilidade de cada pessoa: pelo contrário, abraça pela raiz cada um dos seus actos livres, que devem atestar a universalidade do verdadeiro bem. Submetendo-se à lei comum, os nossos actos edificam a verdadeira comunhão das pessoas e, pela graça de Deus, exercem a caridade, «vínculo da perfeição» (Col 3, 14). Quando, pelo contrário, desconhecem ou simplesmente ignoram a lei, de forma imputável ou não, os nossos actos ferem a comunhão das pessoas, com prejuízo para todos.

 




52. É justo e bom, sempre e para todos, servir a Deus, prestar-Lhe o culto devido e honrar verdadeiramente os pais. Tais preceitos positivos, que prescrevem cumprir certas acções e promover determinadas atitudes, obrigam universalmente; são imutáveis;congregam no mesmo bem comum todos os homens de cada época da história, criados para «a mesma vocação e o mesmo destino divino». Estas leis universais e permanentes correspondem a conhecimentos da razão prática e são aplicadas aos actos particulares através do juízo da consciência. O sujeito agente assimila pessoalmente a verdade contida na lei: apropria-se, faz sua esta verdade do seu ser, mediante os actos e as correlativas virtudes. Os preceitos negativos da lei natural são universalmente válidos: obrigam a todos e cada um, sempre e em qualquer circunstância. Trata-se, com efeito, de proibições que vetam uma determinada acção semper et pro semper, sem excepções, porque a escolha de um tal comportamento nunca é compatível com a bondade da vontade da pessoa que age, com a sua vocação para a vida com Deus e para a comunhão com o próximo. É proibido a cada um e sempre infringir preceitos que vinculam, todos e a qualquer preço, a não ofender em ninguém e, antes de mais, em si próprio, a dignidade pessoal e comum a todos.Por outro lado, o facto de que apenas os mandamentos negativos obrigam sempre e em qualquer circunstância, não significa que na vida moral as proibições sejam mais importantes que o compromisso de praticar o bem indicado pelos mandamentos positivos. O motivo é sobretudo o seguinte: o mandamento do amor de Deus e do próximo não tem, na sua dinâmica positiva, qualquer limite superior, mas possui limite inferior, abaixo do qual se viola o mandamento. Além disso, o que deve ser feito numa determinada situação depende das circunstâncias, que não se podem prever todas de antemão; pelo contrário, há comportamentos que em nenhuma situação e jamais podem ser uma resposta adequada — isto é, conforme à dignidade da pessoa. Enfim, é sempre possível que o homem, por coacção ou por outras circunstâncias, seja impedido de levar a cabo determinadas acções boas; porém, nunca pode ser impedido de não fazer certas acções, sobretudo se ele está disposto a morrer antes que fazer o mal.A Igreja sempre ensinou que nunca se devem escolher comportamentos proibidos pelos mandamentos morais, expressos de forma negativa no Antigo e no Novo Testamento. Como vimos, Jesus mesmo reitera a irrevogabilidade destas proibições: «Se queres entrar na vida, cumpre os mandamentos (...): não matarás; não cometerás adultério; não roubarás, não levantarás falso testemunho» (Mt 19, 17-18).

 




53. A grande sensibilidade, que o homem contemporâneo testemunha pela historicidade e pela cultura, leva alguns a duvidar da imutabilidade da mesma lei natural, e consequentemente, da existência de «normas objectivas de moralidade» [96], válidas para todos os homens do presente e do futuro, como o foram já para os do passado: será possível afirmar como válidas universalmente para todos e sempre permanentes certas determinações racionais estabelecidas no passado, quando se ignorava o progresso que a humanidade haveria de fazer posteriormente? Não se pode negar que o homem sempre existe dentro de uma cultura particular, mas também não se pode negar que o homem não se esgota nesta mesma cultura. De resto, o próprio progresso das culturas demonstra que, no homem, existe algo que transcende as culturas. Este «algo» é precisamente a natureza do homem: esta natureza é exactamente a medida da cultura, e constitui a condição para que o homem não seja prisioneiro de nenhuma das suas culturas, mas afirme a sua dignidade pessoal pelo viver conforme à verdade profunda do seu ser. Pôr em discussão os elementos estruturais permanentes do homem, conexos também com a própria dimensão corpórea, não só estaria em conflito com a experiência comum, mas tornaria incompreensível a referência que Jesus fez ao «princípio», precisamente onde o contexto social e cultural da época tinha deformado o sentido original e o papel de algumas normas morais (cf. Mt 19, 1-9). Neste sentido, a Igreja afirma que «subjacentes a todas as transformações, há muitas coisas que não mudam, cujo último fundamento é Cristo, o mesmo ontem, hoje e para sempre».[97] É Ele o «Princípio» que, tendo assumido a natureza humana, a ilumina definitivamente nos seus elementos constitutivos e no seu dinamismo de caridade para com Deus e o próximo.Ocorre, sem dúvida, procurar e encontrar, para as normas morais universais e permanentes, a formulação mais adequada aos diversos contextos culturais, mais capaz de lhes exprimir incessantemente a actualidade histórica, de fazer compreender e interpretar autenticamente a sua verdade. Esta verdade da lei moral — como a do «depósito da fé» — explicita-se ao longo dos séculos: as normas que a exprimem, permanecem válidas em sua substância, mas devem ser precisadas e determinadas «eodem sensu eademque sententia » [99] conforme as circunstâncias históricas do Magistério da Igreja, cuja decisão é precedida e acompanhada pelo esforço de leitura e de formulação próprio da razão dos crentes e da reflexão teológica. [100]

 




II. A consciência e a verdade

 



O santuário do homem

 



54. A relação que existe entre a liberdade do homem e a lei de Deus tem a sua sede viva no «coração» da pessoa, ou seja, na sua consciência moral: «No fundo da própria consciência — escreve o Concílio Vaticano II — o homem descobre uma lei que não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer; essa voz, que sempre o está a chamar ao amor do bem e fuga do mal, soa no momento oportuno, na intimidade do seu coração: faze isto, evita aquilo. O homem tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus: a sua dignidade está em obedecer-lhe, e por ela é que será julgado (cf. Rm 2, 14-16)». Por isso, o modo como se concebe a relação entre a liberdade e a lei está ligado intimamente com a interpretação que se atribui à consciência moral. Neste sentido, as tendências culturais acima indicadas, que contrapõem e separam entre si a liberdade e a lei, e exaltam idolatricamente a liberdade, conduzem a uma interpretação «criativa» da consciência moral, que se afasta da posição da tradição da Igreja e do seu Magistério.

 




55. Segundo a opinião de vários teólogos, a função da consciência teria sido reduzida, pelo menos num certo período do passado, a uma simples aplicação de normas morais gerais aos casos individuais da vida da pessoa. Mas, tais normas — dizem — não podem ser capazes de acolher e respeitar toda a irrepetível especificidade de cada um dos actos concretos das pessoas; podem, de algum modo, contribuir para uma justa avaliação da situação, mas não podem substituir as pessoas quando tomam uma decisão pessoal sobre o modo como comportar-se nos determinados casos particulares. Mais, a crítica acima indicada à interpretação tradicional da natureza humana e da sua importância para a vida moral induz alguns autores a afirmarem que estas normas não são tanto um critério objectivo vinculante para os juízos da consciência, como sobretudo uma perspectiva geral que ajuda o homem, numa primeira estimativa, a ordenar a sua vida pessoal e social. Além disso, eles põem em relevo a complexidade típica do fenómeno da consciência: esta relaciona-se profundamente com toda a esfera psicológica e afectiva e com os múltiplos influxos do ambiente social e cultural da pessoa. Por outro lado, exalta-se ao máximo o valor da consciência, que o próprio Concílio definiu «o santuário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser». Esta voz — diz-se — induz o homem não tanto a uma observância meticulosa das normas universais, como sobretudo a uma assunção criativa e responsável das tarefas pessoais que Deus lhe confia.Ao querer pôr em evidência o carácter «criativo» da consciência, alguns autores já não chamam os seus actos com o nome de «juízos», mas «decisões»: só assumindo «autonomamente» estas decisões é que o homem poderia alcançar a sua maturidade moral. Não falta mesmo quem considere que este processo de amadurecimento seria dificultado pela posição demasiado categórica, que, em muitas questões morais, assume o Magistério da Igreja, cujas intervenções seriam causa do despertar de inúteis conflitos de consciência nos fiéis.

 




56. Para justificar semelhantes posições, alguns propuseram uma espécie de duplo estatuto da verdade moral. Para além do nível doutrinal e abstrato, seria necessário reconhecer a originalidade de uma certa consideração existencial mais concreta. Esta, tendo em conta as circunstâncias e a situação, poderia legitimamente estabelecer exceções à regra geral permitindo desta forma cumprir praticamente, em boa consciência, aquilo que a lei moral qualifica como intrinsecamente mau. Deste modo, instala-se, em alguns casos, uma separação, ou até oposição entre a doutrina do preceito válido em geral e a norma da consciência individual, que decidiria, de facto, em última instância, o bem e o mal. Sobre esta base, pretende-se estabelecer a legitimidade de soluções chamadas «pastorais», contrárias aos ensinamentos do Magistério, e justificar uma hermenêutica «criadora», segundo a qual a consciência moral não estaria de modo algum obrigada, em todos os casos, por um preceito negativo particular.É impossível não ver como, nestas posições, é posta em questão a identidade mesma da consciência moral, face à liberdade do homem e à lei de Deus. Apenas o esclarecimento precedente sobre a relação entre liberdade e lei, apoiada na verdade, torna possível o discernimento acerca desta interpretação «criativa» da consciência.

 



O juízo da consciência

 




57. O mesmo texto da Carta aos Romanos, que nos fez ver a essência da lei natural, também indica o sentido bíblico da consciência, especialmente na sua conexão específica com a lei: «Porque, quando os gentios, que não têm lei, cumprem naturalmente os preceitos da lei, não tendo eles lei, a si mesmos servem de lei. Deste modo, demonstram que o que a lei ordena está escrito nos seus corações, dando-lhes testemunho disso a sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os» (Rm 2, 14-15).De acordo com as palavras de S. Paulo, a consciência, de certo modo, põe o homem perante a lei, tornando-se ela mesma «testemunha» para o homem: testemunha da sua fidelidade ou infidelidade relativamente à lei, ou seja, da sua essencial rectidão ou maldade moral. A consciência é a única testemunha: o que acontece na intimidade da pessoa fica velado aos olhos de quem vê de fora. Ela dirige o seu testemunho somente à própria pessoa. E, por sua vez, só esta conhece a própria resposta à voz da consciência.

 




58. Jamais se apreciará adequadamente a importância deste íntimo diálogo do homem consigo mesmo. Mas, na verdade, este é o diálogo do homem com Deus, autor da lei, modelo primeiro e fim último do homem. «A consciência — escreve S. Boaventura — é como o arauto de Deus e o seu mensageiro, e o que diz não o ordena de si própria mas como proveniente de Deus, à semelhança de um arauto quando proclama o édito do rei. E disto deriva o facto de a consciência ter a força de obrigar». Portanto, pode-se dizer que a consciência dá ao próprio homem o testemunho da sua rectidão ou da sua maldade, mas conjuntamente, e antes mesmo, é testemunho do próprio Deus, cuja voz e juízo penetram no íntimo do homem até às raízes da sua alma, chamando-o fortiter et suaviter à obediência: «A consciência moral não encerra o homem dentro de uma solidão intransponível e impenetrável, mas abre-o à chamada, à voz de Deus. Nisto, e em nada mais, se encontra todo o mistério e dignidade da consciência moral: em ser o lugar, o espaço santo no qual Deus fala ao homem».

 



59. S. Paulo não se limita a reconhecer que a consciência faz de «testemunha», mas revela também o modo como ela cumpre uma tal função. Trata-se de «pensamentos», que acusam ou defendem os gentios relativamente aos seus comportamentos (cf. Rm 2, 15). O termo «pensamentos» põe em evidência o carácter próprio da consciência, o de ser um juízo moral sobre o homem e sobre os seus actos: é um juízo de absolvição ou de condenação, segundo os actos humanos são ou não conformes com a lei de Deus inscrita no coração. E é precisamente acerca do julgamento dos actos e, simultaneamente, do seu autor e do momento da sua definitiva actuação que fala o Apóstolo, no mesmo texto: «Como se verá no dia em que Deus julgar, por Jesus Cristo, as acções secretas dos homens, segundo o meu Evangelho» (Rm 2, 16). O juízo da consciência é um juízo prático, ou seja, um juízo que dita aquilo que o homem deve fazer ou evitar, ou então avalia um acto já realizado por ele. É um juízo que aplica a uma situação concreta a convicção racional de que se deve amar e fazer o bem e evitar o mal. Este primeiro princípio da razão prática pertence à lei natural, mais, constitui o seu próprio fundamento, enquanto exprime aquela luz originária sobre o bem e o mal, reflexo da sabedoria criadora de Deus, que, como uma centelha indelével (scintilla animae), brilha no coração de cada homem. Mas, enquanto a lei natural põe em evidência as exigências objectivas e universais do bem moral, a consciência é a aplicação da lei ao caso particular, a qual se torna assim para o homem um ditame interior, uma chamada a realizar o bem na realidade concreta da situação. A consciência formula assim a obrigação moral à luz da lei natural: é a obrigação de fazer aquilo que o homem, mediante o acto da sua consciência, conhece como um bem que lhe é imposto aqui e agora. O carácter universal da lei e da obrigação não é anulado, antes fica reconhecido, quando a razão determina as suas aplicações na realidade concreta. O juízo da consciência afirma por último a conformidade de um certo comportamento concreto com a lei; ele formula a norma próxima da moralidade de um ato voluntário, realizando «a aplicação da lei objetiva a um caso particular».

 




60. Tal como a mesma lei natural e cada conhecimento prático, também o juízo da consciência tem carácter imperativo: o homem deve agir de acordo com ele. Se o homem age contra esse juízo, ou realiza um determinado acto ainda sem a certeza da sua rectidão e bondade, é condenado pela própria consciência, norma próxima da moralidade pessoal. A dignidade desta instância racional e a autoridade da sua voz e dos seus juízos derivam da verdade sobre o bem e o mal moral, que aquela é chamada a escutar e a exprimir. Esta verdade é indicada pela «lei divina», norma universal e objetiva da moralidade. O juízo da consciência não estabelece a lei, mas atesta a autoridade da lei natural e da razão prática face ao bem supremo, do qual a pessoa humana se sente atraída e acolhe os mandamentos: «A consciência não é uma fonte autónoma e exclusiva para decidir o que é bom e o que é mau; pelo contrário, nela está inscrito profundamente um princípio de obediência relacionado com a norma objetiva, que fundamenta e condiciona a conformidade das suas decisões com os mandamentos e as proibições que estão na base do comportamento humano».

 




61. A verdade sobre o bem moral, declarada na lei da razão, é reconhecida prática e concretamente pelo juízo da consciência, o qual leva a assumir a responsabilidade do bem realizado e do mal cometido: se o homem comete o mal, o recto juízo da sua consciência permanece nele testemunha da verdade universal do bem, como também da malícia da sua escolha particular. Mas o veredicto da consciência permanece nele ainda como um penhor de esperança e de misericórdia: enquanto atesta o mal cometido, lembra também o perdão a pedir, o bem a praticar e a virtude a cultivar sempre, com a graça de Deus. Desta forma, no juízo prático da consciência, que impõe à pessoa a obrigação de cumprir um determinado acto, revela-se o vínculo da liberdade com a verdade. Precisamente por isso a consciência se exprime com actos de «juízo» que reflectem a verdade do bem, e não com «decisões» arbitrárias. E a maturidade e responsabilidade daqueles juízos — e, em definitivo, do homem que é o seu sujeito — medem-se, não pela libertação da consciência da verdade objectiva em favor de uma suposta autonomia das próprias decisões, mas, ao contrário, por uma procura insistente da verdade deixando-se guiar por ela no agir.

 




Procurar a verdade e o bem (sobre a ignorância invencível):

 



(Pergunta provocadora: Se Paulo não tivesse tido sua experiência com Cristo a caminho de Damasco e continuasse como um "Judeu Zeloso", entregando Cristãos à morte, seria salvo pela ignorância invencível?)




62. A consciência, como juízo de um acto, não está isenta da possibilidade de erro. «Não raro porém acontece que a consciência erra, por ignorância invencível, sem por isso perder a própria dignidade. Outro tanto não se pode dizer quando o homem se descuida de procurar a verdade e o bem, e quando a consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito do pecado». Com estas breves palavras, o Concílio oferece uma síntese da doutrina que a Igreja, ao longo dos séculos, elaborou sobre a consciência errónea.Sem dúvida, o homem, para ter uma «boa consciência» (1 Tim 1, 5), deve procurar a verdade e julgar segundo esta mesma verdade. Como diz o apóstolo Paulo, a consciência deve ser iluminada pelo Espírito Santo (cf. Rm 9, 1), deve ser «pura» (2 Tim 1, 3), não deve com astúcia adulterar a palavra de Deus, mas manifestar claramente a verdade (cf. 2 Cor 4, 2). Por outro lado, o mesmo Apóstolo adverte os cristãos, dizendo: «Não vos conformeis com a mentalidade deste mundo mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, a fim de conhecerdes a vontade de Deus: o que é bom, o que Lhe é agradável e o que é perfeito» (Rm 12, 2).O aviso de Paulo convida-nos à vigilância, advertindo-nos de que, nos juízos da nossa consciência, sempre se esconde a possibilidade do erro. Ela não é um juiz infalível: pode errar. Todavia o erro da consciência pode ser fruto de uma ignorância invencível, isto é, de uma ignorância de que o sujeito não é consciente e donde não pode sair sozinho.Quando essa ignorância invencível não é culpável, lembra-nos o Concílio, a consciência não perde a sua dignidade, porque ela, mesmo orientando-nos efectivamente de um modo discordante com a ordem moral objectiva, não deixa de falar em nome daquela verdade do bem que o sujeito é chamado a procurar sinceramente.

 




63. De qualquer forma, é sempre da verdade que deriva a dignidade da consciência: no caso da consciência recta, trata-se da verdade objectiva acolhida pelo homem; no da consciência errónea, trata-se daquilo que o homem errando considera subjectivamente verdadeiro. Nunca é aceitável confundir um erro «subjectivo» acerca do bem moral com a verdade «objectiva», racionalmente proposta ao homem em virtude do seu fim, nem equiparar o valor moral do acto cumprido com uma consciência verdadeira e recta, àquele realizado seguindo o juízo de uma consciência errónea. O mal cometido por causa de uma ignorância invencível ou de um erro de juízo não culpável, pode não ser imputado à pessoa que o realiza; mas, também neste caso, aquele não deixa de ser um mal, uma desordem face à verdade do bem. Além disso, o bem não reconhecido não contribui para o crescimento moral da pessoa que o cumpre: não a aperfeiçoa nem serve para encaminhá-la ao supremo bem. Assim, antes de nos sentirmos facilmente justificados em nome da nossa consciência, deveríamos meditar nas palavras do Salmo: «Quem poderá discernir todos os erros? Purificai-me das faltas escondidas» (Sal 19, 13). Existem faltas que não conseguimos ver e que, não obstante, permanecem culpáveis, porque nos recusamos a caminhar para a luz (cf. Jo 9, 39-41).A consciência, como juízo último concreto, compromete a sua dignidade quando é culpavelmente errónea, ou seja, «quando o homem não se preocupa de buscar a verdade e o bem, e quando a consciência se torna quase cega em consequência do hábito ao pecado». Jesus alude aos perigos da deformação da consciência, quando admoesta: «A lâmpada do corpo é o olho; se o teu olho estiver são, todo o teu corpo andará iluminado. Se, porém, o teu olho for mau, todo o teu corpo andará em trevas. Portanto, se a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão essas trevas!» (Mt 6, 22-23).

 




64. Nas palavras de Jesus agora referidas, encontramos também o apelo para formar a consciência, fazendo-a objecto de contínua conversão à verdade e ao bem. Análoga é a exortação do Apóstolo a não se conformar com a mentalidade deste mundo, mas a transformar-se pela renovação da própria mente (cf. Rm 12, 2). Na verdade, o «coração» convertido ao Senhor e ao amor do bem é a fonte dos juízos verdadeiros da consciência. Com efeito, «para poder conhecer a vontade de Deus, o que é bom, o que Lhe é agradável e o que é perfeito» (Rm 12, 2), é necessário o conhecimento da lei de Deus em geral, mas aquele não é suficiente: é indispensável uma espécie de «conaturalidade» entre o homem e o verdadeiro bem. Esta conaturalidade fundamenta-se e desenvolve-se nos comportamentos virtuosos do mesmo homem: a prudência e as outras virtudes cardeais, e, antes ainda as virtudes teologais da fé, esperança e caridade. Neste sentido, disse Jesus: «Quem pratica a verdade aproxima-se da luz» (Jo 3, 21).Uma grande ajuda para a formação da consciência têm-na os cristãos, na Igreja e no seu Magistério, como afirma o Concílio: «Os fiéis, por sua vez, para formarem a sua própria consciência, devem atender diligentemente à doutrina sagrada e certa da Igreja. Pois, por vontade de Cristo, a Igreja Católica é mestra da verdade, e tem por encargo dar a conhecer e ensinar autenticamente a Verdade que é Cristo, e ao mesmo tempo declara e confirma, com a sua autoridade, os princípios de ordem moral que dimanam da natureza humana». Portanto, a autoridade da Igreja, que se pronuncia sobre as questões morais, não lesa de modo algum a liberdade de consciência dos cristãos: não apenas porque a liberdade da consciência nunca é liberdade «da» verdade, mas sempre e só «na» verdade; mas também porque o Magistério não apresenta à consciência cristã verdades que lhe são estranhas, antes manifesta as verdades que deveria já possuir, desenvolvendo-as a partir do acto originário da fé. A Igreja põe-se sempre e só ao serviço da consciência, ajudando-a a não se deixar levar cá e lá por qualquer sopro de doutrina, ao sabor da maldade dos homens (cf. Ef 4, 14), a não se desviar da verdade sobre o bem do homem, mas, especialmente nas questões mais difíceis, a alcançar com segurança a verdade e a permanecer nela.

 




III. A opção fundamental e os comportamentos concretos

 



«Não tomeis, porém, a liberdade, como pretexto para servir a carne» (Gál 5, 13)

 



65. O interesse pela liberdade, hoje particularmente sentido, induz muitos estudiosos de ciências, quer humanas quer teológicas, a desenvolver uma análise mais profunda da sua natureza e dos seus dinamismos. Salienta-se acertadamente que a liberdade não é só a escolha desta ou daquela acção particular; mas é também, dentro duma tal escolha, decisão sobre si mesmo e determinação da própria vida a favor ou contra o Bem, a favor ou contra a Verdade, em última análise, a favor ou contra Deus. Justamente se destaca a elevada importância de algumas opções, que dão «forma» a toda a vida moral de um homem, configurando-se como o sulco dentro do qual poderão encontrar espaço e incremento as demais escolhas quotidianas particulares.Alguns autores, porém, propõem uma revisão bem mais radical da relação entre pessoa e actos. Falam de uma «liberdade fundamental», mais profunda e diversa da liberdade de escolha, fora da qual não se poderiam compreender nem julgar corretamente os actos humanos. De acordo com esses autores, o papel chave na vida moral deveria ser atribuído a uma «opção fundamental», actuada por aquela liberdade fundamental, com que a pessoa decide globalmente de si própria, não através de uma escolha determinada e consciente a nível reflexo, mas de maneira «transcendental» e «atemática». Os actos particulares, derivados desta opção, constituiriam somente tentativas parciais e nunca decisivas de exprimi-la, seriam apenas «sinais» ou sintomas dela. Objecto imediato destes actos — diz-se — não é o Bem absoluto (diante do qual se exprimiria, a nível transcendental, a liberdade da pessoa), mas são os bens particulares (também chamados «categoriais»). Ora, segundo a opinião de alguns teólogos, nenhum destes bens, por sua natureza parciais, poderia determinar a liberdade do homem como pessoa na sua totalidade, mesmo que o homem só pudesse exprimir a própria opção fundamental, mediante a sua realização ou a sua recusa.Deste modo, chega-se a introduzir uma distinção entre a opção fundamental e as escolhas deliberadas de um comportamento concreto, uma distinção que, nalguns autores, assume a forma de uma separação, já que eles restringem expressamente o «bem» e o «mal» moral à dimensão transcendental própria da opção fundamental, qualificando como «justas» ou «erradas» as escolhas de comportamentos particulares «intramundanos», isto é, referentes às relações do homem consigo próprio, com os outros e com o mundo das coisas. Parece assim delinear-se, no interior do agir humano, uma cisão entre dois níveis de moralidade: por um lado, a ordem do bem e do mal que depende da vontade, e, por outro, os comportamentos determinados, que são julgados como moralmente justos ou errados, somente em função de um cálculo técnico da proporção entre bens e males «pré-morais» ou «físicos», que efectivamente resultam da acção. E isto até ao ponto de um comportamento concreto, mesmo escolhido livremente, ser considerado como um processo simplesmente físico, e não segundo os critérios próprios de um acto humano. O resultado a que se chega, é reservar a qualificação propriamente moral da pessoa à opção fundamental, subtraindo-a total ou parcialmente à escolha dos actos particulares, dos comportamentos concretos.

 



66. Não há dúvida que a doutrina moral cristã, em suas mesmas raízes bíblicas, reconhece a importância específica de uma opção fundamental que qualifica a vida moral e que compromete radicalmente a liberdade diante de Deus. Trata-se da escolha da fé, da obediência da fé (cf. Rm 16, 26), pela qual «o homem entrega-se total e livremente a Deus prestando "a Deus revelador o obséquio pleno da inteligência e da vontade"».[112] Esta fé, que opera mediante a caridade (cf. Gál 5, 6), provém do mais íntimo do homem, do seu «coração» (cf. Rm 10, 10), e daí é chamada a frutificar nas obras (cf. Mt 12, 33-35; Lc 6, 43-45; Rm 8, 5-8; Gál 5, 22). No Decálogo ao início dos diversos mandamentos, aparece a cláusula fundamental: «Eu sou o Senhor, teu Deus...» (Êx 20, 2), a qual, imprimindo o sentido original às múltiplas e variadas prescrições particulares, assegura à moral da Aliança uma fisionomia de globalidade, unidade e profundidade. A opção fundamental de Israel refere-se então ao mandamento fundamental (cf. Jos 24, 14-25; Êx 19, 3-8; Miq 6, 8). Também a moral da Nova Aliança está dominada pelo apelo fundamental de Jesus para O «seguir» — assim diz Ele ao jovem: «Se queres ser perfeito (...) vem e segue-me» (Mt 19, 21) —: a este apelo, o discípulo responde com uma decisão e escolha radical. As parábolas evangélicas do tesouro e da pérola preciosa, pela qual se vende tudo o que se possui, são imagens eloquentes e efectivas do carácter radical e incondicionado da opção exigida pelo Reino de Deus. A radicalidade da escolha de seguir Jesus está maravilhosamente expressa nas suas palavras: «O que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas o que perder a sua vida por amor de mim e do Evangelho, salvá-la-á» (Mc 8, 35). O apelo de Jesus «vem e segue-Me» indica a máxima exaltação possível da liberdade do homem e, ao mesmo tempo, atesta a verdade e a obrigação de actos de fé e de decisões que se podem designar como opção fundamental. Uma análoga exaltação da liberdade humana, encontramo-la nas palavras de S. Paulo: «Vós, irmãos, fostes chamados à liberdade» (Gál 5, 13). Mas o Apóstolo acrescenta imediatamente uma grave admoestação: «Não tomeis, porém, a liberdade como pretexto para servir a carne». Nesta advertência, ressoam as suas palavras precedentes: «Cristo nos libertou, para que permaneçamos livres. Ficai, portanto, firmes e não vos submetais outra vez ao jugo da escravidão» (Gál 5, 1). O apóstolo Paulo convida-nos à vigilância: a liberdade está sempre ameaçada pela insídia da escravidão. E é precisamente este o caso de um acto de fé — no sentido de uma opção fundamental — que seja separado da escolha dos actos particulares, conforme opinavam as tendências acima recordadas.

 



67. Estas tendências são, pois, contrárias ao ensinamento bíblico, que concebe a opção fundamental como uma verdadeira e própria escolha da liberdade e une profundamente uma tal escolha com os actos particulares. Pela opção fundamental, o homem é capaz de orientar a sua vida e tender, com a ajuda da graça, para o seu fim, seguindo o apelo divino. Mas esta capacidade exercita-se, de facto, nas escolhas particulares de actos determinados, pelos quais o homem se conforma deliberadamente com a vontade, a sabedoria e a lei de Deus. Portanto, deve-se afirmar que a chamada opção fundamental, na medida em que se diferencia de uma intenção genérica e, por conseguinte, ainda não determinada numa forma vinculante da liberdade, realiza-se sempre através de escolhas conscientes e livres. Precisamente por isso, ela fica revogada quando o homem compromete a sua liberdade em escolhas conscientes de sentido contrário, relativas a matéria moral grave.Separar a opção fundamental dos comportamentos concretos, significa contradizer a integridade substancial ou a unidade pessoal do agente moral no seu corpo e alma. Uma opção fundamental, que não considere explicitamente as potencialidades que põe em acto e as determinações que a exprimem, não se ajusta à finalidade racional imanente ao agir do homem e a cada uma das suas escolhas deliberadas. Na verdade, a moralidade dos actos humanos não se deduz somente da intenção, da orientação ou opção fundamental, interpretada no sentido de uma intenção vazia de conteúdos vinculantes bem determinados ou de uma intenção à qual não corresponda um esforço real nas distintas obrigações da vida moral. A moralidade não pode ser julgada, se se prescinde da conformidade ou oposição da escolha deliberada de um comportamento concreto relativamente à dignidade e à vocação integral da pessoa humana. Cada escolha implica sempre uma referência da vontade deliberada aos bens e aos males, indicados pela lei natural como bens a praticar e males a evitar. No caso dos preceitos morais positivos, a prudência tem sempre a função de verificar a sua oportunidade numa determinada situação, por exemplo tendo em conta outros deveres quem sabe mais importantes ou urgentes. Mas os preceitos morais negativos, ou seja, os que proibem alguns actos ou comportamentos concretos como intrinsecamente maus, não admitem qualquer legítima excepção; eles não deixam nenhum espaço moralmente aceitável para a «criatividade» de qualquer determinação contrária. Uma vez reconhecida, em concreto, a espécie moral de uma ação proibida por uma regra universal, o único ato moralmente bom é o de obedecer à lei moral e abster-se da ação que ela proíbe.

 







68. Deve-se acrescentar aqui uma importante consideração pastoral. Pela lógica das posições acima descritas, o homem poderia, em virtude de uma opção fundamental, permanecer fiel a Deus, independentemente da conformidade ou não de algumas das suas escolhas e dos seus atos determinados com as normas ou regras morais específicas. Devido a uma opção originária pela caridade, o homem poderia manter-se moralmente bom, perseverar na graça de Deus, alcançar a própria salvação, mesmo se alguns dos seus comportamentos concretos fossem deliberada e gravemente contrários aos mandamentos de Deus, reafirmados pela Igreja.Na verdade, o homem não se perde só pela infidelidade àquela opção fundamental, pela qual ele se entregou «total e deliberadamente a Deus». Em cada pecado mortal cometido deliberadamente, ele ofende a Deus que deu a lei e torna-se, portanto, culpável perante toda a lei (cf. Tg 2, 8-11); mesmo conservando-se na fé, ele perde a «graça santificante», a «caridade» e a «bem-aventurança eterna». «A graça da justificação — ensina o Concílio de Trento —, uma vez recebida, pode ser perdida não só pela infidelidade que faz perder a mesma fé, mas também por qualquer outro pecado mortal».

 










Fonte:https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_06081993_veritatis-splendor.html





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Neste Apostolado APOLOGÉTICO (de defesa da fé, conforme 1 Ped.3,15) promovemos a “EVANGELIZAÇÃO ANÔNIMA", pois neste serviço somos apenas o Jumentinho que leva Jesus e sua verdade aos Povos. Portanto toda honra e Glória é para Ele.Cristo disse-nos:Eu sou o caminho, a verdade e a vida e “ NINGUEM” vem ao Pai senão por mim" (João14, 6).Defendemos as verdade da fé contra os erros que, de fato, são sempre contra Deus.Cristo não tinha opiniões, tinha a verdade, a qual confiou a sua Igreja, ( Coluna e sustentáculo da verdade – Conf. I Tim 3,15) que deve zelar por ela até que Ele volte(1Tim 6,14).Deus é amor, e quem ama corrige, e a verdade é um exercício da caridade. Este Deus adocicado, meloso, ingênuo, e sentimentalóide, é invenção dos homens tementes da verdade, não é o Deus revelado por seu filho: Jesus Cristo.Por fim: “Não se opor ao erro é aprová-lo, não defender a verdade é nega-la” - ( Sto. Tomás de Aquino).Este apostolado tem interesse especial em Teologia, Política e Economia. A Economia e a Política são filhas da Filosofia que por sua vez é filha da Teologia que é a mãe de todas as ciências. “Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao vosso nome dai glória...” (Salmo 115,1)

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