Comentários do Blog Berakash: Vemos hoje sacerdotes defendendo e até negando a necessidade do
sacerdócio ministerial na Igreja, como vemos também, leigos defendo um "Clericalismo exacerbado". Como encontrar
o equilíbrio nestas duas dimensões da Igreja: Carismas e Poder? A espiritualidade
laical é uma espiritualidade que une polos distintos e processos improváveis de
comunhão, isto é, encontrar Deus em
todas as coisas, contemplar na ação, usar de todas as coisas na medida em que
nos levem a um fim maior. Ela permite que muitos aspectos do nosso mundo
que estão nos fragmentando façam sentido em uma mesma direção, que é encontrar
o rosto encarnado de Cristo em meio à realidade diversa, e, nela, sentir-nos
chamado a ser redenção do gênero humano, ou seja, a fazer sentido da esperança
e do projeto de vida, de justiça e de dignidade em meio à realidade. Essa
espiritualidade permite que, em todos os âmbitos da vida cotidiana,
profissional, política, social, cívica, sintamos que somos chamados a fazer a
diferença, que, seja o que for que façamos, fazemo-lo com uma profunda
convicção de que ali estamos construindo o Reino e que isso seja notado. Não
que seja notado de uma maneira qualitativamente distinta, mas sim pela
profundidade e pelo testemunho de fazê-lo com toda a certeza de que Deus
trabalha dentro da vida e que nós somos um pouco criadores com Ele. O Papa
Francisco está chamando a uma forte afirmação do laicato de hoje e não só em
palavras. Eu acho que a exortação apostólica Gaudete et exsultate é uma
absoluta convicção a partir do pontificado de Francisco e um mapa para poder
fazer do meio da vocação laical o caminho privilegiado para a santidade. Ela
está reafirmando e reivindicando essa vocação na Igreja, que não é uma vocação
secundária, que não é uma vocação também reduzida, mas sim o caminho pleno para
responder aos sinais mais profundos da realidade hoje. O papa também está
marcando para nós leigos e leigas, linhas muito concretas, por exemplo, na
criação do novo Dicastério para a Vida, a Família e os Leigos, no qual tivemos
alguns encontros e avanços importantes como a nomeação de subsecretários dentro
desse âmbito eclesial na figura de leigas. O único antídoto contra o
clericalismo é um laicato maduro, responsável, capaz de encontrar seu próprio
lugar na Igreja e que possa ser uma interlocução construtiva com a Igreja, mas,
ao mesmo tempo, servir de interface para responder a todos os outros espaços
onde hoje a Igreja não está ou não pode estar presente ou está cada vez mais
limitada para chegar. O século presente, como já dizia o Concílio Vaticano II, é
o século dos leigos, mas cabe a nós fazer um discernimento profundo, com
maturidade, a partir da complementaridade, para poder encontrar a nossa
verdadeira identidade e a nossa contribuição mais profunda no meio desse
caminho do Reino. O kairós que estamos vivendo hoje, a partir do Concílio
Vaticano II e até o Papa Francisco, passa necessariamente pela sua
concretização, pelo fato de os leigos encontrarem seu verdadeiro chamado e
vocação no meio da Igreja, porém, é preciso entender que a Igreja não é uma ANARQUIA, nem muito menos uma DEMOCRACIA, mas um "Reino de Ordem" (conf. I Cor 14,33).
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ (NOTIFICAÇÃO SOBRE O LIVRO: «IGREJA:
CARISMA E PODER - ENSAIOS DE ECLESIOLOGIA MILITANTE» DE FREI LEONARDO BOFF,
O.F.M.)
INTRODUÇÃO
No dia 12 de
fevereiro de 1982, Frei Leonardo Boff, OFM, tomou a iniciativa de enviar à
Congregação para a Doutrina da Fé a resposta que deu à Comissão arquidiocesana
para a Doutrina da Fé do Rio de Janeiro, que criticara o seu livro « Igreja:
Carisma e Poder » (Editora Vozes - Petrópolis, RJ, Brasil, 1981). Declarava que
aquela crítica continha graves erros de leitura e de interpretação.A Congregação, após
ter estudado o livro nos seus aspectos doutrinais e pastorais, expôs ao Autor,
numa carta de 15 de maio de 1984, algumas reservas, convidando-o a aceitá-las e
oferecendo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de um diálogo de
esclarecimento. Tendo porém em vista a repercussão que o livro estava tendo
entre os fiéis, a Congregação informou L. Boff de que, em qualquer hipótese, a
carta seria publicada, levando eventualmente em consideração a posição que ele
viesse a tomar por occasião do diálogo.No dia 7 de setembro
de 1984, L. Boff foi recebido pelo Cardeal Prefeito da Congregação, acompanhado
pelo Mons. Jorge Mejía, na qualidade de Secretário. Foram objeto do colóquio
alguns problemas eclesiológicos surgidos da leitura do livro « Igreja: Carisma
e Poder » e assinalados na carta de 15 de maio de 1984. A conversa, que se
desenvolveu num clima fraterno, proporcionou ao Autor ocasião de expor seus
esclarecimentos pessoais, que ele quis também entregar por escrito. Tudo isto
foi explicado num comunicado final publicado e redigido de comum acordo com L.
Boff. Concluído o diálogo, foram recebidos pelo Cardeal Prefeito, em outra
sala, os Eminentíssimos Cardeais Aloísio Lorscheider e Paulo Evaristo Arns, que
se encontravam em Roma para esta oportunidade. A Congregação
examinou, seguindo a praxe que lhe é própria, os esclarecimentos orais e
escritos fornecidos por L. Boff e, embora tomando nota das boas intenções e das
repetidas declarações de fidelidade à Igreja e ao Magistério por ele expressas,
sentiu-se contudo no dever de salientar que as reservas levantadas acerca do
conteúdo do livro e assinaladas na carta, não poderiam, na sua substância,
considerar-se superadas. Julga pois necessário, assim como estava previsto,
agora publicar, nas suas partes essenciais, o conteúdo doutrinal da mencionada
carta.
PREMISSA DOUTRINAL
A eclesiologia do
livro « Igreja: Carisma e Poder » propõe-se ir ao encontro dos problemas da
América Latina e, em particular do Brasil, com uma coletânea de estudos e perspectivas
(cf. p. 13). Tal intenção exige, de um lado, uma atenção séria e aprofundada às
situações concretas, às quais o livro se refere e, por outro lado, — para
realmente corresponder ao seu objetivo — a preocupação de inserir-se na grande
tarefa da Igreja universal, no sentido de interpretar, desenvolver e aplicar,
sob a inspiração do Espírito Santo, a herança comum do único Evangelho,
entregue, uma vez para sempre, pelo Senhor à nossa fidelidade. Deste modo a
única fé do Evangelho cria e edifica, ao longo dos séculos, a Igreja católica,
que permanece una na diversidade dos tempos e na diferença das situações
próprias às múltiplas Igrejas particulares. A Igreja universal realiza-se e
vive nas Igrejas particulares e estas são Igreja exatamente enquanto continuam
a ser, num determinado tempo e lugar, expressão e atualização da Igreja
universal. Deste modo, com o crescimento e o progresso das Igrejas particulares
cresce e progride a Igreja universal; ao passo que, debilitando-se a unidade,
diminuiria e decairia também a Igreja particular. Por isso o verdadeiro
discurso teológico não pode jamais contentar-se em apenas interpretar e animar
a realidade de uma Igreja particular, mas deve, ao contrário, procurar
aprofundar os conteúdos do depósito sagrado da palavra de Deus, depósito
confiado à Igreja e autenticamente interpretado pelo Magistério. A praxis e as
experiências que sempre têm origem numa determinada e limitada situação
histórica, ajudam o teólogo e o obrigam a tornar o Evangelho acessível ao seu tempo.
A praxis, contudo, não substitui, nem produz a verdade, mas está a serviço da
verdade, que nos foi entregue pelo Senhor. O teólogo é, pois, chamado a
decifrar a linguagem das diversas situações — os sinais dos tempos — e a abrir
esta linguagem à inteligência da fé (cf. Enc. Redemptor hominis, n. 19).
Examinadas à luz dos critérios de um autêntico método teológico — aqui apenas
brevemente assinalados — certas opções do livro de L. Boff manifestam-se
insustentáveis. Sem pretender analisá-las todas, colocam-se em evidência apenas
as opções eclesiológicas que parecem decisivas, ou seja: a estrutura da Igreja,
a concepção do dogma, o exercício do poder sagrado e o profetismo.
A ESTRUTURA DA IGREJA
L. Boff coloca-se,
segundo as suas próprias palavras, dentro de uma orientação, na qual se afirma
« que a igreja como instituição não estava nas cogitações do Jesus histórico,
mas que ela surgiu como evolução posterior à ressurreição, particularmente com
o processo progressivo de desescatologização » (p. 123). Consequentemente, a
hierarquia é para ele « um resultado » da « férrea necessidade de se
institucionalizar », « uma mundanização », no « estilo romano e feudal » (p.
71). Daí deriva a necessidade de uma « mutação permanente da Igreja » (p. 109);
hoje deve emergir uma « Igreja nova » (p. 107, passim), que será « uma nova
encarnação das instituições eclesiais na sociedade, cujo poder será pura função
de serviço » (p. 108). Na lógica destas
afirmações explica-se também a sua interpretação acerca das relações entre catolicismo
e protestantismo: « Parece-nos que o cristianismo romano (catolicismo) se
distingue por afirmar corajosamente a identidade sacramental e o cristianismo
protestante por uma afirmação destemida da não-identidade » (p. 132; cf. pp,
126 ss., 140).Dentro desta visão,
ambas as confissões constituiriam mediações incompletas, pertencentes a um
processo dialético de afirmação e de negação. Nesta dialética « se mostra o que
seja o cristianismo. Que é o cristianismo? Não sabemos. Somente sabemos aquilo que
se mostrar no processo histórico » (p. 131). Para justificar esta
concepção relativizante da Igreja — que se encontra na base das críticas
radicais dirigidas contra a estrutura hierárquica da Igreja católica — L. Boff
apela para a Constituição Lumen gentium (n. 8) do Concílio Vaticano II. Da
famosa expressão do Concílio « Haec Ecclesia (se. única Christi Ecclesia) ...
subsistit in Ecclesia catholica », ele extrai uma tese exatamente contrária à
significação autêntica do texto conciliar, quando afirma: de fato, « esta (isto
é, a única Igreja de Cristo) pode subsistir também em outras Igrejas cristãs »
(p. 125). O Concílio tinha, porém, escolhido a palavra « subsistit » exatamente
para esclarecer que há uma única « subsistência » da verdadeira Igreja, enquanto
fora de sua estrutura visível existem somente « elementa Ecclesiae », que — por
serem elementos da mesma Igreja — tendem e conduzem em direção à Igreja
católica (LG 8). O Decreto sobre o ecumenismo exprime a mesma doutrina (UR
3-4), que foi novamente reafirmada pela Declaração Mysterium Ecclesiae, n. 1
(AAS LXV [1973], pp. 396-398).A subversão do
significado do texto conciliar sobre a subsistência da Igreja está na base do
relativismo eclesilógico de L. Boff, supra delineado, no qual se desenvolve e
se explicita um profundo desentendimento daquilo que a fé católica professa a
respeito da Igreja de Deus no mundo.
DOGMA E REVELAÇÃO
A mesma lógica
relativizante encontra-se na concepção da doutrina e do dogma expressa por L.
Boff. O Autor critica, de modo muito severo, « a compreensão doutrinária da
revelação » (p. 73). É verdade que L. Boff distingue entre dogmatismo e dogma
(cf. p. 139), admitindo o segundo e rejeitando o primeiro. Todavia, segundo
ele, o dogma, na sua formulação, é válido somente « para um determinado tempo e
circunstâncias » (pp. 127-128). « Num segundo momento do mesmo processo
dialético o texto deve poder ser ultrapassado para dar lugar a outro texto do
hoje da fé » (p. 128). O relativismo que resulta de semelhantes afirmações
torna-se explícito quando L. Boff fala de posições doutrinárias contraditórias
entre si, contidas no Novo Testamento (cf. p. 128). Consequentemente « a
atitude verdadeiramente católica » seria de « estar fundamentalmente aberto a
todas as direções » (p. 128). Na perspectiva de L. Boff a autêntica concepção
católica do dogma cai sob o veredito do « dogmatismo »: « Enquanto perdurar
este tipo de compreensão dogmática e doutrinária da revelação e da salvação de
Jesus Cristo dever-se-á contar irretorquivelmente com a repressão da liberdade
de pensamento divergente dentro da Igreja » (pp. 74-75).A este propósito
convém ressaltar que o contrário do relativismo não é o verbalismo ou o
imobilismo. O conteúdo último da revelação é o próprio Deus, Pai, Filho e
Espírito Santo, que nos convida à comunhão com Ele; todas as palavras
referem-se à Palavra, ou — como diz São João da Cruz: « ... a su Hijo ... todo
nos habló junto y de una vez en esta sola Palabra y no tiene más que hablar »
(Subida del Monte Carmelo, II, 22, 3). Mas nas palavras, sempre analógicas e
limitadas, da Escritura e da fé autêntica da Igreja, baseada na Escritura,
exprime-se, de modo digno de fé, a verdade acerca de Deus e acerca do homem. A
constante necessidade de interpretar a linguagem do passado, longe de sacrificar
esta verdade, torna-a, antes, acessível e desenvolve a riqueza dos textos
autênticos. Avançando, guiada pelo Senhor, que é o caminho e a verdade (Jo 14,
16), a Igreja, que ensina e que crê, está convencida de que a verdade expressa
pelas palavras de fé não só não oprime o homem, mas o liberta (Jo 8, 32) e é o
único instrumento de verdadeira comunhão entre os homens de diversas classes e
opiniões, enquanto uma concepção dialética e relativizante o expõe a um
decisionismo arbitrário.No passado, esta
Congregação teve ocasião de mostrar que o sentido das fórmulas dogmáticas
permanece sempre verdadeiro e coerente, determinado e irreformável, embora
possa ser ulteriormente esclarecido e melhor compreendido (cf. Mysterium
Ecclesiae, n. 5: AAS LXV [1973], pp. 403-404).Para continuar na sua
função de sal da terra, que nunca perde o seu sabor, o « depositum fidei » deve
ser fielmente conservado na sua pureza, sem deslizar no sentido de um processo
dialético da história e em direção ao primado da praxis.
O EXERCÍCIO DO PODER SAGRADO
Uma «grave patologia
» de que, segundo L. Boff, a Igreja romana deveria livrar-se, é provocada pelo
exercício hegemónico do poder sagrado que, além de torná-la uma sociedade
assimétrica, teria também sido deformado em si mesmo. Dando por certo que o eixo
organizador de uma sociedade coincide com o modo específico de produção que lhe
é próprio, e aplicando este princípio à Igreja, L. Boff afirma que houve um
processo histórico de expropriação dos meios de produção religiosa por parte do
clero em prejuízo do povo cristão que, em consequência, teria sido privado de
sua capacidade de decidir, de ensinar etc. (cf. pp. 75, 215 ss., 238-239). Além
disso, após ter sofrido esta expropriação, o poder sagrado teria também sido
gravemente deformado, vindo a cair deste modo nos mesmos defeitos do poder
profano em termos de dominação, centralização, triunfalismo (cf. pp. 98, 85, 91
ss.).Para remediar estes inconvenientes, propõe-se um novo modelo de Igreja,
no qual o poder seria concebido sem privilégios teológicos, como puro serviço
articulado de acordo com as necessidades da comunidade (cf. pp. 207, 108).Não se pode
empobrecer a realidade dos sacramentos e da palavra de Deus enquadrando-a no
esquema da « produção e consumo », reduzindo deste modo a comunhão da fé a um
mero fenómeno sociológico. Os sacramentos não são «material simbólico », a sua
administração não é produção, a sua recepção não é consumo. Os sacramento são
dom de Deus. Ninguém os « produz ». Todos recebemos por eles a graça de Deus,
os sinais do eterno amor. Tudo isto está além de toda produção, além de todo
fazer e fabricar humano. A única medida que corresponde à grandeza do dom é a
máxima fidelidade à vontade do Senhor, de acordo com a qual todos seremos
julgados — sacerdotes e leigos — sendo todos « servos inúteis » (Lc 17, 10).
Existe sempre, decerto, o perigo de abusos; põe-se sempre o problema de como
garantir o acesso de todos os fiéis à plena participação na vida da Igreja e na
sua fonte, isto é, na vida da Senhor. Mas interpretar a realidade dos
sacramentos, da hierarquia, da palavra e de toda a vida da Igreja em termos de
produção e de consumo, de monopólio, expropriação, conflito com o bloco
hegemónico, ruptura e ocasião para um modo assimétrico de produção, equivale a subverter
a realidade religiosa. Ao contrário de ajudar na solução dos verdadeiros
problemas, este procedimento leva, antes, à destruição do sentido autêntico dos
sacramentos e da palavra da fé.
O PROFETISMO NA IGREJA
O livro « Igreja:
Carisma e Poder » denuncia a hierarquia e as instituições da Igreja (cf. pp.
65-66, 88, 239-240). Como explicação e justificação para semelhante atitude
reivindica o papel dos carismas e, em particular, do profetismo (cf. pp.
237-240, 246, 247). A hierarquia teria a simples função de « coordenar », de «
propiciar a unidade, a harmonia entre os vários serviços », de « manter a
circularidade e impedir as divisões e sobreposições », descartando pois desta
função « a subordinação imediata de todos aos hierarcas » (cf. p. 248).Não há dúvida de que
todo o povo de Deus participa do múnus profético de Cristo (cf. LG 12); Cristo
cumpre o seu múnus profético não só por meio da hierarquia, mas também por meio
dos leigos (cf. ib. 35). Mas é igualmente claro que a denúncia profética na Igreja,
para ser legítima, deve permanecer sempre a serviço, para a edificação da
própria Igreja. Esta não só deve aceitar a hierarquia e as instituições, mas
deve também colaborar positivamente para a consolidação da sua comunhão
interna; além disso, pertence à hierarquia o critério supremo para julgar não
só o exercício bem orientado da denúncia profética, como também a sua
autenticidade (cf. LG 12).
CONCLUSÃO
Ao tornar público o
que acima ficou exposto, a Congregação sente-se na obrigação de declarar, outrossim,
que as opções aqui analisadas de Frei Leonardo Boff são de tal natureza que
põem em perigo a sã doutrina da fé, que esta mesma Congregação tem o dever de
promover e tutelar.O Sumo Pontífice João Paulo II, no decorrer de uma Audiência
concedida ao Cardeal Prefeito que subscreve este documento, aprovou a presente
Notificação, deliberada em reunião ordinária da Congregação para a Doutrina da
Fé, e ordenou que a mesma fosse publicada.
Roma, Sede da
Congregação para a Doutrina da Fé, 11 de Março de 1985.
Joseph Card.
Ratzinger
Prefeito
+ Alberto Bovone - Arcebispo tit. de
Cesarea de Numidia
Secretário
“Laicato e Clericalismo” – Avanços e desvios no entendimento do
Sacerdócio Comum dos fieis!
A Igreja de Cristo,
do Papa ao mais simples dos fiéis, é um reino de sacerdotes, uma nação
consagrada ao culto de Deus. Mas isso não significa que a todos correspondam,
indistintamente, os mesmos papéis e poderes.Nos últimos tempos, uma das
questões que tem gerado mais dúvidas e mal-entendidos entre os fiéis diz
respeito ao chamado sacerdócio comum. Há quem pense tratar-se de pura e simples
“novidade”, introduzida em tempos recentes como algo totalmente estranho ao
conteúdo da sagrada Tradição; outros, pelo contrário, interpretando de forma
indevida e exagerada os documentos eclesiásticos em que se fala do assunto,
pretendem atribuir aos leigos poderes e prerrogativas que eles, na verdade,
jamais exerceram em toda a história da Igreja.A fim de esclarecer o verdadeiro
alcance da expressão “sacerdócio comum dos fiéis”, conforme o sentido autêntico
que lhe dá a Igreja, convém transcrever aqui algumas páginas cristalinas em que
o Pe. Antonio Royo Marín [1] explica de modo mais do que transparente este tema
controvertido, que, longe de ser um detalhe marginal dentro da doutrina
católica, tem grandes repercussões práticas na vida espiritual de todos os
batizados.As explicações seguintes servem, antes de tudo, para pôr em relevo o
que, no fundo, já está dito com todas as letras no próprio Catecismo da Igreja
Católica (cf. n. 1591s), a saber: o sacerdócio comum e ministerial, embora
constituam duas participações no único sacerdócio de Cristo, são distintos não
apenas em grau, mas essencialmente.Um princípio
teológico fecundíssimo ensina que tudo o que há em Jesus Cristo como cabeça do
Corpo místico existe também, proporcionalmente, nos membros desse mesmo corpo,
contanto que se trate de perfeições comunicáveis.
Em Jesus Cristo, com efeito,
há duas classes de perfeições muito distintas entre si:
- Umas lhe são de tal
maneira próprias e exclusivas que são, em si mesmas, incomunicáveis aos demais;
tais são, por exemplo, a união hipostática e a plenitude absoluta de graça.
- Outras que são, por
sua própria natureza, comunicáveis aos membros de seu Corpo místico e estão em
Cristo como cabeça ou origem primária da qual derivam para os demais; tais são,
principalmente, a graça santificante, as virtudes infusas e os dons do Espírito
Santo.A este segundo grupo de graças pertence o seu sacerdócio.
Cristo o possui
em toda a sua plenitude absoluta e, neste sentido, o sacerdócio lhe é próprio e
exclusivo; mas Ele pode comunicar (e de fato comunica) a seus membros uma
participação verdadeira e real do seu próprio sacerdócio, ainda que em graus
muito diferentes de intensidade e perfeição.Existe um abismo entre a participação do sacerdócio de Cristo que
recebem todos os fiéis e a do ministro de Jesus Cristo, que recebeu o
sacramento da Ordem sacerdotal. Essa participação do
seu sacerdócio constitui a essência mesma do chamado caráter sacramental, que,
como se sabe, é como uma marca ou selo indelével que imprimem na alma três dos
sete sacramentos instituídos pelo próprio Cristo: o Batismo, a Confirmação e a
Ordem sacerdotal. Por conseguinte, todo aquele que recebe um sacramento que
imprime caráter participa, por isso mesmo, do sacerdócio de Jesus Cristo. Essa
participação:
- Começa com o
caráter do sacramento do Batismo.
- Aperfeiçoa-se com o sacramento da Confirmação.
- E chega à máxima
plenitude que pode alcançar em nós com o caráter do sacramento da Ordem.
De maneira que não é
nenhum erro nem sequer um “piedoso exagero” falar de um sacerdócio dos fiéis,
não em sentido metafórico, mas num sentido muito real e verdadeiro! O caráter
batismal e o da Confirmação conferem aos simples fiéis uma participação muito
real e verdadeira do sacerdócio de Jesus Cristo em sentido próprio. É claro que
é preciso entender retamente o verdadeiro alcance desta participação para não
incorrer em lamentáveis equívocos e extravios. Existe um abismo entre a
participação do sacerdócio de Cristo que recebem todos os fiéis, pelo fato de
estarem batizados e confirmados, e a do ministro de Jesus Cristo, que recebeu,
além disso, o sacramento da Ordem sacerdotal.
Vamos expor a seguir, com toda precisão e cuidado, numa
série de conclusões, o que pertence a um (sacerdócio comum) e a outro sacerdócio (sacerdócio ministerial):
Em primeiro lugar, é
falso e herético dizer que todos os cristãos são sacerdotes no mesmo sentido em
que o são os que receberam devidamente o sacramento da Ordem! Esta conclusão
consta expressamente das declarações do Concílio de Trento contra os
reformadores protestantes, que afirmavam semelhante disparate. No entanto, os
simples fiéis recebem, sim, uma participação verdadeira e real do sacerdócio de
Jesus Cristo em virtude do caráter do Batismo e da Confirmação. Esta conclusão
consta claramente dos lugares teológicos tradicionais. Eis aqui as provas:
A Sagrada
Escritura
Os textos alusivos ao sacerdócio de todo o povo fiel são
abundantíssimos. Já no Antigo Testamento se vai insinuando progressivamente
esta sublime realidade, cuja plena revelação estava reservada para a lei
evangélica. Oferecemos a seguir uma seleção de textos extraídos dos dois
Testamentos bíblicos:
Ao promulgar a Lei no Sinai, Deus disse ao povo por boca
de Moisés:
"Agora, pois, se obedecerdes à minha voz, e guardardes minha aliança,
sereis o meu povo particular entre todos os povos. Toda a terra é minha, mas
vós me sereis um reino de sacerdotes e uma nação consagrada. Tais são as
palavras que dirás aos israelitas" (Ex 19, 5-6).
O profeta Isaías
renova esta promessa, aplicando-a aos tempos messiânicos:
"O espírito do Senhor repousa sobre mim, porque o Senhor consagrou-me
pela unção […]; virão estrangeiros apascentar vosso gado miúdo, gente de fora
vos servirá de lavradores e vinhateiros; a vós chamar-vos-ão sacerdotes do
Senhor, de ministros de nosso Deus sereis qualificados" (Is 61, 1-6).
O Apóstolo São Pedro
escreve taxativamente em sua primeira epístola dirigindo-se a todos os
cristãos:
"quais outras pedras vivas, vós também vos tornais os materiais deste
edifício espiritual, um sacerdócio santo, para oferecer vítimas espirituais,
agradáveis a Deus, por Jesus Cristo" (1Pd 2, 5).
E um pouco mais
abaixo:
"Vós, porém, sois uma raça escolhida, um sacerdócio régio, uma nação
santa, um povo adquirido para Deus, a fim de que publiqueis as virtudes daquele
que das trevas vos chamou à sua luz maravilhosa" (1Pd 2, 9).
São Paulo alude
claramente ao sacerdócio dos fiéis, sobretudo quando os exorta a se oferecerem
a Deus em sacrifício:
"Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes
vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: é este o vosso culto
espiritual" (Rm 12, 1).
São João evangelista insiste
repetidas vezes no Apocalipse:
"da parte de Jesus Cristo […],
que nos ama, que nos lavou de nossos pecados no seu sangue e que fez de
nós um reino de sacerdotes para Deus e seu Pai" (Ap 1, 5-6).
"Cantavam um cântico novo, dizendo: Tu és digno de receber o livro e de
abrir-lhe os selos, porque foste imolado e resgataste para Deus, ao preço de
teu sangue, homens de toda tribo, língua, povo e raça; e deles fizeste para
nosso Deus um reino de sacerdotes, que reinam sobre a terra" (Ap 5, 9-10).
Na Sagrada Escritura,
portanto, se encontra claramente expressa a doutrina do sacerdócio real dos
simples fiéis.
Os Santos Padres na Igreja Primitiva
Na unidade da fé e do Batismo formamos uma sociedade indivisível e participamos todos de uma comum dignidade! É muito frequente nos Santos Padres a alusão ao sacerdócio dos fiéis.
Eis
aqui, a título de exemplo, um texto muito expressivo de São Leão Magno
dirigindo-se ao povo de Roma por ocasião do aniversário de sua eleição papal:
"Tendes motivos para
celebrar este aniversário se fosse vosso. Porque, embora a Igreja de Deus
esteja constituída por diversos graus, a integridade de seu sagrado corpo
resulta da união de todos os seus membros. Como diz o Apóstolo, “todos somos um
em Cristo” (Gl 3, 28), e não há um só membro tão separado do ofício de outro
que não esteja unido com ele na unidade da cabeça. Porque a todos os
regenerados em Cristo, o sinal da cruz os faz reis, e a unção do Espírito Santo
os consagra sacerdotes, para que, à parte este especial serviço de nosso
ministério (sua dignidade papal), todos os cristãos espirituais e razoáveis
saibam ser de régia dignidade e partícipes do ofício sacerdotal. De fato, o que há de
mais régio do que, tendo a alma submetida a Deus, ser governante do próprio
corpo? E que outra coisa é mais sacerdotal do que oferecer a Deus uma
consciência pura e oferecer no altar do coração as hóstias imaculadas da
piedade? E sendo tudo isso,
pela graça de Deus, comum a todos, é justo e razoável que vos alegreis no dia
de nossa eleição como se se tratasse de vossa própria honra. Com efeito, em
todo o corpo da Igreja não existe mais do que um só pontificado (o de Cristo),
cuja graça misteriosa, embora se derrame com maior abundância (pelas exigências do ministério) sobre os membros
superiores (o Papa, os bispos, os sacerdotes), nem por isso deixa de fluir sem
parcimônia até os membros inferiores [2].
O Magistério da
Igreja.
O ensinamento oficial da Igreja a respeito do sacerdócio dos fiéis
foi exposto com extraordinária precisão e claridade em nossos dias pelos
imortais pontífices Pio XI e Pio XII. Vejamos alguns textos:
Pio XI, em sua Encíclica Miserentissimus Redemptor,
escreve [3]:
"Não gozam da
participação deste misterioso sacerdócio e deste ofício de satisfazer e
sacrificar somente aqueles de quem Nosso Senhor se serve para oferecer a Deus a
oblação imaculada, do nascente ao poente em todo lugar (cf. Ml 1, 11), senão
que toda a família cristã, chamada com razão pelo Príncipe dos Apóstolos “raça
escolhida, um sacerdócio régio” (1Pd 2, 9), deve, tanto por si mesma como por
todo o gênero humano, oferecer sacrifícios pelos pecados, quase da mesma
maneira que todo sacerdote e pontífice, “escolhido entre os homens e
constituído a favor dos homens como mediador nas coisas que dizem respeito a
Deus” (Hb 5, 1).
Pio XII, em sua magnífica Encíclica "Mediator Dei", expõe amplamente a natureza do
sacerdócio dos fiéis, rechaçando as
imprecisões e exageros que sobre ele vêm-se difundido ultimamente e proclamando
com rigor e exatitude a doutrina verdadeira. Transcrevemos
alguns parágrafos particularmente representativos [4]:
"Com clareza não menor, os ritos e
as orações do sacrifício eucarístico significam e demonstram que a oblação da
vítima é feita pelos sacerdotes em união com o povo".
"De fato, não somente o sagrado
ministro, depois da oferta do pão e do vinho, voltado para o povo diz
explicitamente: “Orai, irmãos, para que 'o meu e o vosso sacrifício' sejam
aceitos junto a Deus-Pai onipotente”, mas ainda as orações com as quais é
oferecida a vítima divina são, além do mais, ditas no plural, e nelas se indica
que também o povo toma parte como ofertante neste augusto sacrifício."
"Diz-se, por exemplo: “Pelos quais
nós te oferecemos, e que eles mesmos te oferecem… Por isso te suplicamos, ó
Senhor, aceitar aplacado esta oferta dos teus servos e de toda a tua família…
Nós, teus servos, como ainda o teu povo santo, oferecemos à tua excelsa
majestade os dons e dádivas que tu mesmo nos deste, a hóstia pura, a hóstia
santa, a hóstia imaculada”.
"Nem é de admirar que os fiéis
sejam elevados a uma tal dignidade. Com a água do Batismo, com efeito, os
cristãos se tornam, a título comum, membros do Corpo místico de Cristo
sacerdote, e, por meio do caráter que se imprime nas suas almas, são delegados ao
culto divino, participando assim, de modo condizente ao próprio estado, do
sacerdócio de Cristo".
A razão teológica
Pio XII destacou com toda precisão no texto que acabamos de citar a razão
teológica fundamental do sacerdócio dos fiéis: o caráter sacramental do
Batismo, completado pelo caráter do sacramento da Confirmação [5].
Não é nenhum erro nem
sequer um “piedoso exagero” falar de um sacerdócio dos fiéis, não em sentido
metafórico, mas num sentido muito real e verdadeiro!
Com efeito, como explica
Santo Tomás e é doutrina comum em teologia, o caráter sacramental não é outra
coisa que um sinal ou um distintivo que fica impresso na alma de maneira
indelével e que nos configura a Cristo sacerdote, dando-nos uma participação
física e formal do seu próprio sacerdócio eterno! Escutemos o Doutor Angélico:
"O caráter é, de modo
geral, um certo selo com que se marca uma pessoa com o fim de ordená-la a um
determinado fim, assim como se marca o dinheiro, para usá-lo no câmbio, ou o
soldado, para associá-lo ao batalhão. Pois bem, o cristão está destinado a duas coisas: A primeira e principal
é a fruição da glória eterna, e para isto ele é marcado com o selo da graça. A
segunda é receber ou administrar às outras pessoas as coisas que pertencem ao
culto de Deus, e para isto ele é marcado com o caráter sacramental. Ora, todos
os ritos da religião cristã derivam do sacerdócio de Cristo. Por isso, é claro
e evidente que o caráter sacramental é o caráter de Cristo, a cujo sacerdócio
se configuram os fiéis segundo os caracteres sacramentais, que não são outra
coisa que certas participações do sacerdócio de Cristo derivadas do mesmo
Cristo" [6].
CONCLUSÃO
Esta participação no
sacerdócio de Cristo começa com o simples caráter batismal, é ampliado e
aperfeiçoado com o da Confirmação e chega à sua plena perfeição com o da Ordem
sagrada. Com relação à Igreja, o batismo nos faz cidadãos seus; a Confirmação,
soldados; a ordem sacerdotal, ministros!
-Com relação à fé, o batizado a
professa! (conforme: Romanos 10,9-13;Lucas 9,26)
-O confirmado a defende! (conforme 1 Ped. 3,15; II Tim. 4,1-5 - ATENÇÃO! "Não seja burro pecando duas vezes, ou seja, fazendo errado e ensinando errado! Para alguns você será o evangelho vivo e único na vida de muitas pessoas!).
-E o sacerdote ordena as coisas que lhe dizem
respeito! (conforme Hebreus 5,1-4).
Referências:
1. Cf. Antonio R. Marín, Jesucristo y la Vida
Cristiana. Madrid: BAC, 1961, pp. 566-570, nn. 552-554.
2. S. Leão Magno, Serm. IV, De natali ipsius
IV, c. 1 (PL 54, 148-149). Os parênteses explicativos são do Pe. Antonio Royo
Marín, bem como as restantes notas abaixo.
3. Pio XI, Encíclica “Miserentissimus
Redemptor”, de 8 mai. 1928 (AAS 20 [1928] 172).
4. Pio XII, Encíclica “Mediator Dei”, de 20
nov. 1947, nn. 78-79 (AAS 39 [1947] 555-556).
5. Que o Batismo, a Confirmação e a Ordem
sacerdotal imprimam caráter na alma de quem recebe validamente estes
sacramentos é uma verdade de fé expressamente definida pelo Concílio de Trento.
6. S. Th. III, q. 63, a. 3, co. Precisamente
porque o caráter é uma mera participação do sacerdócio de Cristo, o mesmo
Cristo não tem caráter sacerdotal. O seu sacerdócio pleno e absoluto está para
o caráter assim como o perfeito e próprio está para o imperfeito e participado.
Postar um comentário
Todos os comentários publicados não significam a adesão às ideias nelas contidas por parte deste apostolado, nem a garantia da ortodoxia de seus conteúdos. Conforme a lei o blog oferece o DIREITO DE RESPOSTA a quem se sentir ofendido(a), desde que a resposta não contenha palavrões e ofensas de cunho pessoal e generalizados. Os comentários serão analisados criteriosamente e poderão ser ignorados e ou, excluídos.