O discurso de
agradecimento de Dom Mariano durante as comemorações dos 50 anos da UERN na
Assembleia Universitária realizada em 28 de setembro de 2018 na cidade de
Mossoró-RN, por ocasião da entrega do título de Professor Honoris Causa a este
mesmo Bispo Diocesano. Ao agradecer o título recebido, o bispo fez
um discurso de agradecimento que se torna doravante, um dos documentos mais
importantes para o reconhecimento da UERN como uma instituição que contribui
decisivamente para o desenvolvimento social e econômico do Rio Grande do Norte.
Reproduzo este discurso aqui na íntegra, pois a sua difusão contribui
para dar conhecimento e esclarecer à sociedade civil sobre a real
importância da manutenção desta universidade, bem como o verdadeiro papel da
academia na sociedade.
DISCURSO DE AGRADECIMENTO
DE D. MARIANO À UERN
Magnífico Reitor
Professor Doutor Pedro Fernandes Ribeiro Neto, Excelentíssima Senhora Prefeita
Doutora Rosalba Ciarlini Rosado,Digníssimas autoridades executivas,
legislativas, judiciárias, acadêmicas, culturais, militares e civis, aqui
presentes ou representadas,Nobres professores e servidores
técnico-administrativos, Distinto corpo discente...
Senhoras e senhores,
“Segundo os historiadores, a Academia nasceu à sombra dos mosteiros
e conventos. Também não foi diferente no Brasil. No dia 11 de agosto de
1827, o Imperador Dom Pedro I assinou um decreto imperial, criando dois cursos
de Direito: um em Olinda (PE) e o outro em São Paulo (SP). A Faculdade de
Olinda foi instalada no Mosteiro de São Bento. Acredita-se que a cidade
pernambucana foi credenciada por conta do Seminário de Olinda, fundado pelo
bispo Azeredo Coutinho, em 1789, cuja excelência das disciplinas ministradas sinalizava
um esboço do ensino superior. A Faculdade de Direito de São Paulo nasceu no
Convento de São Francisco, no largo do mesmo nome, berço de tantos luminares e
renomados juristas. Até então, nossos
estudantes cruzavam o Atlântico para estudar na secular Universidade de
Coimbra. Por causa da independência, os brasileiros passaram a ser
discriminados pelos cidadãos da antiga metrópole.A Universidade, criação medieval, nasceu embalada pelo som dos sinos
abaciais, enquanto síntese do divino e do profano, do transcendente e do
imanente, do douto e do popular. Não foi de outro modo no Rio Grande do Norte e
neste rincão de Santa Luzia. Despontara assim o ensino superior com o intuito de preservar a nossa
cultura, abrir horizontes e contribuir para a solidificação de nossa verdadeira
identidade. A Academia surge com a missão de pensar a brasilidade, partindo de
problemas reais, contextualizada num momento de hostilidade social e política,
bem como menosprezo ao nosso povo. Pode-se verificar que a Academia irrompe
como resposta aos anseios dos jovens e luz para uma nova sociedade.A Igreja, de um modo ou de outro, sempre abrigou a Academia. Nosso
estado segue esta tradição. É importante enfatizar o pioneirismo da Escola de Serviço Social de
Natal, uma marca da Igreja. Em Caicó foi semelhante. Ali, o Centro de Estudos
Superiores do Seridó – CERES, órgão vinculado à Universidade Federal do Rio
Grande do Norte – UFRN foi acolhido e instalado no momento de sua criação pela
diocese seridoense, no antigo prédio do Seminário Cura d´Ars. Vale lembrar que na instalação daquela
unidade da UFRN, a Igreja se fez também presente na pessoa de uma religiosa e
cinco sacerdotes concursados como docentes, dentre os doze que compunham o
clero diocesano da época. Nesta Terra de Santa Luzia, a Universidade nasceu sob
as bênçãos de sua padroeira e da Igreja. A presença marcante de nossos
presbíteros foi decisiva para a criação da Fundação Universidade Regional do
Rio Grande do Norte, precursora da atual UERN. Não há como esquecer o professor
João Batista Cascudo Rodrigues e o prefeito Raimundo Soares de Sousa, que desde
o primeiro momento contaram com as bênçãos e o apoio marcante dos padres
Sátiro, Américo, Alfredo, Raimundo Gurgel, José Freire, Francisco Sales,
Hamilcar e Alcir, José Nobre, Edson Cabral e Raimundo Oswaldo. Mais de um terço
de nosso clero estava no nascedouro da Universidade Regional do Rio Grande do
Norte e estão entre os pioneiros desta importante instituição universitária,
como docentes fundadores.Ficarão gravados o brilho, o empenho e a dedicação de nosso ícone maior
da educação, o abnegado apóstolo do ensino de qualidade, nosso querido Padre
Sátiro Dantas Cavalcanti. Por seus esforços, enquanto reitor, a UERN foi
estadualizada e devidamente reconhecida pelo Ministério da Educação pela
Portaria Ministerial 874/93, posteriormente credenciada ex-vi do Decreto
24.748/2014, assinado pela eminente mossoroense Dra. Rosalba Ciarlini Rosado,
quando governadora do estado e recredenciada recentemente pelo Decreto Nº
27.902/2018, como determinam as normas vigentes.A Universidade tem uma grande responsabilidade e seu papel é relevante
perante a sociedade. Importa citar dentre tantas realizações, a formação dos
educadores das instituições de ensino públicas e privadas, de nível fundamental
e médio deste estado. Os licenciados, diplomados pela UERN atingem mais de oitenta por cento
dos graduados que compõem a nominata dos professores listados em processos que
visam à autorização de cursos localizados no oeste potiguar e tramitam na
Secretaria de Estado da Educação e da Cultura e no egrégio Conselho Estadual de
Educação. É oportuno lembrar que os primeiros cursos de Medicina e Odontologia,
em cidades do interior do Rio Grande do Norte, longe da Capital, foram criados
e continuam ministrados pela UERN.Dados do INSTITUTO DE PESQUISA
ECONÔMICA APLICADA – IPEA e do FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA – FBSP
informam que, em 2017, ocorreram no Brasil mais de 60.000 homicídios, estando
os jovens entre as principais vítimas. Em cada dez pessoas assassinadas no
mundo, uma é brasileira. Dentre várias causas, os especialistas apontam a baixa
escolaridade. OBSERVATÓRIO DA VIOLÊNCIA DO RIO GRANDE DO NORTE – OBVIO
registrou, em 2017, neste estado, 2408 mortes oriundas de condutas letais intencionais,
das quais 90% são jovens. Neste cenário
triste e desumano, surge a UERN como um farol de esperança. No ano passado, ela
diplomou cerca de 1.500 alunos, tornando-os aptos à inserção no mercado de
trabalho, contribuindo assim para diminuir a nefasta estatística das mortes. É
importante que isto seja registrado. Segundo análises analisadas, o graduado de
nível superior tem 40% a menos de chance de ser vítima da violência. Cabe
afirmar que a educação torna-se um dos antídotos contra essa realidade deletéria.
A Universidade deve
ser a transmissora da ética e da liberdade. Liberdade para pensar, criar,
ensinar, criticar e construir. Não se pode esquecer que ela lida com o saber. E
este é livre. No entanto, procura-se,
não raro, encarcerar a Academia nos grilhões das ideologias e de outros
interesses alheios à missão acadêmica. Já no Estado Novo, ao ser promulgado
o estatuto do magistério superior, afirmava-se a imprescindível autonomia
universitária, como expressão da liberdade. Ela é inarredável para que possa
exercer plenamente suas funções e cumprir sua autêntica vocação. Autonomia
entendida não como privilégio ou soberania, e sim como prerrogativa de
responsabilidade e criatividade, independência e distância de tudo aquilo que busca manipular o pensar e o saber.
(Eis o risco da educação politizada)
A UERN foi pioneira na tarefa de
interiorizar o ensino superior. Já no ato de seu reconhecimento, há vinte e
cinco anos, contava com Campi situados em Assú, Patu e Pau dos Ferros,
demonstrando compromisso com as comunidades mais distantes, sequiosas do saber
e do fazer. Vale enfatizar que a UERN, ao longo desses cinquenta anos de
história de educação, tem procurado ir até o povo. Vem provando a sua
responsabilidade social de Universidade para todos. Assim, a Igreja de Mossoró deseja
agradecer. E nosso agradecimento é proferido também em nome de todos os que
hoje são homenageados com diversas distinções.Sabe-se que a sociedade hodierna
vive momentos de transformação decorrentes da necessidade de compatibilizar ou
mudar valores de uma ordem mundial em transição, na chamada Era do Saber, da
Informação e Automação. Neste contexto, a Academia não é exceção. Há um
consenso sobre a importância da Universidade para o desenvolvimento de nosso
país, não obstante os custos das atividades relacionadas diretamente com a produção
do saber inovador. A visão de
Universidade secular – à qual cabe proteger o conhecimento, a ciência e a
pesquisa – tem sido confrontada com outra. E segundo ela, a Universidade
seria uma instituição criada para atender às demandas de uma sociedade
impulsionada cada vez mais pela economia de mercado. Mesmo diante de tais
pressões, a UERN tem procurado exercer
sua vocação histórica e manter a liberdade de pensar e gerar novos
conhecimentos, que lhe são característicos. Assim, participa da efetiva melhoria
da qualidade de vida dos habitantes do oeste potiguar e parte de outras regiões
norte-rio-grandenses. O custo operacional das atividades da UERN e a crescente
complexidade da produção científica têm obrigado nossa Universidade a refletir
sobre a necessidade da elaboração de um novo projeto acadêmico, político e
administrativo para assegurar os recursos públicos, que garantam seu
funcionamento adequado e justo. Manter a identidade da Universidade – enquanto
propicia efetivamente saberes e desencadeia o desenvolvimento humano, social e
econômico – vem sendo o novo desafio da UERN.Hoje, pode-se verificar que as
necessidades colocadas pela democratização do ensino, em termos de
investimentos expressivos em infraestrutura e recursos humanos, nem sempre são
atendidas em patamares adequados. É
sabido que a UERN tem sido chamada a promover a inclusão social, dialogar com o
setor produtivo, reformular grades curriculares, criar novos cursos, estreitar
os laços com a sociedade e participar mais ativamente do desenvolvimento
humano, social e econômico. Percebe-se, portanto, que esta Universidade tem
se deparado com diferentes demandas e
isso a tem forçado a repensar e redefinir o seu papel, em busca de um modelo
que dê conta de sua missão e das expectativas da sociedade. E aqui,
queremos como pastor estender a mão da Igreja. Hoje, tentamos também responder
a estes desafios e problemas por meio de nossa querida Faculdade Católica do
Rio Grande do Norte. E deste modo, de mãos dadas, possamos firmar uma parceria
frutífera, em que se pensam o homem e a sociedade.
|
(D. Mariano e padres da Diocese de Mossoró-RN) |
O título que agora recebemos é acima de tudo uma homenagem à Igreja e ao
clero mossoroense. A eles dedicamos esta honraria em reconhecimento ao seu
empenho em prol da vida acadêmica e universitária. Queremos mais uma vez expressar
nosso agradecimento, não somente o meu, mas o de todos os agraciados hoje com
as honrarias e distinções acadêmicas. O título concedido é a proclamação da
partilha dos sonhos e desejos, dos projetos e realizações desse marco da Educação
potiguar: a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Muito obrigado. Deus
abençoe a todos e Santa Luzia ilumine a caminhada da UERN!”
Mossoró, 28 de
setembro de 2018. Dom Mariano Manzana-Bispo Diocesano
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