A
greve, direito fundamental e instrumental do trabalhador, pode ser conceituada
como a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de
prestação pessoal de serviços a empregador(art. 2º, Lei n. 7.783/89).
Não raro surgem
nomenclaturas para certos tipos de greve. É de extrema importância o
conhecimento dessas alcunhas. Vamos a elas:
1)- Greve branca ou de braços cruzados: é aquela em que os
empregados param de trabalhar, mas ficam em seus postos.
2)- Greve de braços caídos ou operação tartaruga: os trabalhadores
realizam o trabalho com lentidão. Consiste na redução do trabalho ou da
produção, sem que haja suspensão coletiva do trabalho.
3)- Greve de zelo: a tônica é o excesso de cuidado e
capricho na prestação do serviço. É o excesso de zelo praticado nos afazeres de
forma tão meticulosa que retarda a produção, causando graves prejuízos. (obs.:
para alguns, a “operação tartaruga” e a “greve de zelo” não são consideradas
greve em sentido técnico e jurídico, pois não há a paralisação do serviço).
4)- Greve de ocupação ou de habitação: invasão da empresa
para impedir o trabalho de outros trabalhadores (que se recusam a aderir ao
movimento); a tentativa de paralisação da produção; a recusa de sair da
empresa, mesmo após o expediente. É considerada ilícita ou abusiva (salvo
posição de Godinho, que a considera lícita).
5)- Greve selvagem: iniciada e/ou levada
adiante espontaneamente pelos trabalhadores, sem a participação ou à revelia do
sindicato que representa a classe. Cuidado para não confundir com sabotagem, que é a
prática depredatória de bens do empregador por parte dos empregados, sendo que
esta última obviamente é ilícita.
6)- Greve ativa: consiste em acelerar exageradamente o
ritmo de trabalho.
7)- Greve de advertência: suspensão do trabalho
por algumas horas, no intuito de alertar o empregador de que um movimento maior
pode ser deflagrado.
8)- Greve intermitente: a cada dia num setor
da empresa.
9)- Greve nevrálgica ou greve-trombose ou greve tampão ou
greve seletiva:
greve em determinado setor estratégico, cuja inatividade paralisa os demais
setores.
10)- Greve
Política: A greve exclusivamente
política é vedada pela lei, sendo diferente a greve político-trabalhista, de
conteúdo profissional. Assim, são permitidas desde que voltadas para a defesa
de interesses trabalhista-profissionais, como por exemplo, uma greve-protesto
dos trabalhadores contra a política econômica empreendida pelo governo, com
claros e graves prejuízos para os trabalhadores, com diminuição do ritmo de
crescimento econômico e consequente desemprego em massa. Lembrando que existem
autores que não admitem sequer a greve político-trabalhista.
11)- Greve de Solidariedade: é a greve que se
insere em outra empreendida por outros trabalhadores, devendo haver relação de
interesses entre as categorias. Exemplo uma paralisação de trabalho empreendida
por trabalhadores de uma filial em apoio a uma greve dos trabalhadores da
matriz, cujas reivindicações, sequencialmente, serão encampadas pelos
empregados de uma filial, quando estes terão legitimidade para paralisar suas
atividades em solidariedade aos companheiros de trabalho daquela.
Agora, já está entendido que há greves e greves. Servidor que cruza os
braços à custa do sossego do público, à margem da lei, com remuneração dos dias
parados e sem o risco do desemprego, esse servidor não faz greve. Inscreve-se
numa colônia de férias.
As greves sempre provocam
certa comoção social na medida em que fazem emergir ao nível do olhar do
observador comum o vulto ameaçador do conflito entre capital e trabalho que,
nos dias normais, fica encerrado nas sombras. Para quem está no andar de cima,
é muito reconfortante não ver e fazer de conta de não saber o que ocorre no
andar de baixo. Na medida em que a tensão aparece à luz do dia, o mundo que parecia
pacífico fica parecendo instável e o fenômeno, embora constituindo o regular
exercício de um direito constitucionalmente atribuído, adquire a aparência de
infração às regras do jogo que regulam a ordem jurídica. Esta sensação, que é
decorrência de uma visão de mundo conservadora, fica ainda mais aguda quando se
cuida de uma greve de natureza política.
A inquietação conduz a uma interpretação restritiva
da lei, como sugere José Carlos Arouca:
"A greve
política, finalmente, foge da conceituação tradicional, perdendo a natureza
contratual que deva situar-se numa
esfera que envolve empresa,Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho
para contrapor trabalhadores e o Estado, como legítima expressão de um direito
coletivo classista. Claro está que a avaliação do acerto ou não da medida
sempre dependerá da ideologia dos críticos e da posição assumida à direita ou à
esquerda."
Em síntese, sob esta abordagem, a
legalidade da greve política dependeria da visão política do intérprete:
Sem negar a razoabilidade deste raciocínio,
todavia, parece-nos que as restrições a este tipo de prática coletiva
constituem resquícios da cultura jurídica anterior à CF-88 e não se renovam
porque a raríssima ocorrência deste tipo de evento deixa adormecido o debate
respectivo.A reflexão a respeito deste tema anda um tanto esquecida, até
porque, na última década, o refluxo do movimento de massas no Brasil implicou
na progressiva redução do número de greves. A greve de natureza política que,
de per si, já era uma ave rara, assumiu até a aparência de
espécie em extinção.
A retomada desta questão,
todavia, nos é sugerida por recente ementa do TRT02 (processo 20258200600002005):
"O movimento de
paralisação dos serviços qualificados no artigo 9º da Constituição Federal tem
de estar vinculado à reivindicação contida no contrato de trabalho. Esta é a
materialidade necessária, para que se possa falar em greve. Se a paralisação dos serviços ocorreu por
motivação política, a "greve", por mais justa que possa parecer, deve
ser considerada materialmente abusiva’’. (AC SDC 00052/2007-9 - PROC 20258200600002005 - Nelson Nazar -
Relator. DJ/SP de 02/04/2007).
Para o acórdão respectivo, o
nervo da questão repousa em que:
"o direito de greve não pode ser utilizado como instrumento de
manobra para a defesa de posições políticas ou ideológicas".
Sob esta óptica, o interesse a ser defendido por
meio da greve tem que ser contido no contrato de trabalho. Aliás, a
jurisprudência sobre o tema, apesar de ser bastante escassa, bate insistentemente
sobre esta tecla, como se verá no exame dos julgados mais recentes, que
remontam, por sinal, há uns dez anos atrás. No TRT02, encontramos somente este
outro julgado:
"O
direito de greve é limitado pelo sistema constitucional a questões que tenham
relevância para a coletividade dos empregados, em razão dos pleitos que desejam
postular do empregador. Motivações de ordem política não devem ensejar
paralisações, sob pena de serem elas materialmente abusivas, haja vista que o
direito de greve não é ilimitado."(Processo Nº: 00374/1997-3 ANO:
1997 SDC Relator Juiz Nelson Nazar).
Da mesma época, a seguinte ementa
oriunda do TRT15:
"Greve política,
como forma de pressão ao atendimento de reivindicações junto aos Poderes
Legislativo e Executivo do Município. Segundo o disposto no art. 1º da Lei
7.783/89, compete aos trabalhadores decidir sobre os interesses que devam por
meio da greve perseguir, existindo
limitação somente no que diz respeito a objetivos estranhos à categoria
profissional. No caso dos autos, não existe qualquer reivindicação da
categoria que possa ser atendida pelo empregador." (TRT15
Acórdão:000660/1998 de 01/12/1999 Relator: Edison Laércio de Oliveira).
Os pressupostos que dão
embasamento a este entendimento pretoriano tão difundido, como se vê,
repousavam em dois pontos:
a) a greve é um direito que tem caráter contratual
e que só pode ser usado como meio de solução de conflito nas relações de
trabalho;
b) a lei 7783/89 deu respaldo a este pensamento,
estipulando em seu artigo 3º que o direito só pode ser exercido para resolver
impasse da negociação coletiva ("frustrada a negociação...").
Encontramos no episódio, portanto, uma boa
oportunidade para avaliar esta tendência jurisprudencial que reflete à reflexão
acumulada no período anterior à Assembléia Nacional Constituinte de 1988. No
ordenamento jurídico implantado pela CF-88, o cenário sofreu radical
reviravolta em termos de direito positivo. A ordem jurídica, que chegava a
definir como crime a greve política, optou por reger-se pela norma liberal
estabelecida no artigo 9º da carta política:
"É
assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a
oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele
defender".
A partir de tal redação, podemos
perceber os seguintes pontos centrais:
a) os trabalhadores têm direito de greve para
defender interesses;
b) a eles incumbe decidir quais interesses devem
ser objeto do exercício de tal direito.
O interesse é um desejo do sujeito jurídico.
Não é aquilo que lhe é devido por lei ou por contrato, mas aquilo que o agente
pretende obter em razão de considerar justa a sua pretensão. Esta nova redação
tem provocado a revisão de conceitos. Veja-se, por exemplo, a clássica obra de
Orlando Gomes e Élson Gottschalk, na versão atualizada por José
Augusto Rodrigues Pinto:
"pelo texto amplo acima resumido, não há
como proibir greves atípicas como a de protesto, solidariedade, geral,
tartaruga, etc., sendo duvidosa a constitucionalidade da greve política de
interesses não profissionais etc.".
Veja-se nas entrelinhas a lucidez em relação à
clareza do comando contido na nova redação constitucional, em conflito com a
restrição arraigada às greves políticas – o que se torna evidente se atentarmos
que é admitida a greve geral mas se vê como duvidosa a greve política. Esta
reticência vai sendo abandonada em obras mais recentes. Na mesma direção,
Amauri Mascaro Nascimento:
"Quanto aos fins, a
motivação da greve é confiada aos próprios trabalhadores, cabendo-lhes definir
a oportunidade e os interesses a defender através do exercício do direito de
greve. Porem, as greves de política
pura, que são as insurrecionais, contrariam o princípio do artigo 136 da
Constituição que dispõe sobre a defesa do Estado. Não é semelhante o que
ocorre com as greves de política trabalhista, como aquelas que se destinam a
reivindicar a adoção de uma política salarial favorável aos assalariados. As
greves de solidariedade, a rigor, não são proibidas pela Constituição. São
aquelas em que os trabalhadores paralisam os serviços não porque tenham um
pleito próprio, mas em apoio a reivindicação de terceiros".
A restrição que se coloca à greve de natureza
política, portanto, veio se reduzindo no campo doutrinário até cingir-se à
mencionada "greve insurrecional". No entanto, como definir o que seja
esta figura tão atípica? A maioria dos autores reporta-se a Carlos Monis Lopes:
"Entende-se por greve
política, em sentido amplo, a dirigida contra os poderes públicos para
conseguir determinadas reivindicações não susceptíveis
de negociação coletiva. Ou, mais genericamente ainda, a digerida contra os
poderes públicos nacionais ou estrangeiros. Dentro deste amplo conceito de greve política estão incluídas:
a) as greves revolucionárias ou insurrecionais que,
necessariamente, são gerais;
b) as greves políticas puras, não insurrecionais.
Estas, por sua vez, podem ser gerais ou parciais. Podem ir contra o Parlamento,
o Governo (nacional ou estrangeiro), uma autoridade pública (nacional ou
estrangeira) ou os tribunais. Podem consistir, finalmente, em simples greves de
protestos, de certa duração e com finalidade demonstrativa ou em greves de luta
de maior duração; e
c) as greves de imposição econômico-política ou
mistas, nas quais aparecem mesclados claramente os motivos profissionais e os
políticos. Típicas greves mistas seriam aquelas dirigidas contra a política
econômica do governo (políticas de rendimentos e salários, política de emprego
etc.), as greves político-sindicais (garantias de atuação sindical) ou, num
outro extremo, as greves motivadas pela luta por reforma (habitações adequadas,
sistema fiscal redistributivo, dotação devida ao sistema educacional,
transportes coletivos suficientes etc.)."
O pensamento vislumbrado neste texto consiste em
enxergar como insurrecional somente aquela greve de caráter geral que pretende
a derrubada do Estado, ou seja, das instituições democráticas republicanas.
Nota-se aí a distinção bem clara entre a greve política pura, aceita
pela doutrina e a greve política insurrecional.
Na mesma tecla, bate o Italiano Gino
Giugni:
"Constituem, portanto, legítimo exercício
do direito também aquelas greves – normalmente decorrentes da prática sindical
– que são realizadas para solicitar
intervenções para a ocupação, ou aquelas que são declaradas para sustentar
reformas sociais como as reformas da casa, dos transportes, da saúde etc.;
todas estas greves são caracterizadas com o fim de tutelas interesses que podem
ser satisfeitos somente por atos legislativos ou de governo central ou local;
portanto, substanciam pressão realizada em relação ao poder político."
No caso de greve dos empregados de uma estatal,
voltada para opor-se à iminente privatização, o Tribunal Superior do Trabalho
entendeu que não se poderia considerar como política a paralisação em tais
circunstâncias, porque, ainda que, indiretamente, seria uma greve trabalhista:
"Em tal contexto, é óbvio que a mudança na
estrutura do Banco interessa e muito aos empregados, pois não se cuidará de uma
mera troca de empregadores, mas de alteração da própria natureza jurídica do
Banco, tendo em vista que o empregado deixará de fazer parte da administração
pública indireta para se vincular a um empregador privado, cuja política de
pessoal costuma ser menos favorável ao trabalhador. Tais fatos demonstram o legítimo interesse dos empregados em discutir
esse processo e procurar formular reivindicações para protegê-los. Nesse contexto,
a greve deflagrada não tem nenhum caráter político, e sim trabalhista, estando
autorizada, em conseqüência, pelo art. 14, parágrafo único, II, da Lei de
Greve" (TST-RODC 781712 DJ - 23/04/2004 Relator José Luciano Castilho
Pereira).
A visão da greve exclusivamente como uma
forma de desdobramento da negociação coletiva esbarra frontalmente com a atual
redação da Carta Magna e, portanto, não pode subsistir. É preciso aceitar, de
vez, que a Assembléia Nacional Constituinte de 1988 deliberou que a greve é uma
forma de pressão social que os trabalhadores dispõem para defender seus
interesses e eles é que decidem
quais são os seus interesses. O despertar para a Constituição, muitas
vezes, é lento mas, confiamos em que tal compreensão terminará por impor-se.
As greves políticas espontâneas são
aquelas que surgem no interior do movimento operário sem ideação anterior de
nenhum tipo de direção, porém a sua objetivação provoca óbices ao Estado seja
por atingi-lo nos seus fundamentos econômicos, seja por contribuir para desorganizar
seus elementos superestruturais. De outro modo a greve política pode já no
seu nascedouro ter sido pensada por um núcleo dirigente, seja do movimento
operário e/ou partidário, com a vontade expressa de provocar estorvo à ossatura
estatal.
Por fim, é importante
reafirmar que as greves têm se modificado ao longo dos anos acompanhando as
transformações no grande cenário sócio-político-econômico. Suas determinações, denominações,
táticas e finalidades adquirem novos contornos, se conformam aos interesses dos
novos atores sociais quando de suas ações coletivas.
Na contemporaneidade o
conceito de greve política, não pode ser mais percebido como outrora, por ter
ou não capacidade de derrubar o Estado, o conceito se ampliou. Não obstante
toda sorte de mudanças as greves permanecem sendo um fundamental instrumento da
Classe Trabalhadora por conquistas e/ou defesa dos seus direitos.
A greve como efetivação
da ação coletiva descortina o âmago da sociedade do capital, anuncia ao conjunto
social os limites da democracia e do Estado. Durante o enfrentamento os grevistas
podem, de forma mais clara, compreender quem são seus aliados e quais os seus
adversários com interesses contrários à classe trabalhadora. Porém, é necessário que toda luta respeite os direitos e
deveres de um legítimo estado democrático e a Constituição Federal.
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