Pergunta que não quer calar: “Os documentos do Magistério da Igreja já
condenaram inúmeras vezes o projeto marxista para a sociedade. Qual é, então, a
proposta da Igreja? O único caminho é o capitalismo e o projeto neoliberal?”
A princípio, é importante explicar brevemente quais as
forças ideológicas que têm conduzido o mundo nos últimos anos:
1)- Em primeiro
lugar, há o liberalismo – hoje também chamado de neoliberalismo –, que defende,
em resumo, o livre mercado e a não intervenção do Estado na economia.
3)- Há também o
socialismo,
tal como concebido por Karl Marx, para o qual o liberalismo, na marcha da
história, oprimiria de tal modo os trabalhadores, que esses se revoltariam,
abolindo, por fim, o mercado e a propriedade privada. Uma vez errada essa
previsão, o pensamento marxista se dividiu em duas correntes: o leninismo, que
propõe a mesma revolução pelo uso da força; e a guerra cultural, que defende
uma transformação da cultura e o controle do Estado sobre o mercado.
4)- O
nacional-socialismo, que é uma espécie de socialismo com tons messiânicos,
está temporariamente desativado.
Em todas essas opções reside um erro fundamental:
“Seja liberalismo, seja socialismo, todos esses sistemas estão
excessivamente preocupados com a economia, como se ela fosse a realidade única
e mais importante de uma sociedade.”
O Catecismo da Igreja Católica é bem claro a esse
respeito, quando explica que:
“todo sistema segundo o qual as relações sociais seriam inteiramente
determinadas pelos fatores econômicos é contrário à natureza da pessoa humana e
de seus atos” [1].
Por outro lado, a
Doutrina Social da Igreja não adota um sistema específico ou um “misto”, por
assim dizer, entre o liberalismo e o socialismo. O que ela propõe é uma
realidade de “outra” ordem, para além da mentalidade materialista predominante
hoje.Mas, antes de
explicar o que ensina a Doutrina Social da Igreja, importa entender como a
sociedade foi historicamente se centralizando em torno da economia:Tudo começou na
Inglaterra, com o advento do moderno sistema bancário. Com o Banco Central
financiando diretamente o crescimento das indústrias, iniciou-se uma produção
em massa de riquezas, que criou a ilusão de que tudo se explica em torno do
dinheiro.Karl Marx, ao invés de desmontar essa mentira, aceitou a premissa
liberal – basta pensar na ideia que fazia de “infraestrutura” – e, a partir
dela, construiu o seu pensamento. Os Estados Unidos, embora seja considerado o
“berço” do capitalismo liberal, começou como uma sociedade agrária e
pré-industrial e não foi edificado na obsessão do dinheiro. Pelo menos na sua
fundação – hoje, as coisas são diferentes –, o que importavam eram as “virtudes
cívicas” – relacionadas à busca do bem comum –, expostas principalmente na obra
“O Espírito das Leis”, de Montesquieu.Em relação ao que
propõe a Doutrina Social da Igreja, essa situação já é decadente, mas,
comparada à obsessão econômica que começaria na Revolução Industrial, trata-se
de algo melhor.
Com base nisso, o que propõe o Magistério?
1)- Primeiro, quando
se fala da Doutrina Social da Igreja, fala-se de algo que brota diretamente do
Evangelho.A Igreja não tem uma receita pronta de como montar um Estado, um governo
ou uma administração. Ela simplesmente “propõe princípios de reflexão,
apresenta critérios de juízo, orienta para a ação” [2].Nesse sentido, a fé cristã é bem diferente do islamismo:Este já nasceu com um
projeto político bem determinado – o profeta Maomé mesmo era um líder militar;
o Cristianismo limita-se a oferecer uma luz às realidades sociais, sem fórmulas
prontas.
2)- Segundo, para a
Igreja, a base que agrega a sociedade não é a economia, nem as “virtudes
cívicas”, mas a família. Por isso, a importância de lutar pela sua preservação.Santo Tomás de Aquino, ao responder “se foi útil que
algumas leis tenham sido impostas pelos homens”, responde o seguinte: “Como fica claro pelo que foi
dito, está presente no homem, naturalmente, a aptidão para a virtude; ora, é
necessário que a própria perfeição da virtude sobrevenha ao homem por meio de
alguma disciplina [3]. Assim como vemos que o homem recorre a alguma indústria
em suas necessidades, por exemplo, no alimento e no vestir, cujos inícios tem
ele pela natureza, a saber, a razão e as mãos, mas não o próprio complemento,
como os demais animais, aos quais a natureza deu suficientemente cobertura e
alimento. Para essa disciplina, porém, o homem não se acha por si mesmo
suficiente, com facilidade. Porque a
perfeição da virtude consiste principalmente em afastar o homem dos prazeres
indevidos, aos quais os homens são inclinados principalmente e maximamente os
jovens em relação aos quais a disciplina é mais eficaz. E assim é necessário
que os homens obtenham tal disciplina por outro, por meio da qual se chega à
virtude. E certamente quanto àqueles jovens inclinados aos atos das
virtudes em razão de uma boa disposição da natureza, do costume ou, mais ainda,
do dom divino, é suficiente a disciplina paterna, que se faz mediante os
conselhos [sufficit disciplina paterna, quae est per monitiones]. Mas, porque se encontram alguns impudentes
e inclinados ao vício, os quais não podem ser movidos facilmente com palavras,
foi necessário que pela força e pelo medo fossem coibidos do mal, de modo que,
ao menos desistindo assim de fazer o mal, aos outros tornassem tranquila a
vida, e os mesmos, por fim, por força de tal costume, fossem conduzidos a fazer
voluntariamente o que antes cumpriam por medo, e assim se tornassem virtuosos.
Tal disciplina, obrigando por meio da pena, é a disciplina das leis.
Portanto, foi necessário que as leis fossem impostas para a paz dos homens e a
virtude, porque, como diz o Filósofo, ‘assim como o homem, se é perfeito na
virtude, é o melhor dos animais, assim, se é separado da lei e da justiça, é o
pior de todos’, uma vez que o homem tem a arma da razão para satisfazer suas
concupiscências e sevícias, que os outros animais não tem.” [4]
Em uma sociedade virtuosa, assim como em uma família, as
pessoas são educadas a partir de conselhos paternos:
Veja-se, por exemplo,
como a vida monástica floresceu no começo da Igreja. Santo Atanásio conta que
Santo Antão, depois de um longo período de solidão e penitência no deserto –
algo em torno de vinte anos –, foi como que obrigado a sair de sua reclusão,
pois “havia muitos que ansiavam e aspiravam imitar sua santa vida”. Confortando
e reconciliando as pessoas, Antão exortava “a todos a nada preferir neste mundo
ao amor de Cristo”, induzindo “muitos a abraçar a vida monástica” [5]. “Na
medida em que sua mensagem arrastava homens após ele – escreve, ainda, Atanásio
–, o número de celas monásticas multiplicava-se, e era para todos como pai e
guia” [6] – como em uma família, complemente-se. O projeto da Igreja é, pois, construir uma sociedade, não obcecada com o
dinheiro, mas baseada na virtude, nos conselhos e no amor familiar. Essa é a
autêntica “civilização do amor” de que tanto se fala. Mais do que assimilar
meras “virtudes cívicas” – o que, sem dúvida, já é um grande passo –, importa
que as pessoas e as instituições sejam evangelizadas, aprendam a viver a
virtude e, deste modo, a sociedade se tornará cada vez melhor. Vê-se logo como a
natureza da sociedade, tal como colocada pelo Magistério da Igreja, é de ordem
completamente diferente do que consta nos projetos dos partidos políticos
atuais.
Ensina ainda o Catecismo da Igreja Católica:
“A Igreja tem
rejeitado as ideologias totalitárias e ateias associadas, nos tempos modernos,
ao ‘comunismo’ ou ao ‘socialismo’. Além disso, na prática do “capitalismo”, ela
recusou o individualismo e o primado absoluto da lei do mercado sobre o
trabalho humano. A regulamentação da economia exclusivamente por meio
do planejamento centralizado perverte na base os vínculos sociais; sua
regulamentação unicamente pela lei do mercado vai contra a justiça social,
‘pois há muitas necessidades humanas que não podem ser atendidas pelo mercado’.
É
preciso preconizar uma regulamentação racional do mercado e das iniciativas
econômicas, de acordo com uma justa hierarquia dos valores e em vista do bem
comum.” [7] A rejeição da Igreja
ao socialismo não significa necessariamente que ela opte pelo capitalismo. É evidente que a
liberdade de mercado é necessária, mas não sem certa intervenção do Estado.
O Papa São João Paulo II, na encíclica Centesimus Annus,
esclarece:
“Voltando agora à
questão inicial: pode-se porventura dizer que, após a falência do comunismo, o
sistema social vencedor é o capitalismo e que para ele se devem encaminhar os
esforços dos Países que procuram reconstruir as suas economias e a sua
sociedade? É, porventura, este o modelo que se deve propor aos Países do Terceiro
Mundo, que procuram a estrada do verdadeiro progresso econômico e civil?” A resposta apresenta-se obviamente complexa: “Se por ‘capitalismo’ se indica
um sistema econômico que reconhece o papel fundamental e positivo da empresa,
do mercado, da propriedade privada e da consequente responsabilidade pelos
meios de produção, da livre criatividade humana no setor da economia, a
resposta é certamente positiva, embora talvez fosse mais apropriado falar de
‘economia de empresa’, ou de ‘economia de mercado’, ou simplesmente de ‘economia
livre’. Mas se por ‘capitalismo’ se
entende um sistema onde a liberdade no setor da economia não está enquadrada
num sólido contexto jurídico que a coloque ao serviço da liberdade humana
integral e a considere como uma particular dimensão desta liberdade, cujo
centro seja ético e religioso, então a resposta é sem dúvida negativa.” [8]
Hoje, o Brasil e o mundo estão voltados para a realidade
econômica:
As pessoas tomam suas
decisões olhando tão somente para a própria carteira. A solução imediata para
esse problema deve ser cuidadosamente discutida, mas, a médio e longo prazo, é
preciso evangelizar, retomar o que os missionários católicos começaram há 500
anos no Brasil, a fim de que ele volte a ser Terra de Santa Cruz.
Referências:
1.Catecismo da Igreja Católica, 2423
2.Idem
3.A palavra disciplina, em latim, embora
esteja traduzida simplesmente como “disciplina”, tem mais que ver com
“educação”.
4.Suma Teológica, I-II, q. 95, a. 1
5.Vida e Conversão de Santo Antão,1,14
6.Ibidem, 1, 15
7.Catecismo da Igreja Católica, 2425
8.Centesimus Annus, 42
Fonte: Pe. Paulo
Ricardo
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