O que dizem de Chesterton?
-“Crianchesterton” (PE. J.O’Connor): Um “Pai da Igreja, forçado pela necessidade dos tempos e do mistério a
pregar num estilo burlesco às multidões dos céticos e dos gaudérios”, um novo
“Abram de Domenico Cavalca, que enfiou um capuz sobre a armadura e ataviou-se
com belas vestes, para entrar no local de perdição a fim de converter a
sobrinha”, um “bispo vestido palhaço“ (E. Cecchi).
-Um “gênio colossal, o Chesterbelloc” (G.B.Shaw),
-“Tão alegre que se poderia quase ficar tentando a
acreditar que ele de fato encontrou Deus” (F. Kafka),
-“Um presente oferecido à
comunidade católica (e a toda humanidade) diretamente por Deus” (Cardeal G.
Biffi),
-“Um dos melhores que existem” (E. Hemingway),
-“Talvez nenhum autor me
tenha proporcionado tantas horas felizes como Chesterton” (J. L. Borges),
-“Defensor fidei” (papa Pio XI).
Partindo das mil maneiras utilizadas para definir esse homem, logo
perceberemos que "estamos diante de um gênio", um homem excepcional sob todos os
pontos de vista!
Gilbert Keith Chesterton foi excepcional de verdade. Em sua Autobiography ele afirma, mostrando toda sua personalidade amável e polêmica,
humorística e cheia de alegria: “Curvando-me com certa credulidade, como costumo fazer, ante a mera
autoridade e a tradição de meus antepassados, fruindo superticiosamente uma
história que, quando aconteceu, não me foi possível controlar como experiência
pessoal, tenho a mais convicta opinião de ter nascido no dia 29 de maio de
1874, em Campden Hill, Kensington, e de ter sido batizado, segundo as fórmulas
da Igreja Anglicana, na igrejinha de São Jorge, situada na frente da torre da
caixa d’água que domina aquela paisagem elevada.”
Mas de
onde provêm essa personalidade tão vivaz e essa alegria profunda e contagiante
que deixaram nos leitores marca tão forte?
A pergunta se faz
óbvia diante de homens de tal quilate. Tudo leva a pensar que se trata de um
presente, como diz o cardeal Biffi, um presente inesperado. É como uma semente
caída numa terra que não esperava outra coisa. Uma feliz intuição de liberdade
da razão e otimismo em relação à vida; germina num contexto familiar afetuoso e
receptivo ao bom, cresce primeiro nas margens e depois no lugar onde tudo isso
se sente em casa, a Igreja. Assim nasce um autêntico gênio do pensamento e da
vida, Chesterton.
Nasce numa família não
comum:
O pai Edward trabalha
no setor imobiliário, sócio com seu irmão Sidney de uma agência que existe até
hoje; sereno e despreocupado, transmite aos filhos o amor pela arte e
literatura, o gosto pelo fantástico e uma desenfreada paixão por brinquedos, em
primeiro lugar pelo teatro de marionetes. “Inglês no grau máximo”, uma espécie
de Sr. Pickwick, dirá Gilbert; liberal e unitarista, mais propenso às
discussões que ao fervor religioso.A mãe é Marie Louise Grosjean, cujo pai era
suíço (pregador leigo calvinista) e a mãe escocesa. A avó escocesa é que vai
abrir para Gilbert as portas do “ensolarado país das fábulas”, para o ele
tecerá pela primeira vez em The Defendant [O réu] e ao qual atribuirá um
fundamental valor moral e teórico em Ortodoxia. Terá a seu lado outro irmão,
Cecil, ele também jornalista, nas batalhas jornalísticas e culturais.Sua infância é serena, cheia de brinquedos e de afeto; não brilha de
modo especial nos estudos e no fim da escola superior precisa acertar as contas
especial nos estudos e no fim da escola superior precisa acertar as contas com
a solidão e a depressão: desorientado diante da vida e do futuro, tenta a
universidade sem obter nenhum êxito, em seguida uma escola de arte (será também
bom pintor e desenhista); perde o contato com seus caros amigos do Junior
Debating Club, todos na universidade, e fecha o jornal que juntos haviam
fundado, The Debater; pratica o espiritismo, do que se arrependerá amargamente. Essa é uma confusão
desgastante para um homem fundamentalmente bom e inocente como ele é e será a
vida inteira. Mas no fim sai de modo milagroso (essa é a expressão mais
adequada) desse túnel aparentemente sem saída (no qual acalentou, como ele
mesmo admite, até a idéia mais insana), graças à leitura do livro bíblico de
Jó.
A esse respeito contará depois numa carta a um amigo algo bastante
estranho, uma experiência mística:
“Tenho certeza de que cada coisa é o que é porque assim deve ser!Agora
a visão está se desvanecendo na vida do dia a dia e me sinto feliz por isso. É
embaraçoso falar com Deus cara a cara, como se fala com um amigo.”
A partir de então, a
partir da inesperada granítica certeza (ou melhor, confirmação depois da prova)
da intrínseca positividade da existência, enveredada por uma vida totalmente
nova, sentindo um desejo incontrolável de dizer ao mundo que a vida é bela, que
estamos aqui e poderíamos não estar e que se pode preservar o dom inestimável
da inocência sem renunciar a nada da vida. São os motivos que fundamentam o
pensamento de Chesterton, e deles nascerá toda sua vasta reflexão.Isso é o que alegrará
todos os anos de sua vida, literalmente dedicados à máxima difusão da feliz
descoberta, sem poupar energias. São intuições naturais, que percorrem sem
trégua sua obra inteira, como um rio subterrâneo que aparece e desaparece, mas que sabemos estar sempre
por trás de cada linha, cada palavra.
Descobre seu talento
de escritor e começa a colaborar com muitos jornais; consegue em pouco tempo um
sucesso imprevisto. Cresce cada vez mais o número de pessoas que se perguntam
quem será esse “GKC” que assina aqueles artigos tão originais, bem escritos,
cheios de inelutáveis paradoxos e bom-senso. Os primeiros artigos resultam no
volume The Defendant [O réu] de 1901 (uma defesa do indefensável, desde as
pastorinhas de porcelana aos thrillers de dez tostões...), e depois de alguns
textos poéticos ele assina em 1904 seu primeiro romance, The Napoleon of
Notting Hill [Napoleão de Notting Hill], narrativa surreal onde encontramos o
seu amor pelas pequenas pátrias que o caracterizará por toda a vida, a coragem
de lutar pela própria casa e o próprio altar, princípio de toda ousadia, e os
ecos da guerra anglo-bôer.Paradoxalmente Chesterton ganha notoriedade opondo-se ao imperialismo
britânico, considerado pelos ingleses mais do que uma fé religiosa, e
colocando-se na defesa dos camponeses bôeres num país em que isso é comparável
a uma blasfêmia e alegremente provocando, junto com Hillare Belloc, seu amigo
de toda a vida, até mais do que algum materialíssimo safanão por essa causa. Desse ponto em diante
temos um homem novo que delineará uma imagem absolutamente inédita do escritor,
brilhante e apaixonado amante da verdade e do bom humor, jamais separados.
Não
deixa de ser verdade o que dele disse Emilio Cecchi:
"É um bispo vestido de palhaço, alguém obrigado a pintar o nariz de verde
a fim de atrair nosso olhar para a verdade. Ele se faz paladino da vida normal,
da família, da ordem contra o caos, do senso comum. Mostra ao mundo com o
entusiasmo de um apóstolo e a alegria de uma criança que há mais aventura na
vida “normal” do que em qualquer romance de aventura, mesmo numa família onde
nenhuma “aventura” acontece".
O padre Ian Boyd,
presidente do Chesterton Institute for Faith and Culture, sublinha que “a
exuberância e o modo divertido que caracterizavam o jovem Chesterton foram
elementos decisivos na criação de sua imagem pública. Ele chegava a ser citado
por quem nunca havia lido nenhuma de suas obras. As suas frases tornaram-se
rapidamente proverbiais.” Sua fama de arguto debatedor rapidamente se faz
enorme. Ele é “a delícia dos cartunistas” (Ian Boyd) por seu perfil
inconfundível (ele, que na adolescência era um sujeito alto e enxuto, com o
passar dos anos torna-se um gigante com mais de um metro e noventa de altura
pesando cento e trinta quilos (ou mais), que alimenta histórias e lendas de
todos os tipos (uma delas é a seguinte: Chesterton se levantava no ônibus e de
repente havia espaço para que três mulheres se sentassem!) Mais uma vez é o
padre Boyd quem nos diz que Chesterton “via a literatura como uma profecia; ele
se tornara o depositário das e dos idéias de seus leitores. Expressava por eles
o espírito de uma das épocas mais exuberantes desde o período isabelino.
Personificava a energia e o otimismo edwardianos e o espírito que mais tarde
foi definido em sua biografia de São Tomás de Aquino como ‘aquele que se
alimentava de fatos universais e também de um forte apego à vida”’.Em 1905, escreve
Heretics [Heréticos], o ensaio que mostra, na crítica das idéias e das figuras
em voga em seu tempo, seu distanciamento pessoal em ralação ao “pensamento”
segundo o qual “a verdade cósmica tem um peso tão insignificante que nada do
que alguém diga pode ter importância alguma”. E mais adiante: “Em volta de
qualquer inocente mesa de chá, todos os dias acontece de ouvir-se alguém
sentenciar”: ‘A vida não vale a pena’. E
ninguém acha que essa consideração difere desta outra: ‘Hoje o tempo está bom’;
ninguém pensa que isso exerça algum efeito nos homens e no mundo”.
Toda a sua vida será uma alegre luta contra esse mal de viver; dirá de
fato em outra passagem: “Desentocar e combater o mal é o princípio de todas as
alegrias.” Só assim é possível compreender Chesterton e seus vibrantes
personagens. Escreve num ritmo
torrencial artigos sobre qualquer assunto que julgue dever discutir (Alberto
Castelli dirá que sua vida foi uma única interminável discussão), praticamente
sobre tudo, aonde quer que o empurre seu ela vital milagrosamente
reconquistado. Trava batalhas em qualquer campo, como, por exemplo, na polêmica
antieugênica. Sua produção jornalística é imensa, um “desperdiço de arte e de
ideias” que “causa uma sensação quase angustiante” (Emilio Cecchi). Sua
assinatura aparece, entre outros, em periódicos como “Daily News”, “The
Speaker” e “The Ilustrade London News”. Também publica sólidos ensaios sobre
literatura enfocando R. L. Stevenson, Browning, Tennyson, Blake e outros
autores, e mais adiante lança The Victorian Age in Literature (A época
vitoriana na literatura), obra que muitos consideram de grande valor.Em 1908 Chesterton atinge um momento de extraodinária clareza acerca do
objetivo de sua vida e obra, e dá à luz duas de suas obras-primas, nas quais
talvez seja mais vibrante e eficaz toda a lucidez recebida como dom inesperado:
The Man Who Thursday (O homem que era Quinta-Feira) e Ortodoxia, reelaboração
literária e teórica das passagens fundamentais de sua experiência humana até
aquele ponto: o renascer a partir do absurdo e a redescoberta da fé cristã
mediante a experiência da razão aberta à realidade. Essas obras foram com razão
como “autobiográficas” (Ian Boyd).A Primeira é uma
espécie de romance policial metafísico – dizem empregando uma expressão feliz –
com o significativo subtítulo de Um pesadelo. Obra visionária, entre o místico
e o grotesco, altamente poética e simbólica, ela faz um relato muito
autobiográfico da descoberta da beleza e bondade da vida que é um mistério, e
da possibilidade real da felicidade para o ser humano. É um livro repleto de
referências ao Livro de Jó, ao qual Chesterton deve sua salvação. Gabriel Syme,
o protagonista, é no fundo Gilbert, o homem com olhar de poeta, que descobre o
ponto de fuga, presente em toas as coisas, que conduz ao Mistério, à origem de
tudo.
O monsenhor Ronald Knox, amigo de Chesterton e, como ele,
brilhante autor de romances policiais e convertido ao catolicismo, afirma:
Trata-se de um livro extraodinário! é como se o editor lhe houvesse
pedido para escrever um romance do gênero O peregrino empregando o estilo de As
aventuras do Sr. Pickwick”. É a história do homem, de cada um de nós, que
depois de mil confusões de forte sabor policial (porque no fundo numa vida
normal há muito mais aventura do que em qualquer romance de detetive...)
descobre o segredo da vida. Ortodoxia relata a
tentativa do autor no sentido de encontrar respostas para o mistério da vida e
sua descoberta de que tudo o que ele procurava está no Credo dos Apóstolos; é a
intuição da razão que caminha assombrada e feliz rumo à fé, ocasionada pelo
desafio de G. S. Street, que depois de ler sua obra Heretics (Hereges) fizera o seguinte comentário: “Com
a minha filosofia [...] começarei a preocupar-me depois que o Sr. Chesterton
tiver apresentado a dele.”Chesterton, com uma
comparação fulminante e engraçada – a história de um homem que deixa a
Inglaterra em seu barquinho e aporta diante do pavilhão no litoral de Brigthon
convencido de ter descoberto uma nova terra selvagem -, narra sua tentativa de
inventar uma nova religião (é ele, portanto, o iatista... fantasioso, que vamos
encontrar em outros textos) e a descoberta de que ela já foi “inventada”, é o
cristianismo. Mais uma vez afirma o padre Ian Boyd: Chesterton acreditava que no fundo de todas as realidades mais profanas
cada um fosse capaz de encontrar a Deus. Poucas vezes ele escreveu sobre temas
religiosos, mas nas ruas urbanas, ele conseguiu descobrir o mistério religioso
presente no fundo de todas as coisas.Chesterton chega assim à conclusão de que
o cristianismo é para o ser humano “a maior fonte de sanidade mental”.
Ortodoxia contém páginas inteiras de autêntica e agudíssima compreensão da
vida, pela qual devemos ser eternamente gratos.
Dessa sua consciência nasce um fantástico romance,
breve e muito intenso: "Manalive" (O homem vivo), publicado em 1911.
Narra a história de Inocêncio Smith (nome e sobrenome nada
casuais, personificação da inocência e da normalidade), que empreende uma
viagem pelo mundo e também é iatista, e depois é acusado (pelo míope de alguns
inquilinos da mesquinha Casa Beacon) de homicídio, furto, abandono da família,
sua única e amada frente, que ele havia perdido na paralisia da rotina
quotidiana. Um homem, diz Chesterton, que não aceitava estar morto enquanto
ainda estava vivo. Em outras palavras, ele mesmo.Essa, como
praticamente todas as suas obras narrativas, apresenta aspectos nitidamente
autobiográficos, embora dispersos no suerral. Sua intenção é falar da própria
vida que é a vida de qualquer homem, e do mistério que nela existe, para não
morrer.Mas, o homem vivo está
em cada um de nós (um verdadeiro e adequado motivo poético para Chesterton) e
precisa de ajuda; precisamos de alguém que nos empuree no Mistério e para o
Mistério, e que do serviço quotidiano prestado ao Mistério tenha feito sua
vida: padre Brown, sacerdote católico romano (como dizem os ingleses), detetive
primeiro da alma e depois das coisas matérias. O primeiro de uma longa e feliz
série de contos que têm como protagonista o semi-invisível padrezinho inglês
foi lançado em 1911, e se inspira numa das pessoas mais importantes na vida de
Gilbert e de sua mulher Frances Blogg, o padre Jonh O’Connor, sacerdote
irlandês que se estabeleceu na Inglaterra, homem de extraordinária Inteligência
e argúcia, bem descrito num capítulo memorável da Autobiography
[Autobiografia], a primeira característica do padre Brown é o fato de ele ter
não ter características, e sua importância consiste em não parecer importante,
tudo contrastando com sua atenção e inteligência, graças a sua experiência de
padre e confessor, na mente de quem cometeu o delito, compartilhando com ele
tudo exceto o ato de delito final, como explica o próprio Chesterton em O
segredo do padre Brown.
Em 1914 Chesterton foi acometido por uma grave enfermidade que quase lhe
custou a vida, deixando aturdida aquela Inglaterra que, embora por ele muitas
vezes criticada, correspondia sinceramente a seu amor. Nesse mesmo ano sai um
romance profético e visionário, The Flying Inn (A pousada voadora); é a
história de uma Inglaterra em que se instala um governo filoislâmico com o
objetivo de eliminar no país todos os bares e casas onde se vendem bebidas
alcoólicas, mas que encontra Patrick Dalroy o herói que – tendo atrás de si um
barrilote de rum, uma peça de queijo e o distintivo do pub “O velho marinheiro”
– conduz a rebelião contra a insensatez e desumanidade desse tipo de governo. É
um hino ao bom humor cristão e contra os sincretismos impossíveis.
Em 1922 ele opta
pelo catolicismo. Não faltou nisso a colaboração de amigos como o padre
O’Connor, o padre Vicent McNabb (vibrante domenico irlandês defensor, como ele,
do distributismo) e Hilaire Belloc.
È o ancouradouro definitivo, nada fácil nem
mesmo depois de toda um existência devotada a demonstrar ao mundo a sensatez da
vida cristã. Naquele abençoado dia, em sua casa em Beaconsfield, Gilbert
declara:“Os sábios têm mapas que desenham ao mundo universos densos como
árvores, agitam a razão com mil peneiras que retêm a areia e deixam passar o
ouro; para mim tudo isso ale menos que o pó porque meu nome é Lázaro e estou
vivo”. A conversação origina também maior reflexão, e um Chesterton parcialmente
diverso do brilhante jornalista em voga nos anos anteriores; isso lhe custará a
perda de muitas amizades em sua prórpia casa (no fundo a desconfiança em
relação ao Roman Catholic não morre facilmente nem nos dias de hoje).
No ano subseqüente à conversão Chesterton publica a biografia de
São Francisco de Assis, talvez o santo por quem mais se apaixonará por seu
poder de profecia e menestrel, de amante e forte contestador de seu tempo!
Em 1925 sai O homem eterno. Começa com
o recorrente motivo da viagem e é uma excursão histórica do homem sobre esta
terra, com a qual o nosso Autor prova que o cristianismo é o fator supremo de
civilização em todas as épocas. Do mesmo modo que se fala do cristianismo como
fonte de sanidade mental para o homem, nessa obra se fala do cristianismo como
fator de civilização para o mundo.Se Ortodoxia é uma resposta ao desafio de Street, O homem eterno é a
resposta a The Outline of History, de H. G. Wells, e seu “darwinismo
histórico”.A partir de agora
Chesterton viaja muito, especialmente pelo Canadá e Estados Unidos, aquele país
criticado por ele mas que lhe reserva acolhidas triunfais, em sua turnês que se
tornarão proverbiais. Visita a Palestina, a França, várias vezes a Itália, que
muito amava da mesma forma que amava os países católicos como a Irlanda e a
Polônia (são “esses onde ainda se canta, se dança e se vestem roupas vistosas e
onde a arte vive ao ar livre”, afirmava Chesterton), que também visita.Em 1933 publica a
biografia de santo Tomás de Aquino, definido por Etienne Gilson como a mais
bela obra sobre o “Boi mudo”. “Ao lê-la não se pode pensar em outra hipótese
que não seja a do gênio...” Colabora também em transmissões radiofônicas na
BBC, conseguindo imensa popularidade.
Mas quem define
Chesterton?
Chesterton ama a
gente comum porque Deus “criou muita gente assim”, sua querida mulher, a
tradição por ser “a democracia dos mortos”, a cerveja e os bares “onde tinha
seu trono” e “extravasava humorismo (R. Church)”; nele a liberdade e dogma são
sinônimos; ele ri feito criança e é sábio como um velho de muitos séculos. Ama
os bebês e a inocência (isso mesmo, a inocência!) que transforma na
quintessência do homem verdadeiro e sobretudo vivo; participa das festas
geralmente entediado e mata o atirando
cenouras no ar para depois apanhá-las com a boca fazendo rir as crianças
presentes; ele é alguém que sai de casa para se casar, mas não deixa de passar
pela padaria, freqüentada na infância com sua mãe, para beber um copo de leite,
como também não deixa de levar consigo uma pistola, porque o casamento,
senhores, é uma grande aventura e então é bom que se vá ao encontro dele
devidamente armado...Uns afirmam que ele é conservador, outros que é progressista: lamento
dizer isso, mas rotulá-lo assim significa ter lido pouco ou apenas trechos de
sua obra. Chesterton só descobriu a vida, seu segredo a ser defendido com o
sacrifício e até com o próprio sangue, a ser difundido discursando sobre os
telhados e chegando para isso até aloucura, a ser sempre defendido na vida
sempre tendo em vista sua Fonte, o próprio Deus, cuja casa é a Igreja católica.
Talvez ele não seja muito politicamente correto, tanto ontem como hoje. Mas
está errado? Chesterton foi um
grande homem, também, porque sabia rir-se de tudo e de todos, a começar de si
mesmo: num desenho intitulado “Como eu sou”, vemo-lo muito gordo (como de fato
era), desajeitado, cabelos desgrenhados; num outro, “Como eu gostaria de ser”,
encontramo-lo de perfil, barba desenhada, porte nobre. Saber rir-se de si
mesmo, afinal, é uma das marcas da verdadeira humildade. Defendia o matrimônio e a família, o homem comum, o bom senso, a beleza
e a Igreja. Desconfiava da concentração de poder e da abundância material. Era
otimista, mas não tolo. Tinha uma visão alegre da existência e gostava da
polêmica e dos paradoxos.
Sobre esse último
ponto, aliás, vale ressaltar que Chesterton recorria constantemente aos
paradoxos não como um garoto em busca de auto-afirmação, mas com a intenção
consciente de apresentar a realidade tal como ela é. De acordo com Gustavo
Corção, “Chesterton não procurou nos seus tão admirados paradoxos fazer acrobacias
verbais, e muito menos procurou jogos para agradar os jovens e os imaturos.
Pascal, com seu timbre de abismos, não é mais trágico nem mais sério do que
Gilbert Keith Chesterton”.Na obra Heretics (1905), atacou com fino humor e lógica impecável o subjetivismo
ético de George Moore, o socialismo desumanizador de Bernard Shaw, o
imperialismo de Rudyard Kipling, o historicismo naturalista de Herbert George
Wells, o esteticismo aético de Oscar Wilde. Chesterton explicava ali por que
não era ele próprio um seguidor das filosofias da moda: não as seguia porque as
compreendia, via a desordem sobre a qual estavam fundadas. O escritor inglês,
afinal, sempre soube enxergar as contradições de seus contemporâneos; foram
eles, com suas inúmeras contradições, e não os cristãos, que o empurraram para
a fé cristã.Ortodoxia (1908), uma
de suas obras-primas, pode ser vista como um resumo da filosofia de Chesterton.
O resumo daquilo em que acreditava e que um dia percebeu, não sem espanto,
coincidir com o credo cristão. O livro foi escrito como resposta a um crítico
de Heretics, que cobrava de Chesterton a exposição de sua própria visão de
mundo. Dizia o crítico que atacar e destruir todo o mundo era fácil; difícil
mesmo era construir uma visão sólida e coerente da realidade.
Então Chesterton,
“sempre disposto a escrever um livro à menor provocação”, escreveu Ortodoxia,
em que tentava demonstrar, entre outras coisas, que:
1)-O racionalismo
levado às últimas conseqüências conduz ao suicídio do pensamento!
2)-A tradição tem um
caráter democrático (dar o direito de voto aos nossos antepassados).
3)-A teoria da
felicidade condicional, ou “ética do país das fadas”, é a mais sadia: tudo é
permitido, em troca de uma pequena coisa que é negada.
4)-A doutrina cristã traz
um acerto paradoxal (o ponto de equilíbrio entre virtudes contrárias).
5)-Provar que "a Igreja Católica não só pensou, como já pensou em tudo".
Sobre o segundo
ponto, o caráter democrático da tradição, isto é, a transmissão da cultura, do
legado grego, romano e judaico e do legado da Europa nos últimos dois mil anos,
vale dizer que, num mundo de devastação cultural como o atual, essa herança
espiritual corre grande perigo. Tratava-se, para Chesterton, de uma tradição
sagrada, que salvaguarda as verdades eternas, que falam com autoridade para
cada nova geração.A mais alta função da arte, portanto, é expressar os fatores comuns mais
elevados da vida humana e não os seus denominadores comuns inferiores – os
amores da vida e não suas luxúrias. É nesse sentido que devemos entender a
literatura de Chesterton.Ao contrário da
austeridade que a princípio o título pode sugerir, Ortodoxia significa nada
mais, nada menos que “a opinião certa”. Quer dizer que há uma opinião certa e
outra errada sobre o que somos nós e o mundo onde vivemos, e que a diferença
entre as duas importa fundamentalmente no modo como vivemos. Embora não seja
uma autobiografia, é uma obra bastante autobiográfica. (Embora Chesterton não fosse
católico quando a escreveu, Ortodoxia é provavelmente um dos melhores livros
católicos escritos no século XX). A filosofia de
Chesterton ali exposta lhe dava liberdade para aceitar ou rejeitar os milagres
com base nas evidências. Já o filósofo determinista estava obrigado, por
princípio, a rejeitar todos os milagres sem sequer examiná-los. Logo,
Chesterton, o ortodoxo, era mais livre que o filósofo determinista, escravo de
seus postulados e preconceitos. Naturalmente, com a
fama literária, chegaram convites para conferências nos mais distantes pontos
da Inglaterra e a aquisição de novos e importantes amigos: Joseph Conrad, Henry
James, Baden Powell, Winston Churchill e Thomas Hardy, para citar apenas alguns.Suas inquietações
espirituais se canalizaram em certo momento para o espiritismo. Nessa mesma
época conheceu Frances Blogg, sua futura esposa. Ele, idealista e distraído;
ela, prática e de fortes convicções religiosas, anglicana praticante. Enquanto Frances
era ordenada, metódica, comedida e pontual, o marido era o típico gênio
distraído, pródigo, desleixado com a aparência pessoal e sem ter idéia do
tempo. Shaw o definiu como um “querubim gigantesco”: um menino disfarçado de
adulto, com sua cara gorda e redonda e sua expressão infantil. Duas anedotas
ilustram bem esse aspecto da personalidade de Chesterton: Um dia sua esposa
recebeu um telefonema do marido, que se encontrava numa estação de trem:
"Estou em Harborough Market. Onde deveria estar agora?" Noutra
ocasião, distraído como sempre, Chesterton pediu um café à senhorita que
trabalhava no guichê de uma estação ferroviária.Embora apreciasse muito a companhia de crianças, Chesterton não teve
filhos porque sua esposa não os pôde ter, mas em compensação teve uma excelente
secretária, a Sra. Dorothy Collins, que foi como uma filha adotiva para o
casal. Por fim, ela acabou se tornando administradora do legado literário do
patrão, levando adiante a publicação de suas obras após a morte.
Apesar
da distração, a capacidade do “apóstolo do senso comum” para o trabalho era
impressionante:
Chesterton escreveu
uma centena de livros, contribuições para outros duzentos, centenas de poemas
(entre os quais um épico), cinco peças de teatro, cinco romances e uns duzentos
contos, incluindo a popular série de contos policiais do Padre Brown, que foi
inclusive adaptada para televisão. Escreveu mais de 4000 artigos, entre os
quais trinta anos de colunas semanais para o Illustrated London News e treze
anos de colunas semanais para o Daily News, além dos textos diversos que
redigiu para o seu próprio jornal, G.K.’s Weekly.Foi esse alegre homenzarrão inglês quem escreveu um romance intitulado O
Napoleão de Nothing Hill (1904), que inspiraria Michael Collins a liderar o
movimento pela independência da Irlanda, e também um artigo no Illustrated
London News que inspiraria Mohandas Gandhi a liderar o movimento que pôs fim ao
domínio colonial inglês na Índia. É O Napoleão de Notting Hill, aliás,
considerada por muitos como a melhor novela escrita por qualquer um dos grandes
escritores de ficção ingleses.
Em
1911 começou a sua aproximação mais séria ao catolicismo!
(foto com Padre John O'Connor)
Foi nesse período que
o escritor inglês conheceu o Padre John O'Connor, que lhe inspirou a criação de
um dos personagens mais conhecidos da literatura policial inglesa: o Padre
Brown. O clérigo “baixinho, de rosto afável e expressão de duende”, como o definiu
seu criador, dá conta de resolver todos os casos, não apoiado na lógica mais
rigorosa e no método científico, mas partindo simplesmente da sua experiência,
do senso-comum, do conhecimento da natureza humana. O padre detetive assim se
expressa numa de suas histórias: “O criminalista olha para o criminoso como um
ser estranho e abjeto; eu o vejo como a mim mesmo, capaz de cometer qualquer
barbaridade: daí que me pergunto como faria o que ele fez.”. As
histórias do Pe. Brown, embora muito divertidas, não são apenas entretenimento,
porque a habilidade do detetive para solucionar crimes está baseada no seu
conhecimento profundo da natureza humana, adquirido no dia-a-dia do
confessionário. Do contato com o Pe.
O'Connor nasceu o desejo de Chesterton de se fazer católico, ele era então
anglicano. Nesse processo foi fundamental também a ajuda de seus amigos Maurice
Baring e o Pe. Ronald Knox. Numa carta ao grande amigo Belloc, Chesterton mais tarde
assim se expressava:“A Igreja Católica é o lar natural do espírito humano. A estranha
perspectiva da vida, que ao princípio parece um quebra-cabeça sem sentido,
tomada sob esse ponto de vista, adquire ordem e sentido”.
Seu processo de conversão, no entanto,
foi lento...
O homem que tanto
podia debater seriamente com pensadores do porte de um Bertrand Russell quanto
se divertir com crianças numa festinha de aniversário, entrou na Igreja
Católica em 1922.Sua conversão foi então um dos mais comentados eventos religiosos na
Europa desde a conversão do cardeal John Henry Newman, ocorrida 75 anos antes.
Mais tarde, também sua esposa Frances se converteria ao catolicismo.
Na sua
Autobiografia (1936), afirmava que:
“A teologia católica é “a única não só que pensou, mas que pensou sobre
tudo. Que quase todas as demais teologias ou filosofias contêm alguma verdade,
não o nego; ao contrário, é isso o que afirmo, e é disso que me queixo. Sei que
todos os demais sistemas ou seitas se contentam com seguir uma verdade, teológica
ou teosófica, ética ou metafísica; e, quanto mais reclamam-se universais, mais
isso significa que colhem algo e o aplicam a tudo”.Só a teologia católica era,
e é, universal.” - Quando lhe
perguntaram por que afinal se converteu ao catolicismo, Chesterton respondeu:
“Porque eu queria me livrar dos meus pecados.” E arrematou: “A Igreja Católica
é a única que realmente apaga os pecados.” Ecoando a história de Santo Tomás e
a velhinha, Chesterton confessava na Autobiografia que o catecismo lhe ensinou
tudo o que a ciência, a filosofia pagã e o mundo não sabem. Ensinou-lhe o
óbvio: que o orgulho e o desespero são pecados e que o único remédio para eles
é estar no mundo com humildade. Só a aceitação de grandes mistérios, concluía
Chesterton, depois de estudar inúmeras filosofias e aderir a diversos “ismos”,
é capaz de manter a lucidez do espírito humano; sua negação conduz
invariavelmente à loucura: “Aceitar todas as coisas é um exercício, mas
compreender todas as coisas é um frenesi.”
E mais adiante, comparando o
lunático com o poeta (que sería uma pessoa sã), escreveu: “O poeta procura
apenas a exaltação e a expansão, isto é, procura um mundo onde se possa
distender. Pretende ele, simplesmente, enfiar a cabeça nos céus, ao passo que o
lógico se esforça por enfiar os céus na cabeça. E é a cabeça que estala.” Uma das vantagens da
conversão é sabermos a quem devemos agradecer a alegria de existir; é, melhor
dizendo, termos a quem agradecer. “O teste de toda felicidade é a gratidão; e
eu me sentia grato, embora mal pudesse saber a quem”. Eis a maneira de
Chesterton expressar sua realização: afinal, o bem é realmente bem, o belo é
realmente belo, o verdadeiro é realmente verdadeiro. Estava em casa, por fim!
Toda a obra de
Chesterton é como que "um hino à alegria!"
E alegre é arriscado viver. A existência do livre-arbítrio, contrariando o determinismo,
torna a vida perigosa e excitante: a partir daí todas as nossas escolhas são
infinitamente sérias e potencialmente perigosas. Depois de Heretics e
Ortodoxia, outra obra-prima foi escrita no fim de sua vida: a biografia Santo
Tomás de Aquino (1933), cujo valor foi atestado por Étienne Gilson, famoso
filósofo tomista, que a considerou “o melhor livro jamais escrito sobre Santo
Tomás.” Mais afastado da
imprensa, o “querubim gigantesco” dedicou os anos de 1923 e 1924 para redigir,
com a tranqüilidade que lhe convinha, aquela que seria considerada por muitos a
sua melhor obra: O Homem Eterno (1925), em que expunha a sua filosofia da História, tendo
como eixo o mistério de Deus encarnado. Esse livro foi crucial para a conversão
de Lewis, que acabou por se tornar também um dos apologistas cristãos mais
importantes do século passado. Em suma: em todas as
suas obras é patente o entusiasmo do escritor pela realidade, pelo que é.
Chesterton era o grande inimigo do racionalismo idealista e cético. É notável
em seus escritos a atitude profundamente humilde do espectador que se maravilha
diante do quadro à sua frente: a realidade da Criação.Os escritos do
criador do Pe. Brown foram saudados por Ernest Hemingway, Graham Greene, Evelyn
Waugh, Jorge Luis Borges, Gabriel Garcia Marquez, Karel Capek, Marshall
McLuhan, Paul Claudel, Dorothy Leigh Sayers, Agatha Christie, Sigrid Undset,
Ronald Knox, Kingsley Amis, Wystan Hugh Auden, Anthony Burgess, Ernst Friedrich
Schumacher, Orson Welles e até Neil Gaiman. Para não falarmos no nosso grande
Gustavo Corção. Segundo Thomas Stearns Eliot, Chesterton “merece o direito
perpétuo à nossa lealdade”. A respeito da missão
de Chesterton, o Padre Leonardo Castellani ressalta que ela consiste em “rir,
fantasiar, disputar, atirar-se no pasto e andar de pernas para o ar, cantar as
verdades mais gordas à tesa Inglaterra, denegrir copiosamente os políticos,
banqueiros, cientistas e literatos, escarnecer os inimigos e crer na Igreja
Católica Romana; mas a graça está em que isto último é o que dá poder ao
primeiro”.
Já em "A abolição do homem", Clive Staples Lewis assinala:
“Até agora, os planos
educativos conseguiram pouco do que pretendiam e, de fato, quando os relemos –
vendo como Platão faria de cada criança ‘um bastardo criado em uma repartição
pública’, e como Elyot desejava que a criança não visse homem nenhum até os
sete anos e, completada essa idade, não visse nenhuma mulher, e como Locke
queria os meninos de sapatos esfarrapados e sem aptidão para a poesia –,
podemos agradecer a benéfica teimosia das verdadeiras mães, das verdadeiras
amas e (sobretudo) das verdadeiras crianças por preservar a sanidade que a raça
humana ainda possui.”
Os destaques são nossos. Sem hesitar incluímos
o “querubim gigantesco” entre as “verdadeiras crianças”, aproveitando para lhe
agradecer a benéfica lucidez que pode preservar a sanidade da raça humana – ou,
ao menos, de alguns representantes da raça. Chesterton nos ensina, como ensinou
a vários grandes homens, e também a muitos pequenos cristãos, anônimos, a ver o
cristianismo com novas lentes.Assim como os antigos monges costumavam recomendar a leitura dos Salmos
para curar a tristeza ou a acídia, também não podemos deixar de recomendar,
contra uma visão cinzenta e sem graça do cristianismo, a leitura desse grande
médico de almas que foi Gilbert Keith Chesterton.
Morre aos 62 anos em Beaconsfield (Buckinghamshire) no dia 14 de
junho de 1936, onde está seputado até hoje, no pequeno cemitério católico junto
à igreja paroquial de Santa Terezinha do Menino Jesus (uma santa quase menina,
veja só!)
Ali está sepultado junto com a
mulher Frances e a quase filha e secretaria Dorothy Collins. Chesterton guardou
a fé até o último instante, recebendo a extrema-unção de seu amado Padre
O’Connor.O Papa Pio XI, em telegrama ao povo da Inglaterra, escreveu: “Santo
Padre profundamente consternado morte de Gilbert Keith Chesterton, devoto filho
da Santa Igreja, dotado defensor da Fé Católica”.
RESUMO
DO LIVRO “ORTODOXIA” de Chesterton:
Esta
obra OBRA PRIMA de Chesterton, escrita quando ele ainda nem havia se tornado
Cristão e que contribui para a conversão de um outro grande Cristão: C.S. Lewis.
Chesterton foi quem melhor soube procurar e entender o senso comum, a
sabedoria das coisas ordinárias sobre as extraordinárias. Para ele, tudo
começava com a constatação da existência do mundo. Não só sua existência, mas
sua beleza. O grande mal da filosofia moderna, que muito se aproximou das
religiões orientais, foi recusar aceitar o princípio da existência do mundo. Para
ele, só era possível filosofar a partir do universo, só se entenderia as partes
vendo o todo. De tanto procurar este senso comum, acabou encontrando como Santo
Agostinho o que rejeitara na juventude: o Cristianismo. A
tradição ocidental, que começou a ser perdida pelo humanismo, centrava-se na
gratidão e homenagem ao mundo. Quando começou a colocar em questionamento a
existência deste mundo, a filosofia perdeu sua sanidade. O amor à sabedoria
implica em retomar a sanidade tradicional do ocidente. O mundo não está errado
como sustentam muitos, é o homem que está errado ao percebê-lo. Perdemos a
capacidade de ver o mundo como ele realmente é porque ganhamos uma lassidão de
apreciação. O homem deixou de prestar homenagens ao mundo e refugiou-se em si mesmo.
Chesterton
na sua Ortodoxia partiu de duas convicções:
1ª)-
o mundo é real e nosso primeiro mestre!
2ª)-
o pecado é real e nosso primeiro tentador!
Quando nascemos, temos este maravilhamento pelo
mundo. Com o tempo vamos perdendo-o...Buscamos verdades que já tínhamos na
infância. As verdades não são feitos novos, mas realizações recuperadas, pois
nascem da infância!
Os movimentos idealistas
modernos se aproximaram dos orientalismos e questionam os fundamentos que nunca
deveriam ser questionados. Questionam o mundo. Chesterton foi um retórico porque
colocou a verdade na melhor luz possível. A aspiração retórica de Chesterton era
dirigir-se ao mais comum dos homens! e versando sobre os mais grandiosos
temas.”
Paine
faz um apanhado do que estava acontecendo no mundo na virada do século XIX para
XX:
1)-
Freud: O estudo do inconsciente.
2)-
Husserl : A consciência pura, existência.
3)-
Plank e Einstein: A energia em quantum.
4)-
Lenin: O sistema partidário.
Chesterton percebeu que o enfoque passou a ser nos
detalhes, o universal foi colocado de lado, e houve uma progressiva exclusão do
ponto de vista comum!
É o espetáculo
do pequeno, a apoteose do insignificante. Para ele, tornou-se necessário
re-descobrir a totalidade da vida. O camponês é importante por viver uma vida completa,
o homem das cidades não sabe o porque das coisas e torna-se presa fácil para
déspotas e demagogos, pois o senso comum se perdeu. Se
Chesterton será declarado Santo? ou não, não sei, mas sei que ele deve estar
dando gargalhadas ao saber disto lá no céu, mas somente a Igreja pode
dizê-lo!
Esta sua
máxima está sempre atual: “O Santo é um medicamento, porque ele é um
antídoto para cada tempo!”
Certamente é por isso que o santo é
muitas vezes um mártir, ele é confundido com um veneno, porque ele é um
antídoto. Ele geralmente será procurado para restaurar a sanidade do mundo,
exagerando o que o mundo ignora, que nem sempre é o mesmo elemento em todas as
idades. No entanto, cada geração procura o seu santo por instinto, e ele não é
o que as pessoas querem, mas sim o que o povo precisa”. Por isso, é o
paradoxo da história, que cada geração é convertida pelo santo que contradiz
mais(CHESTERTON,
G.K. Santo Tomás de Aquino: biografia. Tradução de Carlos Ancêde Nougué.
São Paulo: Ltr, 2003. p. 30-31.) - Chesterton é
importante porque não somos mais capazes de ler Platão, Aristóteles e Aquino.
Perdemos a
visão do mundo em seu sentido universal, fomos enterrados sobre camadas de
insignificância!
Sua obra é na verdade uma preparação para a
verdadeira filosofia, uma antítese à filosofia moderna que recusou-se a começar
pelos pontos de partidas evidentes, como a existência deste mundo e de um
criador, esta sua obra recupera-nos isto.
*Trecho
do livro Ortodoxia de G.K. Chesterton:
PREFÁCIO DO AUTOR:
ESTE LIVRO FOI
ESCRITO para ser lido como complemento a Heretics [Hereges] e mostrar o lado
positivo além do negativo. Muitos críticos se queixaram daquele livro dizendo
que ele simplesmente criticava as filosofias correntes sem oferecer nenhuma
filosofia alternativa. Este livro é uma tentativa de responder a esse desafio.
Ele é inevitavelmente afirmativo e, por isso mesmo, inevitavelmente
autobiográfico. O autor foi levado a recuar e enfrentar mais ou menos a mesma
dificuldade que afligiu Newman ao escrever a sua Apologia; foi forçado a ser
egoísta só para ser sincero. Embora todos os outros aspectos possam diferir, o
motivo nos dois casos é o mesmo. O autor tem o propósito de tentar explicar
não se a fé cristã pode ser abraçada, mas como ele pessoalmente passou a
abraçá-la. Este livro, portanto,
está organizado com base no princípio positivo de um enigma e sua solução.
Trata primeiro de todas as solitárias e sinceras especulações pessoais do autor
e depois do dramático estilo em que elas são de súbito respondidas a contento
pela teologia cristã. O autor vê isso como algo que leva a um credo
convincente. Mas se não chegar a tanto, trata-se no mínimo de uma repetida e
surpreendente coincidência.
GlLBERT K. CHESTERTON
A ÚNICA DESCULPA
POSSÍVEL para este livro é que se trata de uma resposta a um desafio. Mesmo um
mau disparo tem sua dignidade quando se aceita um duelo. Quando há algum tempo
publiquei uma série de artigos escritos às pressas, porém honestos, sob o título
de "Heretics", vários críticos cuja inteligência tem meu sincero
respeito (menção especial pode ser feita ao sr. G. S. Street) disseram que não
viam problema algum no fato de eu dizer a todos que afirmassem a sua teoria
cósmica, mas que eu cuidadosamente me havia furtado a sustentar os meus
preceitos com exemplos. "Começarei a preocupar-me com a minha
filosofia", disse o sr. Street, "depois que o sr. Chesterton tiver
apresentado a dele."Talvez tenha sido uma
sugestão incauta, dirigida como foi a alguém sempre mais que disposto a
escrever um livro diante da mais ligeira provocação. Mas, no fim das contas,
embora o sr. Street tenha inspirado e criado este livro, ele não precisa lê-lo.
Se
de fato o ler, descobrirá que em suas páginas eu tentei, de forma vaga e
pessoal, num conjunto de quadros mentais mais do que numa série de deduções,
expor a filosofia em que passei a acreditar. Não a chamarei de minha filosofia,
uma vez que não a criei. Deus e a humanidade a criaram; e ela me criou.Muitas vezes
alimentei a fantasia de escrever um romance sobre um navegador inglês que
cometeu um pequeno erro ao calcular sua rota e descobriu a Inglaterra, tendo a
impressão de estar numa nova ilha dos Mares do Sul. Sempre me vejo, porém, com
ocupações ou preguiça demais para escrever essa bela obra, portanto é melhor
que eu o ofereça com o objetivo de apresentar uma ilustração filosófica.
Provavelmente a impressão geral será a de que o homem que desembarcou (armado
até os dentes e falando por sinais) para fincar a bandeira britânica naquele
templo bárbaro que no fim das contas era o Pavilhão de Brighton, sentiu-se um
perfeito idiota.Não estou aqui
preocupado em negar que ele parecia idiota. Mas se você imagina que ele se
sentiu idiota, ou que em todo o caso a sensação de tolice era sua emoção única
ou dominante, então você não estudou com a delicadeza exigida a rica natureza
romântica do herói dessa história. Seu erro foi de fato um erro altamente
invejável; e ele sabia disso, se é que era o homem que eu imaginei. O que
poderia ser mais prazeroso do que provar em poucos minutos todos os fascinantes
terrores de ir para o exterior combinados com toda a confortável segurança de
voltar novamente para casa? O que poderia haver de melhor do que ter toda a emoção
de descobrir a África do Sul sem a repugnante necessidade de lá desembarcar? O
que poderia ser mais maravilhoso do que preparar-se para descobrir a Nova Gales
do Sul e depois perceber, com uma efusão de lágrimas, que era apenas a velha
Gales do Sul?Esse pelo menos me
parece ser o principal problema dos filósofos e, de certo modo, é o principal
problema deste livro. Como podemos imaginar ficarmos ao mesmo tempo assombrados
com o mundo e, mesmo assim, nele nos sentirmos em casa? Como pode esta estranha
cidade cósmica, com seus cidadãos de muitas pernas, com suas monstruosas e
antigas lâmpadas, como pode este mundo provocar em nós ao mesmo tempo o
fascínio de uma cidade estranha e o conforto e a honra de ser a nossa cidade?Mostrar que uma
crença ou uma filosofia é verdadeira de todos os pontos de vista seria uma
tarefa demasiado grande mesmo para um livro muito maior do que este. É
necessário seguir uma linha de raciocínio, e esta é a linha que me proponho
seguir aqui: quero apresentar a minha crença como uma resposta específica a
essa dupla necessidade espiritual, a necessidade da mistura do conhecido com o
desconhecido que a cristandade corretamente chamou de romance. Pois até mesmo a
palavra "romance" tem em si o mistério e o antigo significado de Roma.Quem quer que se
disponha a discutir o que quer que seja deveria sempre começar dizendo o que
não está em discussão. Além de declarar o que se quer provar é preciso declarar
o que não se quer provar. O que eu não me proponho provar, o que proponho que
se tome como terreno comum entre mim e o leitor médio, é essa atração de uma
vida ativa e imaginativa, pitoresca e cheia de curiosidade poética, uma vida
como a que em todo o caso o homem ocidental sempre parece ter desejado. Se um
homem diz que a extinção é melhor do que a existência, ou que uma vida insossa
é melhor que a variedade e a aventura, então esse homem não é uma das pessoas
comuns com quem estou falando. Se alguém prefere o nada. nada lhe posso dar.
Mas quase todas as pessoas que conheço nesta sociedade ocidental no seio da
qual vivo concordam com a proposição geral de que precisamos dessa vida de
romance prático: a combinação de alguma coisa que é estranha com alguma coisa
que é segura. Precisamos ver o mundo de tal modo que nele se combine uma idéia de
deslumbramento com uma idéia de acolhimento. Precisamos nos sentir felizes
nessa terra deslumbrante sem nunca nos sentir meramente confortáveis. É ESSA
realização do meu credo que vou principalmente perseguir nestas páginas.Mas tenho uma razão
peculiar para aludir ao navegador que descobriu a Inglaterra. Aquele navegador
sou eu. Eu descobri a Inglaterra. Não consigo imaginar como este livro pode
conseguir não ser egoísta: e, para dizer a verdade, não consigo absolutamente imaginar
como ele pode conseguir não ser chato. A chatice, todavia, me livra da acusação
que mais lamento: a acusação de ser superficial. Mera sofisticação superficial
é o que desprezo acima de tudo, e talvez seja um fato salutar que é disso que
geralmente sou acusado.Não conheço nada tão
desprezível como o mero paradoxo: uma defesa meramente engenhosa do
indefensável. Se fosse verdade, como se afirmou, que o sr. Bernard Shaw vivia
de paradoxos, então ele deveria ser um mero milionário; pois um homem de sua
atividade mental poderia inventar um sofisma a cada seis minutos. E tão fácil
como mentir, pois é mentir. A verdade é, naturalmente, que o sr. Shaw enfrenta
o cruel estorvo de não conseguir dizer uma mentira se não pensar que é uma
verdade. Percebo que estou sob a mesma intolerável escravidão. Nunca em minha
vida eu disse coisa alguma simplesmente por pensar que era engraçada; embora,
naturalmente, eu tenha alimentado a vanglória humana e possa ter considerado
algo engraçado por tê-lo dito. Uma coisa é descrever uma entrevista com uma
górgona ou um grifo, uma criatura que não existe; outra coisa é descobrir que o
rinoceronte existe e depois sentir prazer pelo fato de que ele parece um animal
que não existe.A gente procura a
verdade, mas pode acontecer que a gente procure instintivamente as verdades
mais extraordinárias. E apresento este livro com os mais sinceros senti mentos
a todos os bons sujeitos que odeiam o que escrevo e o consideram (com muita
justiça, segundo tudo o que eu sei) como um exemplo de uma cena burlesca
inferior ou uma brincadeira cansativa.Pois se este livro é
uma brincadeira, ele é uma brincadeira contra mim mesmo. Eu sou o homem que com
a máxima ousadia descobriu o que já fora descoberto antes. Se nas páginas que
seguem há um elemento de farsa, a farsa é às minhas custas; pois este livro
explica como eu fantasiei que era o primeiro a pôr os pés em Brighton e depois
descobri que era o último. Ele relata as minhas obtusas aventuras em busca do
óbvio. Ninguém pode considerar o meu caso mais ridículo do que eu mesmo o
considero; nenhum leitor pode aqui acusar-me de tentar fazê-lo de bobo: o bobo
desta história sou eu, e nenhum rebelde pode roubar-me o trono. Confesso
francamente todas as ambições idiotas do fim do século XIX. Como todos os
outros menininhos pomposos, tentei colocar-me à frente de meu tempo; e descobri
que estava 1800 anos atrás. Forcei minha voz com penoso exagero juvenil ao
proferir minhas verdades. E fui punido da maneira mais adequada e engraçada,
pois mantive as verdades: mas descobri, não que não eram verdades, mas
simplesmente que não eram minhas. Quando imaginei que estava sozinho
encontrei-me de fato na ridícula posição de receber o apoio de toda a
cristandade. Deus me perdoe, mas talvez eu tenha tentado ser original; mas só
consegui inventar por minha própria iniciativa uma cópia inferior das tradições
existentes da religião civilizada. O navegador pensou ser o primeiro a
descobrir a Inglaterra; eu julguei ser o primeiro a descobrir a Europa. Tentei
fundar uma heresia só minha; e quando lhe dei o último acabamento descobri que
era a ortodoxia.Talvez alguém se
divirta com o relato deste feliz fiasco. Talvez um amigo ou inimigo se divirta
ao ler como eu gradativamente aprendi, da verdade de alguma lenda perdida ou da
falsidade de alguma filosofia dominante, verdades que eu poderia ter aprendido
do meu catecismo — se o tivesse estudado. Pode haver ou não algum
entretenimento na leitura de como finalmente descobri num clube anarquista ou
templo babilônico o que poderia ter descoberto na paróquia mais próxima. Se
alguém se diverte aprendendo como as flores do campo ou as palavras escritas
num ônibus, os acidentes de políticos ou os sofrimentos da juventude se
juntaram numa certa ordem para produzir um certo convencimento de ortodoxia
cristã, essa pessoa pode muito bem ler este livro. Mas há em tudo uma sensata
divisão de trabalho. Eu escrevi o livro, e nada neste mundo me induziria a
lê-lo.
Acrescento uma nota
meramente pedante que aparece, como uma
nota naturalmente deveria aparecer, no início do livro. Estes ensaios pretendem
apenas discutir o fato real de que a teologia cristã central (suficientemente
resumida no Credo dos Apóstolos) é a melhor raiz de energia e ética sólida.
Eles não pretendem discutir a questão muito fascinante, mas totalmente outra,
de qual é o atual cetro de autoridade para a proclamação desse credo. Quando
a palavra "ortodoxia" é usada aqui, ela significa o Credo dos
Apóstolos, como era entendido por todos os que se chamavam cristãos até pouco
tempo atrás e a conduta histórica daqueles que adotavam esse credo.Fui forçado pelo mero
espaço a restringir-me ao que recebi desse credo; não toco a questão muito
discutida entre os cristãos modernos de onde nós mesmos o recebemos. Este não é
um tratado eclesiástico, mas uma espécie de autobiografia desconjuntada. Mas,
se alguém quiser minhas opiniões sobre a verdadeira natureza da autoridade, o
sr. G. S. Street só precisa me lançar outro desafio, e eu vou escrever outro
livro.
*Retirado do Livro: "Ortodoxia" de Gilbert Keith Chesterton, 2008, editora Mundo Cristão - Marco Sermarini - Presidente
da Sociedade Chestertoniana da Itália
------------------------------------------------------
APOSTOLADO BERAKASH: Como você pode ver, ao contrário de outros meios midiáticos, decidimos por manter a nossa página livre de anúncios, porque geralmente, estes querem determinar os conteúdos a serem publicados. Infelizmente, os algoritmos definem quem vai ler o quê. Não buscamos aplausos, queremos é que nossos leitores estejam bem informados, vendo sempre os TRÊS LADOS da moeda para emitir seu juízo. Acreditamos que cada um de nós no Brasil, e nos demais países que nos leem, merece o acesso a conteúdo verdadeiro e com profundidade. É o que praticamos desde o início deste blog a mais de 20 anos atrás. Isso nos dá essa credibilidade que orgulhosamente a preservamos, inclusive nestes tempos tumultuados, de narrativas polarizadas e de muita Fake News. O apoio e a propaganda de vocês nossos leitores é o que garante nossa linha de conduta. A mera veiculação, ou reprodução de matérias e entrevistas deste blog não significa, necessariamente, adesão às ideias neles contidas. Tal material deve ser considerado à luz do objetivo informativo deste blog. Os comentários devem ser respeitosos e relacionados estritamente ao assunto do post. Toda polêmica desnecessária será prontamente banida. Todos as postagens e comentários são de inteira responsabilidade de seus autores e não representam necessariamente, a posição do blog. A edição deste blog se reserva o direito de excluir qualquer artigo ou comentário que julgar oportuno, sem demais explicações. Todo material produzido por este blog é de livre difusão, contanto que se remeta nossa fonte. Não somos bancados por nenhum tipo de recurso ou patrocinadores internos, ou externo ao Brasil. Este blog é independente, e representamos uma alternativa concreta de comunicação. Se você gosta de nossas publicações, junte-se a nós com sua propaganda, ou doação, para que possamos crescer e fazer a comunicação dos fatos, doa a quem doer. Entre em contato conosco pelo nosso e-mail abaixo, caso queira colaborar:
filhodedeusshalom@gmail.com
+ Comentário. Deixe o seu! + 1 Comentário. Deixe o seu!
Brilhante! "Perdemos a visão do mundo em seu sentido universal, fomos enterrados sobre camadas de insignificância! Sua obra é na verdade uma preparação para a verdadeira filosofia, uma antítese à filosofia moderna que recusou-se a começar pelos pontos de partidas evidentes, como a existência deste mundo e de um criador, esta sua obra recupera-nos isto".
Marcos Teixeira
Postar um comentário
Todos os comentários publicados não significam a adesão às ideias nelas contidas por parte deste apostolado, nem a garantia da ortodoxia de seus conteúdos. Conforme a lei o blog oferece o DIREITO DE RESPOSTA a quem se sentir ofendido(a), desde que a resposta não contenha palavrões e ofensas de cunho pessoal e generalizados. Os comentários serão analisados criteriosamente e poderão ser ignorados e ou, excluídos.