O origem dessa dicotomia ética aplicada à
política se encontra no próprio dualismo original da religião dos iranianos,
desde que seu fundador, Zarathushtra ou Zoroastro, cindiu em dois a divindade,
concedendo a Ormudz ou Ahura Mazda as qualidades de bondade e veracidade, a ele
opondo Arihman, o "grande satã", deus do mal e da mentira.
O dualismo
transcendente tomaria uma forma mais pronunciada nos ensinamentos de um outro
profeta, Mani ou Manichaeus, que viveu 800 anos depois e influenciou as seitas
gnósticas de princípios de nossa era. Fundador de uma religião conhecida como
maniqueísmo, Mani contaminou de mitologia mágica dualística todas as heresias
que ameaçariam a ortodoxia católica na Idade Média, Cátaros, Albigenses, etc.
Não nos esqueçamos que S. Agostinho, o maior filósofo cristão, professou o
maniqueísmo em sua mocidade, a tal ponto que muitos críticos reconhecem em sua
teologia reminiscências do dualismo ético, tão entranhado agora na mente humana
que é difícil dele nos libertarmos.
Foi Agostinho, no
entanto, quem melhor desenvolveu a interpretação correta que S. Paulo fez do
Evangelho de Cristo, segundo a qual é
em nós mesmos que devemos procurar a oposição entre o Bem e o Mal.
No maniqueísmo, ao
contrário, somos nós, seus professos, donos da verdade e da justiça, enquanto
detestáveis são aqueles que não pensam como nós porque portadores da maldade e
da mentira. É fácil avaliar a importância dessa psicopatologia na postura do
ideólogo moderno, fiel ao cego dogmatismo de suas mais estapafúrdias doutrinas
e sempre disposto a acusar de mentiroso, injusto, perverso e egoísta seus
adversários.
A dialética do Bem e do Mal que o maniqueísmo
provoca leva o alegado defensor da Verdade a recorrer a qualquer instrumento
para eliminar o Outro. A faca do assassino (do árabe hashishim, comedor de haxixe),
os fogos da Inquisição, o Gulag e Auschwitz, a bomba terrorista da "guerra
santa" dos aiatolás, o tiro na nuca no porão do KGB e o paredón para punir o traidor vendido aos
interesses alienígenas, tornaram-se banais em nossa época.
Orwell descreveu magnificamente o
"duplo-pensar" totalitário que justifica o crime. O ideólogo pensa
estar defendendo a justiça e a verdade, de tal modo que a prisão moscovita se
transforma em "amorzinho" (Lubianka) e o genocídio é a justa
recompensa dos "capitalistas burgueses". Voegelin descobre traços do
processo psicopatológico que cinde a realidade histórica, necessariamente
complexa e cinzenta, na simplicidade dualística do branco X preto ou, como se
prefere hoje dizer, da "esquerda" e "direita".
O nazismo e o marxismo, em suas várias
vertentes, são as manifestações mais clamorosas da enfermidade mental. Claro. O
nacionalismo xenófobo se tornou, porém, a partir da 1.ª Guerra Mundial, a
expressão coletiva mais banal da esquizofrenia paranóica. A corrupção da verdade
em seu oposto, a Grande Mentira dialética, é também suscetível de ser
diagnosticada como Pseudologia Epidêmica ou Pseudodoxia Fantástica. Assim
como o católicos e protestantes atribuíam
um ao outro a causa de todos os males, o
nazista os atribui aos judeus, o marxista aos liberais e o latino patrioteiro
aos americanos.
As observações acima
vêm a propósito da ira incontida, verdadeira rebordosa histérica que maltrata
os "esquerdistas" (chamêmo-los assim, já que tanto apreciam esse
grotesco termo jacobino) diante do colapso da URSS, da queda do Muro de Berlim
e do fenômeno da globalização, aparentemente irreversível.
A adoção quase universal das receitas
liberais, mesmo pelos partidos tidos como de "esquerda", o Labour de Mr. Blair, a Gauche de Monsieur Jospin, o regime de Deng
Xiaoping e Jian Zemin (Dois Sistemas, Um Só País), a "Concertación de
Izquierda" do Chile, o Justicialismo argentino e mesmo, entre nós, o
PSDB de FHC – se traduz por programas de abertura ao mercado global e
privatizações. Assim mesmo, oannus mirabilis de 1989 (saudemos essa data maior do
século 20!) concedeu a esse pessoal um tempo suficiente para que se
recomponham. Afinal de contas, a revolução liberal foi uma "revolução de
veludo", como a denominou o presidente checo Vaclav Havel.
Os liberais, não somos
vingativos, reconhecemos nossos próprios defeitos e insuficiências, não
absolutizamos nossas idéias, reconhecemos que elas evoluem e se integram em
outras receitas. Se tivéssemos imitado Lenin, Stalin, Hitler, Mao ou Fidel
Castro, os socialistas que escapassem do paredón ou da bala na nuca estariam hoje
encerrados todos num Gulag apropriado, maior do que a ilha de Cuba. Ao invés,
eles voltaram ao poder sob títulos diversos.
São "populistas",
"petistas", "social-democratas" ou "socialistas
cristãos". Agarram-se aos cargos e mordomias.
No Brasil, é mais
óbvio seu descaramento. Um exemplo supino é o do Emir dos Crentes, mais
conhecido como professor Sader. Perdoe-me esse eminente "sociólogo"
levantino e guru do PT se lhe renovo o merecido galardão, do "Prêmio Imbecil
Coletivo de 1996", a ele concedido por Olavo de Carvalho.
Suas idéias são bastante características.
Definem o mecanismo de transferência de culpa, dialética mendaz, deslealdade e
cínica hipocrisia "xiita" (mas será que o professor é sunita?). Um
exemplo é a tentativa de contrapor ao "Livro Negro do Comunismo" (cem
milhões de mortes) um pseudo "Livro Negro do Capitalismo". Ao
denunciar o "desconhecimento da história", indigitar o
"pensamento único" e utilizar o truque de interpretar de modo
estreitíssimo os dogmas marxistas-leninistas, ele atribui a 1.ª Guerra Mundial
(20 milhões de mortes) ao capitalismo.
Admiravelmente simples! Só que em 1914 a
França e a Grã-Bretanha eram governados por partidos de esquerda – os dois
líderes, René Viviani e Clemenceau, ambos socialistas, e Lloyd George um
liberal de esquerda apoiado pelo Labour. Um único prestigioso socialista se
opôs ao conflito, Jean Jaurès, e foi assassinado por ser germanófilo. O reich bismarckiano era, similarmente,
dirigido pelos social-democratas e, dos dois lados da cerca, todos os
socialistas aplaudiram e votaram os orçamentos de guerra de seus respectivos
governos. O mesmo em 1939. Atribuir ao "Partido Nacional-Socialista dos
Trabalhadores Alemães", os Nazistas de Hitler, um vezo "capitalista"
é uma aberração da inteligência. Em 1939, capitalistas eram os judeus... Todos
os liberais austríacos e alemães que, no pós-guerra, iriam erguer a
"economia social de mercado" e promover o "milagre alemão",
homens como Adenauer, Eucken, Machlup, Ludwig Erhard, von Mises e Hayek, se
encontravam no ostracismo, na cadeia ou no exílio.
Mas porventura os
militares nipônicos que, em 1932, invadiram a Manchúria, em 1937 a China,
promoveram o rapto de Nanking e, em 1941, bombardearam Pearl Harbor seriam
também burgueses capitalistas?
E o Pacto Molotov-Ribbentrop de agosto de
1939, que desencadeou a guerra (50 milhões de mortes) permitindo a Hitler
liquidar separadamente com a Polônia, a Escandinávia e a França, enquanto
Stalin, o outro parceiro, se locupletava com a outra fatia da Polônia, os
Estados bálticos e a Finlândia – foi por acaso firmado por capitalistas
burgueses?
E como foi mantido e se expandiu o Império
soviético (60 milhões de vítimas)? Quem invadiu a Coréia do Sul em 1950, o
Tibet em 1951 e a Índia setentrional em 1963? Não foi o Vietnã de Ho Chimin que
assolou a Kampuchea democrática (um milhão de mortes) e entrou em guerra com a
China maoísta em 1979?
Não foi o Iraque que atacou o Irã e a URSS
que ocupou o Afeganistão? E a Iugoslávia de Milosevitch não era comunista
quando se desintegrou em sangrenta guerra civil (300 mil mortos)? O ilustre
Emir dos Crentes deve aprender história no curso primário antes de escrever
"Em Defesa da História" nos jornais burgueses de Brasília, Rio e São
Paulo, essas mesmas folhas que acusa de colaborarem no "festival do
pensamento único que assola nossa imprensa".
Mas talvez tenha razão: o festival de
pensamento único que assola nossa imprensa e o "clima de impunidade"
com idéias estrambólicas é a mesma orgia ideológica de que o comendador está,
precisamente, gozando com seus comparsas. ( Olavo de Carvalho).
Diz Aécio:
“Pressionado pela queda nas
pesquisas, o petismo recorre ao terrorismo em escala, tentando demonizar as
oposições para confundir e dividir o país reeditando o conhecido “nós e eles”.O
“nós” são os “patriotas” do governo e os que se servem de fatias da
administração federal como contrapartida ao alinhamento e ao silêncio
obsequioso. Ou, pior, os que se prestam à posição vergonhosa de atacar quem
cobra transparência e exige a apuração sobre a corrupção endêmica que atinge o
país.O “eles” são as oposições e os brasileiros que, nesta versão
maniqueísta, ao combater e criticar os malfeitos do governismo, trabalham
contra o Brasil. Simples assim.Esta é a estratégia que restou, desde que
o PT perdeu discursos e abandonou as suas bandeiras históricas.”
Essa estratégia não é
nova:
Os
marxistas dividiram o mundo em duas classes, trabalhadores e capitalistas, em
que estes exploravam aqueles. O mundo simplista e dicotômico tinha uma
explicação evidente para todos os males:
“A culpa de todos os males do mundo é sempre dos capitalistas
insensíveis e exploradores, que faziam de todos os trabalhadores as vítimas de
sua ganância desmedida.”
Mas, como explica
Aécio Neves:
“quem tem reclamado do governo são os pobres, a classe média, aqueles
que precisam utilizar os péssimos serviços públicos, ou que não podem blindar
seus carros contra a insegurança que cresce por negligência do governo federal.
Ou ainda aqueles que dependem de hospitais públicos e morrem em filas de
espera. Seriam esses os “inimigos do Brasil”?
Conclui Aécio:
“A verdade é que, por mais que o governo tente fugir da realidade,
ela se impõe todos os dias. Denúncias sobre as falcatruas na Petrobras não
param de surgir e a imprensa já lança luz naquele que parece ser o grande temor
do governo: os negócios realizados nos fundos de pensão das estatais, que têm
tudo para desafiar a paciência do mais crédulo dos brasileiros.Quem deseja mais transparência e
quem clama por investigações mais profundas frente a tantos escândalos de
corrupção não é inimigo do país; ao contrário: quer justamente salvar o Brasil
de um destino trágico, como o venezuelano ou argentino.”
Ironicamente, após
apelar tanto para tal discurso maniqueísta, o feitiço se voltou contra o
feiticeiro:
Hoje
até podemos resumir a disputa por um Brasil melhor de maneira reducionista e
simplista, sem errar muito no diagnóstico. Aqueles que lutam por um país mais
próspero e justo estão unidos em torno de um objetivo comum de curto prazo:
tirar o PT do poder. (Rodrigo Costantino).
Postar um comentário
Todos os comentários publicados não significam a adesão às ideias nelas contidas por parte deste apostolado, nem a garantia da ortodoxia de seus conteúdos. Conforme a lei o blog oferece o DIREITO DE RESPOSTA a quem se sentir ofendido(a), desde que a resposta não contenha palavrões e ofensas de cunho pessoal e generalizados. Os comentários serão analisados criteriosamente e poderão ser ignorados e ou, excluídos.