-Dados do livro resenhado:Título da obra: "Evolucionismo cultural: textos de Morgan, Tylor e Frazer"
Na apresentação do livro, Celso Castro traz o contexto no qual esses textos foram escritos bem como notas biográficas de cada um dos autores, abordando de que maneira surgiu em cada um o interesse por temas relacionados à antropologia, como parentesco, a própria definição de cultura, religião, e que os colocaria no “panteão dos fundadores” da disciplina.Castro ressalta, ainda, a extensão e a influência da obra desses autores sobre outros, como a leitura do texto de Morgan por Marx e Engels que contribuiu para a escrita da obra desse último “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”.Ainda, segundo Celso Castro, os textos reunidos “além de sua importância histórica, [...] sintetizam idéias-chave de teoria e método característicos do evolucionismo cultural”.Tal tradição antropológica estava inserida no contexto científico do século XIX, no qual a forma de apreender e explicar os fenômenos tanto naturais quanto culturais era predominantemente evolucionista, isto é, havia um progresso direcionado de formas simples às complexas, da homogeneidade à heterogeneidade, das atrasadas às avançadas.Nesse contexto, aliado à aceitação do postulado pós-darwiniano de que toda a humanidade teria uma origem comum (monogenismo), a grande questão que tomava conta do debate antropológico e sobre os quais os autores reunidos na obra buscavam respostas era:
Ou investigações sobre as linhas do progresso humano desde a selvageria, através da barbárie, até a civilização”, escrito em 1877.O autor afirma que a antiguidade da humanidade é imensurável e que esta passou por um “processo de desenvolvimento tão notável nos caminhos seguidos quanto em seu progresso” (p.43).No prefácio de seu texto, Morgan destaca a ordem do progresso pela qual a humanidade caminhou:“pode-se afirmar agora, com base em convincente evidência, que a selvageria precedeu a barbárie em todas as tribos da humanidade, assim como se sabe que a barbárie precedeu a civilização. A história da raça humana é uma só – na fonte, na experiência, no progresso”. (p.44). Na frase acima temos os elementos da teoria evolucionista de Morgan, pela qual a humanidade, como uma raça única, teve uma única origem, a partir da qual seguiu a trajetória do progresso, passando (ou estando) por um dos três “períodos étnicos”: selvageria, com os subperíodos inicial, intermediário ou final; barbárie, com os subperíodos inicial, intermediário ou final; e a civilização, divida em antiga e moderna. Segundo Morgan “essas três distintas condições estão conectadas umas às outras numa seqüência de progresso que é tanto natural como necessária” (p.49). Nesse sentido, a trajetória da humanidade era uniforme, unilinear e ascendente.Definidos por Morgan, com base nas “evidências”, esses períodos étnicos, que são os “estágios do desenvolvimento humano”, ou fases da evolução cultural da humanidade, cobrem, cada um, “uma cultura distinta e representará um modo de vida particular” (p.57).As evidências do progresso eram as invenções e descobertas e as instituições primárias, principalmente, a família, o governo e a propriedade – que teriam tidos seus germes durante o primeiro período étnico: a selvageria. São essas evidências que delimitam e fixam o início e o fim de um período e, dentro de um mesmo período, os subperíodos da trajetória que percorreu a humanidade.No entanto, essa trajetória não é apenas vista no tempo histórico, pois como diz Morgan, este é “imaterial”, e, portanto, não serve como evidência da condição de diferentes tribos e nações. A trajetória é vista naquele momento, ou no momento da descoberta da tribo ou nação, o que possibilitaria que “num mesmo tempo, diferentes tribos e nações do mesmo continente, e até da mesma família lingüística, estejam em diferentes condições [nos períodos étnicos]” (p. 61).Morgan nos apresenta ainda a maneira como essas invenções e descobertas e as instituições sociais e civis primárias os ajuda no empreendimento de delimitar os períodos étnicos, pela organização e comparação desses elementos:“Quando organizadas e comparadas tendem a mostrar a origem única da humanidade, a semelhança de desejos humanos em um mesmo estágio de avanço e a uniformidade das operações da mente humana em condições similares de sociedade” (p.44-45).Utilizando o método comparativo, que cruza a história e os continentes, retirando as tribos, povos e nações dessa história e de seu contexto, por separar seu modo de vida em invenções e descobertas e por instituições, e fazendo uma regressão em direção aos selvagens, afirma que “estamos lidando, substancialmente, com a história antiga e com as antigas condições de nossos próprios remotos ancestrais” (p.64).
No início de seu texto, Tylor nos apresenta a sua definição de cultura ou civilização como sendo aquilo que é “adquirido” pelo homem como “membro de uma sociedade”: “é aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos”.Tylor coloca esse conceito de cultura numa perspectiva evolucionista e científica ao defender que ela “possa ser investigada segundo princípios gerais”, sendo “um tema adequado para o estudo de leis do pensamento e da ação humana”.A cultura teria uma uniformidade devido “à ação uniforme de causas uniformes” e uma variabilidade de graus atribuída aos “estágios de desenvolvimento ou evolução” (p.69).No presente texto, Tylor assume e defende a posição que o estudo da cultura e da vida humana deve ocupar: a da ciência (naquele momento, positivista e racionalista), seguindo o modelo das ciências naturais, visto que, para o autor, esse estudo deve ser um “ramo da ciência natural”, pois a história da humanidade faz parte da espécie animal e, portanto, é possível e desejável que se defina leis, busque princípios gerais mediante as evidências, sua classificação e comparação, e os testes de recorrência dos fatos.Nesse contexto, a tarefa da “etnografia racional”, positivista e científica, é “a investigação das causas que produziram os fenômenos de cultura e das leis às quais estão subordinados” (p.93).Lança, a seguir, o problema a ser compreendido e explicado cientificamente pelo etnógrafo, mediante provas, que são as evidências: “como o fenômeno da Cultura pode ser classificado e arranjado, estágio por estágio, numa ordem provável de evolução” (p.74).A comparação deve ser feita entre elementos da cultura (armas; mitos, ritos e cerimônias), pois “um primeiro passo no estudo da civilização é dissecá-la em detalhes e, em seguida, classificá-los em seus grupos apropriados” (p.76).Tylor afirma que a comparação deveria ser entre “raças que se encontram em torno do mesmo grau de civilização”, não sendo levado em consideração a “data na história ou lugar no mapa”.Tylor lançando-se no debate da época no qual as diferenças entre os homens deveriam ser explicadas pela diferença de local de origem (determinismo geográfico) ou de raça (determinismo biológico), posiciona-se contra estes, porque assume teoricamente o evolucionismo como explicação da variabilidade (de grau) da Cultura, bem como a origem única do homem, o monogenismo, afirmando que:“para o presente propósito, parece tanto possível quanto desejável eliminar considerações de variedades hereditárias, ou raças humanas, e tratar a humanidade como homogênea em natureza, embora situada em diferentes graus de civilização. Os detalhes da pesquisa provarão, parece-me, que estágios de cultura podem ser comparados sem levar em conta o quanto tribos que usam o mesmo implemento, seguem o mesmo costume ou acreditam no mesmo mito podem diferir em sua configuração corporal e na cor de pelo e cabelo” (p.76).O elemento que o ajudaria a traçar o curso da evolução seria as “sobrevivências”, pois como seriam “processos, costumes, opiniões [...] que, por força do hábito, continuaram a existir num novo estado de sociedade diferente daquele no qual tiveram sua origem”, seriam evidências, “provas e exemplos de uma condição mais antiga de cultura que evoluiu em uma mais recente” (p.87).Em seu texto surgem inúmeros exemplos de sobrevivências, com a explicação de seu desenvolvimento, seu significado e como prova da evolução - não sem colocar seus próprios juízos de valor.Na época
Neste texto, uma palestra proferida por Frazer, na Universidade de Liverpool, em 1908, o autor busca apresentar para seu público a disciplina que ele propõe ser sua área de atuação: a recente Antropologia Social.Nesse sentido, Frazer demarca as fronteiras dessa ciência e delimita suas tarefas:“comparar as várias raças de homens, traçar suas afinidades e, por meio de uma ampla coleção de fatos, seguir desde os primórdios, e até tão longe quanto possível, a evolução do pensamento e das instituições humanas. O objetivo disso, assim como de todas as outras ciências, é descobrir as leis gerais às quais se possa presumir que os fatos particulares se conformam” (p.103).O estudo com o qual o antropólogo deve-se ocupar, segundo Frazer, é o “homem primitivo”, o “selvagem”, mas ressalva que este último não o é em sentido absoluto, mas sim relativo, pois para ele é impossível alcançar o homem realmente primevo.Este estudo constituiria, para Frazer, um dos “departamentos” da disciplina:“O estudo da selvageria” (p.112). Para Frazer, assim como para Morgan e Tylor, a trajetória evolutiva a ser trilhada pela humanidade seria uniforme, unilinear e ascendente.Segundo Frazer, em sua investigação, o antropólogo deve buscar a verificação das “crenças e costumes que sobreviveram como fósseis entre povos de cultura mais elevada” (p.106), vistas por ele como “relíquias”, de maneira semelhante ao que Tylor denomina de “sobrevivências” - os hábitos e costumes de um estágio evolutivo anterior são encontrados num estágio mais avançado.Essas relíquias que o antropólogo deve perseguir incluem-se no outro departamento da Antropologia Social: o estudo do folclore, constituído pelas “superstições”, isto é, “idéias e práticas mais primitivas entre povos que, em outros aspectos, ascenderam a planos mais elevados de cultura [...]” (p.112).A transmissão seria pelos seus ancestrais, o que tornaria essas pessoas e grupos “civilizados na aparência, embora não na realidade”. “Crenças e práticas desse tipo são, portanto, corretamente chamadas de superstições, o que significa, literalmente, sobrevivências. É de superstições, no estrito senso da palavra, que trata o folclore” (p.113).Frazer termina sua conferência prenunciando o fim do objeto de estudo da Antropologia num futuro bastante próximo. A partir disso justifica seu pedido de financiamento de expedições para registrar o que restava dos “selvagens”, antes de seu desaparecimento.Ainda, esta previsão, de acordo com os limites que ele havia demarcado para a disciplina, punha em risco a existência da própria Antropologia:“ainda há tempo de enviar expedições a essas regiões, de financiar homens no local familiarizados com as línguas dos nativos e que deles tenham a confiança. [...] Pois logo, muito logo, as oportunidades que ainda temos terão desaparecido para sempre. Em mais um quarto de século, provavelmente restará pouco ou nada da velha vida selvagem para registrar. O selvagem, tal como ainda podemos vê-lo, estará tão extinto quanto o pássaro Dodô” (p.124).
Com este livro, o leitor tem uma ampla visão dos autores do período clássico da teoria evolucionista na Antropologia e do contexto no qual os debates estavam inseridos. Cabe ressaltar, que naquele momento a Antropologia buscava sua legitimação entre as ciências e, para tal, era necessário delimitar seu campo de interesse, seu objeto – os “selvagens”, o homem primitivo - suas preocupações e seus métodos de investigação.
Assim é que se pode compreender a estreita relação que os autores estabelecem entre a antropologia, enquanto ciência que estuda a cultura e o homem, e as ciências naturais pela perseguição de leis e princípios gerais que regeriam a vida da humanidade.
[1] Sobre a evolução cultural e os pensadores evolucionistas ver, entre outros, SUÁREZ, Mireya. A seleção natural. Humanidades, v.2, n.9, Brasília: EdUnb, pp.128-138, out./dez.,1994; CLASTRES, Hélène. Primitivimos e ciência do homem no século XVIII. Discurso , n. 13, São Paulo: Polis, pp.187-208, 1983.
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