Mário Dias Ferreira dos Santos (Tietê, 3 de
janeiro de 1907 – 11 de abril de 1968) foi um filósofo, tradutor e escritor
brasileiro. Traduziu obras de diversos autores e
escreveu livros sobre diversos temas, publicados sob o nome Enciclopédia de
Ciências Filosóficas e Sociais. Ele também desenvolveu seu próprio
sistema, nomeado de “Filosofia Concreta”.Mário foi
militante anarquista (de linha Cristã) e um dos poucos estudiosos brasileiros
do chamado anarquismo cristão, tendo sido ativo participante do Centro de
Cultura Social, um dos mais importantes núcleos anarquistas de São Paulo da
primeira metade do século XX.Ele foi lido e recomendado por expoentes do
anarquismo como Edgard Leuenroth e Jaime Cubero.
RESUMO DE SUA ÓPERA:
-Escola/Tradição: pitagorismo,anarquismo
Cristão e o aristotelismo.
-Data de nascimento: 3 de
janeiro de 1907 em Tietê, Brasil. Morte: 11
de abril de 1968 (61 anos) em São Paulo.
-Principais interesses: filosofia,
política, psicologia, oratória e religiões comparadas.
-Ideias notáveis: Filosofia
Concreta e Mathesis Megiste.
-Sofreu influências de: Pitágoras,
Platão, Nietzsche, Aristóteles, Pierre-Joseph Proudhon, Carl Jung, João Duns
Escoto, Henri-Frédéric Amiel e Francisco Suárez.
-Influenciado pela sua obra: Jaime
Cubero
Biografia de
Mário Dias Ferreira dos Santos
Mário Ferreira dos Santos nasceu em 3 de
janeiro de 1907, na cidade de Tietê, em São Paulo. Seu
pai, Francisco Dias Ferreira dos Santos, nasceu em Portugal, foi casado com
Maria do Carmo dos Santos, era dono de uma companhia teatral itinerante e
estabelecido em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Mário participou do
curta-metragem de ficção Os Óculos do Vovô, filme brasileiro mais antigo de que
se tem notícia, dirigido por Francisco. Ele foi
matriculado em um colégio jesuíta e em 1925 ingressou na Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, no curso de Direito, onde se formou em 1930. Passou a
escrever em jornais de Pelotas, e no Diário de Notícias e no Correio do Povo,
ambos de Porto Alegre. Como jornalista participou da Revolução de 1930 e acabou
na prisão pelas críticas feitas ao novo regime. Em 1929 casou-se com
Yolanda Duro Lhullier, com quem teve duas filhas. No início dos anos 40 foi
contratado como tradutor pela Livraria do Globo, em Porto Alegre. Mudando-se
para São Paulo em 1945, continuou seu trabalho como tradutor na Editora Flama. Com dificuldades em publicar seus livros, fundou suas
próprias editoras, a Logos S.A. e a Matese S.A. Foi pioneiro no sistema de
venda de livro a crédito, de porta em porta. Mário morreu em 1968,
devido a uma doença cardiovascular.
Obra de Mário Dias Ferreira dos Santos
Mário traduziu várias obras clássicas, de
autores como Aristóteles, Pitágoras, Friedrich Nietzsche, Immanuel Kant, Blaise
Pascal, Tomás de Aquino, Duns Scott, Henri-Frédéric Amiel e Walt Whitman.A partir de 1947 passou a dedicar-se unicamente à filosofia.
Fiel a à ideologia anarquista, lecionou durante esse tempo para alunos
particulares e pequenos grupos informais:
“Nunca ocupei nenhum cargo em nenhuma escola,
por princípio. Deliberei, desde os primeiros anos,
tomar uma atitude que consiste em nunca disputar cargos que podem ser ocupados
por outros. Sempre decidi criar o meu próprio cargo, a minha própria
posição sem ter de ocupar o lugar que possa caber a outro. Eis por que não
disputo, nunca disputei nem disputarei qualquer posição que possa ser ocupada
por quem quer que seja” (Mário Ferreira dos Santos).
O Prof. Luís Mauro Sá Martino, pesquisador da
obra de Mário, conta que, à época, "praticamente
não existiam livros sobre os assuntos aos quais ele se referia. Filosofia era
um produto importado e caro. As obras filosóficas principais não estavam
traduzidas e os textos em circulação, em sua maioria, eram precários, por isso,
foi preciso começar do zero, construir as bases de um pensamento filosófico e,
em seguida, expor sua filosofia original." Mário se dedicou a
escrever filosofia para o grande público, buscando afirmar a independência e
capacidade para desenvolvimento de uma inteligência filosófica brasileira. Para Mário, o brasileiro era um povo apto para uma filosofia
de caráter ecumênico. De acordo com suas ideias, o Brasil não poderia
permanecer recebendo apenas variadas ideias de outros países, e, sem uma
filosofia própria, não seria possível solucionar seus inúmeros problemas.
O anarquismo de Mário Dias Ferreira dos
Santos
Mário foi defensor e
entusiasta do cooperativismo. Para ele o socialismo, despido de seu caráter
autoritário e de sua visão abstrata da humanidade, assume uma faceta
libertária, e em sua ação concreta o ser humano mostra-se capaz de fazer
associações livres e colaborativas que se desprendem do sistema
capitalista, do qual Mário era crítico. Dizia: “A cultura e o saber não têm
pátria nem classes nem interesses criados. A cultura é livre por sua natureza,
vence o tempo, vence as contingências, vence o preconceito. Todo sábio, que é
realmente prudente, e é assistido por uma sã sabedoria, é um libertário.” - Mário
teve participação na militância anarquista pós-Estado Novo, sendo particularmente adepto às ideias econômicas de Proudhon.
Na Editora e Distribuidora Sagitário, Mário traduziu e publicou a obra
na qual o anarquista alemão Rudolf Rocker discorria sobre as origens do pensamento
social-libertário. Nas seções de livros recomendados dos jornais libertários,
duas obras de Mário receberam destaque. Foram elas: Teses da Existência e da
Inexistência de Deus, de 1946, e Análise Dialética do Marxismo.Nesta última,
Mário faz uma crítica social-libertária ao marxismo:
“Nos últimos cem anos em que o marxismo se
estruturou, a principal polêmica foi travada entre os
dois socialismos: o autoritário e o libertário. Se este último, nessa época de
cesarismo, é aceito por uma número reduzido e disperso de partidários, o
primeiro, inegavelmente, atrai o maior número de seguidores. No entanto,
é de verificar-se que, em face das decepções, os socialismos mais idealistas
sentem, quando os fatos lhes mostram algum malogro do socialismo, a necessidade
de retornar às posições do socialismo libertário, onde permanecem à espera de
que novos acontecimentos possam mudar a fisionomia e a significação dos fatos”.
Mário conheceu o anarquista Jaime Cubero em
1945 e passou a discursar sobre anarquismo em centros anarquistas como o já
mencionado Centro de Cultura Social (CCS). Exerceu
influência na formação de vários anarquistas, como o próprio Jaime Cubero, além
de Chico Cubero, outros militantes do CCS e Maurício Tragtenberg.
Mário tentou desenvolver seu próprio sistema,
na contramão da filosofia profissionalizante de sua época!
Segundo o autor, o
espírito de colonizado dos brasileiros da época não os deixavam tentar
desenvolver nada original.Ao lado de Raimundo de Farias Brito, foi um dos
únicos brasileiros que tentou recuperar os grandes sistemas característicos da
filosofia do século XVII. Stanislavs Ladusãns, um dos primeiros
divulgadores da filosofia de Mário, incluiu o autor entre os grandes filósofos
brasileiros da primeira metade do século XX, ao lado de:
-Vilém Flusser,
-João Cruz Costa,
-Padre Lima Vaz, dentre outros.
João Cezar de Castro Rocha atribui certo
esquecimento de Mário ao contexto da década de 50 do séc. XX, pois, durante esse período, havia o desejo de se valorizar a
pesquisa filosófica realizada nas universidades, ambição que se chocava diretamente
com o autodidatismo de Mário. Ainda há por volta de 29 obras inéditas de
Mário Ferreira.
Livros já publicados de Mário Dias Ferreira
dos Santos
-“Teses da Existência e da
Inexistência de Deus” - com
pseudônimo de Charles Duclos. Editora e Distribuidora Sagitário, 1946.
-“Se a Esfinge Falasse” - com pseudônimo de Dan Andersen. Editora e
Distribuidora Sagitário, 1946.
-“Realidade do Homem” - com pseudônimo de Dan Andersen. Editora e
Distribuidora Sagitário, 1947.
-“Curso de Oratória e Retórica” - Editora Logos, 1953.
-“Técnica do Discurso Moderno” - Editora Logos, 1953.
-“Filosofia e Cosmovisão”. Editora Logos, 1954, É Realizações, 2015 (2ª
edição).
-“Lógica e Dialética”. Editora Logos, 1954, PAULUS, 2007 (2ª edição)
-“Psicologia”. Editora Logos, 1954.
-“Teoria do Conhecimento”. Editora Logos, 1954.
-“Ontologia e Cosmologia”. Editora Logos, 1954.
-“O Homem que Nasceu Póstumo”. Editora Logos, 1954.
-“Curso de Integração Pessoal”. Editora Logos, 1954.
-“Análise Dialética do Marxismo”. Editora Logos, 1954.
-“Tratado de Simbólica”. Editora Logos, 1955, É Realizações, 2007 (2ª
edição).
-“Filosofia da Crise”. Editora Logos, 1955 (1ª edição), É
Realizações, 2017 (2ª edição).
-“O Homem Perante o Infinito (Teologia)”.
Editora Logos, 1955.
-“Aristóteles e as Mutações”. Editora Logos, 1955.
-“Noologia Geral”. Editora Logos, 1956.
-“Filosofia Concreta” (3 volumes). Editora Logos, 1956, É
Realizações, 2009 (2ª edição).
-“Sociologia Fundamental e Ética
Fundamental”. Editora
Logos, 1957.
-“Filosofias da Afirmação e da
Negação”. Editora
Logos, 1957.
-“Práticas de Oratória”. Editora Logos, 1957.
-“A casa das paredes geladas”. Editora Logos, 1958.
-“O Um e o Múltiplo em Platão”. Editora Logos, 1958, IBRASA, 2001 (2ª
edição).
-“Métodos Lógicos e Dialéticos” (3 volumes). Editora Logos, 1959.
-“Pitágoras e o Tema do Número”. Editora Logos, 1960. IBRASA, 2000 (2ª edição)
-“Páginas Várias”. Editora Logos, 1960.
-“Filosofia Concreta dos Valores”. Editora Logos, 1960.
-“Convite à Estética”. Editora Logos, 1961.
-“Convite à Psicologia Prática”. Editora Logos, 1961.
-“Convite à Filosofia”. Editora Logos, 1961.
-“Tratado de Economia” (2 volumes). Editora Logos, 1962.
-“Filosofia e História da Cultura” (3 volumes). Editora Logos, 1962.
-“Análise de Temas Sociais” (3 volumes). Editora Logos, 1962.
-“O Problema Social”. Editora Logos, 1962.
-“Dicionário de Filosofia e
Ciências Culturais” (4
volumes). Editora Matese, 1963.
-“Dicionário de Pedagogia e
Puericultura” (3
volumes). Editora Matese, 1965.
-“Origem dos Grandes Erros
Filosóficos”. Editora
Matese, 1965.
-“Protágoras”. Editora Matese, 1965.
-“Isagoge de Porfírio”. Editora Matese, 1965.
-“Grandezas e Misérias da Logística”.
Editora Matese, 1966.
-“Invasão Vertical dos Bárbaros”. Editora Matese, 1967.
-“Erros na Filosofia da Natureza”. Editora Matese, 1967.
-“A Sabedoria dos Princípios”. Editora Matese, 1967.
-“A Sabedoria da Unidade”. Editora Matese, 1967.
-“A Sabedoria do Ser e do Nada”. Editora Matese, 1968.
-“O Apocalipse de São João
(póstumo)”. Editorial
Cone Sul, 1998.
-“A Sabedoria das Leis Eternas
(póstumo)”. É
Realizações, 2001.
-“Cristianismo, a Religião do Homem”
(póstumo). EDUSC,
2003.
-“Homens da Tarde (póstumo)”. É Realizações, 2019.
Raimundo de Farias Brito
Raimundo de Farias Brito (São Benedito, 24 de
julho de 1862 — Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 1917)
foi um escritor e filósofo brasileiro, sendo considerado como um dos maiores
nomes do pensamento filosófico do país e autor de uma das mais completas obras
filosóficas produzidas originalmente no Brasil, em que identificou os planos do
conhecimento e do ser, voltando dogmaticamente à metafísica tradicional,
de caráter espiritualista.
RESUMO DA ÓPERA:
-Escola/Tradição: Espiritualismo
[nota 1]
-Data de nascimento: 24 de
julho de 1862, em São Benedito. Morte 16
de janeiro de 1917 (54 anos), no Rio de Janeiro.
-Principais interesses: poesia,
metafísica, epistemologia, ética, religião, direito, ciência, história,
teologia, filosofia e psicologia.
-Religião: Simpatizante do Catolicismo.
-Trabalhos notáveis: A Base
Física do Espírito (1912), O Mundo Interior (1914)
-Sofreu influências de: Bergson
• Espinoza • Fischer • Kant • Lange • Sócrates • Gratry • Schopenhauer • Tobias
Barreto • Nicolas Malebranche • John William Draper • Friedrich Albert Lange •
Xenófanes e Émile Boutroux.
-Foram Influenciados por seu trabalho: Jackson de Figueiredo • Plínio Salgado •
Arlindo Veiga dos Santos • Jonathas Serrano • Nestor Vítor • José Pedro Galvão
de Sousa • Álvaro Bomílcar da Cunha • Tasso da Silveira • Graça Aranha e Eduardo Henrique Girão
Vida de Raimundo de Farias Brito
Filho de Marcolino José de Brito e Eugênia
Alves de Farias, fez seus primeiros estudos na cidade
de Sobral, todavia, devido à seca, teve de mudar-se com a família para
Fortaleza, onde completou o curso secundário no Liceu do Ceará. Formou-se em
direito na Faculdade de Direito do Recife, onde foi aluno de Tobias Barreto,
obtendo o título de bacharel em 1884. Atuou como promotor e, por duas
vezes, como secretário no governo do estado do Ceará. Mais tarde transferiu-se
para o estado do Pará, onde lecionou na Faculdade de Direito de Belém do Pará
(1902-1909) e trabalhou como advogado e promotor. Tido
como autor de prestígio, mudou-se para o Rio de Janeiro (1909) e venceu o
concurso para a “cátedra de lógica” do Colégio Pedro II. Mas, à época, a lei
previa que o Presidente da República escolheria o catedrático entre os dois
primeiros classificados no concurso. Graças à intercessão de amigos, o segundo
colocado, Euclides da Cunha, foi nomeado. Porém, este último foi alvo de um crime
passional, tendo exercido o magistério durante poucos dias no Pedro II. Assim,
com a morte do autor de "Os Sertões", Farias Brito acabaria ocupando
o cargo em questão, exercendo-o pelo resto da vida. É patrono da cadeira
número 31 (trinta e um) da Academia Cearense de Letras. Segundo o escritor
maçom Zelito Nunes Magalhães, Farias Brito foi maçom, filiado à Loja Porangaba
nº 2, fundadora da Grande Loja Maçônica do Ceará.
Filosofia de Raimundo de Farias Brito
A grande preocupação filosófica de Farias
Brito sempre foi o combate ao materialismo e suas
vertentes, afirmando, em contrário, uma cosmovisão espiritualista. Para ele,
espírito é “a energia que sente e conhece, e se manifesta, em nós mesmos, como
consciência, e é capaz, pelos nossos órgãos, de sentir, pensar e agir”.O
espiritualismo, nesse contexto, é entendido como a filosofia “que considera o
espírito a realidade verdadeira e suprema, sendo a matéria, no mais rigoroso
sentido da palavra, uma criação daquela realidade suprema, ou devendo
explicar-se como manifestação exterior do desenvolvimento mesmo do espírito”. Partindo desse ideal espiritualista, o filósofo cearense
passou por duas grandes fases. Carlos Lopes de Mattos as distingue entre a do
monismo panteísta, acentuado principalmente em Finalidade do Mundo, e a do
pluralismo teísta, que atinge o ápice na obra O Mundo Interior. Em
ambas, o pensamento britiano é espiritualista, embora, na primeira, esse
espiritualismo possa se chamar “paralelista”.
Na primeira fase, Brito compreende a
realidade através da substância única, que é a luz, manifestando-se sob duas
faces: a natureza e a consciência!
Ele se expressa assim: “A natureza é Deus
representado, a luz é Deus em sua essência e a consciência é Deus percebido”.
Nesse percurso, o filósofo chega a afirmar que a consciência é a coisa em si,
manifestando-se o cosmos como o seu fenômeno.
Na fase final de Raimundo de Farias Brito
Brito renega o monismo e concebe uma causa
primária pessoal de onde todas as coisas são criadas, Deus, que é a coisa-em-si
por excelência, sendo o espírito humano uma realidade secundária e todos os
seres uma ideia divina, de modo que os corpos são fenômenos do pensamento
divino. Isso o leva a identificar a metafísica à
psicologia, mas uma psicologia “supercientífica” e transcendente, definida como
“ciência do espírito”. Em sua fase definitiva, Brito adotava uma teoria
realista e pluralista. Assim, afirmava a dualidade real da consciência e do
mundo e a multiplicidade das substâncias.
Farias Brito foi sempre um
filósofo moderno, com poucos conhecimentos sobre a filosofia antiga e medieval.
Isso leva Francisco Elías de Tejada a afirmar
que o pensamento de Brito seria amplamente beneficiado
pela leitura de Tomás de Aquino, do qual sempre aceitou, inconscientemente,
muitos postulados. Para ele, a situação seria
similar à de Rudolf von Ihering, que dizia ter perdido a chance de se poupar de
muitas fadigas anteriores com a simples leitura da Suma Teológica. Mattos
discorda, sustentando que, devido aos seus hábitos mentais, Brito dificilmente
seria abalado pela leitura de Santo Tomás e descartando a hipótese de uma
conversão escolaśtica. Para Sanson, Brito professava
uma filosofia estoica! Tanto ele quanto Tejada afirmam a brasilidade
típica do pensamento britiano, que teria guiado os principais aspectos da sua
filosofia.
Ética de Raimundo de Farias Brito
A ética britiana, baseada na busca pela
verdade e voltada ao aprimoramento do homem, é resumida
em dois preceitos: fazer o bem e não fazer o mal.Brito apresenta um conceito
pessimista do homem, que tenderia naturalmente para o mal. Porém, o homem é,
também, regenerável. Nesse caminho, ele se envolve na luta entre o
chamado da consciência e os instintos da natureza, sendo tanto mais perfeito
quanto menos sacrifica suas convicções às conveniências, através do próprio
esforço. Por isso, o homem é espiritualmente livre a
escolher entre as convicções e as conveniências. Sendo a verdade, para Farias
Brito, a adequação do intelecto à coisa, a convicção deve ser a crença
da sua posse, ou a face subjetiva da verdade.Portanto, toda a moral britiana se
fundamenta na “verdade”. Ora, raciocina Brito, a
verdade é descoberta na filosofia, que, pela concepção do universo, dá sentido
à natureza, ao sofrimento e à morte; logo, a moral se baseia na filosofia, e a
teoria filosófica tem sua finalidade no conceito prático da moral. A filosofia
cria a moral, por desvelar a verdade. Dentro desse pensamento, Farias
Brito adota uma visão prática do que é a religião. É a moral organizada,
governando a sociedade pela razão. “Religião”, como
concebe Brito, não é uma ideia ou ciência, mas o governo real dos homens pela
lei moral.Apesar disso, Tejada afirma que, em suas doutrinas morais, Brito é “o moralista escolástico que (jamais soube)
repetia as desconhecidas doutrinas escolásticas”.
Política em Raimundo de Farias
Brito
Farias Brito foi um crítico veemente da
Revolução Francesa, do liberalismo, do individualismo, da democracia e do
socialismo. Ele acusava o liberalismo de ser o pai do
socialismo e do positivismo. Logo em A Filosofia Moderna, Brito argumenta: “Em
primeiro lugar, o lema fundamental [Liberdade, Igualdade e Fraternidade] que
chegou a ser considerado como a mais gloriosa conquista da revolução, de todo
se desmoralizou, tornando-se patente que nunca a desigualdade de condição entre
os homens chegou a tomar tão vastas proporções como nas democracias. Que
os homens não são iguais demonstra-o o complicado sistema das hierarquias
sociais. Que não são livres demonstra-o a variada combinação de laços e
sujeições a que estão subordinados. Que não são irmãos
demonstra-o o espetáculo cotidiano da exploração do homem pelo homem. Depois,
se a questão era fazer cessar em política toda e qualquer espécie de
absolutismo, acontece que nem isto chegou a conseguir a Revolução, porquanto se
a democracia foi o resultado legítimo da Revolução, é uma verdade que ao absolutismo
do Papa e dos reis, sucedeu nas democracias o absolutismo dos capitalistas e
banqueiros, mil vezes mais destestável”. Para ele, a Revolução Francesa
destruiu todas as crenças tradicionais, não deixando
nada em troca, assim entregando o povo, “sem ideal e sem fé,
exclusivamente ao império das paixões desordenadas”. Isso gerou a anarquia! Farias Brito atribui a causa do caos social e político
moderno à ignorância do destino moral humano, ao esquecimento dos deveres
humanos com o sofrimento de seus semelhantes, à perda da simpatia devido ao
predomínio absoluto do egoísmo, ao aniquilamento do sentimento de solidariedade
devido à morte das religiões tradicionais e, sobretudo, à vitória do
materialismo. Em “A Filosofia Moderna”, Brito analisa três correntes
sociais:
-A ditadura científica de Comte.
-O naturalismo individualista de Spencer.
-E o socialismo coletivista de Marx.
Ele vincula todas essas doutrinas a um “laço
comum”: “é a preocupação de só se considerar como positivamente verificado o
que pode ser explicado mecanicamente: é o prejuízo
mecânico que leva a explicar tudo, quer na natureza, quer na sociedade, só por
forças físico-químicas, considerando-se como desnecessária e mesmo
condenando-se como absurda, a concepção de uma verdade superior, como princípio
regulador do mecanismo do mundo”. Ao mesmo tempo em que classifica o
individualismo de “vizinho da anarquia”, Brito acusa o socialismo de “fazer dos
indivíduos máquinas que o Estado move”. Comentando Bakunin, o filósofo
chama o anarquismo de "um caso de verdadeira loucura política, a mais
estranha e incompreensível das vertigens, a mais dolorosa e inexplicável
explosão do desespero" e, ao mesmo tempo, “um ideal inatingível”. Apesar de seu convicto anticomunismo, Brito argumentava a
necessidade de uma reforma que constituísse a sociedade de modo a assegurar, a
cada um, a “fácil conquista do pão”. Essa reforma, contudo, deveria ser
feita através de uma “grande ideia moral”, fugindo à lógica materialista do
“interesse”. Para ele, o interesse material sempre
conduz à desagregação e ao conflito. Assim, a sociedade deve ser reformada,
eliminando as injustiças, mas “não pela luta e pelo ódio, o que em si mesmo
envolve uma contradição nos termos, mas pela convicção e o amor”. Contra
a tese socialista de que “a questão social deve ser resolvida politicamente, em
nome do interesse”, Brito argumenta que “a questão social deve ser resolvida
religiosamente, em nome de uma ideia”. Esses princípios morais regeneradores
deveriam ser buscados na filosofia. E, abrindo sua obra, ele bradava: “Quero
dirigir, aos pequenos e aos humildes, palavras de conforto; quero levantar
contra os tiranos a espada da justiça”. Tejada, um dos
principais representantes do tradicionalismo carlista espanhol, afirma que a
reação política britiana é “inconscientemente tradicionalista", tendo o
filósofo realizado uma "análise racionalista com consequências
tradicionais”. Em seguida, ele aponta Farias Brito como “o maior pensador
político do primeiro século do Brasil independente” e sua obra como o “ponto de
partida para uma interpretação do nacionalismo brasileiro”. Farias Brito
foi uma das influências mais importantes do integralismo brasileiro, segundo seu
fundador, Plínio Salgado.
Religião em Raimundo de Farias
Brito
De início, Farias Brito era adepto de um
panenteísmo, conforme o qual as coisas produzidas por Deus subsistiriam
imanentes na realidade divina fundamental. Com o passar
do tempo, começou a afirmar um Deus pessoal e criador, de cujo pensamento nasce
o cosmos. Para ele, Deus é a causa e explicação de todo ser, que nele existe,
vive e se move. Assim, o espírito humano também é apenas um efeito do Espírito
Divino, ao qual é ligado e do qual depende.Francisco Elías de Tejada afirma
que, em seu exemplar pessoal de “A Filosofia como Atividade Permanente do
Espírito Humano”, em posse de Leonardo Van Acker, Farias Brito teria
substituído a afirmação de que Deus é o movimento perpétuo por “a fonte
perpétua do movimento”, acrescentando, logo adiante, a seguinte observação: “E
se é permitido distinguir a ordem do mundo e a de Deus, deve-se em todo caso
reconhecer que uma coisa reflete a outra”. Em O Mundo Interior, Brito
assinala seu entendimento de Deus como o nous de Anaxágoras, o primeiro motor
imóvel de Aristóteles e o “homem-medida de todas as coisas” do famoso sofista
Protágoras. Seu diário íntimo testemunha que, ainda
quando panenteísta, em 1901, Brito rezava com fé e profunda piedade cristã para
um Deus pessoal, transcendente, onipotente e com vontade própria, dando-lhe
graças pelas preces atendidas. Em Finalidade do Mundo, de 1895, mesmo
identificando Deus e a luz, o filósofo repelia a ideia
de um Deus mecânico, morto, mudo e impotente. Apesar de, ainda em O Mundo
Interior, de 1914, o filósofo ter continuado pregando a criação de uma nova
religião, natural e prática, Tejada entendeu, nesse direcionamento teísta de
sua filosofia, uma aproximação ao cristianismo, chegando a afirmar sobre ele:
"católico pelos desejos do coração, faleceu quando estava prestes a sê-lo
pelas razões do cérebro". Jackson de Figueiredo, seu maior
discípulo, dizia que Brito foi um grande crente que em toda a vida ignorou o
seu próprio cristianismo íntimo. De fato, o filósofo
sempre manteve para sua família um lar cristão, tendo consumado seus dois
matrimônios na Igreja Católica e batizado todos os filhos. Brito permitia à
esposa a frequência nos Sacramentos, e contemplou com muita felicidade a
Primeira Comunhão das filhas. Ele costumava pedir às filhas que lhe recitassem
o Credo em voz alta. Seu livro favorito era a
Imitação de Cristo, de Tomás de Kempis, e mantinha, na sala de visitas, um
quadro do Sagrado Coração de Jesus. Uma de suas filhas relata tê-lo
visto frequentemente parado, de pé, meditando de frente a um oratório em seu
quarto, principalmente nas horas mais difíceis. Nesse oratório, através de uma
vidraça, via-se o Cristo pregado à Cruz, a Virgem Maria, São José, Santo
Antônio e outras imagens. Jonathas Serrano diz ter ouvido de fonte segura que,
certa vez, Farias Brito deixou escapar: "Papai,
por que você é tão bom assim?..." Seu convívio com Jackson de Figueiredo
levou-o, pouco a pouco, a se aproximar da Igreja Católica. Além disso,
para seu sétimo livro filosófico, nunca publicado, estudou muitos autores
católicos, examinando o dogma da queda e a origem das religiões. Proporia, no
livro, a Redenção como a própria vida das lágrimas de Deus sobre a morte do
espírito revoltado.
Obras de Raimundo de Farias Brito
-Cantos Modernos (1889)
-História Sobre Fenícios e Hebreus (1891)
-Divagações em torno de uma grande
mentalidade (1892)
-Homens do Ceará (1896-1897)
-Sobre a filosofia de Malebranche (1898)
-Manifesto do corpo (1900)
-O positivismo do Gomes de Castro (1902)
A obra filosófica de Farias Brito compõe-se
de duas trilogias:
I - Finalidade do mundo
-A Filosofia como Atividade Permanente do
Espírito Humano (1895)
-A Filosofia Moderna (1899)
-Evolução e Relatividade (1905)
II - Ensaios sobre a Filosofia do Espírito
-A Verdade como Regra das Ações (1905)
-A Base Física do Espírito (1912)
-O Mundo Interior (1914)
Homenagens póstumas a Raimundo de Farias
Brito
-Em Fortaleza nomeou-se o Colégio Farias
Brito, fundado por Ari de Sá Cavalcante, no antigo Colégio São João. O colégio veio a tornar-se a rede de ensino particular Farias
Brito que atua nos ensinos fundamental, médio e superior e, seguindo os ideais
de seu patrono, ensina filosofia a partir da 1ª série do Ensino Fundamental,
quando seus alunos aprendem filosofia antes de saberem ler.
-Para homenageá-lo, o município cearense de
Quixará passou a ser denominado Farias Brito.
-Em Manaus, a Escola Estadual Farias Brito
está localizada entre os bairros do Centro e Praça 14 de Janeiro.
-Em São Benedito, nomeou-se em homenagem a
Farias Brito uma escola pública estadual, localizada próximo ao centro da
cidade. A casa onde ele nasceu é até hoje conservada.
-Existe um bairro em Fortaleza que se chama
Farias Brito. O nome foi posto em homenagem ao filósofo.
*Nota (1): Ao longo
de todas as suas fases, a filosofia de Farias Brito é espiritualista e
antimaterialista, com forte influência neokantiana. Contudo, como ele afirmava,
o espiritualismo, assim como o materialismo e o panteísmo, abre espaço para
várias modalidades, sendo uma delas o próprio criticismo. Por isso, há
muita disputa sobre uma possível denominação de sua modalidade, uma vez que
Brito nunca aderiu a nenhuma escola. Padre Leonel
Franca qualificou sua filosofia como "panpsiquismo panteísta". Essa
classificação, que tornou-se clássica e popular, foi contestada por boa parte
dos outros estudiosos de Brito, como sendo válida somente para a primeira fase
das obras do filósofo. Francisco Elías de Tejada afirma que a filosofia
britiana é um "existencialismo racionalista". Vitorino Félix Sanson, por outro lado, discorda da classificação de Tejada
e argumenta que Farias Brito professava o estoicismo. Ele diz:
"estoicos são os seus conceitos de Filosofia e de Metafísica, a sua
metafísica da natureza e do homem, a sua demonstração da existência de Deus, a
sua concepção da essência divina e da religião".
Bibliografia
-Mário Ferreira dos Santos leitor de
Nietzsche Problemata: R. Intern. Fil. v.6 n.2 (2015)
-Brito, Farias (2006). O Mundo Interior
(PDF). Brasília: Senado Federal
-Brito, Farias (2006). A base física do
Espírito (PDF). Brasília: Senado Federal
-Brito, Farias (2012). A Filosofia moderna
(PDF). Brasília: Senado Federal
-Franca, Leonel (1965). Noções de história da
Filosofia 18ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora
-Mattos, Carlos Lopes (1962). O pensamento de
Farias Brito. São Paulo: Herder
-Serrano, Jonathas (1939). Farias Brito: o
homem e a obra. [S.l.]: Companhia Editora Nacional
-Tejada, Francisco Elías (1952). As doutrinas
políticas de Farias Brito. São Paulo.
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