A compreensão da Eucaristia, central no cristianismo, tem sido objeto de intenso debate ao longo dos séculos, particularmente no que se refere à natureza real ou simbólica do Corpo e Sangue de Cristo. Uma das questões mais recorrentes é: quando Jesus disse “Isto é o meu corpo” em Mateus 26,26, Ele falava de maneira literal ou figurativa? Para responder a essa pergunta, é necessário analisar o contexto histórico e linguístico dos Evangelhos, lembrando que os textos originais foram redigidos em grego. O verbo usado na narrativa, “eínai”, carrega um sentido existencial e veritativo que vai além de uma mera representação simbólica. A reflexão sobre o uso preciso da linguagem grega, associada ao entendimento da ontologia clássica e à doutrina da Transubstanciação, permite perceber que a Igreja Católica sustenta, com base nas Escrituras e na tradição, que a presença de Cristo na Eucaristia é real, verdadeira e substancial.
João 6,54-56: "Todo
aquele que comer a minha carne e beber o meu sangue tem vida eterna, e Eu o
ressuscitarei no último dia. Pois a
minha carne é verdadeira comida, e meu sangue é verdadeira bebida. Aquele
que come a minha carne e bebe meu sangue permanece em mim, e Eu nele...”
I Cor 11,26-28: “Portanto,
todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice proclamais a
morte do Senhor, até que Ele venha. Por
esse motivo, quem comer do pão ou beber do cálice do Senhor sem distinguir, será
culpado de pecar contra o corpo e o sangue do Senhor. Examine, pois, cada
um a si próprio, e dessa maneira coma do pão e beba do cálice...”
É preciso primeiramente saber e entender que os evangelhos originais foram "escritos em grego"!
No grego usa-se o verbo "ser" (É) não apenas para
falar algo, mas também para afirmá-lo, ou seja, para dizer que a situação
predicada "é o caso", "é realmente assim", é verdade! Portanto, o uso veritativo do verbo "ser", em grego, significa que:
a)Alguma coisa existe.
b)Algo é predicado disso.
c)Que (a) e (b) são,
ambos, verdadeiros.
Em grego, "ser" e "realidade" são termos
que apresentam as mesmas raízes etimológicas, sendo "realidade"
simplesmente, nada mais que formas adjetivas e nominais de "ser" e
"é". Essas e outras multiplicidades de funções e sentidos assumidas
pelo verbo "ser", e em especial, essa tentativa de fusão de seu uso:
1)-predicativo,
2)-existencial,
3)-identitativo
4)-veritativo em um único
verbo trouxeram à ontologia grega a impossibilidade de se separar a leitura
existencial das outras implicitamente afirmando ou negando a existência,
juntamente com os outros sentidos do verbo.
Dito assim, é possível
compreender porque, na língua grega, a expressão "dizer o que algo é",
é explicitamente apresentado como uma definição de verdade. Conseqüentemente, a
expressão "dizer o que não é" não significa, simplesmente, dizer que
algo não existe, mas também é a expressão usada para expressar algo sem
sentido, pronunciar o que não corresponde à realidade. Para a clássica
polêmica entre Heráclito e Parmênides, Aristóteles propõe uma nova
interpretação do "ser", segundo a qual em todo ser devemos
distinguir:
-O ato, que é a manifestação atual do ser.
-A potência, que se traduz
pelas possibilidades do ser, como uma realidade "mental" entre o Ser
e o Não-Ser, como aquilo que ainda não existe, mas pode vir-a-ser.
Ao
elaborar a realidade, reconhecia-se a multiplicidade dos seres percebidos pelos
sentidos. Assim, tudo o que vemos, pegamos, ouvimos e sentimos é aceito como
elemento da realidade. A observação da realidade leva-nos à constatação da
existência de vários seres individuais, concretos, mutáveis captados por nossos
sentidos e expressos por nossa linguagem. (KAHN,
Charles H. Cadernos de Tradução: sobre o verbo grego ser e o conceito de ser.
Rio de Janeiro: Puc-Rio, [2001?]. p. 155-196) Ora, partindo destes princípios reais, e não da “ACHOLOGIA” protestante, se
conclui que o Sacrifício de Cristo na
Cruz é oferecido a Deus na Santa Missa, este Sacrifício é atualizado novamente (não repetido), de forma incruenta (conf. Malaquias 1,10-12). O centro
da Missa é o Sacrifício, oferecido pelo sacerdote na Pessoa de Cristo em
benefício de toda a Igreja. Nas narrativas da instituição da Eucaristia
(Mt 26,26s; Mc 14,22s; Lc 22,19s; I Cor 11,23s) vemos que Nosso Senhor disse taxativamente, e sem subterfúgios, que o Pão e o Vinho “SÃO” seu Corpo e seu Sangue (Isto "é" Meu Corpo; Isto é o
cálice do Meu Sangue).
PERGUNTA QUE NÃO QUER
CALAR: Seria possível escrever em grego "isto significa", ou
"isto representa"?
Sim! Se os três evangelistas quisessem poderiam ter usado o verbo “semanei” (em
grego) para “simbolizar” ou “significar”. No entanto, a forma usada pelos 3
evangelistas é "aftó eínai" (em grego: isto "É").
O QUE É A "TRANSUBSTANCIAÇÃO" EUCARÍSTICA?
A Transubstanciação, é a doutrina por excelência, central e
vital da santa Igreja Católica Apostólica, Romana. O Catecismo da Igreja
Católica define esta doutrina nas seções abaixo do CIC:
§1373 - A
PRESENÇA DE CRISTO PELO PODER DE SUA PALAVRA E DO ESPÍRITO SANTO: "Cristo Jesus, aquele que morreu, ou melhor, que
ressuscitou, aquele que está à direita de Deus e que intercede por nós"
(Rm 8,34), está presente de múltiplas maneiras em sua Igreja (CONSUBSTANCIALMENTE,
ou seja, espiritualmente): em sua Palavra, na oração de sua Igreja, "lá
onde dois ou três estão reunidos em meu nome" (Mt 18,20), nos pobres, nos
doentes, nos presos, em seus sacramentos, dos quais ele é o autor, no
sacrifício da missa e na pessoa do ministro. Mas "sobretudo (está presente
de forma REAL) sob as espécies eucarísticas".
§1374 - O modo de presença de Cristo sob as
espécies eucarísticas é único. Ele eleva a Eucaristia acima de todos os
sacramentos e faz com que da seja "como que o coroamento da vida espiritual
e o fim ao qual tendem todos os sacramentos". No santíssimo sacramento da
Eucaristia estão "contidos verdadeiramente, realmente e substancialmente o
Corpo e o Sangue juntamente com a alma e a divindade de Nosso Senhor Jesus
Cristo e, por conseguinte, o Cristo todo" - "Esta presença chama-se
'real' não por exclusão, como se as outras não fossem 'reais', mas por
antonomásia (ocupação), porque é substancial e porque por ela Cristo, Deus e homem, se
toma presente completo."
§1375 - É ela
a "conversão" (não transformação de uma matéria em outra como em Caná) do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Cristo que este se
torna presente em tal sacramento. Os Padres da Igreja afirmaram com firmeza a
fé da Igreja na eficácia da Palavra de Cristo e da ação do Espírito Santo para
operar esta conversão. Assim, São João Crisóstomo declara: “Não é o homem que faz com que as coisas oferecidas se tomem Corpo e
Sangue de Cristo, mas o próprio Cristo, que foi crucificado por nós. O
sacerdote, figura de Cristo, pronuncia essas palavras, mas sua eficácia e a
graça são de Deus. Isto é o meu Corpo, diz ele. Estas palavras transformam (convertem)
as coisas oferecidas.”E Santo Ambrósio afirma acerca desta
conversão: “Estejamos bem persuadidos de que isto não é o que a natureza formou,
mas o que a bênção consagrou, e que a força da bênção supera a da natureza,
pois pela bênção a própria natureza é mudada. Por acaso a palavra de Cristo, que conseguiu
fazer do nada o que não existia, não poderia mudar as coisas existentes naquilo
que ainda não eram? Pois não é menos dar às coisas a sua natureza primeira do
que mudar a natureza delas.”
§1376 - O
Concílio de Trento resume a fé católica ao declarar "Por ter Cristo,
nosso Redentor, dito que aquilo que oferecia sob a espécie do pão era
verdadeiramente seu Corpo, sempre se teve na Igreja esta convicção, que O
santo Concílio declara novamente: pela consagração do pão e do vinho opera-se a
mudança de toda a substância do pão na substância do Corpo de Cristo Nosso
Senhor (glorificado) e de toda a substância do vinho na substância do seu Sangue; esta
mudança, a Igreja católica denominou-a com acerto e exatidão
Transubstanciação".
§1377 - A presença eucarística de Cristo (por
antonomásia), começa no momento da consagração e dura também enquanto
subsistirem as espécies eucarísticas. Cristo está presente inteiro em cada
uma das espécies e inteiro em cada uma das partes delas, de maneira que a
fração do pão não divide o Cristo.
§1413 - Por meio da consagração opera-se a
Transubstanciação do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Cristo. Sob as
espécies consagradas do pão e do vinho, Cristo mesmo, vivo e glorioso está
presente de maneira verdadeira, real e substancial, seu Corpo e seu Sangue,
com sua alma e sua divindade.
BREVE EXPLICAÇÃO TEOLÓGICA:
Em outras palavras, a Igreja Católica Apostólica Romana,
ensina dogmaticamente, que uma vez que um sacerdote (presbítero, ou padre) legitimamente
ordenado, abençoe o pão da Ceia do Senhor, este é convertido na real carne de
Cristo (apesar de manter a aparência, ou acidentes, tais como: odor e gosto de
pão); e quando ele abençoa o vinho, este é convertido no real sangue de
Cristo (apesar deste manter sua aparência, odor e gosto de vinho).
Tal conceito é bíblico?
Sim! pois algumas passagens das Escrituras, nos levam a
realmente confirmar a “real presença” de Cristo no pão e vinho! Encontramos estes
exemplos claros e incontestes em João 6,32-58; Mateus 26,26; Lucas 22,17-23; e I Coríntios
11, 24-25. A passagem mais contundente e cabal, é João 6,32-58, principalmente
os versículos 53-57:
“Jesus,
pois, lhes disse: Na verdade, na verdade vos digo que, se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue,
não tereis vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem
a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne
verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida. Quem come a
minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele. Assim como o
Pai, que vive, me enviou, e eu vivo pelo Pai, assim, quem de mim se alimenta,
também viverá por mim...”
UMA PALAVRA TEOLÓGICA SOBRE OS "MILAGRES EUCARÍSTICOS" RECONHECIDOS PELA IGREJA
Quando falamos em Transubstanciação, nos referimos a uma mudança por antonomásia, ou seja, uma conversão essencial, e não a uma mera transformação física. Diferente das bodas de Caná, onde a água se transformou em vinho com mudança química da matéria, a Transubstanciação não altera os acidentes perceptíveis — o pão continua com sabor, aparência e odor de pão, e o vinho mantém suas características sensoriais —, mas altera substancialmente a realidade, tornando o pão o Corpo de Cristo e o vinho o Sangue de Cristo. Nos milagres eucarísticos, ocorre de fato uma transformação material, visível e extraordinária, que vai além da transubstanciação. Esses milagres são sinais extraordinários da fé, destinados a fortalecer a adesão dos fiéis a esse grande mistério, e não constituem a regra, mas a confirmação da ação divina. A conversão que ocorre na transubstanciação é de natureza espiritual, sobrenatural, e substancial: algo muda profundamente, mesmo que, externamente, tudo permaneça igual. Podemos fazer uma analogia: quando uma pessoa se converte de uma vida desregrada e se aproxima de Deus, sua essência é transformada, ainda que sua aparência externa permaneça a mesma. Do mesmo modo, um fio elétrico conectado à rede recebe energia: externamente ele continua o mesmo fio, mas sua realidade funcional foi alterada de forma significativa, mesmo que não possamos perceber a olho nu. As mudanças materiais podem ser invisíveis, mas são detectáveis por meios sensíveis, como energia, radiação ou som. Já as transformações de ordem espiritual são invisíveis e insensíveis, pois pertencem ao plano sobrenatural, transcendendo as leis naturais. Portanto, queridos irmãos e irmãs, contra fatos, não existem argumentos contrários. A Transubstanciação é o maior mistério da fé: Cristo se faz presente de maneira real e substancial na Eucaristia, e nossa participação neste sacramento nos permite tocar, por graça, o divino. Reconhecer este mistério é afirmar a fé no poder de Deus, que transforma e sustenta a realidade visível e invisível, conforme sua vontade.

Conclusão
Portanto, à luz da análise linguística, teológica e bíblica, a afirmação de Jesus na Última Ceia não pode ser reduzida a um mero símbolo ou representação. A expressão “Isto é o meu corpo” possui um significado ontológico profundo, sustentado pelo uso veritativo do verbo grego e pela tradição e ensino da Igreja. A doutrina da Transubstanciação, corroborada pelas palavras de Cristo em João 6 e I Coríntios 11, confirma que o pão e o vinho consagrados não apenas representam, mas são verdadeiramente o Corpo e o Sangue de Cristo. Compreender este mistério é reconhecer a profundidade da fé católica, que transcende a aparência sensível e nos convida a participar, espiritualmente e sacramentalmente, da vida eterna que Cristo nos oferece. Se Deus pode criar e transformar a realidade, Ele também pode operar a transubstanciação; pois para Deus nada é impossível. Ou acreditamos nesse milagre, ou colocamos em dúvida todo o restante de seu poder. Como as Escrituras revelam, Deus está presente em todo lugar (Salmo 139,7-10); portanto, não podemos duvidar de que Ele está presentemente na Eucaristia, exatamente como Ele mesmo afirmou em Mateus 26,26.
*Francisco José Barros Araújo –
Bacharel em Teologia pela Faculdade Católica do RN, conforme diploma Nº 31.636
do Processo Nº 003/17
BIBLIOGRAFIA
-BÍBLIA. A Bíblia Sagrada: Edição Pastoral. São Paulo: Paulinas, 2010.
-CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Edição oficial da Santa Sé. Brasília: CNBB, 1997.
-KAHN, Charles H. Cadernos de Tradução: sobre o verbo grego ser e o conceito de ser. Rio de Janeiro: PUC-Rio, [2001?].
-JOHNSTON, George. The Eucharist in the Early Church. London: SPCK, 1990.
-AMBRÓSIO, Santo. Sobre os Sacramentos. Trad. Antonio Pereira de Figueiredo. Lisboa: Apostolado da Imprensa, 2004.
-TRENTO, Concílio de. Decreto sobre a Eucaristia. In: Concílio de Trento. In: CONCÍLIO DE TRENTO. Constituição e decretos. Rio de Janeiro: Edições Paulinas, 2002. p. 145-160.
-JOHNSON, Maxwell E. The Mystery of the Eucharist: Theology and Practice. New York: Crossroad, 2002.
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