O segundo governo Dilma: Guinada à direita? "Não! Um cavalo de pau! - O governo está perdido e confuso. A situação é preocupante”!
O governo está perdido e confuso. A situação é preocupante!
Uma guinada à direita não é bem o caso; ela deu um “cavalo de pau”. O rumo dos acontecimentos no primeiro mandato dela apontava para uma direção de retorno da inflação e baixo crescimento econômico — tudo isso estava no radar. Aliás, as candidaturas de oposição batiam exatamente nessa direção, na necessidade de mudança na orientação.O problema da Dilma é que ela pensa que é economista; ela pode ser tudo, mas ela não é a economista que ela pensa que é! Tanto que quando ela assumiu as rédeas da economia, junto com o Mantega, ela enfiou o país num beco sem saída. Então, não tinha jeito, tinha de mudar.
3)- Considerando esse cenário previsto anteriormente de baixo crescimento para este ano, então não há surpresa em relação às mudanças anunciadas no segundo mandato ou há?
Não, certamente. Mas para o eleitor há, porque foi dito uma coisa e outra coisa foi feita. Agora, o caminho em que a situação se encontrava não permitia a reiteração, porque era o caminho errado. E não à toa Dilma foi chamar economistas que na verdade perfilavam o programa do adversário!
4)- Foi acertada a escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda?
5)- Quais são as principais crises e contradições do atual governo Dilma?
Ela apostou no caminho do nacional-desenvolvimentismo. Esse caminho está exausto. Ele teve seu momento décadas atrás, mas agora não há como continuar. O mundo evoluiu e não há mais folego para uma política desse tipo. A globalização e a internacionalização da economia são um fato, são uma realidade.
6)- O governo Lula iniciou seu mandato com o projeto nacional-desenvolvimentista. Em que momento o governo Dilma, como continuidade do governo Lula, deveria ter mudado de projeto ou deveria ter percebido que este projeto estava esgotado, como o senhor está dizendo?
Faltou coragem intelectual e competência também para admitir que as circunstâncias foram outras. Então, levou-se até o fim essa possibilidade esgotada na campanha eleitoral, mas com o fim da campanha eleitoral, não havia prerrogativa se não mudasse.
7)- As circunstâncias das quais o senhor fala, que deveriam ter levado a uma mudança de projeto, foram consequência de fatores internos ou externos? Pode exemplificar alguns?
As duas coisas. Os internos são a baixa capacidade de investimento, o afastamento do empresariado do governo Dilma e o desencanto com uma proposta que já estava claro que já tinha dado o que tinha que dar.
8)-Qual é o significado da eleição de Eduardo Cunha na Câmara dos Deputados e de Renan Calheiros no Senado?
A eleição de Renan Calheiros era muito esperada, inclusive porque ele é muito confiável do ponto de vista do governo. Por outro lado, Cunha vinha acumulando forças em nome de algumas coisas até importantes, como a independência do Poder Legislativo, e ele foi capaz de galvanizar em torno dele o baixo clero e setores inconformados com a política do governo, inclusive da própria base aliada, conforme se viu.
9)-Que papel jogará o PMDB no segundo mandato de Dilma?
O PMDB é chave. Ele está mais encorpado e autonomizado agora em relação ao governo. OPMDB percebeu que estava sendo alijado pelo governo e esse foi um dos motivos, inclusive, que propiciou a maciça adesão, por parte do PMDB, à candidatura de Eduardo Cunha. Enfim, as urnas apontavam para o fato de que o PMDB tinha se fortalecido, mas a presidente, que tem um vice-presidente do PMDB, não reconhece o fato e montou um ministério com uma influência reduzida do PMDB, e o PMDB reagiu. Além do fato de o Eduardo Cunha agrupar em torno dele todas as demandas corporativas na classe política e também de agrupar a reação a essa agenda comportamental, digamos, libertária, de alguns setores, como o tema da sexualidade, do aborto. Então, ele se tornou um candidato muito poderoso por vários motivos. Ele tem uma agenda política, uma agenda corporativa e uma agenda das questões comportamentais. Agora a presidente vai ter de saber coexistir e conviver bem com ele. A situação é preocupante.
10)- O senhor concorda com a tese de que o governo Dilma está muito isolado neste segundo mandato? Se sim, quais são as razões e os possíveis riscos disso?
Que está havendo atritos e ruídos na relação da presidente Dilma com o PT, que é o partido dela, é evidente. Isso está presente no cotidiano, estampado nos jornais. E isso é muito perigoso, porque a presidente precisa de um partido que a sustente!
11)- Quais são as razões dos atritos entre ela e o partido? Isso representa uma crise ainda maior do próprio partido?
Um dos motivos é que tal como o PMDB, as facções majoritárias do PT foram deslocadas na hora da composição do governo: os homens da democracia socialista passaram a ter uma posição mais encorpada do que as correntes majoritárias do PT. Então isso também pesa. Além do fato de que a presidente não é capaz de justificar, de forma clara, para o mundo da política, para os eleitores, para os cidadãos em geral, qual é o sentido da política dela, ou seja, por que ela adotou a linha, em termos de programa econômico, do seu adversário. Isso tem de ser dito e explicado. Ela tem de apresentar um diagnóstico. Agora é difícil para ela explicar, porque ela fez uma campanha política dizendo que estava tudo bem. Mas de qualquer forma ela tem de dizer que se antes estava tudo bem, agora a situação é outra e é preciso fazer mudanças, ou seja, que neste momento é preciso fazer uma mudança de rumo no que se refere a aspectos da sua política. Mas ela não fez nada: mudou e não falou nada; ficou muda.
12)- É possível identificar um núcleo duro hoje no governo?
É o pessoal do teu estado, a Democracia Socialista do Rio Grande do Sul, a Dilma, Aloizio Mercadante, que não é o “ás” da política que dizem que ele é.Tudo vai depender do que o PT vai fazer, especialmente o Lula. A presidente precisa ter um partido que a sustente. Se ela ficar sem partido, vamos repetir o caso do Collor e aí o impeachment seria inevitável. A pior coisa que ocorreu foi o desencanto e o fato de o país olhar em torno e ver que não há nenhum projeto de futuro que seja persuasivo, que mantenha capacidade de encantamento; estamos sem rumo e não podemos ficar assim.
13)- Essa falta de encantamento não é repentina. O que houve? Não foi diagnosticada a tempo?
Sem dúvida, mas isso aconteceu por causa do pragmatismo. O pragmatismo é bom em política, mas ele não pode prescindir de um elemento de convicção. A ética da responsabilidade — essas categorias célebres da obra de Weber — é incontornável, mas ela não pode abdicar de uma ética de convicção. O que ocorreu ao longo desses governos foi que as convicções foram jogadas fora, postas embaixo do tapete. A ética de responsabilidade nos levou ao pragmatismo que só consultou as suas razões e pôs a marca maior no presidencialismo de coalizão que temos, que é uma forma degradada de política.
14)- Assiste-se hoje a um crescente movimento interno no PT com a convocatória “Lula 2018” como tábua de salvação da continuidade do PT no poder. Como interpreta esse movimento?
Isso a meu ver não ajuda porque apenas põe em parêntese quatro anos. Quatro anos é muito tempo. Como era o mundo há quatro anos? Como era o Brasil há quatro anos? Diferente e, em alguns casos, radicalmente diferente. As coisas não vão permanecer iguais até que chegue a hora da convocação da próxima sucessão presidencial. O que se tem de pensar é como garantir condições de operação do governo que aí está.
15)- Parcela do movimento social brasileiro tem levantado a bandeira da reforma política. Como interpreta essa bandeira no contexto da atual conjuntura?
O presidente da Câmara já assumiu o compromisso de levar a iniciativa legislativa que já existe a voto. Isso vai encontrar uma decisão, mas é claro que isso vai demorar porque o projeto de reforma que está no Congresso agrada apenas parcialmente, mas não agrada a todos. Vai ser difícil encontrar um consenso, mas como a opção foi de encaminhar a reforma política de modo “fatiado”, é possível que os aspectos de difícil aceitação sejam logo rejeitados e as partes, digamos, mais saudáveis da reforma persistam. Esse é um caminho possível.
16)- Diante das manifestações que ocorreram em 2013 e no passado, vislumbra a possibilidade de novas manifestações por conta do aumento da tarifa de energia, do provável aumento da tarifa de água — já anunciado — e do aumento da gasolina, que possivelmente irá gerar aumento no valor da passagem do transporte público e dos alimentos?
Tem havido algumas movimentações, especialmente em São Paulo, mas elas não têm, pelo menos por enquanto, a mesma envergadura do que se encontrou em 2013. E as manifestações de massa, se vierem, virão por essa agenda que você mencionou, por conta do custo de vida, da inflação.
17)-Há razões para ir às ruas hoje como se teve em 2013?
A insatisfação agora é mais funda. Se ela vier à tona vai ser muito difícil domesticá-la, porque aí diz respeito aos rumos do país e não a políticas setoriais como foi em 2013, quando as manifestações foram organizadas em torno de políticas públicas específicas, como da saúde, do transporte. Agora, se vier, virá por uma agenda geral.
18)- E se as manifestações vierem, poderá haver risco de impeachment?
Penso nessa possibilidade com muita preocupação porque não gosto dessa saída institucional, mas, como disse o senador Cristovam Buarque, em declaração recente no Senado, isso já está nas ruas. Mas isso seria, a meu ver, um terremoto. A presidente tem de procurar dialogar. Um diálogo que está implícito aí é o Levy e o seu programa econômico, que é o programa econômico do PSDB. Então, num certo sentido, há uma coalizão aí não declarada.Os principais protagonistas da política brasileira deviam propor uma saída suprapartidária no sentido de defender as instituições e a democracia brasileira. André Lara Rezende escreveu há poucos dias um artigo no Estadão em que os últimos parágrafos são dedicados precisamente a essa possibilidade de uma “quase que” — não estou dizendo “de” — união nacional.Mas precisa de muita maturidade para realizar isso, porque do contrário essa crise pode se tornar infernal, especialmente se ocorrer a reiteração de movimentações massivas como aquelas de 2013, onde certamente o termo impeachment vai aparecer. É necessário evitar isso urgente. Mas está difícil ver quem seria um dos portadores dessa boa mensagem.
19)- O governo em negociação com as centrais sindicais não voltou atrás e sequer negociou as medidas de redução do direito ao seguro-desemprego e de mudanças nas regras de pensão por morte e o auxílio-doença. Como interpretar esse endurecimento do governo?
Essa foi também uma coisa mal conduzida. Que há distorções, há, que há fraude, há. Que isso tem de ser corrigido, tem, mas isso tem de ser dito. Isso tudo tinha de ser concebido de forma consensual, as centrais sindicais tinham de ser chamadas e a situação tinha de ser exposta para mostrar qual é o tamanho da fraude e do buraco que as distorções têm trazido para a política fiscal brasileira, e aí chegar a um consenso. Mas não, o assunto caiu como um relâmpago de cima para baixo.
20)- Algumas notícias dos últimos dias informam que o ex-ministro Mantega havia dito aos representantes das centrais sindicais, no ano passado, que ajustes seriam feitos neste ano. Mas essa questão não foi informada nas eleições. Por quê?
O debate eleitoral foi muito pobre. O tema da distribuição de renda, por exemplo, não apareceu nas eleições. Thomas Piketty fazendo um sucesso danado nas livrarias e na imprensa, mas esse tema passou ao largo nas eleições e ninguém quis se aventurar nele. Todas as questões polêmicas foram contornadas no debate eleitoral por falta de coragem política de apresentar as ideias com medo da perda de votos.A presidente da República é claramente favorável ao aborto, mas essa é a última questão que ela irá trazer para o debate. Com essa covardia política, conforme denunciou o candidato do PV, Eduardo Jorge, de os candidatos não apresentarem de fato suas posições, elas não vêm à tona e não resulta em educação cívica, e a política fica uma coisa meio eleitoreira.
21)- Outro movimento social, ao lado da CUT, que tem endurecido o discurso contra o governo é o MST, principalmente após a nomeação de Kátia Abreu. O governo corre o risco de perder apoio junto a bases tradicionais do movimento social?
O MST é ambivalente; foi assim com Lula também. O MST é outro que não se assume, não sai do armário. O MST é o que: um movimento social ou um partido político?Faz falta, no sistema político brasileiro, um partido que tenha mais representação agrária real. O MST poderia ter se tornado esse partido ou então, se não quisesse, que fosse uma facção de outro partido, como, por exemplo, do PT. Mas não quis; ele prefere atuar como movimento social, mas é muito dependente do governo. Quem dá dinheiro para o trabalho do MST, para as escolas do MST? De onde vem esse dinheiro? É do governo. Então, é um movimento muito ambivalente e não creio que o MST tenha esse poder de fogo.
22)-Como o senhor está “lendo” a atual crise da Petrobras?
Essa é uma crise terrível porque afeta uma empresa que é um símbolo do país, do desenvolvimento e da industrialização do país. A Petrobras cresceu demais, cresceu mais do que podia e com uma velocidade que não permitiu que os passos fossem bem calculados. Foi uma corrida vertiginosa contra o tempo à base de uma visão mágica de que com o pré-sal nós iriamos saltar para o mundo desenvolvido. Claro que o pré-sal é um recurso importante, mas isso tudo exigia mais ponderação, um cálculo mais refinado. Mas uma ambição desmedida tomou conta do governo. A empresa tem de ser defendida e tem de ser regenerada.
23)-Como o Sr avalia a renúncia coletiva da direção da empresa, na semana passada?
Ao que tudo indica, a Graça Foster desistiu, não suportou mais o curso dos acontecimentos. A Petrobras foi muito mal administrada politicamente e não só politicamente, mas gerencialmente. A empresa precisa ter sua lógica própria. Rebaixar o preço da gasolina como se fez, penalizou a Petrobras. Vamos ver se a empresa consegue se recuperar agora.
24)- Há possibilidades de um novo partido que preencha o vácuo do PT? Como vê a articulação em curso a partir do Rio e de São Paulo em torno da criação de um partido similar às experiências do Syriza da Grécia e do Podemos da Espanha?
Em primeiro lugar, fala-se disso (do surgimento de um partido como o Podemos no Brasil), mas não há esboço disso (da criação do partido no Brasil) nem de longe. Em segundo lugar, tanto o movimento grego como o espanhol são movimentos de jovens educados politicamente, com trajetórias políticas articuladas. A juventude brasileira não está nesse nível; ela está ainda viciada nos manuais revolucionaristas das décadas anteriores. Então não tem novidade política e intelectual nesses movimentos juvenis. Basta ver os black blocs; é um modelo exemplar disso. Uma das moedas correntes na juventude é o anarquismo, mas com o anarquismo não se faz o poder, o Podemos, não se faz o Syriza.
25)- O anarquismo já está superado enquanto uma “possibilidade” para se chegar ao poder, ou uma reação ao poder instituído?
O anarquismo tem lá os seus encantos poéticos, agora, para governar o mundo é preciso algo além disso. Mas voltando ao ponto, a juventude brasileira não está se educando para uma intervenção do tipo da que ocorre na Espanha e na Grécia; ela está olhando para o passado e é prisioneira de uma história que já passou, ainda vive no bovarismo. Os jovens não são modernos. Não estou vendo até agora algo que reitere a experiência espanhola e grega. Não vejo pistas e indícios disso.
26)-O que o futuro reserva ao Partido dos Trabalhadores? Conseguirá recuperar a vitalidade que um dia teve com as “ruas” ou sobreviverá apenas de sua história?
O futuro a Deus pertence, agora, o que o PT trouxe na época de sua formação está perdido. Se ele terá condições de encantar e reanimar de algum modo a sua vida e ter um discurso persuasivo para a população, vai depender dele. Ainda não deu os sinais disso. O PT hoje é um partido sem intelectuais!
27)- Ao mesmo tempo alguns intelectuais estão tentando pensar novos rumos para a esquerda no Brasil. O que falta para eles?
É, há, mas essas esperanças dos gregos e dos espanhóis, a meu ver, são muito ingênuas porque não há nada que esteja fermentando em nossa sociedade que indique essa possibilidade. Acho que vamos ter de contar com os partidos que estão aí. Inclusive, tentei sinalizar nesta entrevista, em algum momento, a necessidade de os partidos mais responsáveis e presentes encontrarem uma saída para o impasse que aí está e para evitar o terremoto que pode abalar as estruturas políticas do país, ameaçando as conquistas que fizemos ao longo desse tempo. O melhor instrumento que nós temos é a Carta de 88 e as suas instituições. Então, temos de vigiar essa crise com recursos institucionais que estão ao nosso dispor, como o Ministério Público, o Judiciário. Temos de impedir que essa crise desate uma situação incontrolável de todos contra todos.
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