O inferno
são os outros?
A assertiva é dita por uma das
personagens da peça de teatro Huis clos (Entre quatro paredes, na tradução
brasileira), do francês Jean-Paul Sartre, escrita em 1945. Nela, duas mulheres
e um homem encontram-se no inferno, condenados a permanecer para sempre juntos,
“entre quatro paredes”. Em uma entrevista, o dramaturgo e filósofo contou que a
inspiração para a criação do texto surgiu de uma situação real: ele resolveu
escrever uma peça para três amigos seus, atores, mas não queria que nenhum
personagem tivesse mais destaque do que o outro. Então pensou: “Como mantê-los
sempre juntos em cena?”, indagação que trouxe a idéia de colocá-los presos no
inferno, de modo que cada uma das figuras cênicas agisse como carrasco das
outras duas. Ao trazer a célebre expressão, a peça sartriana pondera que o outro, na
verdade, é fundamental para o conhecimento de si mesmo. Isto é, o ser humano
necessita relacionar-se com o outro para construir a sua identidade, processo
nem sempre tranqüilo e harmonioso.Uma curiosidade é que, inspirado na
frase, o grupo de rock brasileiro Titãs compôs uma música intitulada exatamente
“O inferno são os outros”, e que tem o seguinte refrão:
“O problema não é meu!
O paraíso é para todos!
O problema não sou eu!
O inferno são os outros!
O inferno são os outros...”
"Estamos condenados a ser
livres!" Essa é a sentença de Sartre para a humanidade
O filósofo e escritor
francês, ao lado do argelino Albert Camus, foi um dos maiores representantes do
existencialismo, corrente filosófica que nasceu com Kierkegaard e reflete sobre
o sentido que o homem dá à própria vida. Segundo o filósofo, antes de tomar
qualquer decisão, não somos nada. Vamos nos moldando a partir das nossas
escolhas. Toda essa liberdade resulta em muita angústia. Essa angústia é ainda
maior quando percebemos que nossas ações são um espelho para a sociedade.
Estamos constantemente pintando um quadro de como deveria ser a sociedade a
partir das nossas ações. O curioso e paradoxal é que o próprio Sartre era
viciado em anfetaminas, ou seja, não foi exatamente um exemplo de conduta.
Defendia que temos inteira liberdade para decidir o que queremos nos tornar ou
fazer com nossa vida. A má-fé seria mentir para si mesmo, tentando nos
convencer de que não somos livres. “O problema é que nossos projetos pessoais entram em
conflito com o projeto de vida dos outros. Eles, os outros, tiram parte de nossa autonomia. Por
isso, temos de refletir sobre nossas escolhas para não sair por aí agindo sem
rumo, deixando de realizar as coisas que vão definir a existência de cada um. Ao mesmo tempo, é pelo olhar do outro que
reconhecemos a nós mesmos, com erros e acertos. Já que a convivência expõe
nossas fraquezas, os outros são o inferno, daí a origem da célebre frase do
pensador francês”.
Há
quem queira se divorciar para finalmente ser feliz, pois considera que o outro
e seu casamento são um inferno, mas, não o faz por causa dos filhos, família,
sociedade, etc, estes então se tornam também parte de seu inferno. Há quem
queira buscar outro trabalho, porque este o adoece física e mentalmente com
chefes e colegas infernais, mas não o faz porque precisa do dinheiro, a idade
está avançada, não tem competência para outra coisa, então o seu trabalho é um
inferno. Há quem queira mudar de cidade, porque sua cidade é atrasada com
pessoas chatas e paradas no tempo, enfim sua cidade também, é um inferno, mas
não o faz porque a família mora perto, precisa da ajuda deles e não tem
condições de mudar de cidade. Há quem queira mudar de rua, bairro, igreja,
paróquia, comunidade, etc. porque tudo e todos se tornaram um inferno, e o
problema sempre são os outros. No fundo, é tudo sobre comparação, competição,
sobre o inferno de se perceber mais ou menos que alguém, oscilando entre os
extremos da vaidade e do menosprezo a si mesmo. Seguimos aprendendo com Sartre,
com o mundo e com o pedagogo que mora em nós. O inferno são os outros,
porque o inferno é relativizar nossa inércia e nossas ações, sempre nos
comparando, sempre nos sentindo piores ou melhores que alguém.
O céu são os outros!
Jean-Paul Sartre
abriu as portas da humanidade para o terceiro milênio, apresentando, em uma
sentença, um modelo de vida intrinsecamente contrário ao cristianismo: “O
inferno são os outros”. Essa expressão cheia de significado resume a lógica do
individualismo: Na era da
modernidade, em que a técnica se torna cada vez mais avançada, ao ponto de
muitos a confundirem com o próprio infinito, o homem contemporâneo é
constantemente pressionado a isolar-se em suas conquistas materiais, pelo que
se esquece de suas responsabilidades pessoais e comunitárias [1]. Neste jogo de
interesses egoístas, o dom da amizade é solapado nas bases.Resumidamente, o existencialismo de Sartre considera “os outros” como
todos aqueles que, no contato diário conosco, revelam as nossas fraquezas e
defeitos. Eles são “o inferno” porque nos julgam com sua presença. Tiram a
nossa máscara de piedade. Com efeito, a vida
comunitária, na visão existencialista, é um fardo angustiante, mesmo que exista
um esforço para suportar a presença indesejada do outro.Não é preciso dizer o
quão daninha é essa visão distorcida da realidade. A vida social é uma
exigência natural do ser humano. Não se trata
simplesmente de algo acessório, mas de uma necessidade básica para o
desenvolvimento das capacidades do homem, a fim de que — conhecendo-se a si
mesmo por meio da relação com os demais, do serviço mútuo e do diálogo com seus
irmãos — ele responda satisfatoriamente à sua vocação [2]. Ora, a presença dos “outros”, longe de ser uma consciência julgadora —
como descreve Sartre —, é uma autoestrada para a autêntica liberdade e
conquista do Sumo Bem, pois, no trato com as dificuldades e diferenças de
temperamento do próximo, cada um é chamado a crescer em caridade.
Diz São Josemaría Escrivá [3]:
“Chocas com o caráter deste ou
daquele.Tem de ser assim necessariamente; não és moeda de ouro que a todos
agrade.Além disso, sem esses choques que se produzem ao lidar com o próximo,
como havias de perder as pontas, as arestas e saliências, imperfeições,
defeitos do teu temperamento, para adquirires a forma cinzelada, polida e
energicamente suave da caridade, da perfeição? Se o teu caráter e o caráter dos
que convivem contigo fossem adocicados e moles como gelatina, não te
santificarias.”
Neste sentido, "o existencialismo nada mais é que a
filosofia do desespero!"
Sartre é incapaz de
amar; por isso, vê o inferno onde, na verdade, está o céu. Quando não se está
convencido pelo amor cristão, torna-se evidentemente impossível a convivência
fraterna, já que “uma verdadeira fraternidade entre os homens”, recorda-nos o
Papa Francisco — “supõe e exige uma paternidade transcendente” [4]. Ainda mais:
é “a partir do reconhecimento desta paternidade, (que) se consolida a
fraternidade entre os homens, ou seja, aquele fazer-se ‘próximo’ para cuidar do
outro” [5]. Caso contrário, o ser humano é reduzido a uma mera engrenagem do
organismo social, uma peça que se pode descartar a qualquer momento. O “outro”
é tão somente um obstáculo na lei da “seleção natural”. Só os mais fortes sobrevivem.
A medida do cristianismo é diferente!
No Evangelho de São
João, Jesus se refere aos seus discípulos pela palavra “amigo”: “Non iam
servos, sed amicos (Já não vos chamo servos, mas amigos”- Jo 15, 15). Com esta
expressão, Cristo convida os apóstolos a não somente se relacionarem com
Deus-Todo Poderoso, mas também com Deus-Conosco: o Deus que é amigo e se faz
presente para o homem a todo momento.
Assim explicava o futuro Papa João Paulo I, Cardeal
Albino Luciani:
“O nosso Deus é tão
pouco rival do homem que quis fazer-se seu amigo, levando-o a participar da sua
própria natureza divina e da sua própria felicidade eterna” [6]. Assim, porque
somos chamados a realizar a vontade de Deus nas mínimas circunstâncias do dia a
dia, temos de considerá-Lo o nosso melhor amigo, levando uma vida segundo o
Evangelho, com coragem e fidelidade” [7]. Ademais, a palavra
amigo também exprime um convite à abertura ao próximo, para fazer-se
companheiro em suas necessidades. Um antigo adágio nos lembra que a verdadeira
amizade consiste nisto: Idem velle, idem nolle (querer as mesmas coisas e não
querer as mesmas coisas). Isso indica que a amizade é uma comunhão do pensar e
do querer. E, em última instância, significa a capacidade de entregar a vida
pelo irmão (Jo 15, 13; 10, 15).
Há uma advertência de São Gregório Magno capaz de resumir
tudo:
“Se tendeis para Deus, tende cuidado que não O alcanceis sozinhos” [8].
Ora, a caminhada para o céu nunca pode ser realizada individualmente, uma vez
que a fé “não é uma relação isolada entre o ‘eu’ do fiel e o ‘Tu’ divino, entre
o sujeito autônomo e Deus; mas, por sua natureza, abre-se ao ‘nós’, verifica-se
sempre dentro da comunhão da Igreja” [9]. Por isso, a missão
evangelizadora dos cristãos se concretiza mediante o interesse pela vida do
outro, por seus dramas e felicidades, por suas derrotas e conquistas,
estendendo-lhe a mão amiga e consoladora de Deus.
De fato, dizia Bento XVI aos jovens da Espanha certa vez:
Jesus “não deixa de infundir
alento nos corações, e leva-nos continuamente à arena pública da história, como
no Pentecostes, para darmos testemunho das maravilhas de Deus” [10]. Jesus quer
contar com a nossa amizade. Seremos amigos d’Ele na amizade com “os outros”.
Referências:
-Pio XII, Os perigos
do Tecnicismo. Radiomensagens de Natal. 1953.
-Catecismo da Igreja Católica, n. 1879
-Caminho, n. 20
-Francisco, Mensagem para o dia mundial da Paz (8 de dezembro de 2013), n.1
-Albino Luciani, Ilustríssimos senhores, págs 18-19
-Discurso do Papa Bento XVI aos jovens da Arquidiocese de Madri, 2 de abril de 2012
-H Ev 1, 6, 6: PL 76,
1097s.
-Discurso do Papa
Bento XVI aos jovens da Arquidiocese de Madri, 2 de abril de 2012
Por Equipe Christo
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