Presenteamos aos leitores do Apostolado Berakash com alguns trechos dos melhores momentos da entrevista com o ex-porta-voz do Papa João Paulo II, o leigo espanhol Joaquín Navarro-Valls, publicada na edição de maio da revista Studi Cattolici.A reportagem é de Aldo Maria Valli, publicada na revista Europa, 30-04-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista
1)-Qual
foi, na sua opinião, o principal ensinamento de João Paulo II a todos os fiéis?
O que ele verdadeiramente ensinou aos católicos durante seu longo pontificado?
-Ele
ensinou aos cristãos que não se pode viver diante de Deus como se vive diante
do nada. Ele ensinou que a religião não é apenas um código moral: uma fé que
não traz consequências para a existência cotidiana se reduz a opinião. Ele
mostrou a uma geração humana inteira a inevitabilidade do "tema"
Deus. Ele convenceu a época pós-moderna que não se pode entender o ser humano
se deixarmos Deus de lado. E que, sem Deus, o ser humano é apenas um animal
engenhoso, ou melhor, um triste animal engenhoso.
2)-O que
ele disse, ao contrário, às pessoas pertencentes a outras religiões? E aos não
crentes?
-Que
Deus não pode ser múltiplo! Que no Deus único e verdadeiro todos podemos nos
encontrar, também por meio de caminhos diferentes. Ou melhor, que ou a
humanidade se encontrar no fim no Deus misericordioso, ou estamos condenados a
ser primeiro estranhos e cheios de suspeitas uns pelos outros e, depois,
inimigos.
3)-Como o pontificado de João Paulo II incidiu na vida da Igreja? Qual palavra você pensa que pode colocar ao lado dessa contribuição? Coragem? Fidelidade? Unidade? Santidade?
-Verdade:
essa me parece que poderia ser a palavra a ser aproximada da sua contribuição.
Sem a verdade, que ele tantas vezes ensinou, as próprias virtudes enlouquecem:
o misericordioso confunde a piedade pelo pietismo e fraqueza, troca a
intransigência pela rigidez desumana; confunde a unidade pelo amontoado de
pessoas, e assim por diante. Sem a verdade – verdade sobre Deus, verdade sobre
o homem e verdade sobre as coisas –, as virtudes cristãs enlouquecem e
tornam-se vetores setoriais em luta entre si.
4)-Por que
ele quis viajar tanto? Qual era a exigência profunda na origem das suas viagens
pelas ruas do mundo?
-Na
visita a uma paróquia romana, quase no início de seu pontificado, uma criança
de 10 ou 12 anos fez a mesma pergunta: "E tu, por que viajas tanto?".
A resposta do Papa foi igualmente concisa: "Porque nem todo mundo está
aqui". Ele sentia que devia ir ao encontro de todos. "Uma vez – dizia
–, as pessoas iam à igreja por causa do padre. Hoje é o padre que deve ir ao
encontro das pessoas". Lembro-me de uma das suas últimas viagens, ao
Azerbaijão. O esforço era enorme para ele: não caminhava mais; falar era um
grande esforço; parecia um espírito generoso em um corpo que já não respondia
aos impulsos e às ordens. No entanto, essa viagem foi feita, para ir encontrar
os católicos desse país que eram, no total, menos de 200! Mas, para ele, mesmo
esse punhado de fiéis tinha o direito de estar com o Papa, de rezar e de se
alegrar com ele.
5)-Ele
falava com você sobre a sua visão da Igreja? Ela lhe disse alguma vez o que
pensava do presente e do futuro da Igreja Católica?
-Ele não
entrava no exercício inútil de imaginar o futuro. Ele trabalhava no presente
para fazer o futuro, para moldar o amanhã. Mas deixava o amanhã para o projeto
de Deus. Naturalmente, ele analisava o presente para identificar bem onde Deus
queria que ele trabalhasse, mesmo se às vezes, em certas situações específicas,
ele dissesse: "Nem sempre é fácil entender Deus". Mas isso não o
levava à inatividade, ao contrário. Porque ele sabia que o ápice da vida cristã
não é entender, mas sim amar.
6)-Na
última fase da sua vida, ele lançou repetidos apelos pela paz. O que ele temia?
E qual foi o seu ensinamento no plano das relações internacionais?
-O tema
era sempre o mesmo: a dignidade humana, o valor transcendente da pessoa humana.
As suas considerações não eram geopolíticas, mas sim humanas. Não é próprio da
natureza humana – segundo ele – resolver as diferenças com a violência, como
acontece no reino animal. Todas as vezes que eu o vi com raiva sempre foi por
circunstâncias em que a dignidade humana sofria por causa da violência física
ou moral, ou quando se previam violências por causa de guerras anunciadas ou
possíveis. Isso explica a sua atitude nas duas guerras do Iraque, ou dos
Balcãs, ou do Líbano. Ele fez de tudo para evitá-las e, depois, para pará-las.
Mas ainda assim ele se perguntava, e nos perguntava: "Que mais o Papa
ainda pode fazer?". Justamente porque a sua abordagem às questões
internacionais partiam sempre da atenção à pessoa.
7)-Você
pôde entender que tipo de relacionamento ele tinha com Deus? Como rezava, e
quanto?
-Para
ele, rezar não era só uma necessidade, mas também a coisa mais natural do
mundo. Ele alimentava a sua oração com as necessidades dos outros. Eram
milhares de cartas que chegavam de todo o mundo pedindo uma oração do Papa por
um filho, um marido, um amigo. E ele queria manter na sua capela, no Vaticano,
todas essas mensagens: uma por uma, "contava" a Deus todas essas
necessidades humanas que não acabavam nunca. Mas, ao mesmo tempo, agradecia a
Deus por todo o bem que ele sabia que havia nas pessoas e no mundo. Seu
otimismo se alimentava nas palavras do Gênesis: "E Deus viu que tudo era
bom".
8)-Como
ele viveu o atentado de 1981? De que modo esse fato marcou a sua visão da vida
e do mundo?
-Foi uma
percepção brutal e inesperada do mal. Mas, logo depois, quando, no hospital,
ele se deu conta de que o ataque ocorreu no dia de Nossa Senhora de Fátima, ele
também concordou com a percepção do bem. Eu acho que ele nunca foi
particularmente curioso por conhecer a trama oculta por trás do atentado, mas
sim por saber que sentido ele tinha, o que Deus queria dizer a ele e ao mundo.
Certamente, não foi a primeira vez que o sofrimento foi o protagonista na sua
existência, mas era a primeira vez que o sofrimento e, ao mesmo tempo, a dor
física o visitavam. Como um anúncio do que a sua vida seria anos mais tarde.
9)-Qual
foi a sua real contribuição para a queda do sistema soviético?
-Penso
em duas formas, que são como duas faces da mesma realidade. Em primeiro lugar,
ele não aceitava a ideia – então muito difundida nas chancelarias da Europa e
da América – de que a divisão de Yalta garantia a paz, mesmo na Guerra Fria.
Para ele, a injustiça dessa repartição, que roubava a identidade cultural de
centenas de milhões de pessoas, não era aceitável. E não apenas por razões
geopolíticas, mas principalmente por razões antropológicas, humanas. (...) Em
segundo lugar, desde quando ensinava ética filosófica na Universidade de
Lublin, ele pensava que nós se podia resistir ao adversário utilizando seus
próprios métodos violentos. (...) Com uma sabedoria extraordinária, ele soube,
naqueles dez anos – de 1979 a 1989 – estimular a autoconsciência nacional e, ao
mesmo tempo, acalmar os ânimos. Uma obra-prima que hoje todos lhe reconhecem.
10)-Costuma-se
dizer que João Paulo II conseguiu ter uma relação especial com os jovens. Mas
por quê? O que havia na base dessa relação tão intensa?
-Ninguém,
nem a família, nem a cultura, nem a escola dizia aos jovens o que ele lhes
dizia. Assim, pelo menos, diziam os próprios jovens. Talvez, a partir de
Rousseau em diante, a modernidade tenha dedicado quase todos os seus esforços
educativos para mimar os jovens. E isso é terrível, porque uma pessoa mimada é
uma pessoa que não conhece os seus limites. Ele lhes dizia que eram muito
superiores às hipóteses que a cultura moderna lhes oferecia. Ele sabia
abrir-lhes horizontes antropológicos e religiosos que ninguém ousava propor aos
jovens.
Fonte:https://www.ihu.unisinos.br/noticias/42830-a-verdade-de-joao-paulo-ii-entrevista-com-joaquin-navarro-valls
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