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do Blog Berakash: Os documentos pontifícios refere-se
aos documentos e decretos utilizados por um Papa, sendo "todos
importantes", e "exigem respeito e acatamento", tratando sobre
assuntos doutrinários, disciplinares, governamentais, etc, sendo designados por
diversos nomes: Bula, Carta encíclica (Social, Exortatória ou Disciplinar), Encíclica
Epístola, Motu próprio, Breve, Constituição, Exortação e Carta Apostólica. Todos os documentos pontifícios
oficiais são nomeados por incipit e escritos em latim, e aparecem no
l'Osservatore Romano, jornal diário oficial da Santa Sé e também na Acta
Apostolicae Sedis, jornal periódico oficial da Santa Sé, conforme o Cânon 8 do
Código de Direito Canônico: “As
leis eclesiáticas universais são promulgadas pela publicação na Revista Oficial
Acta Apostolicae Sedis, a não ser que, em casos particulares, tenha sido
prescrito outro modo de promulgação; entram em vigor somente após três meses, a
contar da data que é colocada no fascículo de Acta, a não ser que pela natureza
da matéria obriguem imediatamente, ou na própria lei tenha sido especial e
expressamente determinada uma vacância mais breve ou mais prolongada.”
-Encíclica ou Carta Encíclica (do latim Literae Encyclae):que literalmente significa "cartas circulares", dirigido aos
Bispos de todo o mundo e, por meio deles, a todos os fiéis. A encíclica é usada pelo papa para
exercer o seu magistério ordinário (não definitivo), podendo abordar: algum
tema doutrinal ou moral; incentivar uma devoção; condenar erros; informar os
fiéis sobre os perigos para a fé procedentes de correntes culturais, leis e
etc. As cartas encíclicas têm
formalmente o valor de ensino dirigido à Igreja Universal. No entanto, quando tratam de questões políticas, econômicas ou sociais, são
dirigidas, normalmente, não só aos católicos, mas também a todas as pessoas,
prática que foi iniciada pelo Papa João XXIII com a sua encíclica Pacem in
terris (1963). Em alguns casos, como o da encíclica Veritatis Splendor (1993) de João
Paulo II, o Papa só inclui os Bispos na sua saudação de abertura, ainda que
pretenda que a encíclica sirva de instrução a todos os fiéis, isto ocorre
porque os Bispos são os Pastores que ensinam aos fiéis à doutrina. Originalmente
os bispos enviavam frequentemente cartas a outros bispos para assegurar a
unidade entre a doutrina e a vida eclesial. Bento XIV (1740-1758) reavivou o
costume, enviando "cartas circulares" a outros bispos. Estas cartas abordavam temas de doutrina, moral ou disciplina que
afetavam toda a Igreja. Com Gregório XVI (1831-1846), o termo encíclica
tornou-se de uso geral. Leão XIII (1878-1903) mudou a ênfase das encíclicas, o qual havia sido
proeminentemente condenatório. Ele começou a esboçar uma idéia rápida, de forma
positiva, de como a Igreja devia responder aos problemas concretos,
especialmente no campo ético-social. A
abordagem inovadora de Leão XIII, popularizou as encíclicas como pontos de
referência, não só para a doutrina Católica mas também para muitos programas de
ação.3 As encíclicas podem ser:
-Encíclicas
doutrinais: Sobre uma doutrina que é
extensamente desenvolvida pelo papa no documento. Muitas destas encíclicas
marcaram significativamente a vida da Igreja. Entre as mais recentes estão:
Mistici corporis Christi (1943), do Papa Pio XII, sobre a Igreja como o Corpo
Místico de Cristo; Deus Caritas Est (2005), do Papa Bento XVI, sobre o amor
cristão; e Spe Salvi (2007), do Papa Bento XVI, sobre a esperança cristã. Algumas encíclicas doutrinais condenam opiniões teológicas, explicando o
erro e ensinando a doutrina ortodoxa, por
exemplo, Humanae vitae (1968), do Papa Paulo VI, reafirmou o ensino da Igreja
sobre a contracepção; e Evangelium Vitae (1995), do Papa João Paulo II,
aprofundou o ensino da Igreja acerca da defesa e da dignidade da vida humana.
-Encíclicas
sociais: esses documentos foram
elaborados a partir do final do século XIX, em que os Papas têm formulado a
doutrina social da Igreja, tendo grande impacto na vida eclesial, por exemplo,
a Rerum novarum (1891), do Papa Leão XIII, sobre os problemas do capital e do
trabalho; e Centesimus annus (1991) do Papa João Paulo II, sobre várias
questões sociais.
-Encíclicas
Exortatórias: tratam especificamente de temas
espirituais, sendo seu propósito principal ajudar os fiéis na sua vida
sacramental e devocional. Exemplos são: Haurietis aquas (1956) do Papa Pio XII,
sobre a devoção ao Sagrado Coração; e Redemptoris mater (1987) do Papa João
Paulo II, sobre o papel da Virgem Maria na vida da Igreja.
-Encíclicas
Disciplinares: tratam de questões
particulares, disciplinares ou práticas. Exemplos: Fidei donum (1957) do Papa
Pio XII, que deu início à transferência de muitos sacerdotes para terras de
missão; e Sacerdotalis caelibatus (1967), do Papa Paulo VI, que reafirmou a
tradição latina do celibato sacerdotal.
Sobre as críticas que já começaram a cair sobre o Papa, por parte dos
seus detratores devido às suas fortes críticas ao capitalismo e ao mercado, o que
Papa faz, é simplesmente reviver e tratar de aplicar os princípios mais essenciais
do Ensino Social da Igreja expressos na DSI. Ou seja, o
papa Francisco está propondo ao mundo, e tem feito desde o início de seu
pontificado, é apresentar e oferecer ao mundo todos os ricos princípios contidos
no ensino social da Igreja! E não se faz de uma vez só tudo isso! Isso é, eu
convidaria os que se opõem ao papa Francisco, a que tomem em suas mãos o compêndio
da doutrina social da Igreja, e ali verão o tema da igualdade e de outros
tantos âmbitos. Sente-se que há pessoas que se encontram um pouco
incômoda e que se perguntam “mas por que faz tudo isto?”. Ora, é uma missão da
Igreja promover a doutrina social, buscando esta igualdade, esta irmandade, esta
fraternidade que, neste capítulo em particular, o Papa deseja e dá seus retoques
para fazer um chamado a reflexão. Antes que saísse a
Fratelli Tutti surgiu uma polêmica por causa do título, considerado não
inclusivo e discriminatório por um grupo de mulheres católicas, que inclusive
pediram ao Papa, em uma carta aberta, para que mudasse para Fratelli e Sorelle
Tutti. É uma polêmica superficial, no sentido de que basta ler o
primeiro parágrafo onde está citada uma frase de São Francisco de Assis, em que
se dirige a todos os irmãos e esse “todos” deve ser considerado então não
somente os freis, mas toda a humanidade, portanto, homens e mulheres. São
Francisco amava toda a criação e amava o ser humano que Deus colocou no centro
do mundo e isso é uma abertura universal. E basta
depois ler a novidade que tem a universalidade desta encíclica, que me parece
um pouco injustificada a revolta, sobre um tema do qual temos que ter muita
atenção porque sempre, em qualquer lugar, em qualquer circunstância, em
qualquer situação, precisamos pensar em viver em uma cultura inclusiva, de
igualdades entre todos. Porém, creio que esta polêmica sobre o título da
Fratelli Tutti antes de sua publicação foi algo desnecessário. Junto com seu
coirmão, Frei Iluminado, São Francisco partiu para o Egito em 1219. Em Damieta,
ao norte do Cairo, encontrou o Sultão. Diante das perguntas do chefe sarraceno,
“o servo de Deus Francisco, respondeu com o coração intrépido que não tinha sido enviado pelos homens, mas por Deus Altíssimo,
para mostrar a ele e ao seu povo o caminho da salvação e anunciar o Evangelho
da verdade”. E o Sultão, ao ver o admirável fervor de espírito e a
virtude do homem de Deus, o escutou de boa vontade” (São Boaventura, Lenda
Maior, 7-8). O Papa Francisco com essa encíclica nos
encoraja a levar a “saudação fraterna” de São Francisco: “Paz e bem” a todos!
Almeja que ninguém caia na tentação da violência, principalmente “sob algum
pretexto religioso”, mas antes disso se realizem “projetos de diálogo, de
reconciliação e de cooperação” que “levem os homens à comunhão fraterna”
difundindo a paz e o bem segundo as palavras do profeta Isaías: “Uma nação não
levantará a espada contra outra, e não se arrastarão mais para a guerra”. Porém,
é preciso ficar atento aos extremismos, e para isto destaco aqui o que quando ainda
cardeal Joseph Ratzinger, criticou no passado o deísmo filantropista encontrado
no presente na “Fratelli tutti”, isto ainda em 1968:
“Frente à mensagem de amor do Novo Testamento, hoje
se impõe cada vez mais uma tendência de identificar completamente o culto
cristão com o amor fraterno, não se querendo admitir mais nenhum amor direto a
Deus, nenhuma veneração de Deus: reconhece-se exclusivamente o horizontal,
negando-se o vertical ou seja a relação imediata com Deus. Depois do que
se disse, não será difícil perceber por que uma tal concepção – à primeira
vista – de aparência tão simpática, falha na questão do Cristianismo, e com
ela, no problema do autêntico humanismo. Um amor fraterno auto-suficiente
descambaria em egoísmo extremado de autoafirmação. Um tal amor recusa sua
abertura última, sua tranqüilidade, seu desprendimento, não aceitando a
necessidade da salvação deste amor por intermédio do único que realmente amou
bastante. Finalmente, um tal amor, apesar de toda a
bem-querença, causa injustiça a si mesmo e ao outro, porque o homem não se
realiza apenas na simpatia mútua do co-humanismo, mas somente na reciprocidade
daquele amor desinteressado que glorifica o próprio Deus. O desinteresse
da simples adoração representa a suprema possibilidade do humanismo e sua
verdadeira e definitiva libertação”. (Joseph RATZINGER, Introdução ao Cristianismo,
Capítulo II, 2, 1).
É realmente paradoxal que o encontro entre São Francisco e o Sultão se
torna fatalmente um obstáculo e um sinal de contradição! Esse episódio da vida
de São Francisco é enfatizado por alguns como um dos mais extraordinários
gestos de paz na história atormentada das relações entre o islã e o
cristianismo. É exaltado como uma antecipação profética
do diálogo inter-religioso “moderno” e como um “paradigma” da maneira correta
na qual se deve situar a consciência cristã diante do Um do profeta Maomé.
Na iconografia midiática que acompanhou a viagem do Papa Bergoglio ao Egito,
muitos relacionaram o encontro entre o Sultão e São Francisco de Assis com a
foto do abraço entre o atual Sucessor de Pedro e o Grão-Imã de Al-Azhar. Em
seus ensaios dedicados ao encontro entre São Francisco e o Sultão, o estudioso
franciscano Gwenolè Jeusset comparou aquele episódio com outra expedição dos
frades menores em Marrocos: Diferente de São Francisco,
os seus franciscanos que chegaram ao Marrocos se puseram a proclamar a
superioridade da religião cristã frente às doutrinas ensinadas por Maomé, e
acabaram sendo presos e torturados. Oito séculos depois, sugere Jeusset, a
decisão dos franciscanos em Marraquexe se revela um beco sem saída, ao passo
que o encontro entre São Francisco e o Sultão, na época considerado como uma
espécie de fracasso, sugere uma via para confessar a Cristo que supera e não
sucumbe à armadilha do conflito entre sistemas religiosos.O encontro
entre Francisco de Assis e Malik al-Kamil também foi atacado nessas guerrinhas
pseudodoutrinais que também açoitam o atual momento eclesial. Assim, para
reagir aos entusiasmos que exaltam a cortesia do diálogo que tiveram aqueles
dois, e para denunciar as manipulações que transformariam o “Alter Christus” de
Assis em um frei velhaco, mostra patética do relativismo religioso, os circuitos
e os blogs do novo rigorismo identitário fazem circular uma “versão
politicamente incorreta” da crônica desse encontro, atribuindo-a a Frei
Iluminado. Neste informe, que muitas vezes se faz
passar como proveniente de nada claras “fontes franciscanas”, São Francisco
aparece como um pregador que vai de propósito ao Egito para “desafiar” o Sultão
com as verdades sobre Deus uno e trino e sobre Jesus Cristo, Salvador de todos.
Na crônica que circula pelas páginas web da galáxia “cristianista”,
lê-se que:
“Também o Sultão, ao ver o admirável fervor de espírito e a
virtude do homem de Deus, o escutou de boa vontade e lhe rogava vivamente que
ficasse com ele. Mas, o servo de Cristo, iluminado por um oráculo do céu,
disse-lhe: Se você, com o seu povo, quer se converter a Cristo, eu ficarei
contigo com muito boa vontade. Se, ao contrário, hesita em abandonar a lei de
Maomé pela fé de Cristo, ordene que se acenda o maior fogo possível. Eu e seus
sacerdotes entraremos no fogo e assim, ao menos, poderá conhecer qual fé, com
fatos comprovados, é preciso considerar mais certa e mais santa!”.
Na narração que agrada as páginas na web do “orgulho católico”,
Francisco endereça seu desafio ao Sultão com argumentos extremos:
“Se deseja me prometer, em seu nome e de seu povo, que
passarão à religião de Cristo, caso saia ileso do fogo – teria dito o
Pobrezinho de Assis ao líder islâmico -, entrarei sozinho no fogo. Caso me
queime, que se atribua meus pecados. Se, ao contrário, a potência divina me faz
sair são e salvo, reconhecerão a Cristo, potência de Deus e sabedoria de Deus,
como o verdadeiro Deus e Senhor, Salvador de todos”.
A credibilidade desta versão do encontro, com São Francisco pretendendo
“demonstrar” a glória de Deus se submetendo a uma espécie de provação, sempre foi rejeitada pelos estudiosos das fontes
franciscanas. E a Regra franciscana de 1221, a que se conhece como “não
bolada”, oferece um antídoto parcial contra as representações e as manipulações
de diferentes tons sobre o encontro de Damieta. Nessa Regra, aos frades que
querem ir “aos sarracenos ou outros infiéis”, é lhes recomendado, antes de mais
nada, que:
“Não façam litígios ou disputas, mas que sejam sujeitados a
cada criatura humana por amor de Deus e confessem ser cristãos! Depois, quando
observarem que agrada ao Senhor, antes de mais nada, [ofereçam] a Palavra de
Deus para que eles creiam em Deus onipotente Pai e Filho e Espírito Santo
Criador de todas as coisas, e no Filho Redentor e Salvador, e sejam batizados,
e se tornem cristãos, posto que, caso não renasça pela água e Espírito Santo,
não poderá entrar no Reino de Deus”.
O oitavo centenário da visita de São Francisco ao Sultão oferece o
pretexto aos cultores das diferentes representações do santo de Assis (os que o
tornam banal bandeira do sentimento pan-religioso e os que o transformam em um
precursor do identitarismo clerical de “batalha cultural”) de se
autocomprazerem e extenuar reciprocamente suas digressões pseudoteológicas nas
redes sociais. Mas, também será uma ocasião preciosa para gozar novamente as
palavras e os gestos de um Santo que sempre deixou à graça de Cristo a tarefa
de “trabalhar” todos os corações, incluindo o dos irmãos muçulmanos.
A IGREJA NÃO PRECISA
DE NOVOS CRUZADOS E INQUISIDORES, MAS DE SEMEADORES!
Chiara Frugoni historiadora italiana, especialista da Idade Média e da
história da Igreja, é uma das maiores especialistas na vida de São Francisco de
Assis, diz que: "Boaventura
empurrou para um segundo plano ou apagou as propostas mais
"revolucionárias" de Francisco. Todas sempre baseadas na aplicação
ortodoxa do Evangelho. Foi ele que fez de Francisco um santo adocicado, como
uma estatueta de presépio. Desta forma fixou e difundiu uma imagem unívoca de
Francisco que se tornou especialmente o santo dos estigmas, o milagre
possivelmente menos imitável", narra a historiadora. Na Encíclica Laudato Si’, o pontífice
mais uma vez revela o quanto se orienta pelo simbolismo franciscano. No
entanto, o próprio Papa traz questões de fundo que dão pistas, apontam para
algo mais em São Francisco de Assis. É algo que transcende a candura do monge
pobre, que amava a natureza. Há uma mística muito
intensa no santo, por vezes dura e nem tão romântica.Essa faceta é
objeto de estudo da historiadora italiana Chiara Frugoni:“Ele decidiu aplicar o Evangelho ao pé da letra e seguir a
vida de Cristo, para espalhar uma mensagem de amor e de paz”, explica, ao
referir que essa tarefa, por vezes, o colocava em choque com a própria Igreja. A
postura de Francisco de Assis o colocou em oposição até aos seus pares.
“Enquanto a Igreja, em armas, sonhava, em nome de Deus, conquistar a Terra
Santa e aniquilar também fisicamente os muçulmanos, Francisco explicava aos
frades como deviam viver entre os muçulmanos”, exemplifica a historiadora. Para alcançar a paz,
algumas premissas cheias de consequências eram necessárias: por exemplo, nada
possuir, nem em comum, nem em particular. O bispo Guido I, a quem o
futuro Santo recorria muitas vezes para um conselho confidente, depois de uma
difícil missão em Marca de Ancona, havia manifestado sérias preocupações com a
vida da fraternidade. Essa vida lhe parecia "áspera e amarga" demais
por "não quererem possuir nada neste mundo". Assim, o bispo recebeu
de Francisco uma resposta contundente: "Se
tivéssemos bens, precisaríamos de armas para proteger-nos, porque é da posse
dos bens que surgem problemas e disputas. Desta maneira, estaríamos impedindo,
de muitos modos, o amor a Deus e o amor ao próximo”. Francisco queria
viver sem possuir nada, como as aves do céu, livres para voarem com total
liberdade. Francisco,
na Regra de 1221, Regula non bullata, isto é, que não recebeu a bula de chumbo,
o selo papal de aprovação, explicava, no capítulo XVI, aos frades como deviam
viver entre os muçulmanos: "sem brigas, nem disputas. Só quando em
situação de respeito mútuo poderiam tentar falar de Deus. Caso contrário, contentar-se-iam
em dar bom exemplo”. Dessas referências vê-se o quanto Francisco estava
longe da ideologia eclesiástica do seu tempo. Com seu modo característico de
tratar os problemas, nunca expressou desacordo com o Papa ou com a hierarquia.
Não acusou, nem repreendeu quem agia de maneira oposta ao seu modo de entender
(como fazem muitos hoje tanto da ala Progressista como Conservadora) mas
bastava-lhe mostrar seu agir diferente. Enquanto a Igreja pregava cruzadas,
Francisco ia ao encontro dos muçulmanos, considerando-os seus próprios
vizinhos, mostrando, a quem até então só tinha
conhecido a violência dos cristãos, a mansidão do Evangelho, que os cruzados,
enquanto cristãos, deviam ser os arautos. Diante de uma Igreja envolvida
em questões políticas, uma Igreja rica, Francisco mostrava seus pés e os de
seus companheiros descalços. A proposta de Francisco
era dirigida aos leigos, o que foi uma novidade importantíssima. Queria
que muitos de seus companheiros continuassem trabalhando, porém, com
desprendimento. Só podiam aceitar comida para um dia,
sem acumular suprimentos para o dia seguinte. Não podiam viver em casas
de alvenaria, mas em cabanas feitas de galhos. Se não estivessem em caminho,
deviam viver nos leprosários e curar os leprosos. Não
podiam pedir esmolas em dinheiro, porque isso seria "roubar dos
pobres." Tinha grande respeito às mulheres, e seu projeto foi
originalmente concebido aberto para homens e mulheres, diz Chiara Frugoni.
Essas tensões refletiram-se dentro da Ordem nas diferentes biografias. Aquelas
oficiais procuravam adaptar a figura do santo à evolução histórica da Ordem.
Mas havia também biografias não oficiais, que queriam lembrar o que parecia ser
a verdade sobre Francisco e sobre sua proposta de vida cristã. Frade Boaventura,
como Ministro geral, escreveu uma biografia oficial. Em 1266 tornou-se a única
biografia oficialmente admitida. A destruição das anteriores foi uma
operação conduzida meticulosamente e com grande sucesso, única na Idade Média
desta magnitude. quando Boaventura, por exemplo, promulgou a ordem de
destruição das biografias, os cenóbios cistercienses eram cerca de 650. Por ironias do destino, devemos, sobretudo, ao historiador
protestante Paul Sabatier (1858-1928) o fato de algumas das biografias anteriores
à de Boaventura terem sido encontradas. Talvez fossem representantes de
um único manuscrito, em alguns mosteiros bem distantes de Assis, onde a caça
franciscana não tinha chegado. Durante séculos,
Francisco foi o Francisco de Boaventura. Boaventura empurrou para um
segundo plano ou apagou as propostas mais "revolucionárias" de
Francisco. Todas sempre baseadas na aplicação ortodoxa do Evangelho. Foi ele
que fez de Francisco um santo adocicado, como uma estatueta de presépio. Desta
forma fixou e difundiu uma imagem unívoca de Francisco que se tornou
especialmente o santo dos estigmas, o milagre possivelmente menos imitável.
Pedia para admirar Francisco, cuja carne fora como que "divinizada"
pelo estrondoso milagre, mas não para tomá-lo como modelo, porque era
impossível alcançar as alturas da sua santidade. Os frades deviam seguir outros
santos franciscanos, tanto mais tradicionais, que a Ordem já podia recomendar.
Por exemplo, o culto a Santo Antônio de Pádua. Francisco permanece o grande
fundador, mas inacessível, fechado num relicário, em razão das feridas divinas.
A Ordem, deste modo, estava livre para fazer todas as mudanças que a maioria
dos frades pedia, conclui Chiara Frugoni (Fonte: Unisinos).
Temos percebido que a
imagem do cavaleiro cruzado medieval tem assumido um espaço cada vez maior nas
redes sociais, principalmente por "adolescentes Rad Trad"
A encontramos em páginas pessoais, públicas e em grupos virtuais
católicos. Há quem a ostente para demonstrar que “também luta pelos ideais
cristãos e coloca-se em combate em nome da fé”. Mas será que os
cavaleiros cruzados do século XI, que até o século XIII transformaram o quadro
social da europa, tinham essa pura e reta intenção em todas as suas expedições
militares? A resposta a essa pergunta o próprio papado anterior a
pontificado do papa Francisco tentou dar:
-Em 12 de março de 2000, ano jubilar, João Paulo II pediu
perdão por uma série de faltas que, segundo ele, foram cometidas ou tiveram
participação da Igreja Católica, entre as quais elencou também as cruzadas. Esse pedido coroou uma série de afirmações do papa polonês que, desde a
década de 80, criticava a atuação da guerra santa católica na baixa idade
média. Em fevereiro de 1995, em discurso sobre Santa Catarina de Sena, ele
chegou a ser ainda mais duro, dizendo que nem mesmo o zelo pela defesa dos
lugares santos fez com que essa mística incentivasse o uso das armas.
-Em maio de 2018, o papa Francisco, citou uma frase de Bento XVI e
refletiu sobre ela.Na capela da Casa Santa Marta, o Pontífice celebrou a Missa
e falou das atitudes que devem caracterizar a transmissão da fé: “Transmitir a fé” não quer dizer “fazer proselitismo”, “buscar
pessoas que torçam por um time de futebol” o um “centro cultural”, mas
testemunhar com amor. Foi o que disse o Papa na homilia da Missa
celebrada na Casa Santa Marta.
Partindo de um
trecho da Carta de São Paulo aos Coríntios, o Pontífice afirmou que:
“Ser cristão não é aprender mecanicamente um livreto ou algumas noções,
mas significa ser “fecundo na transmissão da fé”, assim como a Igreja, que é
“mãe” e dá à luz “filhos na fé”. Transmitir a fé não é
dar informações, mas fundar um coração, fundar um coração na fé em Jesus
Cristo. Não se pode transmitir a fé mecanicamente: ‘Mas pegue este livreto,
estude e depois o batizo’. Não! O caminho para transmitir a fé é outro:
transmitir aquilo que nós recebemos. E este é o desafio de um cristão: ser
fecundo na transmissão da fé. E também é o desafio da Igreja: ser mãe fecunda,
dar à luz filhos na fé”. O Pontífice insistiu na transmissão da fé que
atravessa gerações, da avó à mãe, numa atmosfera que perfuma de amor. O próprio
credo è feito não só de palavras, mas de “carícias”, com a “ternura”, até mesmo
“em dialeto”. O Papa citou as babás, que são quase uma segunda mãe. São sempre
mais comuns os casos em que são elas a transmitir a fé com atenção, ajudando a
crescer. Portanto, a primeira atitude na transmissão da fé é certamente o amor;
enquanto a segunda é o testemunho: “Transmitir a fé não
é fazer proselitismo, é outra coisa, é ainda maior. Não é buscar pessoas
que torçam por um time de futebol, um clube, um centro cultural; isso pode ser,
mas a fé não se propaga com proselitismo. Bento XVI
disse bem: ‘A Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração’. A fé
se transmite, mas por atração, isto é, por testemunho”.
O testemunho gera
curiosidade!
Testemunhar na vida de todos os dias aquilo em
que se acredita, nos torna justos “aos olhos de Deus”, suscitando curiosidade
em quem nos circunda!E o testemunho provoca curiosidade no coração do
outro e aquela curiosidade o Espírito Santo a pega e trabalha a partir de
dentro. A Igreja cresce por atração, atração! E a
transmissão da fé se dá com o testemunho, até o martírio! Quando se vê
esta coerência de vida com aquilo que nós dizemos, sempre vem a curiosidade:
‘Mas por que esta pessoa vive assim? Por que leva uma vida de serviço aos
outros?’. E aquela curiosidade é a semente que pega o Espírito Santo e a leva
avante. E a transmissão da fé nos faz justos, nos
justifica. A fé nos justifica e na transmissão nós damos a verdadeira
justiça aos outros.
No ano de 2014, em
um mensagem aos jovens belgas, Papa Francisco afirmou:
“Se você usa a fé como uma bandeira, como um cruzado, e insiste no proselitismo,
isso não funciona! E acrescentou em uma missa na casa Santa Marta: A Igreja não
precisa de cruzados, mas de semeadores da verdade!”
-Primeira coisa: é preciso ter em mente que os cruzados
medievais nunca tiveram a intenção de converter muçulmanos, ao contrário do que
se difunde! Não fazia parte da mentalidade
dominante essa missionariedade, com exceção dos germanos no processo de
colonização do leste europeu, os únicos missionários do período. O único que teve essa intenção, não como cruzado, mas como um
religioso de espírito cruzado, foi São Francisco de Assis que, como
sabemos, encontrou-se com o sultão do Egito Malik Al-Kamil, inaugurando um
período de mudança de mentalidade em relação à conquista armada. Posteriormente, Papa Inocêncio IV chega a incentivar a missão
franciscana em substituição às expedições militares “religiosas”, considerando
que era melhor evangelizar que conquistar!
-A segunda coisa: é que nem todas as cruzadas serviam para
proteger os peregrinos cristãos em suas travessias rumo à Terra Santa, já que
também elas tiveram um caráter expansionista e comercial. Quando Urbano II convocou a primeira cruzada em 1095, no sínodo de
Clermont, a convocou em um contexto de Reconquista Espanhola, quando os
muçulmanos começaram a ser expulsos da península ibérica através dos vários
pactos entre o pontífice e os reis espanhóis. Nesse
contexto, os cavaleiros tinham um impulso religioso latente e viam na expedição
uma meta de peregrinação e purificação dos pecados, imbuídos pela
espiritualidade da época. Na baixa idade média, o homem coloca-se sempre
numa condição de “juízo final” por causa da interpretação teocrática que faz da
própria história: depois da encarnação de Jesus, acreditava-se
que aquela era a “última hora”. É por isso que é um risco tentar
interpretar as cruzadas ou qualquer outro processo histórico com a mentalidade
do presente.
-Um outro mito: é aquele de pensar que as cruzadas, no seu
conjunto, foram uma luta implacável contra os muçulmanos em todas as suas
fases. Para se ter uma ideia, durante a
formação dos estados cruzados, houve até “fratricídios”: cristãos do ocidente
que expulsaram cristãos do oriente de suas terras em nome do expansionismo das
cruzadas. Vale lembrar que, na IV Cruzada,
Constantinopla foi invadida, dando início ao Império latino do Oriente. Isso só
serviu para reforçar ainda mais a separação entre Igreja do Oriente e Igreja do
Ocidente provocada pelo cisma de 1054. Inclusive, os cruzados de
Jerusalém chegaram a se aliar aos muçulmanos mamelucos para conter a avançada
dos mongóis. Portanto, hora de pensar muito bem antes
de transformar um Deus Vult em mote de zelo apostólico. Não podemos
esquecer também que, o São Francisco REAL e não o idealizado e deturpado por alguns,
nasceu, cresceu, viveu e morreu no contexto eclesial ápice da Igreja durante as
Cruzadas e Inquisição, e nunca fez críticas a nenhuma destas duas instituições
históricas e contextuais. Encerro esta introdução pedindo para que não joguemos fora a bacia com o bebê junto,
sigamos o preceito Paulino: Ficar apenas com o que é bom! E tem muita coisa boa
nesta encíclica!
CARTA ENCÍCLICA “FRATELLI TUTTI” DO SANTO PADRE FRANCISCO SOBRE A
FRATERNIDADE E A AMIZADE SOCIAL
1. «FRATELLI TUTTI»: Tradução da expressão italiana: «Todos irmãos».[1]
escrevia São Francisco de Assis, dirigindo-se a seus irmãos e irmãs para lhes
propor uma forma de vida com sabor do Evangelho. Destes
conselhos, quero destacar o convite a um amor que ultrapassa as barreiras da
geografia e do espaço; nele declara feliz quem ama o outro, «o seu irmão, tanto
quando está longe, como quando está junto de si».[2] Com poucas e
simples palavras, explicou o essencial duma fraternidade aberta, que permite
reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas independentemente da sua
proximidade física, do ponto da terra onde cada uma nasceu ou habita.
2. Este Santo do amor fraterno, da simplicidade e da alegria, que me
inspirou a escrever a encíclica Laudato si’, volta a
inspirar-me para dedicar esta nova encíclica à fraternidade e à amizade social.
Com efeito, São Francisco, que se sentia irmão do sol, do mar e do vento,
sentia-se ainda mais unido aos que eram da sua própria carne. Semeou paz por
toda a parte e andou junto dos pobres, abandonados, doentes, descartados, dos
últimos.
Sem fronteiras
3. Na sua vida, há um episódio que nos mostra o seu coração sem
fronteiras, capaz de superar as distâncias de proveniência, nacionalidade, cor
ou religião: é a sua visita ao Sultão Malik-al-Kamil,
no Egito. A mesma exigiu dele um grande esforço, devido a sua pobreza, aos
poucos recursos que possuía, à distância e às diferenças de língua, cultura e
religião. Aquela viagem, num momento histórico marcado pelas Cruzadas,
demonstrava ainda mais a grandeza do amor que queria viver, desejoso de abraçar
a todos. A fidelidade ao seu Senhor era proporcional ao
amor que nutria pelos irmãos e irmãs. Sem ignorar as dificuldades e
perigos, São Francisco foi ao encontro do Sultão com a mesma atitude que pedia
aos seus discípulos: sem negar a própria identidade,
quando estiverdes «entre sarracenos e outros infiéis (...), não façais litígios
nem contendas, mas sede submissos a toda a criatura humana por amor de
Deus».[3] No contexto de então, era um pedido extraordinário. É
impressionante que, há oitocentos anos, Francisco recomende evitar toda a forma
de agressão ou contenda e também viver uma «submissão» humilde e fraterna,
mesmo com quem não partilhasse a sua fé.
4. Não fazia guerra dialética impondo doutrinas, mas comunicava o amor
de Deus; compreendera que «Deus é amor, e quem permanece no amor, permanece em
Deus» (1 Jo 4, 16). Assim foi pai fecundo que suscitou
o sonho duma sociedade fraterna, pois «só o homem que aceita aproximar-se das
outras pessoas com o seu próprio movimento, não para retê-las no que é seu, mas
para ajudá-las a serem mais elas mesmas, é que se torna realmente pai».[4] Naquele
mundo cheio de torres de vigia e muralhas defensivas, as cidades viviam guerras
sangrentas entre famílias poderosas, ao mesmo tempo que cresciam as áreas
miseráveis das periferias excluídas. Lá, Francisco recebeu no seu íntimo a
verdadeira paz, libertou-se de todo o desejo de domínio sobre os outros, fez-se
um dos últimos e procurou viver em harmonia com todos.
Foi ele que motivou estas páginas!
5. As questões relacionadas com a fraternidade e a amizade social sempre
estiveram entre as minhas preocupações. A elas me referi repetidamente nos
últimos anos e em vários lugares. Nesta encíclica, quis reunir muitas dessas
intervenções, situando-as num contexto mais amplo de reflexão. Além disso, se na redação da Laudato si’ tive uma fonte de
inspiração no meu irmão Bartolomeu, o Patriarca ortodoxo que propunha com
grande vigor o cuidado da criação, agora senti-me especialmente estimulado pelo
Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb, com quem me encontrei, em Abu Dhabi, para lembrar
que Deus «criou todos os seres humanos iguais nos direitos, nos deveres e na
dignidade, e os chamou a conviver entre si como irmãos».[5] Não se
tratou de mero ato diplomático, mas duma reflexão feita em diálogo e dum
compromisso conjunto. Esta encíclica reúne e desenvolve
grandes temas expostos naquele documento que assinamos juntos. E aqui, na minha
linguagem própria, acolhi também numerosas cartas e documentos com reflexões
que recebi de tantas pessoas e grupos de todo o mundo.
6. As páginas seguintes não pretendem resumir a doutrina sobre
o amor fraterno, mas detêm-se na sua dimensão universal, na sua abertura a
todos. Entrego esta encíclica SOCIAL como humilde contribuição para a reflexão,
a fim de que, perante as várias formas atuais de eliminar ou ignorar os outros,
sejamos capazes de reagir com um novo sonho de fraternidade e amizade social
que não se limite a palavras. Embora a tenha
escrito a partir das minhas convicções cristãs, que me animam e nutrem,
procurei fazê-lo de tal maneira que a reflexão se abra ao diálogo com todas as
pessoas de boa vontade.
7. Além disso, quando estava a redigir esta carta, irrompeu de forma inesperada a pandemia do Covid-19 que
deixou a descoberto as nossas falsas seguranças. Por cima das várias
respostas que deram os diferentes países, ficou evidente a incapacidade de agir
em conjunto. Apesar de estarmos superconectados, verificou-se uma fragmentação
que tornou mais difícil resolver os problemas que nos afetam a todos. Se alguém
pensa que se tratava apenas de fazer funcionar melhor o que já fazíamos, ou que
a única lição a tirar é que devemos melhorar os sistemas e regras já
existentes, está a negar a realidade.
8. Desejo ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo
a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um
anseio mundial de fraternidade. Entre todos: «Aqui está um ótimo segredo para
sonhar e tornar a nossa vida uma bela aventura. Ninguém
pode enfrentar a vida isoladamente (…); precisamos duma comunidade que nos
apoie, que nos auxilie e dentro da qual nos ajudemos mutuamente a olhar em
frente. Como é importante sonhar juntos! (…) Sozinho, corres o risco de ter miragens,
vendo aquilo que não existe; é juntos que se constroem os sonhos».[6] Sonhemos
como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos
desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou
das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos.
Capítulo I
- AS SOMBRAS DUM MUNDO FECHADO
9. Sem pretender efetuar uma análise exaustiva nem tomar em consideração
todos os aspetos da realidade que vivemos, proponho
apenas manter-nos atentos a algumas tendências do mundo atual que dificultam o
desenvolvimento da fraternidade universal.
Sonhos desfeitos em pedaços
10. Durante décadas, pareceu que o mundo tinha aprendido com tantas
guerras e fracassos e, lentamente, ia caminhando para variadas formas de
integração. Por exemplo, avançou o sonho duma Europa
unida, capaz de reconhecer raízes comuns e regozijar-se com a diversidade que a
habita. Lembremos «a firme convicção dos Pais fundadores da União Europeia,
que desejavam um futuro assente na capacidade de trabalhar juntos para superar
as divisões e promover a paz e a comunhão entre todos os povos do
continente».[7] E ganhou força também o anseio duma
integração latino-americana, e alguns passos começaram a ser dados. Noutros
países e regiões, houve tentativas de pacificação e reaproximações que foram
bem-sucedidas e outras que pareciam promissoras.
11. Mas a história dá sinais de regressão. Reacendem-se conflitos
anacrónicos que se consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados,
exacerbados, ressentidos e agressivos. Em vários
países, uma certa noção de unidade do povo e da nação, penetrada por diferentes
ideologias, cria novas formas de egoísmo e de perda do sentido social
mascaradas por uma suposta defesa dos interesses nacionais. Isto
lembra-nos que «cada geração deve fazer suas as lutas e as conquistas das
gerações anteriores e levá-las a metas ainda mais altas. É o caminho. O bem, como aliás o amor, a justiça e a solidariedade não se
alcançam duma vez para sempre; hão de ser conquistados cada dia. Não é
possível contentar-se com o que já se obteve no passado nem instalar-se a
gozá-lo como se esta situação nos levasse a ignorar que muitos dos nossos
irmãos ainda sofrem situações de injustiça que nos interpelam a todos».[8]
12. «Abrir-se ao mundo» é uma expressão de que, hoje, se apropriaram a
economia e as finanças. Refere-se exclusivamente à abertura aos interesses
estrangeiros ou à liberdade dos poderes económicos para investir sem entraves
nem complicações em todos os países. Os conflitos
locais e o desinteresse pelo bem comum são instrumentalizados pela economia
global para impor um modelo cultural único. Esta cultura unifica o mundo, mas
divide as pessoas e as nações, porque «a sociedade cada vez mais globalizada
torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos».[9] Encontramo-nos mais
sozinhos do que nunca neste mundo massificado, que privilegia os interesses
individuais e debilita a dimensão comunitária da existência. Em contrapartida,
aumentam os mercados, onde as pessoas desempenham funções de consumidores ou de
espectadores. O avanço deste globalismo favorece
normalmente a identidade dos mais fortes que se protegem a si mesmos, mas
procura dissolver as identidades das regiões mais frágeis e pobres, tornando-as
mais vulneráveis e dependentes. Desta forma, a política torna-se cada
vez mais frágil perante os poderes económicos transnacionais que aplicam o lema
«divide e reinarás».
O fim da consciência histórica
13. Pelo mesmo motivo, favorece também uma perda
do sentido da história que desagrega ainda mais. Nota-se a penetração cultural
duma espécie de «desconstrucionismo», em que a liberdade humana pretende
construir tudo a partir do zero. De pé, deixa apenas a necessidade de
consumir sem limites e a acentuação de muitas formas de individualismo sem
conteúdo. Neste contexto, colocava-se um conselho que dei aos jovens: «Se uma pessoa vos fizer uma proposta dizendo para ignorardes
a história, não aproveitardes da experiência dos mais velhos, desprezardes todo
o passado olhando apenas para o futuro que essa pessoa vos oferece, não será
uma forma fácil de vos atrair para a sua proposta a fim de fazerdes apenas o
que ela diz? Aquela pessoa precisa de vós vazios, desenraizados, desconfiados
de tudo, para vos fiardes apenas nas suas promessas e vos submeterdes aos seus
planos. Assim procedem as ideologias de variadas cores, que destroem (ou
desconstroem) tudo o que for diferente, podendo assim reinar sem oposições.
Para isso, precisam de jovens que desprezem a história, rejeitem a riqueza
espiritual e humana que se foi transmitindo através das gerações, ignorem tudo
quanto os precedeu».[10]
14. São as novas formas de colonização cultural. Não nos esqueçamos de que «os povos que alienam a sua tradição e – por
mania imitativa, violência imposta, imperdoável negligência ou apatia – toleram
que se lhes roube a alma, perdem, juntamente com a própria fisionomia
espiritual, a sua consistência moral e, por fim, a independência ideológica,
económica e política».[11] Uma maneira eficaz de dissolver a consciência
histórica, o pensamento crítico, o empenho pela justiça e os percursos de
integração é esvaziar de sentido ou manipular as «grandes» palavras. Que significado têm hoje palavras como democracia, liberdade,
justiça, unidade? Foram manipuladas e desfiguradas para utilizá-las como
instrumento de domínio, como títulos vazios de conteúdo que podem servir para
justificar qualquer ação.
Sem um projeto para todos
15. A melhor maneira de dominar e avançar sem entraves é semear o
desânimo e despertar uma desconfiança constante, mesmo disfarçada por detrás da
defesa de alguns valores. Usa-se hoje, em muitos
países, o mecanismo político de exasperar, exacerbar e polarizar. Com várias
modalidades, nega-se a outros o direito de existir e pensar e, para isso,
recorre-se à estratégia de ridicularizá-los, insinuar suspeitas sobre eles e
reprimi-los. Não se acolhe a sua parte da verdade, os seus valores, e assim a
sociedade empobrece-se e acaba reduzida à prepotência do mais forte. Desta
forma, a política deixou de ser um debate saudável sobre projetos a longo prazo
para o desenvolvimento de todos e o bem comum, limitando-se a receitas efémeras
de marketing cujo recurso mais eficaz está na destruição do outro. Neste
mesquinho jogo de desqualificações, o debate é manipulado para o manter no
estado de controvérsia e contraposição.
16. Nesta luta de interesses que nos coloca a todos contra todos, onde vencer se torna sinónimo de destruir, como se pode
levantar a cabeça para reconhecer o vizinho ou ficar ao lado de quem está caído
na estrada? Hoje, um projeto com grandes objetivos para o
desenvolvimento de toda a humanidade soa como um delírio. Aumentam as distâncias entre nós, e a dura e lenta
marcha rumo a um mundo unido e mais justo sofre um novo e drástico revés.
17. Cuidar do mundo que nos rodeia e sustenta significa cuidar de nós
mesmos. Mas precisamos de nos constituirmos como um
«nós» que habita a casa comum. Um tal cuidado não interessa aos poderes
económicos que necessitam dum ganho rápido. Frequentemente as vozes que se
levantam em defesa do ambiente são silenciadas ou ridicularizadas, disfarçando
de racionalidade o que não passa de interesses particulares. Nesta cultura que estamos a desenvolver, vazia, fixada no
imediato e sem um projeto comum, «é previsível que, perante o esgotamento de
alguns recursos, se vá criando um cenário favorável para novas guerras,
disfarçadas sob nobres reivindicações».[12]
O descarte mundial
18. Partes da humanidade parecem sacrificáveis em benefício duma seleção
que favorece a um setor humano digno de viver sem limites. No fundo, «as pessoas já não são vistas como um valor
primário a respeitar e tutelar, especialmente se são pobres ou deficientes, se
“ainda não servem” (como os nascituros) ou “já não servem” (como os idosos).
Tornamo-nos insensíveis a qualquer forma de desperdício, a começar pelo
alimentar, que aparece entre os mais deploráveis».[13]
19. A falta de filhos, que provoca um envelhecimento da população,
juntamente com o abandono dos idosos numa dolorosa solidão, exprimem
implicitamente que tudo acaba connosco, que só contam os nossos interesses
individuais. Assim, «objeto de descarte não são apenas
os alimentos ou os bens supérfluos, mas muitas vezes os próprios seres
humanos».[14] Vimos o que aconteceu com as pessoas de idade nalgumas
partes do mundo por causa do coronavírus. Não deviam morrer assim. Na
realidade, porém, tinha já acontecido algo semelhante devido às ondas de calor
e noutras circunstâncias: cruelmente descartados. Não
nos damos conta de que isolar os idosos e abandoná-los à responsabilidade de
outros sem um acompanhamento familiar adequado e amoroso mutila e empobrece a
própria família. Além disso, acaba por privar os jovens daquele contacto
que lhes é necessário com as suas raízes e com uma sabedoria que a juventude,
sozinha, não pode alcançar.
20. Este descarte exprime-se de variadas maneiras como, por exemplo, na
obsessão por reduzir os custos laborais sem se dar conta das graves
consequências que provoca, pois o desemprego daí resultante tem como efeito
direto alargar as fronteiras da pobreza.[15] Além disso, o descarte assume
formas abjetas, que julgávamos já superadas, como o racismo que se dissimula
mas não cessa de reaparecer. De novo nos envergonham as expressões de racismo,
demonstrando assim que os supostos avanços da sociedade não são assim tão reais
nem estão garantidos duma vez por todas.
21. Há regras económicas que foram eficazes para o crescimento, mas não
de igual modo para o desenvolvimento humano integral.[16] Aumentou a riqueza, mas sem equidade, e assim «nascem novas
pobrezas».[17] Quando dizem que o mundo moderno reduziu a pobreza, fazem-no
medindo-a com critérios doutros tempos não comparáveis à realidade atual. Pois
noutros tempos, por exemplo, não ter acesso à energia elétrica não era
considerado um sinal de pobreza nem causava grave incómodo. A pobreza sempre se
analisa e compreende no contexto das possibilidades reais dum momento histórico
concreto.
Direitos humanos “não suficientemente universais”
22. Muitas vezes constata-se que, de facto, os direitos humanos não são
iguais para todos. O respeito destes direitos «é
condição preliminar para o próprio progresso económico e social de um país.
Quando a dignidade do homem é respeitada e os seus direitos são reconhecidos e
garantidos, florescem também a criatividade e a audácia, podendo a pessoa
humana explanar suas inúmeras iniciativas a favor do bem comum».[18] Mas,
«observando com atenção as nossas sociedades contemporâneas, deparamos com numerosas contradições que induzem a
perguntar-nos se deveras a igual dignidade de todos os seres humanos,
solenemente proclamada há 70 anos, é reconhecida, respeitada, protegida e
promovida em todas as circunstâncias. Persistem hoje no mundo inúmeras
formas de injustiça, alimentadas por visões antropológicas redutivas e por um
modelo económico fundado no lucro, que não hesita em explorar, descartar e até
matar o homem. Enquanto uma parte da humanidade vive na
opulência, outra parte vê a própria dignidade não reconhecida, desprezada ou
espezinhada e os seus direitos fundamentais ignorados ou violados».[19]
Que diz isto a respeito da igualdade de direitos fundada na mesma dignidade
humana?
23. De modo análogo, a organização das
sociedades em todo o mundo ainda está longe de refletir com clareza que as
mulheres têm exatamente a mesma dignidade e idênticos direitos que os homens. As
palavras dizem uma coisa, mas as decisões e a realidade gritam outra. Com efeito, «duplamente pobres são as mulheres que padecem
situações de exclusão, maus-tratos e violência, porque frequentemente têm
menores possibilidades de defender os seus direitos».[20]
24. Reconhecemos igualmente que, «apesar de a comunidade internacional
ter adotado numerosos acordos para pôr termo à escravatura em todas as suas
formas e ter lançado diversas estratégias para combater este fenómeno, ainda hoje milhões de pessoas – crianças, homens e mulheres
de todas as idades – são privadas da liberdade e constrangidas a viver em
condições semelhantes às da escravatura. (…) Hoje como ontem, na raiz da
escravatura, está uma concepção da pessoa humana que admite a possibilidade de
a tratar como um objeto. (…) Com a força, o engano, a coação física ou
psicológica, a pessoa humana – criada à imagem e semelhança de Deus – é privada
da liberdade, mercantilizada, reduzida a propriedade de alguém; é tratada como
meio, e não como fim». As redes criminosas «utilizam habilmente as tecnologias
informáticas modernas para atrair jovens e adolescentes de todos os cantos do
mundo».[21] E a aberração não tem limites quando são
subjugadas mulheres, forçadas depois a abortar; um ato abominável que chega
mesmo ao sequestro da pessoa, para vender os seus órgãos. Isto torna o
tráfico de pessoas e outras formas atuais de escravatura num problema mundial
que precisa de ser tomado a sério pela humanidade no seu conjunto, porque
«assim como as organizações criminosas usam redes globais para alcançar os seus
objetivos, assim também a ação para vencer este fenómeno requer um esforço
comum e igualmente global por parte dos diferentes atores que compõem a
sociedade».[22]
Conflito e medo
25. As guerras, os atentados, as perseguições
por motivos raciais ou religiosos e tantas afrontas contra a dignidade humana
são julgados de maneira diferente, segundo convenham ou não a certos interesses
fundamentalmente económicos: o que é verdade quando convém a uma pessoa
poderosa, deixa de o ser quando já não a beneficia. Estas situações de
violência vão-se «multiplicando cruelmente em muitas regiões do mundo, a ponto
de assumir os contornos daquela que se poderia chamar uma “terceira guerra
mundial por pedaços”».[23]
26. Isto não surpreende, se atendermos à falta de horizontes capazes de
nos fazer convergir para a unidade, pois em qualquer guerra o que acaba
destruído é «o próprio projeto de fraternidade, inscrito na vocação da família
humana», pelo que «toda a situação de ameaça alimenta a desconfiança e a
retirada».[24] Assim, o nosso mundo avança numa dicotomia sem sentido,
pretendendo «garantir a estabilidade e a paz com base numa falsa segurança
sustentada por uma mentalidade de medo e desconfiança».[25]
27. Paradoxalmente, existem medos ancestrais que não foram superados
pelo progresso tecnológico; mais ainda, souberam esconder-se e revigorar-se por
detrás das novas tecnologias. Também hoje, atrás das
muralhas da cidade antiga está o abismo, o território do desconhecido, o
deserto. O que vier de lá não é fiável, porque desconhecido, não familiar, não
pertence à aldeia. Trata-se do território do que é «bárbaro», do qual há que
defender-se a todo o custo. Consequentemente, criam-se novas barreiras de
autodefesa, de tal modo que deixa de haver o mundo, para existir apenas o «meu»
mundo; e muitos deixam de ser considerados seres humanos com uma dignidade
inalienável passando a ser apenas «os outros». Reaparece
«a tentação de fazer uma cultura dos muros, de erguer os muros, muros no
coração, muros na terra, para impedir este encontro com outras culturas, com
outras pessoas. E quem levanta um muro, quem constrói um muro, acabará escravo
dentro dos muros que construiu, sem horizontes. Porque lhe falta esta
alteridade».[26]
28. A solidão, os medos e a insegurança de tantas pessoas que se sentem
abandonadas pelo sistema, fazem com que se crie um
terreno fértil para as máfias. Com efeito, estas impõem-se apresentando-se como
«protetoras» dos esquecidos, muitas vezes através de vários tipos de ajuda,
enquanto perseguem os seus interesses criminosos. Há uma pedagogia
tipicamente mafiosa que, com um falso espírito comunitário, cria laços de
dependência e subordinação, dos quais é muito difícil libertar-se.
Globalização e progresso sem um rumo comum
29. O Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb e eu não ignoramos os avanços positivos
que se verificaram na ciência, na tecnologia, na medicina, na indústria e no
bem-estar, sobretudo nos países desenvolvidos. Todavia «ressaltamos
que, juntamente com tais progressos históricos, grandes e apreciados, se
verifica uma deterioração da ética, que condiciona a atividade internacional, e
um enfraquecimento dos valores espirituais e do sentido de responsabilidade.
Tudo isto contribui para disseminar uma sensação geral de frustração, solidão e
desespero, (…) nascem focos de tensão e se acumulam armas e munições, numa
situação mundial dominada pela incerteza, pela decepção e pelo medo do futuro e
controlada por míopes interesses económicos». Assinalamos
também «as graves crises políticas, a injustiça e a falta duma distribuição
equitativa dos recursos naturais (…). A respeito de tais crises que fazem
morrer à fome milhões de crianças, já reduzidas a esqueletos humanos por causa
da pobreza e da fome, reina um inaceitável silêncio internacional».[27] Perante
tal panorama, embora nos fascinem os inúmeros avanços, não descortinamos um
rumo verdadeiramente humano.
30. No mundo atual, esmorecem os sentimentos de pertença à mesma humanidade;
e o sonho de construirmos juntos a justiça e a paz parece uma utopia doutros
tempos. Vemos como reina uma indiferença acomodada, fria e globalizada, filha
duma profunda desilusão que se esconde por detrás desta ilusão enganadora: considerar que podemos ser omnipotentes e esquecer que
nos encontramos todos no mesmo barco. Esta desilusão, que deixa para
trás os grandes valores fraternos, conduz «a uma espécie de cinismo. Esta é a
tentação que temos diante de nós, se formos por este caminho do desengano ou da
desilusão. (…) O isolamento e o fechamento em nós
mesmos ou nos próprios interesses nunca serão o caminho para voltar a dar
esperança e realizar uma renovação, mas é a proximidade, a cultura do encontro.
O isolamento, não; a proximidade, sim. Cultura do confronto, não; cultura do
encontro, sim».[28]
31. Neste mundo que corre sem um rumo comum, respira-se
uma atmosfera em que «a distância entre a obsessão pelo próprio bem-estar e a
felicidade da humanidade partilhada parece aumentar: até fazer pensar que entre
o indivíduo e a comunidade humana já esteja em curso um cisma. (...) Porque uma
coisa é sentir-se obrigado a viver juntos, outra é apreciar a riqueza e a
beleza das sementes de vida em comum que devem ser procuradas e cultivadas em
conjunto».[29] A tecnologia regista progressos contínuos, mas «como
seria bom se, ao aumento das inovações científicas e tecnológicas,
correspondesse também uma equidade e uma inclusão social cada vez maior! Como seria bom se, enquanto descobrimos novos planetas longínquos,
também descobríssemos as necessidades do irmão e da irmã que orbitam ao nosso
redor!»[30]
As pandemias e outros flagelos da história
32. É verdade que uma tragédia global como a
pandemia do Covid-19 despertou, por algum tempo, a consciência de sermos uma
comunidade mundial que viaja no mesmo barco, onde o mal de um prejudica a
todos. Recordamo-nos de que ninguém se salva sozinho, que só é possível
salvar-nos juntos. Por isso, «a tempestade – dizia eu – desmascara a nossa
vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que
construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e
prioridades. (…) Com a tempestade, caiu a maquilhagem dos estereótipos com que
mascaramos o nosso “eu” sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a
descoberto, uma vez mais, esta (abençoada) pertença comum a que não nos podemos
subtrair: a pertença como irmãos».[31]
33. O mundo avançava implacavelmente para uma economia que, utilizando
os progressos tecnológicos, procurava reduzir os «custos humanos»; e alguns
pretendiam fazer-nos crer que era suficiente a liberdade de mercado para
garantir tudo. Mas, o golpe duro e inesperado desta
pandemia fora de controle obrigou, por força, a pensar nos seres humanos, em todos,
mais do que nos benefícios de alguns. Hoje podemos reconhecer que
«alimentamo-nos com sonhos de esplendor e grandeza, e acabamos por comer
distração, fechamento e solidão; empanturramo-nos de conexões, e perdemos o
gosto da fraternidade. Buscamos o resultado rápido e seguro, e
encontramo-nos oprimidos pela impaciência e a ansiedade. Prisioneiros da
virtualidade, perdemos o gosto e o sabor da realidade».[32] A tribulação, a incerteza, o medo e a consciência dos
próprios limites, que a pandemia despertou, fazem ressoar o apelo a repensar os
nossos estilos de vida, as nossas relações, a organização das nossas sociedades
e sobretudo o sentido da nossa existência.
34. Se tudo está interligado, é difícil pensar que este desastre mundial
não tenha a ver com a nossa maneira de encarar a realidade, pretendendo ser
senhores absolutos da própria vida e de tudo o que existe. Não quero dizer que se trate duma espécie de castigo divino.
Nem seria suficiente afirmar que o dano causado à natureza acaba por se cobrar
dos nossos atropelos. É a própria realidade que geme e se rebela… Vem à
mente o conhecido verso do poeta Virgílio evocando as lágrimas das coisas, das
vicissitudes da história.[33]
35. Contudo rapidamente esquecemos as lições da história, «mestra da
vida».[34] Passada a crise sanitária, a pior reação
seria cair ainda mais num consumismo febril e em novas formas de autoproteção
egoísta. No fim, oxalá já não existam «os outros», mas apenas um «nós». Oxalá
não seja mais um grave episódio da história, cuja lição não fomos capazes de
aprender. Oxalá não nos esqueçamos dos idosos que morreram por falta de
respiradores, em parte como resultado de sistemas de saúde que foram sendo
desmantelados ano após ano. Oxalá não seja inútil tanto
sofrimento, mas tenhamos dado um salto para uma nova forma de viver e
descubramos, enfim, que precisamos e somos devedores uns dos outros, para que a
humanidade renasça com todos os rostos, todas as mãos e todas as vozes, livre
das fronteiras que criamos.
36. Se não conseguirmos recuperar a paixão compartilhada por uma
comunidade de pertença e solidariedade, à qual saibamos destinar tempo, esforço
e bens, desabará ruinosamente a ilusão global que nos engana e deixará muitos à
mercê da náusea e do vazio. Além disso, não se deveria ignorar, ingenuamente,
que «a obsessão por um estilo de vida consumista, sobretudo quando poucos têm
possibilidades de o manter, só poderá provocar violência e destruição
recíproca».[35] O princípio «salve-se quem puder»
traduzir-se-á rapidamente no lema «todos contra todos», e isso será pior que
uma pandemia.
Sem dignidade humana nas fronteiras
37. Tanto na propaganda dalguns regimes
políticos populistas como na leitura de abordagens económico-liberais,
defende-se que é preciso evitar a todo o custo a chegada de pessoas migrantes. Simultaneamente
argumenta-se que convém limitar a ajuda aos países pobres, para que toquem o
fundo e decidam adotar medidas de austeridade. Não se
dão conta que, atrás destas afirmações abstratas difíceis de sustentar, há
muitas vidas dilaceradas. Muitos fogem da guerra, de perseguições, de
catástrofes naturais. Outros, com pleno direito, «andam à procura de
oportunidades para si e para a sua família. Sonham com um futuro melhor,
e desejam criar condições para que se realize».[36]
38. Infelizmente, outros são «atraídos pela
cultura ocidental, nutrindo por vezes expetativas irrealistas que os expõem a
pesadas deceções. Traficantes sem escrúpulos, frequentemente ligados a cartéis
da droga e das armas, exploram a fragilidade dos imigrantes, que, ao longo do
seu percurso, muitas vezes encontram a violência, o tráfico de seres humanos, o
abuso psicológico e mesmo físico e tribulações indescritíveis».[37] As
pessoas que emigram «experimentam a separação do seu contexto de origem e,
muitas vezes, também um desenraizamento cultural e religioso. A fratura tem a
ver também com as comunidades de origem, que perdem os elementos mais vigorosos
e empreendedores, e as famílias, particularmente quando emigra um ou ambos os
progenitores, deixando os filhos no país de origem».[38] Por conseguinte, também deve ser «reafirmado o direito a não
emigrar, isto é, a ter condições para permanecer na própria terra».[39]
39. Ainda por cima, «nalguns países de chegada, os fenómenos migratórios
suscitam alarme e temores, frequentemente fomentados e explorados para fins
políticos. Assim se difunde uma mentalidade xenófoba, de clausura e retraimento
em si mesmos».[40] Os migrantes não são considerados
suficientemente dignos de participar na vida social como os outros,
esquecendo-se que têm a mesma dignidade intrínseca de toda e qualquer pessoa. Consequentemente,
têm de ser eles os «protagonistas da sua própria promoção».[41] Nunca se dirá que não sejam humanos, mas na prática, com as
decisões e a maneira de os tratar, manifesta-se que são considerados menos
valiosos, menos importantes, menos humanos. É inaceitável que os cristãos
partilhem esta mentalidade e estas atitudes, fazendo às vezes prevalecer
determinadas preferências políticas em vez das profundas convicções da sua
própria fé: a dignidade inalienável de toda a pessoa humana, independentemente
da sua origem, cor ou religião, e a lei suprema do amor fraterno.
40. «As migrações constituirão uma pedra angular do futuro do
mundo».[42] Hoje, porém, são afetadas por uma «perda daquele sentido de
responsabilidade fraterna, sobre o qual assenta toda a sociedade civil».[43] A Europa, por exemplo, corre sérios riscos de ir por este
caminho. Entretanto, «ajudada pelo seu grande património cultural e religioso,
possui os instrumentos para defender a centralidade da pessoa humana e
encontrar o justo equilíbrio entre estes dois deveres: o dever moral de
tutelar os direitos dos seus cidadãos e o dever de garantir a assistência e o
acolhimento dos imigrantes».[44]
41. Compreendo que alguns tenham dúvidas e sintam medo à vista das
pessoas migrantes; compreendo-o como um aspeto do instinto natural de
autodefesa. Mas também é verdade que uma pessoa e um
povo só são fecundos, se souberem criativamente integrar no seu seio a abertura
aos outros. Convido a ultrapassar estas reações primárias, porque «o
problema surge quando [estas dúvidas e este medo] condicionam de tal forma o
nosso modo de pensar e agir, que nos tornam intolerantes, fechados, talvez até
– sem disso nos apercebermos – racistas. E assim o medo
priva-nos do desejo e da capacidade de encontrar o outro».[45]
A ilusão da comunicação
42. Paradoxalmente se, por um lado, crescem as atitudes fechadas e
intolerantes que, à vista dos outros, nos fecham em nós próprios, por outro,
reduzem-se ou desaparecem as distâncias, a ponto de deixar de existir o direito
à intimidade. Tudo se torna uma espécie de espetáculo
que pode ser espiado, observado, e a vida acaba exposta a um controle
constante. Na comunicação digital, quer-se mostrar tudo, e cada indivíduo
torna-se objeto de olhares que esquadrinham, desnudam e divulgam, muitas vezes
anonimamente. Dilui-se o respeito pelo outro e, assim, ao mesmo tempo
que o apago, ignoro e mantenho afastado, posso despudoradamente invadir até ao
mais recôndito da sua vida.
43. Entretanto os movimentos digitais de ódio e destruição não
constituem – como alguns pretendem fazer crer – uma ótima forma de mútua ajuda,
mas meras associações contra um inimigo. Além disso, «os
meios de comunicação digitais podem expor ao risco de dependência, isolamento e
perda progressiva de contato com a realidade concreta, dificultando o
desenvolvimento de relações interpessoais autênticas».[46] Fazem falta gestos
físicos, expressões do rosto, silêncios, linguagem corpórea e até o perfume, o
tremor das mãos, o rubor, a transpiração, porque tudo isso fala e faz parte da
comunicação humana. As relações digitais, que dispensam da fadiga de
cultivar uma amizade, uma reciprocidade estável e até um consenso que amadurece
com o tempo, têm aparência de sociabilidade, mas não constroem verdadeiramente
um «nós»; na verdade, habitualmente dissimulam e ampliam o mesmo individualismo
que se manifesta na xenofobia e no desprezo dos frágeis. A conexão digital não basta para lançar pontes, não é
capaz de unir a humanidade.
Agressividade despudorada
44. Ao mesmo tempo que defendem o próprio isolamento consumista e
acomodado, as pessoas escolhem vincular-se de maneira constante e obsessiva. Isto favorece o pululamento de formas insólitas de
agressividade, com insultos, impropérios, difamação, afrontas verbais até
destroçar a figura do outro, num desregramento tal que se existisse no contacto
pessoal acabaríamos todos por nos destruir entre nós. A agressividade
social encontra um espaço de ampliação incomparável nos dispositivos móveis e
nos computadores.
45. Isto permitiu que as ideologias perdessem todo o respeito. Aquilo que ainda há pouco tempo uma pessoa não podia dizer
sem correr o risco de perder o respeito de todos, hoje pode ser pronunciado com
toda a grosseria, até por algumas autoridades políticas, e ficar impune.
Não se pode ignorar que «há interesses económicos gigantescos que operam no
mundo digital, capazes de realizar formas de controle que são tão subtis quanto
invasivas, criando mecanismos de manipulação das consciências e do processo democrático.
O funcionamento de muitas plataformas acaba
frequentemente por favorecer o encontro entre pessoas com as mesmas ideias,
dificultando o confronto entre as diferenças. Estes circuitos fechados
facilitam a divulgação de informações e notícias falsas, fomentando
preconceitos e ódios».[47]
46. Deve-se reconhecer que os fanatismos, que induzem a destruir os
outros, são protagonizados também por pessoas
religiosas, sem excluir os cristãos, que podem «fazer parte de redes de
violência verbal através da internet e vários fóruns ou espaços de intercâmbio
digital. Mesmo nos mass media católicos, é possível ultrapassar os limites,
tolerando-se a difamação e a calúnia e parecendo excluir qualquer ética e
respeito pela fama alheia».[48] Agindo assim, qual contribuição se dá
para a fraternidade que o Pai comum nos propõe?
Informação sem sabedoria
47. A verdadeira sabedoria pressupõe o encontro
com a realidade. Hoje, porém, tudo se pode produzir, dissimular, modificar.
Isto faz com que o encontro direto com as limitações da realidade se torne
insuportável. Em consequência, implementa-se um mecanismo de «seleção»,
criando-se o hábito de separar imediatamente o que gosto daquilo que não gosto,
as coisas atraentes das desagradáveis. A mesma lógica preside à escolha das
pessoas com quem se decide partilhar o mundo. Assim, as pessoas ou
situações que feriam a nossa sensibilidade ou nos causavam aversão, hoje são
simplesmente eliminadas nas redes virtuais, construindo um círculo virtual que
nos isola do mundo em que vivemos.
48. Sentar-se a escutar o outro, caraterístico dum encontro humano, é um
paradigma de atitude receptiva, de quem supera o narcisismo e acolhe o outro,
presta-lhe atenção, dá-lhe lugar no próprio círculo. Mas «o mundo de hoje, na
sua maioria, é um mundo surdo (…). Às vezes a
velocidade do mundo moderno, o frenesi impede-nos de escutar bem o que outro
diz. Quando está a meio do seu diálogo, já o interrompemos e queremos replicar
quando ele ainda não acabou de falar. Não devemos perder a capacidade de
escuta». São Francisco de Assis «escutou a voz de Deus,
escutou a voz dos pobres, escutou a voz do enfermo, escutou a voz da natureza.
E transformou tudo isso num estilo de vida. Desejo que a semente de São
Francisco cresça em tantos corações».[49]
49. Ao desaparecer o silêncio e a escuta, transformando tudo em cliques
e mensagens rápidas e ansiosas, coloca-se em perigo esta estrutura básica duma
comunicação humana sábia. Cria-se um novo estilo de
vida, no qual cada um constrói o que deseja ter à sua frente, excluindo tudo
aquilo que não se pode controlar ou conhecer superficial e instantaneamente. Por
sua lógica intrínseca, esta dinâmica impede aquela reflexão serena que poderia
levar-nos a uma sabedoria comum.
50. Podemos buscar juntos a verdade no diálogo, na conversa
tranquila ou na discussão apaixonada. É um caminho perseverante, feito também
de silêncios e sofrimentos, capaz de recolher pacientemente a vasta experiência
das pessoas e dos povos. A acumulação esmagadora de informações que nos
inundam, não significa maior sabedoria. A sabedoria não se fabrica com buscas
impacientes na internet, nem é um somatório de informações cuja veracidade não
está garantida. Desta forma, não se amadurece no encontro com a verdade. As conversas giram, em última análise, ao redor das notícias mais
recentes; são meramente horizontais e cumulativas. Mas, não se presta uma
atenção prolongada e penetrante ao coração da vida, nem se reconhece o que é
essencial para dar um sentido à existência. Assim, a liberdade transforma-se
numa ilusão que nos vendem, confundindo-se com a liberdade de navegar frente a
um visor. O problema é que um caminho de fraternidade,
local e universal, só pode ser percorrido por espíritos livres e dispostos a
encontros reais.
Sujeições e autodepreciação
51. Alguns países economicamente bem-sucedidos são apresentados como
modelos culturais para os países pouco desenvolvidos, em vez de procurar que
cada um cresça com o seu estilo peculiar, desenvolvendo as suas capacidades de
inovar a partir dos valores da sua própria cultura. Esta
nostalgia superficial e triste, que induz a copiar e comprar em vez de criar,
gera uma baixa autoestima nacional. Nos setores acomodados de muitos
países pobres e às vezes naqueles que conseguiram sair da pobreza, nota-se a
incapacidade de aceitar caraterísticas e processos próprios, caindo num
desprezo da própria identidade cultural como se fosse a causa de todos os seus
males.
52. Uma maneira fácil de dominar alguém é destruir-lhe a autoestima. Por detrás destas tendências que visam uniformizar o mundo,
afloram interesses de poder que se aproveitam da baixa autoestima, ao mesmo
tempo que, através dos media e das redes, procuram criar uma nova cultura ao
serviço dos mais poderosos. Disto tiram vantagem o oportunismo da
especulação financeira e a exploração, onde aqueles que sempre ficam a perder
são os pobres. Por outro lado, ignorar a cultura dum povo faz com que muitos
líderes políticos não sejam capazes de promover um projeto eficaz que possa ser
livremente assumido e sustentado ao longo do tempo.
53. Esquece-se de que «não há alienação pior do que experimentar que não
se tem raízes, não se pertence a ninguém. Uma terra
será fecunda, um povo dará frutos e será capaz de gerar o amanhã apenas na
medida em que dá vida a relações de pertença entre os seus membros, na medida
em que cria laços de integração entre as gerações e as diferentes comunidades
que o compõem, e ainda na medida em que quebra as espirais que obscurecem os
sentidos, afastando-nos sempre uns dos outros».[50]
Esperança
54. Apesar destas sombras densas que não se devem ignorar, nas próximas
páginas desejo dar voz a tantos percursos de esperança. Com efeito, Deus
continua a espalhar sementes de bem na humanidade. A
recente pandemia permitiu-nos recuperar e valorizar tantos companheiros e
companheiras de viagem que, no medo, reagiram dando a própria vida. Fomos
capazes de reconhecer como as nossas vidas são tecidas e sustentadas por
pessoas comuns que, sem dúvida, escreveram os acontecimentos decisivos da nossa
história compartilhada: médicos, enfermeiros e enfermeiras,
farmacêuticos, empregados dos supermercados, pessoal de limpeza, cuidadores,
transportadores, homens e mulheres que trabalham para fornecer serviços essenciais
e de segurança, voluntários, sacerdotes, religiosas... compreenderam que
ninguém se salva sozinho.[51]
55. Convido à esperança que «nos fala duma realidade que está enraizada
no mais fundo do ser humano, independentemente das circunstâncias concretas e
dos condicionamentos históricos em que vive. Fala-nos duma sede, duma
aspiração, dum anseio de plenitude, de vida bem-sucedida, de querer agarrar o
que é grande, o que enche o coração e eleva o espírito para coisas grandes,
como a verdade, a bondade e a beleza, a justiça e o amor. (…) A esperança é ousada, sabe olhar para além das comodidades
pessoais, das pequenas seguranças e compensações que reduzem o horizonte, para
se abrir aos grandes ideais que tornam a vida mais bela e digna».[52]
Caminhemos na esperança!
Capítulo
II - UM ESTRANHO NO CAMINHO
56. Tudo o que mencionei no capítulo anterior é mais do que uma
asséptica descrição da realidade, pois «as alegrias e as esperanças, as
tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos
aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as
angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente
humana que não encontre eco no seu coração».[53] Com a intenção de procurar uma
luz no meio do que estamos a viver e antes de propor algumas linhas de ação,
quero dedicar um capítulo a uma parábola narrada por Jesus Cristo há dois mil
anos. Com efeito, apesar desta encíclica se dirigir a
todas as pessoas de boa vontade, independentemente das suas convicções
religiosas, a parábola em questão é expressa de tal maneira que qualquer
um de nós pode deixar-se interpelar por ela:
«Levantou-se, então, um doutor da Lei e perguntou [a Jesus], para O
experimentar: “Mestre, que hei de fazer para possuir a
vida eterna?” Disse-lhe Jesus: “Que está escrito na Lei? Como lês?” O
outro respondeu: “Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda
a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e ao teu
próximo como a ti mesmo”. Disse-lhe Jesus: “Respondeste
bem; faz isso e viverás”. Mas ele, querendo justificar a pergunta feita,
disse a Jesus: “E quem é o meu próximo?” Tomando a palavra, Jesus respondeu:
“Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores
que, depois de o despojarem e encherem de pancadas, o abandonaram, deixando-o
meio morto. Por coincidência, descia por aquele caminho um sacerdote que, ao
vê-lo, passou ao largo. Do mesmo modo, também um levita passou por aquele lugar
e, ao vê-lo, passou adiante. Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé
dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão. Aproximou-se, ligou-lhe as feridas,
deitando nelas azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o
para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte, tirando dois denários,
deu-os ao estalajadeiro, dizendo: ‘Trata bem dele e, o que gastares a mais,
pagar-to-ei quando voltar’. Qual destes três te parece ter sido o próximo
daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?” Respondeu: “O que usou de
misericórdia para com ele”. Jesus retorquiu: “Vai e faz
tu também o mesmo”» (Lc 10, 25-37).
A perspectiva de fundo
57. Esta parábola recolhe uma perspectiva de séculos. Pouco depois da
narração da criação do mundo e do ser humano, a Bíblia propõe o desafio das
relações entre nós. Caim elimina o seu irmão Abel, e ressoa a pergunta de Deus:
«Onde está Abel, teu irmão?» A resposta é a mesma que damos nós muitas vezes:
«Sou, porventura, guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9). Com a sua pergunta, Deus
coloca em questão todo o tipo de determinismo ou fatalismo que pretenda
justificar como única resposta possível a indiferença. E, ao invés,
habilita-nos a criar uma cultura diferente, que nos conduza a superar as
inimizades e cuidar uns dos outros.
58. O livro de Job invoca o facto de ter um mesmo Criador como base para
sustentar alguns direitos em comum: «Pois Aquele que me criou no ventre, também
o criou a ele; um só nos formou a ambos no seio materno» (31, 15). Muitos séculos depois, Santo Ireneu de Lião expressará o
mesmo conceito recorrendo à imagem da melodia: «Assim, quem ama a verdade não
deve deixar-se enganar pela diferença entre cada um dos sons, nem imaginar que
um músico seja o artífice e o criador deste som, e outro o artífice e o criador
do outro (…), mas há de pensar que um único músico os produziu a ambos».[54]
59. Nas tradições judaicas, o dever de amar o outro e cuidar dele
parecia limitar-se às relações entre os membros duma mesma nação. O antigo preceito «amarás o teu próximo como a ti mesmo» (Lv
19, 18) geralmente entendia-se como referido aos compatriotas. Todavia,
especialmente no judaísmo que se desenvolveu fora da terra de Israel, as
fronteiras foram-se ampliando. Aparece o convite a não fazer aos outros
o que não queres que te façam a ti (cf. Tob 4, 15). E a propósito dizia, no
século I (a.C.), o sábio Hillel: «Isto é a Lei e os Profetas. Todo o resto é
comentário».[55] O desejo de imitar o comportamento divino levou a superar
aquela tendência de limitar o amor aos mais próximos:
«A compaixão do homem tem por objeto o próximo, mas a misericórdia divina estende-se
a todo o ser vivo» (Sir 18, 13).
60. O preceito de Hillel recebeu uma formulação positiva no Novo
Testamento: «O que quiserdes que vos façam os homens,
fazei-o também a eles, porque isto é a Lei e os Profetas» (Mt 7, 12). Este
apelo é universal, tende a abraçar a todos, apenas pela sua condição humana,
porque o Altíssimo, o Pai do Céu, «faz com que o Sol se levante sobre os bons e
os maus» (Mt 5, 45). Em consequência, exige-se: «Sede misericordiosos
como o vosso Pai é misericordioso» (Lc 6, 36).
61. Como motivo para alargar o coração a fim de não excluir o
estrangeiro, invoca-se a memória que o povo judeu conserva de ter vivido como
estrangeiro no Egito. E tal motivo aparece já nos textos mais antigos da
Bíblia: «Não usarás de violência contra o estrangeiro residente nem o
oprimirás, porque foste estrangeiro residente na terra do Egito» (Ex 22, 20). «Não oprimirás um estrangeiro residente; vós conheceis a vida
do estrangeiro residente, porque fostes estrangeiros residentes na terra do
Egito» (Ex 23, 9). «Se um estrangeiro vier residir contigo na tua terra, não o
oprimirás. O estrangeiro que reside convosco será tratado como um dos vossos
compatriotas e amá-lo-ás como a ti mesmo, porque fostes estrangeiros na terra
do Egito» (Lv 19, 33-34). «Quando vindimares a tua vinha, não rebusques
o que ficou; deixa-o para o estrangeiro, o órfão e a viúva. Lembra-te que foste
escravo na terra do Egito» (Dt 24, 21-22).No Novo Testamento, ressoa
intensamente o apelo ao amor fraterno: «Toda a Lei se cumpre plenamente nesta
única palavra: ama o teu próximo como a ti mesmo» (Gl 5, 14). «Quem ama o seu
irmão permanece na luz e não corre perigo de tropeçar. Mas quem tem ódio ao seu
irmão está nas trevas» (1 Jo 2, 10-11). «Nós sabemos
que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Quem não ama,
permanece na morte» (1 Jo 3, 14). «Aquele que não ama o seu irmão, a quem vê,
não pode amar a Deus, a quem não vê» (1 Jo 4, 20).
62. Mesmo esta proposta de amor podia ser mal compreendida. Foi por
alguma razão que, perante a tentação das primeiras comunidades cristãs criarem
grupos fechados e isolados, São Paulo exortava os seus discípulos a ter
caridade uns para com os outros «e para com todos» (1 Ts 3, 12) e, na
comunidade de João, pedia-se que fossem bem recebidos os irmãos, «mesmo sendo
estrangeiros» (3 Jo 5). Esse contexto ajuda a entender
o valor da parábola do bom samaritano: ao amor não lhe interessa se o irmão
ferido vem daqui ou dacolá. Com efeito, é o «amor que rompe as cadeias
que nos isolam e separam, lançando pontes; amor que nos permite construir uma
grande família onde todos nos podemos sentir em casa (…). Amor que sabe de
compaixão e dignidade».[56]
O abandonado
63. Conta Jesus que havia um homem ferido, estendido por terra no
caminho, que fora assaltado. Passaram vários ao seu lado, mas… foram-se, não
pararam. Eram pessoas com funções importantes na sociedade, que não tinham no
coração o amor pelo bem comum. Não foram capazes de
perder uns minutos para cuidar do ferido ou, pelo menos, procurar ajuda. Um
parou, ofereceu-lhe proximidade, curou-o com as próprias mãos, pôs também
dinheiro do seu bolso e ocupou-se dele. Sobretudo deu-lhe algo que, neste mundo
apressado, regateamos tanto: deu-lhe o seu tempo. Tinha certamente os
seus planos para aproveitar aquele dia a bem das suas necessidades,
compromissos ou desejos. Mas conseguiu deixar tudo de lado à vista do ferido e,
sem o conhecer, considerou-o digno de lhe dedicar o seu tempo.
64. Com quem te identificas? É uma pergunta sem rodeios, direta e
determinante: a qual deles te assemelhas? Precisamos de reconhecer a tentação
que nos cerca de se desinteressar dos outros, especialmente dos mais frágeis. Digamos que crescemos em muitos aspetos, mas somos
analfabetos no acompanhar, cuidar e sustentar os mais frágeis e vulneráveis das
nossas sociedades desenvolvidas. Habituamo-nos a olhar para o outro
lado, passar à margem, ignorar as situações até elas nos caírem diretamente em
cima.
65. Assaltam uma pessoa na rua, e muitos fogem como se não tivessem
visto nada. Sucede muitas vezes que pessoas atropelam
alguém com o seu carro e fogem. Pensam só em evitar problemas; não importa se
um ser humano morre por sua culpa. Mas estes são sinais dum estilo de
vida generalizado, que se manifesta de várias maneiras, porventura mais subtis.
Além disso, como estamos todos muito concentrados nas nossas necessidades, ver
alguém que está mal incomoda-nos, perturba-nos, porque não queremos perder
tempo por culpa dos problemas alheios. São sintomas duma sociedade enferma,
pois procura construir-se de costas para o sofrimento.
66. É melhor não cair nesta miséria. Fixemos o modelo do bom samaritano.
É um texto que nos convida a fazer ressurgir a nossa vocação de cidadãos do
próprio país e do mundo inteiro, construtores dum novo vínculo social. Embora
esteja inscrito como lei fundamental do nosso ser, é um apelo sempre novo: que
a sociedade se oriente para a prossecução do bem comum e, a partir deste
objetivo, reconstrua incessantemente a sua ordem política e social, o tecido
das suas relações, o seu projeto humano. Com os seus
gestos, o bom samaritano fez ver que «a existência de cada um de nós está
ligada à dos outros: a vida não é tempo que passa, mas tempo de encontro».[57]
67. Esta parábola é um ícone iluminador, capaz de manifestar a opção
fundamental que precisamos de tomar para reconstruir este mundo que nos está a
peito. Diante de tanta dor, à vista de tantas feridas, a única via de saída é
ser como o bom samaritano. Qualquer outra opção deixa-nos ou com os salteadores
ou com os que passam ao largo, sem se compadecer com o sofrimento do ferido na
estrada. A parábola mostra-nos as iniciativas com que
se pode refazer uma comunidade a partir de homens e mulheres que assumem como
própria a fragilidade dos outros, não deixam constituir-se uma sociedade de
exclusão, mas fazem-se próximos, levantam e reabilitam o caído, para que o bem
seja comum. Ao mesmo tempo, a parábola adverte-nos sobre certas atitudes
de pessoas que só olham para si mesmas e não atendem às exigências ineludíveis
da realidade humana.
68. A narração – digamo-lo claramente – não desenvolve uma doutrina
feita de ideais abstratos, nem se limita à funcionalidade duma moral
ético-social. Mas revela-nos uma caraterística
essencial do ser humano, frequentemente esquecida: fomos criados para a
plenitude, que só se alcança no amor. Viver indiferentes à dor não é uma opção
possível; não podemos deixar ninguém caído «nas margens da vida». Isto
deve indignar-nos de tal maneira que nos faça descer da nossa serenidade
alterando-nos com o sofrimento humano. Isto é dignidade.
Uma história que se repete
69. A narração é simples e linear, mas contém toda a dinâmica da luta
interior que se verifica na elaboração da nossa identidade, que se verifica em
toda a existência projetada na realização da fraternidade humana. Enquanto caminhamos, inevitavelmente embatemos no homem
ferido. Hoje, há cada vez mais feridos. A inclusão ou exclusão da pessoa que
sofre na margem da estrada define todos os projetos económicos, políticos,
sociais e religiosos. Dia a dia enfrentamos a opção de ser bons samaritanos ou
viandantes indiferentes que passam ao largo. E se estendermos o olhar à
totalidade da nossa história e ao mundo no seu conjunto, reconheceremos que
todos somos, ou fomos, como estas personagens: todos temos algo do ferido, do
salteador, daqueles que passam ao largo e do bom samaritano.
70. Digno de nota é o facto de as diferenças entre as personagens na
parábola ficarem completamente transformadas ao confrontar-se com a dolorosa
aparição do caído, do humilhado. Já não há distinção entre habitante da Judeia
e habitante da Samaria, não há sacerdote nem comerciante; existem simplesmente
dois tipos de pessoas: aquelas que cuidam do sofrimento e aquelas que passam ao
largo; aquelas que se debruçam sobre o caído e o reconhecem necessitado de
ajuda e aquelas que olham distraídas e aceleram o passo. De facto, caem as nossas múltiplas máscaras, os nossos
rótulos e os nossos disfarces: é a hora da verdade. Debruçar-nos-emos para
tocar e cuidar das feridas dos outros? Abaixar-nos-emos para levar às costas o
outro? Este é o desafio atual, de que não devemos ter medo. Nos momentos
de crise, a opção torna-se premente: poderíamos dizer que, neste momento, quem
não é salteador e quem não passa ao largo, ou está ferido ou carrega aos ombros
algum ferido.
71. A história do bom samaritano repete-se: torna-se cada vez mais
evidente que a incúria social e política faz de muitos lugares do mundo
estradas desoladas, onde as disputas internas e internacionais e o saque de
oportunidades deixam tantos marginalizados, atirados para a margem da estrada. Na sua parábola, Jesus não propõe vias alternativas, como,
por exemplo, no caso daquele homem ferido ou de quem o ajudou terem dado espaço
nos seus corações ao ódio ou à sede de vingança, que sucederia? Jesus não Se
detém nisso. Confia na parte melhor do espírito humano e, com a
parábola, anima-o a aderir ao amor, reintegrar o ferido e construir uma
sociedade digna de tal nome.
Os personagens
72. A parábola começa com os salteadores. O
ponto de partida escolhido por Jesus é um assalto já consumado. Não nos faz
deter na lamentação do facto, nem dirige o nosso olhar para os salteadores. São
coisas do nosso conhecimento. Vimos avançar no mundo as sombras densas do
abandono, da violência usada para mesquinhos interesses de poder, acúmulo e
repartição. A questão poderia ser: deixaremos ali estirado por terra o homem
maltratado para correr cada qual a esconder-se da violência ou a perseguir os
ladrões? Será o ferido a justificação das nossas divisões
irreconciliáveis, das nossas cruéis indiferenças, dos nossos confrontos
internos?
73. De imediato a parábola faz-nos pousar o olhar claramente naqueles
que passam ao largo. Esta perigosa indiferença que leva
a não parar, inocente ou não, fruto do desprezo ou duma triste distração, faz
das duas personagens – o sacerdote e o levita – um reflexo não menos triste
daquela distância menosprezadora que te isola da realidade. Há muitas maneiras
de passar ao largo, que são complementares: uma é ensimesmar-se,
desinteressar-se dos outros, ficar indiferente; outra seria olhar só para fora.
Relativamente a esta última maneira de passar ao largo, nalguns países
ou em certos setores deles, verifica-se um desprezo dos pobres e da sua
cultura, bem como um viver com o olhar voltado para fora, como se um projeto de
país importado procurasse ocupar o seu lugar. Assim se pode justificar a
indiferença de alguns, pois aqueles que poderiam tocar os seus corações com as
suas reivindicações simplesmente não existem; estão fora do seu horizonte de
interesses.
74. Nas pessoas que passam ao largo, há um
detalhe que não podemos ignorar: eram pessoas religiosas. Mais ainda,
dedicavam-se a dar culto a Deus: um sacerdote e um levita. Isto é uma forte
chamada de atenção: indica que o facto de crer em Deus e O adorar não é
garantia de viver como agrada a Deus. Uma pessoa de fé pode não ser fiel a tudo
o que essa mesma fé exige dela e, no entanto, sentir-se perto de Deus e
julgar-se com mais dignidade do que os outros. Mas há maneiras de viver
a fé que facilitam a abertura do coração aos irmãos, e esta será a garantia
duma autêntica abertura a Deus. São João Crisóstomo expressou, com muita
clareza, este desafio que se apresenta aos cristãos: «Queres honrar o Corpo de
Cristo? Não permitas que seja desprezado nos seus membros, isto é, nos pobres
que não têm que vestir, nem O honres aqui no templo com vestes de seda,
enquanto lá fora O abandonas ao frio e à nudez».[58] O paradoxo é que, às
vezes, quantos dizem que não acreditam podem viver melhor a vontade de Deus do
que os crentes.
75. Habitualmente os «salteadores do caminho» têm, como aliados
secretos, aqueles que «passam pelo caminho olhando para o outro lado». O círculo encerra-se entre aqueles que usam e enganam a
sociedade para chupá-la, e aqueles que julgam manter a pureza na sua função
crítica, mas ao mesmo tempo vivem desse sistema e seus recursos. Verifica-se
uma triste hipocrisia, quando a impunidade do delito, o uso das instituições
para interesses pessoais ou corporativos e outros males que não conseguimos
banir, se associam a uma desqualificação permanente de tudo, à constante
sementeira de suspeitas que gera desconfiança e perplexidade. Ao engano
de que «tudo está mal» corresponde o dito «ninguém o pode consertar. Sendo
assim, que posso fazer eu?» Deste modo, alimenta-se o desencanto e a falta de
esperança; e isto não estimula um espírito de solidariedade e generosidade.
Fazer um povo precipitar no desânimo é o epílogo dum perfeito círculo vicioso:
assim procede a ditadura invisível dos verdadeiros interesses ocultos, que se
apoderaram dos recursos e da capacidade de ter opinião e pensamento próprios.
76. Olhemos enfim o ferido. Às vezes sentimo-nos como ele, gravemente
feridos e atirados para a margem da estrada. Sentimo-nos
também abandonados pelas nossas instituições desguarnecidas e carentes, ou
voltadas para servir os interesses de poucos, fora e dentro. Com efeito, «na
sociedade globalizada, existe um estilo elegante de olhar para o outro lado,
que se pratica de maneira recorrente: sob as aparências do politicamente
correto ou das modas ideológicas, olhamos para aquele que sofre mas não o
tocamos, transmitimo-lo ao vivo e até proferimos um discurso
aparentemente tolerante e cheio de eufemismos».[59]
Recomeçar
77. Cada dia é-nos oferecida uma nova oportunidade, uma etapa nova. Não
devemos esperar tudo daqueles que nos governam; seria infantil. Gozamos dum
espaço de corresponsabilidade capaz de iniciar e gerar novos processos e
transformações. Sejamos parte ativa na reabilitação e apoio das sociedades
feridas. Hoje temos à nossa frente a grande ocasião de
expressar o nosso ser irmãos, de ser outros bons samaritanos que tomam sobre si
a dor dos fracassos, em vez de fomentar ódios e ressentimentos. Como o
viandante ocasional da nossa história, é preciso apenas o desejo gratuito, puro
e simples de ser povo, de ser constantes e incansáveis no compromisso de
incluir, integrar, levantar quem está caído; embora muitas vezes nos vejamos
imersos e condenados a repetir a lógica dos violentos, de quantos nutrem
ambições só para si mesmos, espalhando confusão e mentira. Deixemos que outros continuem a pensar na política ou na
economia para os seus jogos de poder. Alimentemos o que é bom, e coloquemo-nos
ao serviço do bem.
78. É possível começar por baixo e caso a caso, lutar pelo mais concreto
e local, até ao último ângulo da pátria e do mundo, com o mesmo cuidado que o
viandante da Samaria teve por cada chaga do ferido. Procuremos os outros e
ocupemo-nos da realidade que nos compete, sem temer a dor nem a impotência,
porque naquela está todo o bem que Deus semeou no coração do ser humano. As
dificuldades que parecem enormes são a oportunidade para crescer, e não a
desculpa para a tristeza inerte que favorece a sujeição. Mas não o façamos
sozinhos, individualmente. O samaritano procurou um
estalajadeiro que pudesse cuidar daquele homem, como nós estamos chamados a
convidar outros e a encontrar-nos num «nós» mais forte do que a soma de
pequenas individualidades; lembremo-nos de que «o todo é mais do que a parte,
sendo também mais do que a simples soma delas».[60] Renunciemos à mesquinhez e
ao ressentimento de particularismos estéreis, de contraposições sem fim. Deixemos
de ocultar a dor das perdas e assumamos os nossos delitos, desmazelos e
mentiras. A reconciliação reparadora ressuscitar-nos-á, fazendo perder o medo a
nós mesmos e aos outros.
79. O samaritano do caminho partiu sem esperar reconhecimentos nem
obrigados. A dedicação ao serviço era a grande
satisfação diante do seu Deus e na própria vida e, consequentemente, um dever.
Todos temos uma responsabilidade pelo ferido que é o nosso povo e todos os
povos da terra. Cuidemos da fragilidade de cada homem, cada mulher, cada
criança e cada idoso, com a mesma atitude solidária e solícita, a mesma atitude
de proximidade do bom samaritano.
O próximo sem fronteiras
80. Jesus propôs esta parábola para responder a uma pergunta: «Quem é o
meu próximo?» (Lc 10, 29). A palavra «próximo» na sociedade do tempo de Jesus
costumava indicar a pessoa que está mais vizinha, mais próxima. Pensava-se que a ajuda devia encaminhar-se em primeiro lugar
para aqueles que pertencem ao próprio grupo, à própria raça. Para alguns judeus
de então, um samaritano era considerado um ser desprezível, impuro, e, por
conseguinte, não estava incluído entre o próximo a quem se deveria ajudar. O
judeu Jesus transforma completamente esta impostação: não nos convida a
interrogar-nos quem é vizinho a nós, mas a tornar-nos nós mesmos vizinhos,
próximos.
81. A proposta é fazer-se presente a quem precisa de ajuda,
independentemente de fazer parte ou não do próprio círculo de pertença. Neste caso, o samaritano foi quem se fez próximo do judeu
ferido. Para se tornar próximo e presente, ultrapassou todas as barreiras
culturais e históricas. A conclusão de Jesus é um pedido: «Vai e faz tu também
o mesmo» (Lc 10, 37). Por outras palavras, desafia-nos a deixar de lado toda a
diferença e, em presença do sofrimento, fazer-nos vizinhos a quem quer que
seja. Assim, já não digo que tenho «próximos» a quem devo ajudar, mas
que me sinto chamado a tornar-me eu um próximo dos outros.
82. O problema é que Jesus destaca explicitamente que o homem ferido era
um judeu – habitante da Judeia –, enquanto aquele que se deteve e o ajudou era
um samaritano – habitante da Samaria –. Este detalhe reveste-se duma
importância excecional ao refletirmos sobre um amor que se abre a todos. Os samaritanos habitavam numa região que fora contagiada
por ritos pagãos, o que – aos olhos dos judeus – os tornava impuros,
detestáveis, perigosos. De facto, um antigo texto hebraico, que menciona
as nações odiadas, refere-se à Samaria afirmando até que «nem sequer é um
povo», e acrescenta que é «o povo insensato que habita em Siquém» (Sir 50,
25.26).
83. Isto explica por que uma mulher samaritana, quando Jesus lhe pediu
de beber, tenha observado: «Como é que Tu, sendo judeu, me pedes de beber a mim
que sou samaritana?» (Jo 4, 9). E noutra ocasião, ao procurar acusações que
pudessem desacreditar Jesus, a coisa mais ofensiva que encontraram foi
dizer-Lhe: «tens um demónio» e «és um samaritano» (Jo 8, 48). Portanto, este encontro misericordioso entre um samaritano
e um judeu é uma forte provocação, que desmente toda a manipulação ideológica,
desafiando-nos a ampliar o nosso círculo, a dar à nossa capacidade de amar uma
dimensão universal capaz de ultrapassar todos os preconceitos, todas as
barreiras históricas ou culturais, todos os interesses mesquinhos.
A provocação do forasteiro
84. Por fim, lembro que Jesus diz noutra parte do Evangelho: «Era
forasteiro e recolheste-me» (Mt 25, 35). Jesus podia dizer estas palavras,
porque tinha um coração aberto que assumia os dramas dos outros. São Paulo
exortava: «Alegrai-vos com os que se alegram, chorai
com os que choram» (Rm 12, 15). Quando o coração assume esta atitude, é
capaz de se identificar com o outro sem se importar com o lugar onde nasceu nem
donde vem. Entrando nesta dinâmica, em última análise, experimenta que os
outros são «a sua carne» (Is 58, 7).
85. Para os cristãos, as palavras de Jesus têm ainda outra dimensão,
transcendente. Implicam reconhecer o próprio Cristo em cada irmão abandonado ou
excluído (cf. Mt 25, 40.45). Na realidade, a fé cumula
de motivações inauditas o reconhecimento do outro, pois quem acredita pode
chegar a reconhecer que Deus ama cada ser humano com um amor infinito e que
«assim lhe confere uma dignidade infinita».[61] Além disso, acreditamos
que Cristo derramou o seu sangue por todos e cada um, pelo que ninguém fica
fora do seu amor universal. E, se formos à fonte suprema que é a vida íntima de
Deus, encontramo-nos com uma comunidade de três Pessoas, origem e modelo
perfeito de toda a vida em comum. A teologia continua a enriquecer-se graças à
reflexão sobre esta grande verdade.
86. Às vezes deixa-me triste o facto de, apesar
de estar dotada de tais motivações, a Igreja ter demorado tanto tempo a
condenar energicamente a escravatura e várias formas de violência. Hoje, com o
desenvolvimento da espiritualidade e da teologia, não temos desculpas. Todavia,
ainda há aqueles que parecem sentir-se encorajados ou pelo menos autorizados
pela sua fé a defender várias formas de nacionalismo fechado e violento,
atitudes xenófobas, desprezo e até maus-tratos àqueles que são diferentes. A
fé, com o humanismo que inspira, deve manter vivo um sentido crítico perante
estas tendências e ajudar a reagir rapidamente quando começam a insinuar-se. Para isso, é importante que a catequese e a pregação incluam,
de forma mais direta e clara, o sentido social da existência, a dimensão
fraterna da espiritualidade, a convicção sobre a dignidade inalienável de cada
pessoa e as motivações para amar e acolher a todos.
Capítulo
III - PENSAR E GERAR UM MUNDO ABERTO
87. O ser humano está feito de tal maneira que
não se realiza, não se desenvolve, nem pode encontrar a sua plenitude «a não
ser no sincero dom de si mesmo»[62] aos outros. E não chega a reconhecer
completamente a sua própria verdade, senão no encontro com os outros: «Só
comunico realmente comigo mesmo, na medida em que comunico com o outro».[63] Isso
explica por que ninguém pode experimentar o valor de viver, sem rostos
concretos a quem amar. Aqui está um segredo da
existência humana autêntica, já que «a vida subsiste onde há vínculo, comunhão,
fraternidade; e é uma vida mais forte do que a morte, quando se constrói sobre
verdadeiras relações e vínculos de fidelidade. Pelo contrário, não há
vida quando se tem a pretensão de pertencer apenas a si mesmo e de viver como
ilhas: nestas atitudes prevalece a morte».[64]
Mais além
88. A partir da intimidade de cada coração, o amor cria vínculos e
amplia a existência, quando arranca a pessoa de si mesma para o outro.[65]
Feitos para o amor, existe em cada um de nós «uma espécie de lei de “êxtase”:
sair de si mesmo para encontrar nos outros um acrescentamento de ser».[66] Por
isso, «o homem deve conseguir um dia partir de si mesmo, deixar de procurar
apoio em si mesmo, deixar-se levar».[67]
89. Mas não posso reduzir a minha vida à relação com um pequeno grupo,
nem mesmo à minha própria família, porque é impossível compreender-me a mim
mesmo sem uma teia mais ampla de relações: e não só as do momento atual, mas
também as relações dos anos anteriores que me foram configurando ao longo da
minha vida. A minha relação com uma pessoa, que estimo,
não pode ignorar que esta pessoa não vive só para a sua relação comigo, nem eu
vivo apenas relacionando-me com ela. A nossa relação, se é sadia e autêntica,
abre-nos aos outros que nos fazem crescer e enriquecem. O mais nobre
sentido social hoje facilmente fica anulado sob intimismos egoístas com
aparência de relações intensas. Pelo contrário, o amor autêntico, que ajuda a
crescer, e as formas mais nobres de amizade habitam em corações que se deixam
completar. O vínculo de casal e de amizade está orientado para abrir o coração
em redor, para nos tornar capazes de sair de nós mesmos até acolher a todos. Os grupos fechados e os casais autorreferenciais, que se
constituem como um «nós» contraposto ao mundo inteiro, habitualmente são formas
idealizadas de egoísmo e mera autoproteção.
90. Não é sem razão que muitas populações pequenas e sobrevivendo em
áreas desérticas conseguiram desenvolver uma generosa capacidade de acolhimento
dos peregrinos que passavam, dando assim um sinal exemplar do dever sagrado da
hospitalidade. Viveram-no também as comunidades monásticas medievais, como se
verifica na Regra de São Bento. Embora pudessem perturbar a ordem e o silêncio
dos mosteiros, Bento exigia que se tratasse os pobres e os peregrinos «com toda
a consideração e carinho possíveis».[68] A
hospitalidade é uma maneira concreta de não se privar deste desafio e deste dom
que é o encontro com a humanidade mais além do próprio grupo. Aquelas
pessoas reconheciam que todos os valores por elas cultivados deviam ser
acompanhados por esta capacidade de se transcender a si mesmas numa abertura
aos outros.
O valor único do amor
91. As pessoas podem desenvolver algumas atitudes que apresentam como
valores morais: fortaleza, sobriedade, laboriosidade e outras virtudes. Mas,
para orientar adequadamente os atos das várias virtudes morais, é necessário
considerar também a medida em que eles realizam um dinamismo de abertura e
união para com outras pessoas. Este dinamismo é a
caridade, que Deus infunde. Caso contrário, talvez tenhamos só uma aparência de
virtudes, que serão incapazes de construir a vida em comum. Por isso, dizia São
Tomás de Aquino – citando Santo Agostinho – que a temperança duma pessoa
avarenta nem sequer era virtuosa.[69] Com outras palavras, explicava São
Boaventura que as restantes virtudes, sem a caridade, não cumprem estritamente
os mandamentos «como Deus os compreende».[70]
92. A estatura espiritual duma vida humana é medida pelo amor, que
constitui «o critério para a decisão definitiva sobre o valor ou a inutilidade
duma vida humana».[71] Todavia há crentes que pensam
que a sua grandeza está na imposição das suas ideologias aos outros, ou na
defesa violenta da verdade, ou em grandes demonstrações de força. Todos
nós, crentes, devemos reconhecer isto: em primeiro lugar está o amor, o amor
nunca deve ser colocado em risco, o maior perigo é não amar (cf. 1 Cor 13,
1-13).
93. Procurando especificar em que consiste a experiência de amar, que
Deus torna possível com a sua graça, São Tomás de Aquino explicava-a como um
movimento que centra a atenção no outro «considerando-o como um só comigo
mesmo».[72] A atenção afetiva prestada ao outro provoca uma orientação que leva
a procurar o seu bem gratuitamente. Tudo isto parte duma estima, duma
apreciação que, em última análise, é o que está por detrás da palavra
«caridade»: o ser amado é «caro» para mim, ou seja, é estimado como de grande
valor.[73] E «do amor, pelo qual uma pessoa me agrada, depende que lhe dê algo
grátis».[74]
94. Sendo assim o amor implica algo mais do que uma série de ações
benéficas. As ações derivam duma união que propende
cada vez mais para o outro, considerando-o precioso, digno, aprazível e bom,
independentemente das aparências físicas ou morais. O amor ao outro por ser
quem é, impele-nos a procurar o melhor para a sua vida. Só cultivando
esta forma de nos relacionarmos é que tornaremos possível aquela amizade social
que não exclui ninguém e a fraternidade aberta a todos.
A progressiva abertura do amor
95. Enfim, o amor coloca-nos em tensão para a comunhão universal. Ninguém amadurece nem alcança a sua plenitude, isolando-se.
Pela sua própria dinâmica, o amor exige uma progressiva abertura, maior
capacidade de acolher os outros, numa aventura sem fim, que faz convergir todas
as periferias rumo a um sentido pleno de mútua pertença. Disse-nos Jesus: «Vós
sois todos irmãos» (Mt 23, 8).
96. Esta necessidade de ir além dos próprios limites vale também para as
diferentes regiões e países. De facto, «o número sempre crescente de ligações e
comunicações que envolvem o nosso planeta torna mais palpável a consciência da
unidade e partilha dum destino comum entre as nações da terra. Assim, nos
dinamismos da história – independentemente da diversidade das etnias, das
sociedades e das culturas –, vemos semeada a vocação a
formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos
outros».[75]
Sociedades abertas que integram a todos
97. Existem periferias que estão próximas de nós, no centro duma cidade
ou na própria família. Também há um aspeto da abertura universal do amor que
não é geográfico, mas existencial: a capacidade diária de alargar o meu
círculo, chegar àqueles que espontaneamente não sinto como parte do meu mundo
de interesses, embora se encontrem perto de mim. Por
outro lado, cada irmã ou cada irmão que sofre, abandonado ou ignorado pela
minha sociedade, é um forasteiro existencial, embora tenha nascido no mesmo
país. Pode ser um cidadão com todos os documentos em ordem, mas fazem-no
sentir como um estrangeiro na sua própria terra. O racismo é um vírus que muda
facilmente e, em vez de desaparecer, dissimula-se mas está sempre à espreita.
98. Quero lembrar estes «exilados ocultos», que são tratados como corpos
estranhos à sociedade.[76] Muitas pessoas com
deficiência «sentem que vivem sem pertença nem participação». Ainda há tanto
«que as impede de beneficiar da plena cidadania». O objetivo não é apenas
cuidar delas, mas «acompanhá-las e “ungi-las” de dignidade para uma
participação ativa na comunidade civil e eclesial. Trata-se de um
caminho exigente e também cansativo, que contribuirá cada vez mais para a
formação de consciências capazes de reconhecer cada um como pessoa única e
irrepetível». Penso igualmente nos «idosos, que,
inclusive por causa da sua deficiência, são por vezes sentidos como um peso».
Mas todos podem dar «uma contribuição singular para o bem comum através de sua
biografia original». Permiti que insista: «Tende a coragem de dar voz àqueles
que são discriminados por causa de sua condição de deficiência, porque
infelizmente, em certas nações, ainda hoje é difícil reconhecê-los como pessoas
de igual dignidade».[77]
Noções inadequadas dum amor universal
99. O amor que se estende para além das fronteiras está na base daquilo
que chamamos «amizade social» em cada cidade ou em cada país. Se for genuína,
esta amizade social dentro duma sociedade é condição para possibilitar uma
verdadeira abertura universal. Não se trata daquele
falso universalismo de quem precisa de viajar constantemente, porque não
suporta nem ama o próprio povo. Quem olha para a sua gente com desprezo,
estabelece na própria sociedade categorias de primeira e segunda classe, de
pessoas com mais ou menos dignidade e direitos. Deste modo, nega que
haja espaço para todos.
100. Também não estou a propor um universalismo autoritário e abstrato,
ditado ou planificado por alguns e apresentado como um presumível ideal para
homogeneizar, dominar e saquear. Há um modelo de globalização que «visa
conscientemente uma uniformidade unidimensional e procura eliminar todas as
diferenças e as tradições numa busca superficial de unidade. (...) Se uma globalização pretende fazer a todos iguais, como se fosse
uma esfera, tal globalização destrói a riqueza e a singularidade de cada pessoa
e de cada povo».[78] Este falso sonho universalista acaba por privar o mundo da
variedade das suas cores, da sua beleza e, em última análise, da sua
humanidade. Com efeito, «o futuro não é “monocromático”, mas – se
tivermos coragem para isso – podemos contemplá-lo na variedade e na diversidade
das contribuições que cada um pode dar. Como precisa a nossa família humana de
aprender a viver conjuntamente em harmonia e paz, sem necessidade de sermos
todos iguais!»[79]
Superar um mundo de sócios
101. Retomemos agora a parábola do bom samaritano que ainda tem muito a
propor-nos. Havia um homem ferido no caminho. As
personagens que passavam ao lado dele não se concentravam na chamada íntima a
fazer-se próximos, mas na sua função, na posição social que ocupavam, numa
profissão prestigiosa na sociedade. Sentiam-se importantes para a sociedade de
então, e o que mais as preocupava era o papel que deviam desempenhar. O
homem ferido e abandonado no caminho era um incómodo para este projeto, uma
interrupção; e tratava-se de alguém que, por sua vez, não ocupava função
alguma. Era um «ninguém», não pertencia a um grupo considerado notável, não
tinha papel algum na construção da história. Entretanto
o generoso samaritano opunha-se a estas classificações fechadas, embora ele
mesmo estivesse fora de qualquer uma destas categorias, sendo simplesmente um
estranho sem um lugar próprio na sociedade. Assim, livre de todas as
etiquetas e estruturas, foi capaz de interromper a sua viagem, mudar os seus
programas, estar disponível para se abrir à surpresa do homem ferido que
precisava dele.
102. Que reação poderia provocar hoje essa narração, num mundo onde
constantemente aparecem e crescem grupos sociais, que se agarram a uma
identidade que os separa dos outros? Como pode aquela impressionar pessoas que
tendem a organizar-se de maneira a impedir qualquer presença estranha que possa
turbar tal identidade e esta organização autodefensiva e autorreferencial? Neste esquema, fica excluída a possibilidade de fazer-se
próximo, sendo possível apenas ser próximo de quem me permite consolidar os
benefícios pessoais. Assim o termo «próximo» perde todo o significado, fazendo
sentido apenas a palavra «sócio», aquele que é associado para determinados
interesses.[80]
Liberdade, igualdade e fraternidade
103. A fraternidade não é resultado apenas de
situações onde se respeitam as liberdades individuais, nem mesmo da prática
duma certa equidade. Embora sejam condições que a tornam possível, não
bastam para que surja como resultado necessário a fraternidade. Esta tem algo
de positivo a oferecer à liberdade e à igualdade. Que
sucede quando não há a fraternidade conscientemente cultivada, quando não há
uma vontade política de fraternidade, traduzida numa educação para a
fraternidade, o diálogo, a descoberta da reciprocidade e enriquecimento mútuo
como valores? Sucede que a liberdade se atenua, predominando assim uma condição
de solidão, de pura autonomia para pertencer a alguém ou a alguma coisa, ou
apenas para possuir e desfrutar. Isso não esgota de maneira alguma a
riqueza da liberdade, que se orienta sobretudo para o amor.
104. Tampouco se alcança a igualdade definindo,
abstratamente, que «todos os seres humanos são iguais», mas resulta do cultivo
consciente e pedagógico da fraternidade. Aqueles que são capazes apenas
de ser sócios, criam mundos fechados. Em semelhante esquema, que sentido pode
ter a pessoa que não pertence ao círculo dos sócios e chega sonhando com uma
vida melhor para si e sua família?
105. O individualismo não nos torna mais livres, mais iguais, mais irmãos.
A mera soma dos interesses individuais não é capaz de
gerar um mundo melhor para toda a humanidade. Nem pode sequer preservar-nos de
tantos males, que se tornam cada vez mais globais. Mas o individualismo radical
é o vírus mais difícil de vencer. Ilude. Faz-nos crer que tudo se reduz a
deixar à rédea solta as próprias ambições, como se, acumulando ambições e
seguranças individuais, pudéssemos construir o bem comum.
Amor universal que promove as pessoas
106. Para se caminhar rumo à amizade social e à fraternidade universal, há que fazer um reconhecimento basilar e essencial: dar-se
conta de quanto vale um ser humano, de quanto vale uma pessoa, sempre e em
qualquer circunstância. Se cada um vale assim
tanto, temos de dizer clara e firmemente que «o simples facto de ter nascido
num lugar com menores recursos ou menor desenvolvimento não justifica que
algumas pessoas vivam menos dignamente».[81] Trata-se de um princípio
elementar da vida social que é, habitualmente e de várias maneiras, ignorado
por quantos sentem que não convém à sua visão do mundo ou não serve os seus
objetivos.
107. Todo o ser humano tem direito de viver com dignidade e
desenvolver-se integralmente, e nenhum país lhe pode negar este direito
fundamental. Todos o possuem, mesmo quem é pouco eficiente porque nasceu ou
cresceu com limitações. De facto, isto não diminui a sua dignidade imensa de
pessoa humana, que se baseia, não nas circunstâncias, mas no valor do seu ser.
Quando não se salvaguarda este princípio elementar, não há futuro para a
fraternidade nem para a sobrevivência da humanidade.
108. Há sociedades que acolhem apenas parcialmente este princípio. Aceitam que haja possibilidades para todos, mas, suposto
isto, defendem que tudo depende de cada um. Segundo esta perspectiva parcial,
não teria sentido «investir para que os lentos, fracos ou menos dotados possam
também singrar na vida».[82] Investir a favor das pessoas frágeis pode não ser
rentável, pode implicar menor eficiência; requer um Estado presente e
ativo e instituições da sociedade civil que ultrapassem a liberdade dos
mecanismos eficientistas de certos sistemas económicos, políticos ou
ideológicos, porque estão verdadeiramente orientados em primeiro lugar para as
pessoas e o bem comum.
109. Alguns nascem em famílias com boas condições económicas, recebem
boa educação, crescem bem alimentados, ou possuem por natureza notáveis
capacidades. Seguramente não precisarão dum Estado ativo, e apenas pedirão
liberdade. Mas, obviamente, não se aplica a mesma regra
a uma pessoa com deficiência, a alguém que nasceu num lar extremamente pobre, a
alguém que cresceu com uma educação de baixa qualidade e com reduzidas
possibilidades para cuidar adequadamente das suas enfermidades.Se a
sociedade se reger primariamente pelos critérios da liberdade de mercado e da
eficiência, não há lugar para tais pessoas, e a fraternidade não passará duma
palavra romântica.
110. A verdade é que «a simples proclamação da liberdade económica,
enquanto as condições reais impedem que muitos possam efetivamente ter acesso a
ela (...), torna-se um discurso contraditório».[83] Palavras
como liberdade, democracia ou fraternidade esvaziam-se de sentido. Na
realidade, «enquanto o nosso sistema económico-social ainda produzir uma só
vítima que seja e enquanto houver uma pessoa descartada, não poderá haver a
festa da fraternidade universal».[84] Uma sociedade humana e fraterna é
capaz de preocupar-se por garantir, de modo eficiente e estável, que todos
sejam acompanhados no percurso da sua vida, não apenas para assegurar as suas
necessidades básicas, mas para que possam dar o melhor de si mesmos, ainda que
o seu rendimento não seja o melhor, mesmo que sejam lentos, embora a sua
eficiência não seja relevante.
111. A pessoa humana, com os seus direitos inalienáveis, está
naturalmente aberta a criar vínculos. Habita nela, radicalmente, o apelo a
transcender-se a si mesma no encontro com os outros. «É preciso, porém, ter
cuidado para não cair em alguns equívocos que podem surgir de um errado
conceito de direitos humanos e de um abuso paradoxal dos mesmos. De facto, há hoje a tendência para uma reivindicação
crescente de direitos individuais – sinto-me tentado a dizer individualistas –,
que esconde uma conceção de pessoa humana separada de todo o contexto social e
antropológico, quase como uma «mónada» (monás) cada vez mais insensível (…). Na
realidade, se o direito de cada um não está harmoniosamente ordenado para o bem
maior, acaba por conceber-se sem limitações e, por conseguinte, tornar-se fonte
de conflito e violência».[85]
Promover o bem moral
112. Não podemos deixar de afirmar que o desejo e a busca do
bem dos outros e da humanidade inteira implicam também procurar um
desenvolvimento das pessoas e das sociedades nos distintos valores morais que
concorrem para um amadurecimento integral. No Novo Testamento,
menciona-se um fruto do Espírito Santo (cf. Gal 5, 22), expresso em grego pela
palavra agathosyne. Indica o apego ao bem, a busca do bem; mais ainda, é buscar
aquilo que vale mais, o melhor para os outros: o seu amadurecimento, o seu
crescimento numa vida saudável, o cultivo dos valores e não só o bem-estar
material. No latim, há um termo semelhante:
bene-volentia, isto é, a atitude de querer o bem do outro. É um forte
desejo do bem, uma inclinação para tudo o que seja bom e exímio, que impele a
encher a vida dos outros com coisas belas, sublimes, edificantes.
113. Nesta linha, com tristeza, volto a destacar que «vivemos já muito
tempo na degradação moral, baldando-nos à ética, à bondade, à fé, à
honestidade; chegou o momento de reconhecer que esta alegre superficialidade de
pouco nos serviu. Uma tal destruição de todo o
fundamento da vida social acaba por colocar-nos uns contra os outros na defesa
dos próprios interesses».[86] Voltemos a promover o bem, para nós mesmos e para
toda a humanidade, e assim caminharemos juntos para um crescimento genuíno e
integral. Cada sociedade precisa de garantir a transmissão dos valores;
caso contrário, transmitem-se o egoísmo, a violência, a corrupção nas suas
diversas formas, a indiferença e, em última análise, uma vida fechada a toda a
transcendência e entrincheirada nos interesses individuais.
O valor da solidariedade
114. Quero destacar a solidariedade, que «como virtude moral e
comportamento social, fruto da conversão pessoal, exige empenho por parte duma
multiplicidade de sujeitos que detêm responsabilidades de carácter educativo e
formativo. Penso em primeiro lugar nas famílias,
chamadas a uma missão educativa primária e imprescindível. Constituem o
primeiro lugar onde se vivem e transmitem os valores do amor e da fraternidade,
da convivência e da partilha, da atenção e do cuidado pelo outro. São
também o espaço privilegiado para a transmissão da fé, a começar por aqueles
primeiros gestos simples de devoção que as mães ensinam aos filhos. Quanto aos educadores e formadores que têm a difícil tarefa
de educar as crianças e os jovens, na escola ou nos vários centros de agregação
infantil e juvenil, devem estar cientes de que a sua responsabilidade envolve
as dimensões moral, espiritual e social da pessoa. Os valores da
liberdade, respeito mútuo e solidariedade podem ser transmitidos desde a mais
tenra idade. (…) Também os agentes culturais e dos meios de comunicação social
têm responsabilidades no campo da educação e da formação, especialmente na
sociedade atual onde se vai difundindo cada vez mais o acesso a instrumentos de
informação e comunicação».[87]
115. Nestes momentos em que tudo parece diluir-se e perder consistência,
faz-nos bem invocar a solidez,[88] que deriva do facto de nos sabermos
responsáveis pela fragilidade dos outros na procura dum destino comum. A solidariedade manifesta-se concretamente no serviço, que
pode assumir formas muito variadas de cuidar dos outros. O serviço é, «em
grande parte, cuidar da fragilidade. Servir significa cuidar dos frágeis das
nossas famílias, da nossa sociedade, do nosso povo». Nesta tarefa, cada um é
capaz «de pôr de lado as suas exigências, expetativas, desejos de omnipotência,
à vista concreta dos mais frágeis (…). O serviço fixa sempre o rosto do
irmão, toca a sua carne, sente a sua proximidade e, em alguns casos, até
“padece” com ela e procura a promoção do irmão. Por isso, o serviço nunca é
ideológico, dado que não servimos ideias, mas pessoas».[89]
116. Os últimos, em geral, «praticam aquela solidariedade tão especial
que existe entre quantos sofrem, entre os pobres, e que a nossa civilização
parece ter esquecido, ou pelo menos tem grande vontade de esquecer. Solidariedade é uma palavra que nem sempre agrada; diria que
algumas vezes a transformamos num palavrão, que não se pode dizer; mas é uma
palavra que expressa muito mais do que alguns gestos de generosidade
esporádicos. É pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade da
vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. É também lutar contra as causas estruturais da pobreza, a
desigualdade, a falta de trabalho, a terra e a casa, a negação dos direitos
sociais e laborais. É fazer face aos efeitos destrutivos do império do dinheiro
(...). A solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo, é uma
forma de fazer história e é isto que os movimentos populares fazem».[90]
117. Quando falamos em cuidar da casa comum, que é o planeta, fazemos
apelo àquele mínimo de consciência universal e de preocupação pelo cuidado
mútuo que ainda possa existir nas pessoas. De facto, se
alguém tem água de sobra mas poupa-a pensando na humanidade, é porque atingiu
um nível moral que lhe permite transcender-se a si mesmo e ao seu grupo de
pertença. Isto é maravilhosamente humano! Requer-se este mesmo
comportamento para reconhecer os direitos de todo o ser humano, incluindo os
nascidos fora das nossas próprias fronteiras.
Repropor a função social da propriedade
118. O mundo existe para todos, porque todos nós, seres humanos,
nascemos nesta terra com a mesma dignidade. As
diferenças de cor, religião, capacidade, local de nascimento, lugar de
residência e muitas outras não podem antepor-se nem ser usadas para justificar
privilégios de alguns em detrimento dos direitos de todos. Por
conseguinte, como comunidade, temos o dever de garantir que cada pessoa viva
com dignidade e disponha de adequadas oportunidades para o seu desenvolvimento
integral.
119. Nos primeiros séculos da fé cristã, vários sábios
desenvolveram um sentido universal na sua reflexão sobre o destino comum dos
bens criados.[91] Isto levou a pensar que, se
alguém não tem o necessário para viver com dignidade, é porque outrem se está a
apropriar do que lhe é devido. São João Crisóstomo
resume isso, dizendo que, «não fazer os pobres participar dos próprios bens, é
roubar e tirar-lhes a vida; não são nossos, mas deles, os bens que
aferrolhamos».[92] E São Gregório Magno di-lo assim: «Quando damos aos
indigentes o que lhes é necessário, não oferecemos o que é nosso; limitamo-nos
a restituir o que lhes pertence».[93]
120. Faço minhas e volto a propor a todos algumas palavras de São João
Paulo II, cuja veemência talvez tenha passado despercebida: «Deus deu a terra a
todo género humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir
nem privilegiar ninguém».[94] Nesta linha, lembro que
«a tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à
propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de
propriedade privada».[95] O princípio do uso comum dos bens criados para todos
é o «primeiro princípio de toda a ordem ético-social»,[96] é um direito
natural, primordial e prioritário.[97] Todos os outros direitos sobre os
bens necessários para a realização integral das pessoas, quaisquer que sejam
eles incluindo o da propriedade privada, «não devem – como afirmava São Paulo
VI – impedir, mas, pelo contrário, facilitar a sua realização».[98] O direito à propriedade privada só pode ser considerado como
um direito natural secundário e derivado do princípio do destino universal dos
bens criados, e isto tem consequências muito concretas que se devem refletir no
funcionamento da sociedade. Mas acontece muitas vezes que os direitos
secundários se sobrepõem aos prioritários e primordiais, deixando-os sem
relevância prática.
Direitos sem fronteiras
121. Por conseguinte, ninguém pode ser excluído; não importa onde tenha
nascido, e menos ainda contam os privilégios que outros possam ter porque
nasceram em lugares com maiores possibilidades. Os
confins e as fronteiras dos Estados não podem impedir que isto se cumpra.
Assim, como é inaceitável que uma pessoa tenha menos direitos pelo simples
facto de ser mulher, de igual modo é inaceitável que o local de nascimento ou
de residência determine, de por si, menores oportunidades de vida digna
e de desenvolvimento.
122. O desenvolvimento não deve orientar-se para a acumulação sempre
maior de poucos, mas há de assegurar «os direitos humanos, pessoais e sociais,
económicos e políticos, incluindo os direitos das nações e dos povos».[99] O direito de alguns à liberdade de empresa ou de mercado não
pode estar acima dos direitos dos povos e da dignidade dos pobres; nem acima do
respeito pelo ambiente, pois «quem possui uma parte é apenas para a administrar
em benefício de todos».[100]
123. É verdade que a atividade dos empresários «é uma nobre vocação,
orientada para produzir riqueza e melhorar o mundo para todos».[101] Deus
incita-nos, esperando que desenvolvamos as capacidades que Ele nos deu, bem
como as potencialidades de que encheu o universo. Nos
seus desígnios, cada homem é chamado a promover o seu próprio
desenvolvimento,[102] e isto inclui a implementação das capacidades económicas
e tecnológicas para fazer crescer os bens e aumentar a riqueza. Mas
estas capacidades dos empresários, que são um dom de Deus, deveriam em todo o
caso orientar-se claramente para o desenvolvimento das outras pessoas e a
superação da miséria, especialmente através da criação de oportunidades de
trabalho diversificadas. A par do direito de propriedade privada, sempre existe
o princípio mais importante e antecedente da subordinação de toda a propriedade
privada ao destino universal dos bens da terra e, consequentemente, o direito
de todos ao seu uso.[103]
Direitos dos povos
124. Hoje requer-se que a convicção do destino comum dos bens da terra
se aplique também aos países, aos seus territórios e aos seus recursos. Se o olharmos não só a partir da legitimidade da propriedade
privada e dos direitos dos cidadãos duma determinada nação, mas também a partir
do primeiro princípio do destino comum dos bens, então podemos dizer que cada
país é também do estrangeiro, já que os bens dum território não devem ser
negados a uma pessoa necessitada que provenha doutro lugar. Pois, como
ensinaram os bispos dos Estados Unidos, há direitos fundamentais que «precedem
qualquer sociedade, porque derivam da dignidade concedida a cada pessoa
enquanto criada por Deus».[104]
125. Isto supõe também outra maneira de compreender as relações e o
intercâmbio entre países. Se toda a pessoa possui uma
dignidade inalienável, se todo o ser humano é meu irmão ou minha irmã e se, na
realidade, o mundo pertence a todos, não importa se alguém nasceu aqui ou vive
fora dos confins do seu próprio país. Também a minha nação é corresponsável
pelo seu desenvolvimento, embora possa cumprir tal responsabilidade de várias
maneiras: acolhendo-o generosamente quando o requeira uma necessidade
imperiosa, promovendo-o na sua própria terra, não desfrutando nem esvaziando de
recursos naturais a países inteiros, e não favorecendo sistemas corruptos que
impedem o desenvolvimento digno dos povos. Isto que é válido para as
nações, aplica-se às diferentes regiões de cada país, entre as quais se
verificam muitas vezes graves desigualdades. Entretanto a incapacidade de
reconhecer a igual dignidade humana leva às vezes a que as regiões mais
desenvolvidas dalguns países aspirem por libertar-se do «fardo» das regiões
mais pobres para aumentar ainda mais o seu nível de consumo.
126. Falamos duma nova rede nas relações internacionais, porque não é
possível resolver os graves problemas do mundo, pensando apenas em termos de
mútua ajuda entre indivíduos ou pequenos grupos. Lembremo-nos que «a
desigualdade não afeta apenas os indivíduos mas países inteiros, e obriga a
pensar numa ética das relações internacionais».[105] E
a justiça exige reconhecer e respeitar não só os direitos individuais, mas
também os direitos sociais e os direitos dos povos.[106] Quanto afirmamos
implica que se assegure «o direito fundamental dos povos à subsistência e ao
progresso»,[107] que às vezes é fortemente dificultado pela pressão resultante
da dívida externa. Em muitos casos, o pagamento da dívida não só não favorece o
desenvolvimento, mas limita-o e condiciona-o intensamente. Embora se
mantenha o princípio de que toda a dívida legitimamente contraída deve ser
paga, a maneira de cumprir este dever que muitos países pobres têm para com
países ricos não deve levar a comprometer a sua subsistência e crescimento.
127. Trata-se, sem dúvida, doutra lógica. Se não se fizer esforço para
entrar nesta lógica, as minhas palavras parecerão um devaneio. Mas, se se
aceita o grande princípio dos direitos que brotam do simples facto de possuir a
inalienável dignidade humana, é possível aceitar o desafio de sonhar e pensar
numa humanidade diferente. É possível desejar um
planeta que garanta terra, teto e trabalho para todos. Este é o verdadeiro
caminho da paz, e não a estratégia insensata e míope de semear medo e
desconfiança perante ameaças externas. Com efeito, a paz real e
duradoura é possível só «a partir de uma ética global de solidariedade e
cooperação ao serviço de um futuro modelado pela interdependência e a
corresponsabilidade na família humana inteira».[108]
Capítulo
IV - UM CORAÇÃO ABERTO AO MUNDO INTEIRO
128. Se esta
afirmação – como seres humanos, somos irmãos e irmãs – não ficar pela abstração
mas se tornar verdade encarnada e concreta, coloca-nos uma série de desafios
que nos fazem mover, obrigam a assumir novas perspectivas e produzir novas
reações.
O limite das fronteiras
129. Quando o próximo
é uma pessoa migrante, sobrevêm desafios complexos.[109] O ideal seria, sem
dúvida, tornar desnecessárias as migrações e, para isso, o caminho é criar
reais possibilidades de viver e crescer com dignidade nos países de origem, a
fim de se poder encontrar lá as condições para o próprio desenvolvimento integral.
Mas, enquanto não houver sérios progressos nesta linha, é nosso dever respeitar
o direito que tem todo o ser humano de encontrar um lugar onde possa não apenas
satisfazer as necessidades básicas dele e da sua família, mas também
realizar-se plenamente como pessoa. Os nossos esforços a favor das pessoas
migrantes que chegam podem resumir-se em quatro verbos: acolher, proteger,
promover e integrar. Com efeito, «não se trata de impor do alto programas
assistenciais, mas de percorrer unidos um caminho através destas quatro ações,
para construir cidades e países que, mesmo conservando as respetivas
identidades culturais e religiosas, estejam abertos às diferenças e saibam
valorizá-las em nome da fraternidade humana».[110]
130. Isto implica
algumas respostas indispensáveis, sobretudo em benefício daqueles que fogem de
graves crises humanitárias. Por exemplo, incrementar e simplificar a concessão
de vistos, adotar programas de patrocínio privado e comunitário, abrir
corredores humanitários para os refugiados mais vulneráveis, oferecer um
alojamento adequado e decente, garantir a segurança pessoal e o acesso aos
serviços essenciais, assegurar uma adequada assistência consular, o direito de
manter sempre consigo os documentos pessoais de identidade, um acesso imparcial
à justiça, a possibilidade de abrir contas bancárias e a garantia do necessário
para a subsistência vital, dar-lhes liberdade de movimento e a possibilidade de
trabalhar, proteger os menores e assegurar-lhes o acesso regular à educação,
prever programas de custódia temporária ou acolhimento, garantir a liberdade
religiosa, promover a sua inserção social, favorecer a reunificação familiar e
preparar as comunidades locais para os processos de integração.[111]
131. Para aqueles que
chegaram há bastante tempo e já fazem parte do tecido social, é importante
aplicar o conceito de cidadania, que «se baseia na igualdade dos direitos e dos
deveres, sob cuja sombra todos gozam da justiça. Por isso,
é necessário empenhar-se por estabelecer nas nossas sociedades o conceito de
cidadania plena e renunciar ao uso discriminatório do termo minorias, que traz
consigo as sementes de se sentir isolado e da inferioridade;
isto prepara o terreno para as hostilidades e a discórdia e subtrai as
conquistas e os direitos religiosos e civis de alguns cidadãos,
discriminando-os».[112]
132. Além das várias
ações indispensáveis, os Estados não podem incrementar, por conta própria,
soluções adequadas, «porque as consequências das opções de cada um recaem
inevitavelmente sobre toda a comunidade internacional». Assim, «as respostas só
poderão ser fruto dum trabalho comum»,[113] gerando uma legislação (governance)
global para as migrações. Em todo o caso, há necessidade de «estabelecer
projetos de médio e longo prazo que ultrapassem a resposta de emergência;
deveriam ajudar realmente à integração dos migrantes nos países de acolhimento
e, ao mesmo tempo, favorecer o desenvolvimento dos países de origem com
políticas solidárias, mas sem condicionar as ajudas a estratégias e práticas ideologicamente
alheias ou contrárias às culturas dos povos a que se destinam».[114]
Os dons recíprocos
133. A chegada de
pessoas diferentes, que provêm dum contexto vital e cultural distinto,
transforma-se num dom, porque «as histórias dos migrantes são histórias também
de encontro entre pessoas e entre culturas: para as comunidades e as sociedades
de chegada são uma oportunidade de enriquecimento e desenvolvimento humano
integral para todos».[115] Por isso, «peço especialmente aos jovens que não
caiam nas redes de quem os quer contrapor a outros jovens que chegam aos seus
países, fazendo-os ver como sujeitos perigosos e como se não tivessem a mesma
dignidade inalienável de todo o ser humano».[116]
134. Entretanto
quando se acolhe com todo o coração a pessoa diferente, permite-se-lhe
continuar a ser ela própria, ao mesmo tempo que se lhe dá a possibilidade dum
novo desenvolvimento. As várias culturas, cuja riqueza se foi criando ao longo
dos séculos, devem ser salvaguardadas para que o mundo não fique mais pobre.
Isso, porém, sem deixar de as estimular a que permitam surgir de si mesmas algo
de novo no encontro com outras realidades. Não se pode ignorar o risco de
acabarem vítimas duma esclerose cultural. Para isso, «precisamos de comunicar,
descobrir as riquezas de cada um, valorizar aquilo que nos une e olhar as
diferenças como possibilidades de crescimento no respeito por todos. Torna-se necessário um diálogo paciente e confiante, para que
as pessoas, as famílias e as comunidades possam transmitir os valores da
própria cultura e acolher o bem proveniente das experiências alheias».[117]
135. Retomo aqui um
exemplo que dei há tempos: a cultura dos latinos é «um fermento de valores e
possibilidades que pode fazer muito bem aos Estados Unidos. Uma intensa
imigração acaba sempre por marcar e transformar a cultura dum lugar. Na
Argentina, a forte imigração italiana marcou a cultura da sociedade e, no
estilo cultural de Buenos Aires, é muito visível a presença de aproximadamente
200.000 judeus. Se forem ajudados a integrar-se, os imigrantes são uma bênção,
uma riqueza e um novo dom, que convida a sociedade a crescer».[118]
136. Numa perspetiva
mais ampla, eu e o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb lembramos que «o
relacionamento entre Ocidente e Oriente é uma necessidade mútua indiscutível,
que não pode ser comutada nem transcurada, para que ambos se possam enriquecer
mutuamente com a civilização do outro através da troca e do diálogo das
culturas. O Ocidente poderia encontrar na civilização do Oriente
remédios para algumas das suas doenças espirituais e religiosas causadas pelo
domínio do materialismo. E o Oriente poderia encontrar na civilização do
Ocidente tantos elementos que o podem ajudar a salvar-se da fragilidade, da
divisão, do conflito e do declínio científico, técnico e cultural. É importante
prestar atenção às diferenças religiosas, culturais e históricas que são uma
componente essencial na formação da personalidade, da cultura e da civilização
oriental; e é importante consolidar os direitos humanos gerais e comuns, para
ajudar a garantir uma vida digna para todos os homens no Oriente e no Ocidente,
evitando o uso da política de duas medidas».[119]
O intercâmbio fecundo
137. Na realidade, a
ajuda mútua entre países acaba por beneficiar a todos. Um país que progride com
base no seu substrato cultural original é um tesouro para toda a humanidade.
Precisamos fazer crescer a consciência de que, hoje, ou nos salvamos todos
ou não se salva ninguém. A pobreza, a degradação, os sofrimentos dum lugar da
terra são um silencioso terreno fértil de problemas que, finalmente, afetarão
todo o planeta. Se nos preocupa o desaparecimento dalgumas espécies, deveria
afligir-nos o pensamento de que em qualquer lugar possam existir pessoas e
povos que não desenvolvem o seu potencial e a sua beleza por causa da pobreza
ou doutros limites estruturais. É que isto acaba por nos empobrecer a todos.
138. Se isto foi
sempre verdade, hoje a certeza é maior do que nunca devido à realidade dum
mundo tão interconectado pela globalização. Precisamos que um ordenamento
jurídico, político e económico mundial «incremente e guie a colaboração
internacional para o desenvolvimento solidário de todos os povos».[120] Isto
redundará em benefício de todo o planeta, porque «a ajuda ao desenvolvimento
dos países pobres» trará «criação de riqueza para todos».[121] Do ponto de
vista do desenvolvimento integral, isto pressupõe que se conceda «também às
nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns»[122] e procure
«incentivar o acesso ao mercado internacional dos países marcados pela pobreza
e pelo subdesenvolvimento».[123]
Gratuidade que acolhe
139. Todavia não
quero limitar esta abordagem a qualquer forma de utilitarismo. Existe a
gratuitidade: é a capacidade de fazer algumas coisas, pelo simples facto de
serem boas, sem olhar a êxitos nem esperar receber imediatamente algo em troca.
Isto permite acolher o estrangeiro, mesmo que não traga de imediato benefícios
palpáveis. Mas há países que pretendem receber apenas cientistas ou
investidores.
140. Quem não vive a
gratuitidade fraterna, transforma a sua existência num comércio cheio de
ansiedade: está sempre a medir aquilo que dá e o que recebe em troca. Em
contrapartida, Deus dá de graça, chegando ao ponto de ajudar mesmo os que não
são fiéis e «fazer com que o Sol se levante sobre os bons e os maus» (Mt 5,
45). Por isso, Jesus recomenda: «Quando deres esmola, que a tua
mão esquerda não saiba o que faz a tua direita, a fim de que a tua esmola
permaneça em segredo» (Mt 6, 3-4). Recebemos a vida de graça; não pagamos por
ela. De igual modo, todos podemos dar sem esperar recompensa, fazer o bem sem
pretender outro tanto da pessoa que ajudamos. É aquilo que Jesus
dizia aos seus discípulos: «Recebestes de graça, dai de graça» (Mt 10, 8).
141. A verdadeira
qualidade dos diferentes países do mundo mede-se por esta capacidade de pensar
não só como país, mas também como família humana; e isto comprova-se sobretudo
nos períodos críticos. Os nacionalismos fechados manifestam, em última análise,
esta incapacidade de gratuitidade, a errada persuasão de que podem
desenvolver-se à margem da ruína dos outros e que, fechando-se aos demais,
estarão mais protegidos. O migrante é visto como um usurpador, que nada
oferece. Assim, chega-se a pensar ingenuamente que os pobres são perigosos ou
inúteis; e os poderosos, generosos benfeitores. Só poderá ter futuro uma
cultura sociopolítica que inclua o acolhimento gratuito.
Local e universal
142. Ocorre lembrar
que, «entre a globalização e a localização, também se gera uma tensão. É
preciso prestar atenção à dimensão global para não cair numa mesquinha
quotidianidade. Ao mesmo tempo convém não perder de vista o que é local, que
nos faz caminhar com os pés por terra. As duas coisas unidas impedem de cair em
algum destes dois extremos: o primeiro, que os cidadãos vivam num universalismo
abstrato e globalizante; o outro extremo é que se transformem num museu
folclórico de eremitas localistas, condenados a repetir sempre as mesmas
coisas, incapazes de se deixar interpelar pelo que é diverso e de apreciar a
beleza que Deus espalha fora das suas fronteiras».[124] É preciso olhar para o
global, que nos resgata da mesquinhez caseira. Quando a casa deixa de ser lar
para se tornar confinamento, calabouço, resgata-nos o global, porque é como a
causa final que nos atrai para a plenitude. Ao mesmo tempo temos de assumir
intimamente o local, pois tem algo que o global não possui: ser fermento,
enriquecer, colocar em marcha mecanismos de subsidiariedade. Portanto, a
fraternidade universal e a amizade social dentro de cada sociedade são dois
polos inseparáveis e ambos essenciais. Separá-los leva a uma deformação e a uma
polarização nociva.
O sabor local
143. A solução não é
uma abertura que renuncie ao próprio tesouro. Tal como não há diálogo com o
outro sem identidade pessoal, assim também não há abertura entre povos senão a
partir do amor à terra, ao povo, aos próprios traços culturais. Não me encontro
com o outro, se não possuo um substrato onde estou firme e enraizado, pois é a
partir dele que posso acolher o dom do outro e oferecer-lhe algo de autêntico.
Só posso acolher quem é diferente e perceber a sua contribuição original, se
estiver firmemente ancorado ao meu povo com a sua cultura. Cada qual ama e
cuida, com particular responsabilidade, da sua terra e preocupa-se com o seu
país, assim como deve amar e cuidar da própria casa para que não caia, ciente
de que não o virão fazer os vizinhos. O próprio bem do mundo requer que cada um
proteja e ame a sua própria terra; caso contrário, as consequências do desastre
dum país repercutir-se-ão em todo o planeta. Isto baseia-se no sentido positivo
do direito de propriedade: guardo e cultivo algo que possuo, a fim de que possa
ser uma contribuição para o bem de todos.
144. Além disso, é um
pressuposto para intercâmbios sadios e enriquecedores. A base adquirida a
partir da experiência da vida transcorrida num certo lugar e numa determinada
cultura é o que torna uma pessoa capaz de apreender aspetos da realidade que
não conseguem entender tão facilmente quantos não possuem essa experiência. O universal não deve ser o domínio homogéneo, uniforme e
padronizado duma única forma cultural imperante, que perderá as cores do
poliedro e ficará enfadonha. É a
tentação manifestada na antiga narração da Torre de Babel: a construção daquela
torre que chegasse até ao céu não expressava a unidade entre vários povos
capazes de comunicar segundo a própria diversidade; antes pelo contrário, foi
uma tentativa, nascida do orgulho e da ambição humana, que visava criar uma
unidade diferente da desejada por Deus no seu plano providencial para as nações
(cf. Gn 11, 1-11).
145. Existe uma falsa
abertura ao universal, que deriva da superficialidade vazia de quem não é capaz
de compreender até ao fundo a sua pátria, ou de quem lida com um ressentimento
não resolvido face ao seu povo. Em todo o caso, «é preciso alargar sempre o
olhar para reconhecer um bem maior que trará benefícios a todos nós. Mas há que
o fazer sem se evadir nem se desenraizar. É necessário mergulhar as raízes na
terra fértil e na história do próprio lugar, que é um dom de Deus. Trabalha-se
no pequeno, no que está próximo, mas com uma perspetiva mais ampla. (...) Não é
a esfera global que aniquila, nem a parte isolada que esteriliza».[125] É o
poliedro, onde ao mesmo tempo que cada um é respeitado no seu valor, «o todo é
mais que a parte, sendo também mais do que a simples soma delas».[126]
O horizonte universal
146. Há narcisismos
bairristas que não expressam um amor sadio pelo próprio povo e a sua cultura.
Escondem um espírito fechado que, devido a uma certa insegurança e medo do
outro, prefere criar muralhas defensivas para sua salvaguarda. Mas não é
possível ser saudavelmente local sem uma sincera e cordial abertura ao
universal, sem se deixar interpelar pelo que acontece noutras partes, sem se
deixar enriquecer por outras culturas, nem se solidarizar com os dramas dos
outros povos. Este «localismo» encerra-se obsessivamente numas poucas ideias,
costumes e seguranças, revelando-se incapaz de admirar as múltiplas possibilidades
e belezas que oferece o mundo inteiro, e carecendo duma solidariedade autêntica
e generosa. Deste modo, a vida local deixa de ser verdadeiramente receptiva, já
não se deixa completar pelo outro; consequentemente, fica limitada nas suas
possibilidades de desenvolvimento, torna-se estática e adoece. Na
realidade, toda a cultura saudável é, por natureza, aberta e acolhedora, pelo
que «uma cultura sem valores universais não é uma verdadeira cultura».[127]
147. Temos de
reconhecer que quanto menor for a amplitude da mente e do coração duma pessoa,
tanto menos poderá interpretar a realidade circundante em que está imersa. Sem
o relacionamento e o confronto com quem é diferente, torna-se difícil ter um
conhecimento claro e completo de si mesmo e da sua terra, uma vez que as outras
culturas não constituem inimigos de quem seja preciso defender-se, mas reflexos
distintos da riqueza inexaurível da vida humana. Ao olhar para si mesmo do
ponto de vista do outro, de quem é diferente, cada um pode reconhecer melhor as
peculiaridades da sua própria pessoa e cultura: as suas riquezas,
possibilidades e limites. A experiência que se realiza num lugar deve
desenvolver-se ora «em contraste» ora «em sintonia» com as experiências doutras
pessoas que vivem em contextos culturais diversos.[128]
148. Na realidade,
uma sã abertura nunca ameaça a identidade, porque, ao enriquecer-se com
elementos doutros lugares, uma cultura viva não faz uma cópia nem mera
repetição, mas integra as novidades segundo modalidades próprias. Isto provoca
o nascimento duma nova síntese que, em última análise, beneficia a todos, já
que a cultura donde provêm estas contribuições acaba mais devolvida. Por isso,
exortei os povos nativos a cuidarem das suas próprias raízes e culturas
ancestrais, mas esclarecendo que não era «minha intenção propor um indigenismo
completamente fechado, a-histórico, estático, que se negue a toda e qualquer
forma de mestiçagem», pois «a própria identidade cultural aprofunda-se e
enriquece-se no diálogo com os que são diferentes, e o modo autêntico de a
conservar não é um isolamento que empobrece».[129] O mundo cresce e enche-se de
nova beleza, graças a sucessivas sínteses que se produzem entre culturas
abertas, fora de qualquer imposição cultural.
149. Para estimular
uma sadia relação entre o amor à pátria e uma cordial inserção na humanidade
inteira, convém lembrar que a sociedade mundial não é o resultado da soma dos
vários países, mas sim a própria comunhão que existe entre eles, a mútua
inclusão que precede o aparecimento de todo o grupo particular. É neste
entrelaçamento da comunhão universal que se integra cada grupo humano, e aí
encontra a sua beleza. Assim, cada pessoa nascida num determinado contexto sabe
que pertence a uma família maior, sem a qual não é possível ter uma compreensão
plena de si mesma.
150. Esta abordagem
exige, em última análise, que se aceite com alegria que nenhum povo, nenhuma
cultura, nenhum indivíduo pode obter tudo de si mesmo. Os outros são,
constitutivamente, necessários para a construção duma vida plena. A consciência
do limite ou da exiguidade, longe de ser uma ameaça, torna-se a chave segundo a
qual sonhar e elaborar um projeto comum. Com efeito, «o homem é o ser
fronteiriço que não tem qualquer fronteira».[130]
A partir da própria região
151. Graças ao
intercâmbio regional, a partir do qual os países mais frágeis se abrem ao mundo
inteiro, é possível fazer com que as particularidades não se diluam na
universalidade. Uma adequada e autêntica abertura ao mundo pressupõe a
capacidade de se abrir ao vizinho, numa família de nações. A integração
cultural, económica e política com os povos vizinhos deve ser acompanhada por
um processo educativo que promova o valor do amor ao vizinho, primeiro
exercício indispensável para se conseguir uma sadia integração universal.
152. Nalguns bairros
populares, vive-se ainda aquele espírito de «vizinhança» segundo o qual cada um
sente espontaneamente o dever de acompanhar e ajudar o vizinho. Nos lugares que
conservam tais valores comunitários, as relações de proximidade são marcadas
pela gratuitidade, solidariedade e reciprocidade, partindo do sentido de um
«nós» do bairro.[131] Oxalá fosse possível viver isto também entre países
vizinhos, com a capacidade de construir uma vizinhança cordial entre os seus povos.
Mas as visões individualistas traduzem-se nas relações entre países. O risco de viver acautelando-nos uns dos outros, vendo os
outros como concorrentes ou inimigos perigosos, é transferido para o
relacionamento com os povos da região. Talvez tenhamos sido educados neste medo
e nesta desconfiança.
153. Existem países
poderosos e empresas grandes que lucram com este isolamento e preferem negociar
com cada país separadamente. Entretanto, para os países pequenos ou pobres,
abre-se a possibilidade de alcançar acordos regionais com os seus vizinhos, que
lhes permitam negociar em bloco evitando tornar-se segmentos marginais e
dependentes das grandes potências. Hoje nenhum Estado nacional isolado é capaz
de garantir o bem comum da própria população.
Capítulo V
- A POLÍTICA MELHOR
154. Para se tornar
possível o desenvolvimento duma comunidade mundial capaz de realizar a
fraternidade a partir de povos e nações que vivam a amizade social, é
necessária a política melhor, a política colocada ao serviço do verdadeiro bem
comum. Mas hoje, infelizmente, muitas vezes a política assume formas que
dificultam o caminho para um mundo diferente.
Populismos e liberalismos
155. O desprezo pelos
vulneráveis pode esconder-se em formas populistas que, demagogicamente, se
servem deles para os seus fins, ou em formas liberais ao serviço dos interesses
económicos dos poderosos. Em ambos os casos, é palpável a dificuldade de pensar
num mundo aberto onde haja lugar para todos, que inclua os mais frágeis e
respeite as diferentes culturas.
Popular ou populista
156. Nos últimos
anos, os termos «populismo» e «populista» invadiram os meios de comunicação e a
linguagem em geral, perdendo assim o valor que poderiam conter para compor uma
das polaridades da sociedade dividida. Chegou-se ao ponto de pretender classificar
os indivíduos, os grupos, as sociedades e os governos a partir da divisão
binária «populista» ou «não populista». Já não é possível que alguém manifeste
a sua opinião sobre um tema qualquer, sem tentarem classificá-lo num desses
dois polos: umas vezes para o desacreditar injustamente, outras para o exaltar
desmedidamente.
157. Mas a pretensão
de introduzir o populismo como chave de leitura da realidade social contém
outro ponto fraco: ignora a legitimidade da noção de povo. A
tentativa de fazer desaparecer da linguagem esta categoria poderia levar à
eliminação da própria palavra «democracia», cujo significado é precisamente
«governo do povo». Contudo, para afirmar que a sociedade é mais
do que a mera soma de indivíduos, necessita-se do termo «povo». A verdade é que
há fenómenos sociais que estruturam as maiorias, existem megatendências e
aspirações comunitárias; além disso, pode-se pensar em objetivos comuns,
independentemente das diferenças, para implementar juntos um projeto
compartilhado; enfim, é muito difícil projetar algo de grande a longo prazo, se
não se consegue torná-lo um sonho coletivo. Tudo isto está expresso no
substantivo «povo» e no adjetivo «popular». Se não se incluíssem na linguagem –
juntamente com uma sólida crítica da demagogia –, ter-se-ia renunciado a um
aspeto fundamental da realidade social.
158. Subjacente
encontra-se um mal-entendido. «Povo não é uma categoria lógica, nem uma
categoria mística, no sentido de que tudo o que faz o povo é bom, ou no sentido
de que o povo seja uma entidade angelical. É uma categoria mítica. (...) Quando
explicas o que é um povo, recorres a categorias lógicas porque precisas de o
descrever: é verdade, elas são necessárias. Mas, deste modo, não consegues
explicar o sentido de pertença a um povo; a palavra povo tem algo mais que não
se pode explicar logicamente. Pertencer a um povo é fazer parte duma identidade
comum, formada por vínculos sociais e culturais. E isto não é algo de
automático; muito pelo contrário: é um processo lento e difícil... rumo a um
projeto comum».[132]
159. Existem líderes
populares, capazes de interpretar o sentir dum povo, a sua dinâmica cultural e
as grandes tendências duma sociedade. O serviço que prestam, congregando e
guiando, pode ser a base para um projeto duradouro de transformação e
crescimento, que implica também a capacidade de ceder o lugar a outros na busca
do bem comum. Mas degenera num populismo insano, quando se transforma na
habilidade de alguém atrair consensos a fim de instrumentalizar politicamente a
cultura do povo, sob qualquer sinal ideológico, ao serviço do seu projeto
pessoal e da sua permanência no poder. Outras vezes, procura aumentar a
popularidade fomentando as inclinações mais baixas e egoístas dalguns setores
da população. E o caso agrava-se quando se pretende, com formas rudes ou
subtis, o servilismo das instituições e da legalidade.
160. Os grupos
populistas fechados deformam a palavra «povo», porque aquilo de que falam não é
um verdadeiro povo. De facto, a categoria «povo» é aberta. Um povo vivo,
dinâmico e com futuro é aquele que permanece constantemente aberto a novas
sínteses assumindo em si o que é diverso. E fá-lo, não se negando a si mesmo,
mas com a disposição de se deixar mover, interpelar, crescer, enriquecer por
outros; e, assim, pode evoluir.
161. Outra expressão
degenerada duma autoridade popular é a busca do interesse imediato. Responde-se
a exigências populares, com o fim de ter garantido os votos ou o apoio do povo,
mas sem avançar numa tarefa árdua e constante que proporcione às pessoas os
recursos para o seu desenvolvimento, de modo que possam sustentar a vida com o
seu esforço e criatividade. Nesta linha, deixei claro: «longe de mim propor um populismo irresponsável».[133] Por
um lado, a superação da desigualdade requer que se desenvolva a economia,
fazendo frutificar as potencialidades de cada região e assegurando assim uma
equidade sustentável;[134] por outro, «os planos de
assistência, que acorrem a determinadas emergências, deveriam considerar-se
apenas como respostas provisórias».[135]
162. A grande questão
é o trabalho. Ser verdadeiramente popular – porque promove o bem do povo – é
garantir a todos a possibilidade de fazer germinar as sementes que Deus colocou
em cada um, as suas capacidades, a sua iniciativa, as suas forças. Esta é a
melhor ajuda para um pobre, o melhor caminho para uma existência digna. Por
isso, insisto que «ajudar os pobres com o dinheiro deve sempre ser um remédio
provisório para enfrentar emergências. O verdadeiro objetivo deveria ser sempre
consentir-lhes uma vida digna através do trabalho».[136] Por mais que mudem os
sistemas de produção, a política não pode renunciar ao objetivo de conseguir
que a organização duma sociedade assegure a cada pessoa uma maneira de
contribuir com as suas capacidades e o seu esforço. Com efeito, «não há pobreza
pior do que aquela que priva do trabalho e da dignidade do trabalho».[137] Numa
sociedade realmente desenvolvida, o trabalho é uma dimensão essencial da vida
social, porque não é só um modo de ganhar o pão, mas também um meio para o
crescimento pessoal, para estabelecer relações sadias, expressar-se a si
próprio, partilhar dons, sentir-se corresponsável no desenvolvimento do mundo
e, finalmente, viver como povo.
Valores e limites das visões liberais
163. A categoria de
povo, que inclui intrinsecamente uma avaliação positiva dos vínculos
comunitários e culturais, habitualmente é rejeitada pelas visões liberais
individualistas, que consideram a sociedade como uma mera soma de interesses
que coexistem. Falam de respeito pelas liberdades, mas sem a raiz duma
narrativa comum. Em certos contextos, é frequente acusar como populistas quantos
defendem os direitos dos mais frágeis da sociedade. Para as referidas visões, a
categoria de povo é uma mitificação de algo que não existe na realidade.
Aqui, porém, cria-se uma polarização desnecessária, pois nem a ideia de povo
nem a de próximo são categorias puramente míticas ou românticas que excluam ou
desprezem a organização social, a ciência e as instituições da sociedade
civil.[138]
164. A caridade reúne
as duas dimensões – a mítica e a institucional –, pois implica um caminho
eficaz de transformação da história que exige incorporar tudo: instituições,
direito, técnica, experiência, contribuições profissionais, análise científica,
procedimentos administrativos… Porque, «de facto, não há vida privada, se não
for protegida por uma ordem pública; um lar acolhedor doméstico não tem
intimidade, se não estiver sob a tutela da legalidade, dum estado de
tranquilidade fundado na lei e na força e com a condição dum mínimo de
bem-estar garantido pela divisão do trabalho, pelas trocas comerciais, pela
justiça social e pela cidadania política».[139]
165. A verdadeira
caridade é capaz de incluir tudo isto na sua dedicação; e se se deve expressar
no encontro de pessoa a pessoa, também consegue chegar a uma irmã, a um irmão
distante e até desconhecido através dos vários recursos que as instituições
duma sociedade organizada, livre e criativa são capazes de gerar. Se voltarmos
ao caso do bom samaritano, vemos que até ele precisou da existência duma
estalagem que lhe permitisse resolver o que não estava em condições de garantir
sozinho, naquele momento. O amor ao próximo é realista, e não desperdiça nada
que seja necessário para uma transformação da história que beneficie os
últimos. Às vezes deparamo-nos com ideologias de esquerda ou pensamentos
sociais cultivando hábitos individualistas e procedimentos ineficazes, porque
beneficiam a poucos; entretanto a multidão dos abandonados fica à mercê da
possível boa vontade de alguns. Isto demonstra que é necessário fazer crescer
não só uma espiritualidade da fraternidade, mas também e ao mesmo tempo uma
organização mundial mais eficiente para ajudar a resolver os problemas
prementes dos abandonados que sofrem e morrem nos países pobres. Naturalmente
isto implica que não exista apenas uma possível via de saída, uma única
metodologia aceitável, uma receita económica aplicável igualmente por todos, e
pressupõe que mesmo a ciência mais rigorosa possa propor percursos diferentes.
166. A consistência
de tudo isto poderá ser bem pouca, se perdermos a capacidade de reconhecer a
necessidade duma mudança nos corações humanos, nos hábitos e estilos de vida. É
o que acontece quando a propaganda política, os meios e os criadores de opinião
pública persistem em fomentar uma cultura individualista e ingénua à vista de
interesses económicos desenfreados e da organização das sociedades ao serviço
daqueles que já têm demasiado poder. Por isso, a minha crítica ao paradigma
tecnocrático não significa que só procurando controlar os seus excessos é que
poderemos estar seguros, já que o perigo maior não está nas coisas, nas
realidades materiais, nas organizações, mas no modo como as pessoas se servem
delas. A questão é a fragilidade humana, a tendência
humana constante para o egoísmo, que faz parte daquilo que a tradição cristã
chama «concupiscência»: a inclinação do ser humano a fechar-se na imanência do
próprio eu, do seu grupo, dos seus interesses mesquinhos. Esta
concupiscência não é um defeito do nosso tempo; existe desde que o homem é
homem, limitando-se simplesmente a transformar-se, adquirir modalidades
diferentes no decorrer dos séculos, utilizando os instrumentos que o momento
histórico coloca à sua disposição. Mas, é possível dominá-la com a ajuda de
Deus.
167. A tarefa
educativa, o desenvolvimento de hábitos solidários, a capacidade de pensar a
vida humana de forma mais integral, a profundidade espiritual são realidades
necessárias para dar qualidade às relações humanas, de tal modo que seja a
própria sociedade a reagir face às próprias injustiças, às aberrações, aos
abusos dos poderes económicos, tecnológicos, políticos e mediáticos. Há visões
liberais que ignoram este fator da fragilidade humana e imaginam um mundo que
corresponda a uma determinada ordem que poderia, por si só, assegurar o futuro
e a solução de todos os problemas.
168. O mercado, por
si só, não resolve tudo, embora às vezes nos queiram fazer crer neste dogma de
fé neoliberal. Trata-se dum pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as
mesmas receitas perante qualquer desafio que surja. O neoliberalismo
reproduz-se sempre igual a si mesmo, recorrendo à mágica teoria do «derrame» ou
do «gotejamento» – sem a nomear – como única via para resolver os problemas
sociais. Não se dá conta de que a suposta redistribuição não resolve a
desigualdade, sendo, esta, fonte de novas formas de violência que ameaçam o
tecido social. Por um lado, é indispensável uma política económica ativa,
visando «promover uma economia que favoreça a diversificação produtiva e a
criatividade empresarial»,[140] para ser possível aumentar os postos de
trabalho em vez de os reduzir. A especulação financeira, tendo a ganância de
lucro fácil como objetivo fundamental, continua a fazer estragos. Por outro
lado, «sem formas internas de solidariedade e de confiança mútua, o mercado não
pode cumprir plenamente a própria função económica. E, hoje, foi precisamente
esta confiança que veio a faltar».[141] O fim da história
não foi como previsto, tendo as receitas dogmáticas da teoria económica
imperante demonstrado que elas mesmas não são infalíveis. A fragilidade dos sistemas mundiais perante a
pandemia evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado e que,
além de reabilitar uma política saudável que não esteja sujeita aos ditames das
finanças, «devemos voltar a pôr a dignidade humana no centro e sobre este pilar
devem ser construídas as estruturas sociais alternativas de que
precisamos».[142]
169. Em determinadas
visões económicas fechadas e monocromáticas, parece que não têm lugar, por
exemplo, os Movimentos Populares que reúnem desempregados, trabalhadores
precários e informais e tantos outros que não entram facilmente nos canais já
estabelecidos. Na realidade, criam variadas formas de economia popular e de
produção comunitária. É necessário pensar a participação social, política e
económica segundo modalidades tais «que incluam os movimentos populares e
animem as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com aquela
torrente de energia moral que nasce da integração dos excluídos na construção
do destino comum» e, por sua vez, se incentive a que «estes movimentos, estas
experiências de solidariedade que crescem de baixo, do subsolo do planeta,
confluam, sejam mais coordenados, se encontrem».[143] Mas fazê-lo sem trair o
seu estilo caraterístico, porque são «semeadores de mudanças, promotores de um
processo para o qual convergem milhões de pequenas e grandes ações interligadas
de modo criativo, como numa poesia».[144] Neste sentido, são «poetas sociais»
que à sua maneira trabalham, propõem, promovem e libertam. Com eles, será
possível um desenvolvimento humano integral, que implica superar «a ideia das
políticas sociais concebidas como uma política para os pobres, mas nunca com os
pobres, nunca dos pobres, e muito menos inserida num projeto que reúna os
povos».[145] Embora incomodem e mesmo se alguns «pensadores» não sabem como
classificá-los, é preciso ter a coragem de reconhecer que, sem eles, «a democracia
atrofia-se, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade,
vai-se desencarnando porque deixa fora o povo na sua luta diária pela
dignidade, na construção de seu destino».[146]
O poder internacional
170. Deixai-me
repetir aqui que «a crise financeira dos anos 2007 e 2008 era a ocasião para o
desenvolvimento duma nova economia mais atenta aos princípios éticos e para uma
nova regulamentação da atividade financeira especulativa e da riqueza virtual.
Mas não houve uma reação que fizesse repensar os critérios obsoletos que
continuam a governar o mundo».[147] Antes pelo contrário, parece que as reais
estratégias, posteriormente desenvolvidas no mundo, se têm orientado para maior
individualismo, menor integração, maior liberdade para os que são
verdadeiramente poderosos e sempre encontram maneira de escapar ilesos.
171. Gostaria de
insistir no facto que «dar a cada um o que lhe é devido, segundo a definição
clássica de justiça, significa que nenhum indivíduo ou grupo humano se pode considerar
omnipotente, autorizado a pisar a dignidade e os direitos dos outros indivíduos
ou dos grupos sociais. A efetiva distribuição do poder, sobretudo
político, económico, militar e tecnológico, entre uma pluralidade de sujeitos e
a criação dum sistema jurídico de regulação das reivindicações e dos interesses
realiza a limitação do poder. Mas, hoje, o panorama mundial
apresenta-nos muitos direitos falsos e, ao mesmo tempo, amplos setores sem
proteção, vítimas inclusivamente dum mau exercício do poder».[148]
172. O século XXI
«assiste a uma perda de poder dos Estados nacionais, sobretudo porque a
dimensão económico-financeira, de carater transnacional, tende a prevalecer
sobre a política. Neste contexto, torna-se indispensável a
maturação de instituições internacionais mais fortes e eficazmente organizadas,
com autoridades designadas de maneira imparcial por meio de acordos entre
governos nacionais e dotadas de poder de sancionar».[149] Quando se fala duma
possível forma de autoridade mundial regulada pelo direito,[150] não se deve
necessariamente pensar numa autoridade pessoal. Mas deveria prever pelo menos a criação de
organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para assegurar o bem
comum mundial, a erradicação da fome e da miséria e a justa defesa dos direitos
humanos fundamentais.
173. Nesta linha,
lembro que é necessária uma reforma «quer da Organização das Nações Unidas quer
da arquitetura económica e financeira internacional, para que seja possível uma
real concretização do conceito de família de nações».[151] Isto pressupõe, sem
dúvida, limites jurídicos precisos para evitar que seja uma autoridade cooptada
por poucos países e, ao mesmo tempo, para impedir imposições culturais ou a
redução das liberdades básicas das nações mais frágeis por causa de diferenças
ideológicas. Na verdade, «a comunidade internacional é uma comunidade jurídica
fundada sobre a soberania de cada Estado-membro, sem vínculos de subordinação
que neguem ou limitem a cada qual a sua independência».[152] Com efeito, «a
tarefa das Nações Unidas, com base nos postulados do Preâmbulo e dos primeiros
artigos da sua Carta constitucional, pode ser vista como o desenvolvimento e a
promoção da soberania do direito, sabendo que a justiça é um requisito
indispensável para se realizar o ideal da fraternidade universal. (…) É preciso garantir o domínio incontrastado do direito e o
recurso incansável às negociações, aos mediadores e à arbitragem, como é
proposto pela Carta das Nações Unidas, verdadeira norma jurídica
fundamental».[153] É necessário
evitar que esta Organização seja deslegitimada, pois os seus problemas ou
deficiências podem ser enfrentados e resolvidos em conjunto.
174. Requer-se
coragem e generosidade para estabelecer livremente certos objetivos comuns e
assegurar o cumprimento em todo o mundo dalgumas normas essenciais. Para que
isto seja verdadeiramente útil, deve-se apoiar «a exigência de fazer fé nos
compromissos subscritos (pacta sunt servanda)»,[154] a fim de evitar «a
tentação de fazer apelo mais ao direito da força que à força do direito».[155]
Nesta perspetiva, «os instrumentos normativos para a solução pacífica das
controvérsias devem ser repensados de tal modo que lhes sejam reforçados o
alcance e a obrigatoriedade».[156] Dentre esses instrumentos normativos, há que
favorecer os acordos multilaterais entre os Estados, porque garantem melhor do
que os acordos bilaterais o cuidado dum bem comum realmente universal e a
tutela dos Estados mais vulneráveis.
175. Graças a Deus,
muitos grupos e organizações da sociedade civil ajudam a compensar as debilidades
da Comunidade Internacional, a sua falta de coordenação em situações complexas,
a sua carência de atenção relativamente a direitos humanos fundamentais e a
situações muito críticas de alguns grupos. Assim, adquire uma expressão
concreta o princípio da subsidiariedade, que garante a participação e a ação
das comunidades e organizações de nível menor, que integram de modo
complementar a ação do Estado. Muitas vezes, realizam esforços admiráveis com o
pensamento no bem comum, e alguns dos seus membros chegam a cumprir gestos
verdadeiramente heroicos que mostram de quanta bondade ainda é capaz a nossa
humanidade.
Uma caridade social e política
176. Atualmente
muitos possuem uma má noção da política, e não se pode ignorar que
frequentemente, por trás deste facto, estão os erros, a corrupção e a
ineficiência de alguns políticos. A isto vêm juntar-se as estratégias que visam
enfraquecê-la, substituí-la pela economia ou dominá-la por alguma ideologia. E
contudo poderá o mundo funcionar sem política? Poderá encontrar um caminho
eficaz para a fraternidade universal e a paz social sem uma boa política?[157]
A política necessária
177. Gostaria de
insistir que «a política não deve submeter-se à economia, e esta não deve
submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia».[158]
Embora se deva rejeitar o mau uso do poder, a corrupção, a falta de respeito
das leis e a ineficiência, «não se pode justificar uma economia sem política,
porque seria incapaz de promover outra lógica para governar os vários aspetos
da crise atual».[159] Pelo contrário,
«precisamos duma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação
integral, abrangendo num diálogo interdisciplinar os vários aspetos da
crise».[160] Penso numa «política salutar, capaz de reformar as instituições,
coordená-las e dotá-las de bons procedimentos, que permitam superar pressões e
inércias viciosas».[161] Não se
pode pedir isto à economia, nem aceitar que ela assuma o poder real do Estado.
178. Perante tantas
formas de política mesquinhas e fixadas no interesse imediato, lembro que «a
grandeza política mostra-se quando, em momentos difíceis, se trabalha com base
em grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo. O poder político tem
muita dificuldade em assumir este dever num projeto de nação»[162] e, mais
ainda, num projeto comum para a humanidade presente e futura. Pensar
nos que hão de vir não tem utilidade para fins eleitorais, mas é o que exige
uma justiça autêntica, porque, como ensinaram os bispos
de Portugal, a terra «é um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir
à geração seguinte».[163]
179. A sociedade
mundial tem graves carências estruturais que não se resolvem com remendos ou
soluções rápidas meramente ocasionais. Há coisas que devem ser mudadas com
reajustamentos profundos e transformações importantes. E só uma política sã
poderia conduzir o processo, envolvendo os mais diversos setores e os
conhecimentos mais variados. Desta forma, uma economia integrada num projeto
político, social, cultural e popular que vise o bem comum pode «abrir caminho a
oportunidades diferentes, que não implica frenar a criatividade humana nem o
seu sonho de progresso, mas orientar esta energia por novos canais».[164]
O amor político
180. Reconhecer todo
o ser humano como um irmão ou uma irmã e procurar uma amizade social que
integre a todos não são meras utopias. Exigem a decisão e a capacidade de
encontrar os percursos eficazes, que assegurem a sua real possibilidade. Todo e
qualquer esforço nesta linha torna-se um exercício alto da caridade. Com
efeito, um indivíduo pode ajudar uma pessoa necessitada, mas, quando se une a
outros para gerar processos sociais de fraternidade e justiça para todos, entra
no «campo da caridade mais ampla, a caridade política».[165] Trata-se de
avançar para uma ordem social e política, cuja alma seja a caridade
social.[166] Convido uma vez mais a revalorizar a política, que «é uma sublime
vocação, é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem
comum».[167]
181. Todos os
compromissos decorrentes da doutrina social da Igreja «derivam da caridade que
é – como ensinou Jesus – a síntese de toda a Lei (cf. Mt 22, 36-40)».[168] Isto
exige reconhecer que «o amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é
também civil e político, manifestando-se em todas as ações que procuram
construir um mundo melhor».[169] Por este motivo, o amor expressa-se não só nas
relações íntimas e próximas, mas também nas «macrorrelações como relacionamentos
sociais, económicos e políticos».[170]
182. Esta caridade
política supõe ter maturado um sentido social que supere toda a mentalidade
individualista: «A caridade social leva-nos a amar o bem comum e a buscar
efetivamente o bem de todas as pessoas, consideradas não só individualmente,
mas também na dimensão social que as une».[171] Cada um é
plenamente pessoa quando pertence a um povo e, vice-versa, não há um verdadeiro
povo sem referência ao rosto de cada pessoa. Povo e pessoa são termos
correlativos. Contudo, hoje, pretende-se reduzir as pessoas a indivíduos
facilmente manipuláveis por poderes que visam interesses ilegítimos. A boa política procura caminhos de construção de
comunidade nos diferentes níveis da vida social, a fim de reequilibrar e
reordenar a globalização para evitar os seus efeitos desagregadores.
Amor eficaz
183. A partir do
«amor social»,[172] é possível avançar para uma civilização do amor a que todos
nos podemos sentir chamados. Com o seu dinamismo universal, a caridade pode
construir um mundo novo,[173] porque não é um sentimento estéril, mas o modo
melhor de alcançar vias eficazes de desenvolvimento para todos. O amor social é
uma «força capaz de suscitar novas vias para enfrentar os problemas do mundo de
hoje e renovar profundamente, desde o interior, as estruturas, organizações
sociais, ordenamentos jurídicos».[174]
184. A caridade está
no centro de toda a vida social sadia e aberta. Todavia, hoje, «não é difícil
ouvir declarar a sua irrelevância para interpretar e orientar as
responsabilidades morais».[175] É muito mais do que um sentimentalismo
subjetivo, naturalmente se aparece unida ao compromisso com a verdade, para que
não acabe «prisioneira das emoções e opiniões contingentes dos
indivíduos».[176] É precisamente a relação da caridade com a verdade que
favorece o seu universalismo, evitando assim que ela acabe «confinada num
âmbito restrito e carente de relações».[177] Caso contrário, será «excluída dos
projetos e processos de construção dum desenvolvimento humano de alcance
universal, no diálogo entre o saber e a realização prática».[178] Privada da
verdade, a emotividade fica sem conteúdos relacionais e sociais. Por isso, a
abertura à verdade protege a caridade duma fé falsa, que a priva de «amplitude
humana e universal».[179]
185. A caridade
precisa da luz da verdade, que buscamos constantemente, e «esta luz é
simultaneamente a luz da razão e a da fé»,[180] sem relativismos. Isto supõe
também o desenvolvimento das ciências e a sua contribuição insubstituível para
encontrar os percursos concretos e mais seguros para alcançar os resultados
esperados. Com efeito, quando está em jogo o bem dos outros, não bastam as boas
intenções, mas é preciso conseguir efetivamente aquilo de que eles e seus
países necessitam para se realizar.
A atividade do amor político
186. Existe o chamado
amor «elícito»: expressa os atos que brotam diretamente da virtude da caridade,
dirigidos a pessoas e povos. Mas há também um amor «imperado»: traduz os atos
de caridade que nos impelem a criar instituições mais sadias, regulamentos mais
justos, estruturas mais solidárias.[181] Por isso, é «um ato de caridade,
igualmente indispensável, o empenho com o objetivo de organizar e estruturar a
sociedade de modo que o próximo não se venha a encontrar na miséria».[182] É
caridade acompanhar uma pessoa que sofre, mas é caridade também tudo o que se
realiza – mesmo sem ter contacto direto com essa pessoa – para modificar as condições
sociais que provocam o seu sofrimento. Alguém ajuda um idoso a atravessar um
rio, e isto é caridade primorosa; mas o político constrói-lhe uma ponte, e isto
também é caridade. É caridade se alguém ajuda outra pessoa fornecendo-lhe
comida, mas o político cria-lhe um emprego, exercendo uma forma sublime de
caridade que enobrece a sua ação política.
Os sacrifícios do amor
187. Esta caridade,
coração do espírito da política, é sempre um amor preferencial pelos últimos,
que subjaz a todas as ações realizadas em seu favor.[183] Só com um olhar cujo
horizonte esteja transformado pela caridade, levando-nos a perceber a dignidade
do outro, é que os pobres são reconhecidos e apreciados na sua dignidade
imensa, respeitados no seu estilo próprio e cultura e, por conseguinte,
verdadeiramente integrados na sociedade. Um tal olhar é o núcleo do autêntico
espírito da política. Os caminhos que se abrem a partir dele, são diferentes
dos caminhos dum pragmatismo sem alma. Por exemplo, «não se pode enfrentar o
escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção que só tranquilizam e
transformam os pobres em seres domesticados e inofensivos. Como é triste ver
que, por detrás de presumíveis obras altruístas, o outro é reduzido à
passividade».[184] O necessário é haver distintos canais de expressão e
participação social. A educação está ao serviço deste caminho, para que cada
ser humano possa ser artífice do seu destino. Demonstra aqui o seu valor o
princípio de subsidiariedade, inseparável do princípio de solidariedade.
188. Isto demonstra a
urgência de se encontrar uma solução para tudo o que atenta contra os direitos
humanos fundamentais. Os políticos são chamados a «cuidar da fragilidade, da
fragilidade dos povos e das pessoas. Cuidar da fragilidade quer dizer força e
ternura, luta e fecundidade, no meio dum modelo funcionalista e individualista
que conduz inexoravelmente à “cultura do descarte” (…); significa assumir o
presente na sua situação mais marginal e angustiante e ser capaz de ungi-lo de
dignidade».[185] Embora acarrete certamente imenso trabalho, «que tudo se faça
para tutelar a condição e a dignidade da pessoa humana»![186] O político é
operoso, é um construtor com grandes objetivos, com olhar amplo, realista e
pragmático, inclusive para além do seu próprio país. As maiores preocupações
dum político não deveriam ser as causadas por uma descida nas sondagens, mas
por não encontrar uma solução eficaz para «o fenómeno da exclusão social e
económica, com suas tristes consequências de tráfico de seres humanos, tráfico
de órgãos e tecidos humanos, exploração sexual de meninos e meninas, trabalho
escravo, incluindo a prostituição, tráfico de drogas e de armas, terrorismo e
criminalidade internacional organizada. Tal é a magnitude destas situações e o
número de vidas inocentes envolvidas que devemos evitar qualquer tentação de
cair num nominalismo declamatório com efeito tranquilizador sobre as
consciências. Devemos ter cuidado com as nossas instituições para que sejam
realmente eficazes na luta contra estes flagelos».[187] Consegue-se isto,
aproveitando de forma inteligente os grandes recursos do desenvolvimento
tecnológico.
189. Ainda estamos
longe duma globalização dos direitos humanos mais essenciais. Por isso a
política mundial não pode deixar de colocar entre seus objetivos principais e
irrenunciáveis o de eliminar efetivamente a fome. Com efeito, «quando a
especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como uma
mercadoria qualquer, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro
lado, descartam-se toneladas de alimentos. Isto constitui um verdadeiro
escândalo. A fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável».[188]
Muitas vezes hoje, enquanto nos enredamos em discussões semânticas ou
ideológicas, deixamos que irmãos e irmãs morram ainda de fome ou de sede, sem
um teto ou sem acesso a serviços de saúde. Juntamente com estas necessidades
elementares por satisfazer, outra vergonha para a humanidade que a política
internacional não deveria continuar a tolerar – não se ficando por discursos e
boas intenções – é o tráfico de pessoas. Trata-se daquele mínimo que não se
pode adiar mais.
Amor que integra e reúne
190. A caridade
política expressa-se também na abertura a todos. Sobretudo
o governante é chamado a renúncias que tornem possível o encontro, procurando a
convergência pelo menos nalguns temas. Sabe escutar o ponto de vista do outro,
facilitando um espaço a todos. Com
renúncias e paciência, um governante pode ajudar a criar aquele poliedro bom
onde todos encontram um lugar. Nisto, não resultam as negociações de tipo
económico; é algo mais: é um intercâmbio de dons a favor do bem comum. Parece
uma utopia ingénua, mas não podemos renunciar a este sublime objetivo.
191. Vendo que todo o
tipo de intolerância fundamentalista danifica as relações entre pessoas, grupos
e povos, comprometamo-nos a viver e ensinar o valor do respeito, o amor capaz
de aceitar as várias diferenças, a prioridade da dignidade de todo o ser humano
sobre quaisquer ideias, sentimentos, atividades e até pecados que possa ter.
Enquanto os fanatismos, as lógicas fechadas e a fragmentação social e cultural
proliferam na sociedade atual, um bom político dá o primeiro passo para que se
ouçam as diferentes vozes. É verdade que as diferenças geram conflitos, mas a
uniformidade gera asfixia e neutraliza-nos culturalmente. Não nos
resignemos a viver fechados num fragmento da realidade.
192. Neste contexto,
gostaria de lembrar que eu juntamente com o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb pedimos
«aos artífices da política internacional e da economia mundial, para se
comprometer seriamente na difusão da tolerância, da convivência e da paz; para
intervir, o mais breve possível, a fim de se impedir o derramamento de sangue
inocente».[189] E quando uma determinada política semeia o ódio e o medo em
relação a outras nações em nome do bem do próprio país, é necessário estar
alerta, reagir a tempo e corrigir imediatamente o rumo.
Mais fecundidade que resultados
193. Ao mesmo tempo
que realiza esta atividade incansável, cada político permanece um ser humano,
chamado a viver o amor nas suas relações interpessoais diárias. É uma pessoa e
precisa de se dar conta que «o mundo moderno, devido à sua perfeição técnica, tende
a racionalizar cada vez mais a satisfação dos desejos humanos, classificados e
distribuídos entre vários serviços. Um homem é chamado cada vez menos pelo seu
próprio nome, cada vez menos será tratado como pessoa este ser, único no mundo,
que tem o seu próprio coração, os seus sofrimentos, problemas e alegrias e a
sua própria família. Só se conhecerão as suas doenças para tratá-las, a sua
falta de dinheiro para fornecê-lo, a sua necessidade de casa para alojá-lo, o
seu desejo de lazer e de distrações para lhos organizar». E contudo «amar o mais
insignificante dos seres humanos como a um irmão, como se existisse apenas ele
no mundo, não é perder tempo».[190]
194. Na política, há
lugar também para amar com ternura. «Em que consiste a ternura? No amor, que se
torna próximo e concreto. É um movimento que brota do coração e chega aos
olhos, aos ouvidos e às mãos. (...) A ternura é o caminho que percorreram os
homens e as mulheres mais corajosos e fortes».[191] No meio da atividade
política, «os mais pequeninos, frágeis e pobres devem enternecer-nos: eles têm
o “direito” de arrebatar a nossa alma, o nosso coração. Sim, eles são nossos
irmãos e, como tais, devemos amá-los e tratá-los».[192]
195. Isto ajuda-nos a
reconhecer que nem sempre se trata de obter grandes resultados, que às vezes
não são possíveis. Na atividade política, é preciso recordar-se de que
«independentemente da aparência, cada um é imensamente sagrado e merece o nosso
afeto e a nossa dedicação. Por isso, se consigo
ajudar uma só pessoa a viver melhor, isso já justifica o dom da minha vida. É
maravilhoso ser povo fiel de Deus. E ganhamos plenitude, quando derrubamos os
muros e o coração se enche de rostos e de nomes!»[193] Os grandes objetivos, sonhados nas estratégias, só em
parte se alcançam. Mas, sem olhar a isso, quem ama e deixou de entender a
política como uma mera busca de poder «está seguro de que não se perde nenhuma
das suas obras feitas com amor, não se perde nenhuma das suas preocupações
sinceras com os outros, não se perde nenhum ato de amor a Deus, não se perde
nenhuma das suas generosas fadigas, não se perde nenhuma dolorosa paciência.
Tudo isto circula pelo mundo como uma força de vida».[194]
196. Por outro lado,
é grande nobreza ser capaz de desencadear processos cujos frutos serão colhidos
por outros, com a esperança colocada na força secreta do bem que se semeia. Ao
amor, a boa política une a esperança, a confiança nas reservas de bem que,
apesar de tudo, existem no coração do povo. Por isso, «a vida política autêntica,
que se funda no direito e num diálogo leal entre os sujeitos, renova-se com a
convicção de que cada mulher, cada homem e cada geração encerram em si uma
promessa que pode irradiar novas energias relacionais, intelectuais, culturais
e espirituais».[195]
197. Vista desta
maneira, a política é mais nobre do que a aparência, o marketing, as diferentes
formas de maquilhagem mediática. Tudo isto semeia apenas divisão, inimizade e
um ceticismo desolador incapaz de apelar para um projeto comum. Ao pensar no futuro,
alguns dias as perguntas devem ser: «Para quê? Para onde estou realmente
apontando?» Passados alguns anos, ao refletir sobre o próprio passado, a
pergunta não será: «Quantos me aprovaram, quantos votaram em mim, quantos
tiveram uma imagem positiva de mim?» As perguntas, talvez dolorosas, serão:
«Quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que fiz progredir o povo? Que marcas
deixei na vida da sociedade? Que laços reais construí? Que forças positivas
desencadeei? Quanta paz social semeei? Que produzi no lugar que me foi
confiado?»
Capítulo
VI - DIÁLOGO E AMIZADE SOCIAL
198. Aproximar-se,
expressar-se, ouvir-se, olhar-se, conhecer-se, esforçar-se por entender-se,
procurar pontos de contacto: tudo isto se resume no verbo «dialogar». Para nos
encontrar e ajudar mutuamente, precisamos de dialogar. Não é necessário dizer
para que serve o diálogo; é suficiente pensar como seria o mundo sem o diálogo
paciente de tantas pessoas generosas, que mantiveram unidas famílias e
comunidades. O diálogo perseverante e corajoso não faz notícia como as
desavenças e os conflitos; e contudo, de forma discreta mas muito mais do que
possamos notar, ajuda o mundo a viver melhor.
O diálogo social para uma nova cultura
199. Alguns tentam
fugir da realidade, refugiando-se em mundos privados, enquanto outros a
enfrentam com violência destrutiva, mas «entre a indiferença egoísta e o
protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as
gerações, o diálogo no povo, porque todos somos povo, a capacidade de dar e
receber, permanecendo abertos à verdade. Um país cresce quando dialogam de modo
construtivo as suas diversas riquezas culturais: a cultura popular, a cultura
universitária, a cultura juvenil, a cultura artística e a cultura tecnológica,
a cultura económica e a cultura da família, e a cultura dos meios de
comunicação».[196]
200. Muitas vezes
confunde-se o diálogo com algo muito diferente: uma troca febril de opiniões
nas redes sociais, muitas vezes pilotada por uma informação mediática nem
sempre fiável. Não passam de monólogos que avançam em paralelo, talvez
impondo-se à atenção dos outros pelo seu tom alto e agressivo. Mas os monólogos
não empenham a ninguém, a ponto de os seus conteúdos aparecerem, não raro,
oportunistas e contraditórios.
201. A difusão
altissonante de factos e reivindicações nos media, na realidade o que faz
muitas vezes é obstruir as possibilidades do diálogo, pois permite a cada um
manter, intactas e sem variantes, as próprias ideias, interesses e opções,
desculpando-se com os erros alheios. Predomina o costume de denegrir
rapidamente o adversário, aplicando-lhe atributos humilhantes, em vez de se
enfrentarem num diálogo aberto e respeitoso, onde se procure alcançar uma
síntese que vá mais além. O pior é que esta linguagem, habitual no contexto
mediático duma campanha política, generalizou-se de tal maneira que a usam
diariamente todos. Com frequência, o debate é manipulado por determinados
interesses detentores de maior poder que procuram desonestamente inclinar a
opinião pública a seu favor. E não me refiro apenas ao governo vigente, porque
um tal poder manipulador pode ser económico, político, mediático, religioso ou
de qualquer outro género. Às vezes, é justificado ou desculpado quando a sua
dinâmica corresponde aos próprios interesses económicos ou ideológicos, mas
mais cedo ou mais tarde volta-se contra esses mesmos interesses.
202. A falta de
diálogo supõe que ninguém, nos diferentes setores, está preocupado com o bem
comum, mas com obter as vantagens que o poder lhe proporciona ou, na melhor das
hipóteses, com impor o seu próprio modo de pensar. Assim a conversação
reduzir-se-á a meras negociações para que cada um possa agarrar todo o poder e
as maiores vantagens possíveis, sem uma busca conjunta que gere bem comum. Os
heróis do futuro serão aqueles que souberem quebrar esta lógica morbosa e,
ultrapassando as conveniências pessoais, decidam sustentar respeitosamente uma
palavra densa de verdade. Queira Deus que estes heróis se estejam gerando
silenciosamente no coração da nossa sociedade.
Construir juntos
203. O diálogo social
autêntico pressupõe a capacidade de respeitar o ponto de vista do outro,
aceitando como possível que contenha convicções ou interesses legítimos. A
partir da própria identidade, o outro tem algo para dar, e é desejável que
aprofunde e exponha a sua posição para que o debate público seja ainda mais completo.
Sem dúvida, quando uma pessoa ou um grupo é coerente com o que pensa, adere
firmemente a valores e convicções e desenvolve um pensamento, isto irá de uma
maneira ou outra beneficiar a sociedade; mas só se verifica realmente na medida
em que o referido desenvolvimento se realizar em diálogo e na abertura aos
outros. Com efeito, «num verdadeiro espírito de diálogo, nutre-se a capacidade
de entender o sentido daquilo que o outro diz e faz, embora não se possa
assumi-lo como uma convicção própria. Deste modo torna-se possível ser sincero,
sem dissimular o que acreditamos, nem deixar de dialogar, procurar pontos de
contacto e sobretudo trabalhar e lutar juntos».[197] O debate público, se
verdadeiramente der espaço a todos e não manipular nem ocultar informações, é
um estímulo constante que permite alcançar de forma mais adequada a verdade ou,
pelo menos, exprimi-la melhor. Impede que os vários setores se instalem,
cómodos e autossuficientes, na sua maneira de ver as coisas e nos seus
interesses limitados. Pensemos que «as diferenças são criativas, criam tensão
e, na resolução duma tensão, está o progresso da humanidade».[198]
204. Atualmente há a
convicção de que, além dos progressos científicos especializados, é necessária
a comunicação interdisciplinar, uma vez que a realidade é uma só, embora possa
ser abordada sob distintas perspectivas e com diferentes metodologias. Não se
deve ocultar o risco de um progresso científico ser considerado a única
abordagem possível para se entender um aspeto da vida, da sociedade e do mundo.
Ao contrário, um investigador que avança frutuosamente na sua análise, mas está
de igual modo disposto a reconhecer outras dimensões da realidade que
investiga, graças ao trabalho doutras ciências e conhecimentos, abre-se para
conhecer a realidade de maneira mais íntegra e plena.
205. Neste mundo
globalizado, «os mass media podem ajudar a sentir-nos mais próximos uns dos
outros; a fazer-nos perceber um renovado sentido de unidade da família humana,
que impele à solidariedade e a um compromisso sério para uma vida mais digna.
(…) Podem ajudar-nos nisso, especialmente nos nossos dias em que as redes da
comunicação humana atingiram progressos sem precedentes. Particularmente a
internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade
entre todos; e isto é uma coisa boa, é um dom de Deus».[199] Mas é necessário
verificar, continuamente, que as formas atuais de comunicação nos orientem
efetivamente para o encontro generoso, a busca sincera da verdade íntegra, o
serviço, a aproximação dos últimos e o compromisso de construir o bem comum. Ao
mesmo tempo, como indicaram os bispos da Austrália, «não podemos aceitar um
mundo digital projetado para explorar as nossas fraquezas e tirar fora o pior
das pessoas».[200]
A base dos consensos
206. O relativismo
não é a solução. Sob o véu duma presumível tolerância, acaba-se por facilitar
que os valores morais sejam interpretados pelos poderosos segundo as
conveniências da hora. Se, em última análise, «não há verdades objetivas nem
princípios estáveis, fora da satisfação das aspirações próprias e das
necessidades imediatas, (…) não podemos pensar que os programas políticos ou a
força da lei sejam suficientes (…). Quando é a cultura que se corrompe deixando
de reconhecer qualquer verdade objetiva ou quaisquer princípios universalmente
válidos, as leis só se poderão entender como imposições arbitrárias e
obstáculos a evitar».[201]
207. É possível
prestar atenção à verdade, buscar a verdade que corresponde à nossa realidade
mais profunda? Que é a lei sem a convicção, alcançada através dum longo caminho
de reflexão e sabedoria, de que cada ser humano é sacro e inviolável? Para que
uma sociedade tenha futuro, é preciso ter maturado um vivo respeito pela
verdade da dignidade humana, à qual nos submetemos. Então abster-se-á de matar
alguém, não apenas para evitar o desprezo social e o peso da lei, mas por
convicção. É uma verdade irrenunciável que reconhecemos com a razão e aceitamos
com a consciência. Uma sociedade é nobre e respeitável, nomeadamente porque
cultiva a busca da verdade e pelo seu apego às verdades fundamentais.
208. Temos de nos
exercitar em desmascarar as várias modalidades de manipulação, deformação e
ocultamento da verdade nas esferas pública e privada. O que chamamos «verdade»
não é só a comunicação de factos operada pelo jornalismo. É, antes de mais
nada, a busca dos fundamentos mais sólidos que estão na base das nossas opções
e também das nossas leis. Isto implica aceitar que a inteligência humana pode
ir além das conveniências do momento atual e captar algumas verdades que não
mudam, que eram verdade antes de nós e sempre o serão. Indagando sobre a
natureza humana, a razão descobre valores que são universais, porque derivam
dela.
209. Caso contrário,
não poderia porventura suceder que os direitos humanos fundamentais, hoje
considerados invioláveis, acabassem negados pelos poderosos de turno, depois de
terem obtido o «consenso» duma população adormecida e amedrontada? Nem seria
suficiente um mero consenso entre os vários povos, porque igualmente
manipulável. Existem já provas abundantes de todo o bem que somos capazes de
realizar, mas ao mesmo tempo devemos reconhecer a capacidade de destruição que
existe em nós. Não será, este individualismo indiferente e desalmado em que
caímos, resultado também da preguiça de buscar os valores mais altos, que estão
para além das necessidades momentâneas? Ao relativismo junta-se o risco de que
o poderoso ou o mais hábil consiga impor uma suposta verdade. Pelo contrário,
«diante das normas morais que proíbem o mal intrínseco, não existem privilégios
ou exceções para ninguém. Ser o dono do mundo ou o último “miserável” sobre a
face da terra, não faz diferença alguma: perante as exigências morais, todos
somos absolutamente iguais».[202]
210. Um fenómeno
atual, que nos está a arrastar para uma lógica perversa e vazia, é a
assimilação da ética e da política à física. Não existem o bem e o mal em si
mesmos, mas apenas um cálculo de vantagens e desvantagens. O deslocamento da
razão moral traz como consequência que o direito não se pode referir a uma
conceção fundamental de justiça, mas torna-se um espelho das ideias dominantes.
Entramos aqui numa degradação: vai-se «nivelando por baixo» mediante um
consenso superficial e comprometedor. Assim, em última análise, triunfa a
lógica da força.
O consenso e a verdade
211. Numa sociedade
pluralista, o diálogo é o caminho mais adequado para se chegar a reconhecer
aquilo que sempre deve ser afirmado e respeitado e que ultrapassa o consenso
ocasional. Falamos de um diálogo que precisa de ser enriquecido e iluminado por
razões, por argumentos racionais, por uma variedade de perspetivas, por
contribuições de diversos conhecimentos e pontos de vista, e que não exclui a
convicção de que é possível chegar a algumas verdades fundamentais que devem e
deverão ser sempre defendidas. Aceitar que há alguns valores permanentes,
embora nem sempre seja fácil reconhecê-los, confere solidez e estabilidade a
uma ética social. Mesmo quando os reconhecemos e assumimos através do diálogo e
do consenso, vemos que estes valores basilares estão para além de qualquer
consenso, reconhecemo-los como valores transcendentes aos nossos contextos e
nunca negociáveis. Poderá crescer a nossa compreensão do seu significado e
importância – e, neste sentido, o consenso é uma realidade dinâmica –, mas, em
si mesmos, são apreciados como estáveis pelo seu sentido intrínseco.
212. Se algo
permanece sempre conveniente para o bom funcionamento da sociedade, não será
porque atrás disso há uma verdade perene que a inteligência pode captar? Na
própria realidade do ser humano e da sociedade, na sua natureza íntima, há uma
série de estruturas basilares que sustentam o seu desenvolvimento e
sobrevivência. Daí derivam certas exigências que podem ser descobertas através
do diálogo, embora não sejam construídas em sentido estrito pelo consenso. O
facto de certas normas serem indispensáveis para a própria vida social é um
indício externo de como elas sejam algo intrinsecamente bom. Portanto, não é
necessário contrapor a conveniência social, o consenso e a realidade duma verdade
objetiva. As três coisas podem unir-se harmoniosamente, quando as pessoas,
através do diálogo, têm a coragem de levar a fundo uma questão.
213. Se devemos em
qualquer situação respeitar a dignidade dos outros, isto significa que esta não
é uma invenção nem uma suposição nossa, mas que existe realmente neles um valor
superior às coisas materiais e independente das circunstâncias e exige um
tratamento distinto. Que todo o ser humano possui uma dignidade inalienável é
uma verdade que corresponde à natureza humana, independentemente de qualquer
transformação cultural. Por isso o ser humano possui a mesma dignidade
inviolável em todo e qualquer período da história, e ninguém pode sentir-se
autorizado, pelas circunstâncias, a negar esta convicção nem a agir em sentido
contrário. Assim, a inteligência pode perscrutar a realidade das coisas,
através da reflexão, da experiência e do diálogo, para reconhecer nessa
realidade que a transcende a base de certas exigências morais universais.
214. Aos agnósticos,
este fundamento poder-lhes-á aparecer como suficiente para conferir aos
princípios éticos basilares e não negociáveis uma validade universal de tal
forma firme e estável que consiga impedir novas catástrofes. Para os crentes, a
natureza humana, fonte de princípios éticos, foi criada por Deus, que em última
análise confere um fundamento sólido a estes princípios.[203] Isto não
estabelece um fixismo ético nem abre a estrada à imposição dum sistema moral,
uma vez que os princípios morais fundamentais e universalmente válidos podem
dar lugar a várias normativas práticas. Por isso, fica sempre um espaço para o
diálogo.
Uma nova cultura
215. «A vida é a arte
do encontro, embora haja tanto desencontro na vida».[204] Já várias vezes
convidei a fazer crescer uma cultura do encontro que supere as dialéticas que
colocam um contra o outro. É um estilo de vida que tende a formar aquele
poliedro que tem muitas faces, muitos lados, mas todos compõem uma unidade rica
de matizes, porque «o todo é superior à parte».[205] O poliedro representa uma
sociedade onde as diferenças convivem integrando-se, enriquecendo-se e
iluminando-se reciprocamente, embora isso envolva discussões e desconfianças.
Na realidade, de todos se pode aprender alguma coisa, ninguém é inútil, ninguém
é supérfluo. Isto implica incluir as periferias. Quem vive nelas tem outro
ponto de vista, vê aspetos da realidade que não se descobrem a partir dos
centros de poder onde se tomam as decisões mais determinantes.
O encontro feito cultura
216. A palavra
«cultura» indica algo que penetrou no povo, nas suas convicções mais profundas
e no seu estilo de vida. Quando falamos duma «cultura» no povo, trata-se de
algo mais que uma ideia ou uma abstração; inclui as aspirações, o entusiasmo e,
em última análise, um modo de viver que carateriza aquele grupo humano. Assim,
falar de «cultura do encontro» significa que nos apaixona, como povo, querer
encontrar-nos, procurar pontos de contacto, lançar pontes, projetar algo que
envolva a todos. Isto tornou-se uma aspiração e um estilo de vida. O sujeito
desta cultura é o povo, não um setor da sociedade que tenta manter tranquilo o
resto com recursos profissionais e mediáticos.
217. A paz social é
laboriosa, artesanal. Seria mais fácil conter as liberdades e as diferenças com
um pouco de astúcia e algumas compensações; mas esta paz seria superficial e
frágil, não o fruto duma cultura do encontro que a sustente. Integrar as
realidades diferentes é muito mais difícil e lento, embora seja a garantia duma
paz real e sólida. Isto não se consegue agrupando só os puros, porque «até
mesmo as pessoas que possam ser criticadas pelos seus erros, têm algo a
oferecer que não se deve perder».[206] Nem consiste numa paz que surja
acalmando as reivindicações sociais ou impedindo-as de criar confusão, pois não
é «um consenso de escritório nem uma paz efémera para uma feliz minoria».[207]
O que conta é gerar processos de encontro, processos que possam construir um
povo capaz de recolher as diferenças. Armemos os nossos filhos com as armas do
diálogo! Ensinemos-lhes a boa batalha do encontro!
O prazer de reconhecer o outro
218. Isto implica o
hábito de reconhecer, ao outro, o direito de ser ele próprio e de ser
diferente. A partir deste reconhecimento feito cultura, torna-se possível a
criação dum pacto social. Sem este reconhecimento, surgem maneiras subtis de
fazer com que o outro perca todo o seu significado, se torne irrelevante, fazer
com que na sociedade não lhe seja reconhecido qualquer valor. Por trás da
repulsa de certas formas visíveis de violência, muitas vezes esconde-se outra
violência mais dissimulada: a daqueles que desprezam o diferente, sobretudo
quando as suas reivindicações prejudicam dalguma maneira os próprios
interesses.
219. Quando uma parte
da sociedade pretende apropriar-se de tudo aquilo que o mundo oferece, como se
os pobres não existissem, virá o momento em que isso terá as suas
consequências. Ignorar a existência e os direitos dos outros provoca, mais cedo
ou mais tarde, alguma forma de violência, muitas vezes inesperada. Os sonhos de
liberdade, igualdade e fraternidade podem permanecer no nível de meras
formalidades, porque não são efetivamente para todos. Sendo assim, não se trata
apenas de procurar um encontro entre aqueles que detêm várias formas de poder
económico, político ou académico; um efetivo encontro social coloca em
verdadeiro diálogo as grandes formas culturais que representam a maioria da
população. Muitas vezes, as boas propostas não são assumidas pelos setores mais
pobres, porque se apresentam com uma roupagem cultural que não é a deles e com
a qual não podem sentir-se identificados. Por conseguinte, um pacto social
realista e inclusivo deve ser também um «pacto cultural», que respeite e assuma
as diversas visões do mundo, as culturas e os estilos de vida que coexistem na
sociedade.
220. Por exemplo, os
povos nativos não são contra o progresso, embora tenham uma ideia diferente de
progresso, frequentemente mais humanista que a da cultura moderna dos povos
desenvolvidos. Não é uma cultura orientada para benefício daqueles que detêm o
poder, daqueles que precisam de criar uma espécie de paraíso sobre a terra. A
intolerância e o desprezo perante as culturas populares indígenas são uma
verdadeira forma de violência, própria dos especialistas em ética sem bondade
que vivem julgando os outros. Mas nenhuma mudança autêntica, profunda e estável
é possível, se não se realizar a partir das várias culturas, principalmente dos
pobres. Um pacto cultural pressupõe que se renuncie a compreender de maneira
monolítica a identidade dum lugar, e exige que se respeite a diversidade,
oferecendo-lhe caminhos de promoção e integração social.
221. Este pacto
implica também aceitar a possibilidade de ceder algo para o bem comum. Ninguém
será capaz de possuir toda a verdade nem satisfazer a totalidade dos seus
desejos, porque uma tal pretensão levaria a querer destruir o outro,
negando-lhe os seus direitos. A busca duma falsa tolerância deve dar lugar ao
realismo dialogante por parte de quem pensa que deve ser fiel aos seus
princípios, mas reconhecendo que o outro também tem o direito de procurar ser
fiel aos dele. Tal é o autêntico reconhecimento do outro, que só o amor torna
possível e que significa colocar-se no lugar do outro para descobrir o que há
de autêntico ou pelo menos de compreensível no meio das suas motivações e
interesses.
Recuperar a amabilidade
222. O individualismo
consumista provoca muitos abusos. Os outros tornam-se meros obstáculos para a
agradável tranquilidade própria e, assim, acaba-se por tratá-los como
incómodos; e a agressividade aumenta. Isto acentua-se e atinge níveis
exasperantes em períodos de crise, situações catastróficas, momentos difíceis,
quando aflora o espírito do «salve-se quem puder». Contudo, ainda é possível
optar pelo cultivo da amabilidade; há pessoas que o conseguem, tornando-se
estrelas no meio da escuridão.
223. São Paulo
designa um fruto do Espírito Santo com a palavra grega chrestotes (Gal 5, 22),
que expressa um estado de ânimo não áspero, rude, duro, mas benigno, suave, que
sustenta e conforta. A pessoa que possui esta qualidade ajuda os outros, para
que a sua existência seja mais suportável, sobretudo quando sobrecarregados com
o peso dos seus problemas, urgências e angústias. É um modo de tratar os
outros, que se manifesta de diferentes formas: amabilidade no trato, cuidado
para não magoar com as palavras ou os gestos, tentativa de aliviar o peso dos
outros. Supõe «dizer palavras de incentivo, que reconfortam, consolam,
fortalecem, estimulam», em vez de «palavras que humilham, angustiam, irritam,
desprezam».[208]
224. A amabilidade é
uma libertação da crueldade que às vezes penetra nas relações humanas, da
ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída que ignora
que os outros também têm direito de ser felizes. Hoje raramente se encontram
tempo e energias disponíveis para se demorar a tratar bem os outros, para dizer
«com licença», «desculpe», «obrigado». Contudo de vez em quando verifica-se o
milagre duma pessoa amável, que deixa de lado as suas preocupações e urgências
para prestar atenção, oferecer um sorriso, dizer uma palavra de estímulo,
possibilitar um espaço de escuta no meio de tanta indiferença. Este esforço,
vivido dia a dia, é capaz de criar aquela convivência sadia que vence as
incompreensões e evita os conflitos. O exercício da amabilidade não é um
detalhe insignificante nem uma atitude superficial ou burguesa. Dado que
pressupõe estima e respeito, quando se torna cultura numa sociedade, transforma
profundamente o estilo de vida, as relações sociais, o modo de debater e
confrontar as ideias. Facilita a busca de consensos e abre caminhos onde a
exasperação destrói todas as pontes.
Capítulo
VII - PERCURSOS DUM NOVO ENCONTRO
225. Em muitas partes
do mundo, fazem falta percursos de paz que levem a cicatrizar as feridas, há
necessidade de artesãos de paz prontos a gerar, com inventiva e ousadia,
processos de cura e de um novo encontro.
Recomeçar a partir da verdade (histórica)!
226. Novo encontro não significa voltar ao período anterior aos
conflitos. Com o tempo, todos mudamos. A tribulação e
os confrontos transformaram-nos. Além disso, já não há espaço para diplomacias
vazias, dissimulações, discursos com duplo sentido, ocultamentos, bons modos
que escondem a realidade. Os que se defrontaram duramente falam a partir da
verdade, nua e crua. Precisam de aprender a cultivar uma memória
penitencial, capaz de assumir o passado para libertar o futuro das próprias
insatisfações, confusões ou projeções. Só da verdade
histórica dos factos poderá nascer o esforço perseverante e duradouro para se
compreenderem mutuamente e tentar uma nova síntese para o bem de todos. De
facto, «o processo de paz é um empenho que se prolonga no tempo. É um trabalho
paciente de busca da verdade e da justiça, que honra a memória das vítimas e
abre, passo a passo, para uma esperança comum, mais forte que a vingança».[209]
Como disseram os bispos do Congo, a propósito dum
conflito que não cessa de reacender-se, «os acordos de paz no papel, nunca
serão suficientes; será preciso ir mais longe, integrando a exigência de
verdade sobre as origens desta crise recorrente. O povo tem direito de
saber o que aconteceu».[210]
227. Com efeito, «a verdade é uma companheira inseparável da justiça e
da misericórdia. Se, por um lado, são essenciais – as
três todas juntas – para construir a paz, por outro, cada uma delas impede que
as restantes sejam adulteradas (...). De facto, a verdade não deve levar à
vingança, mas antes à reconciliação e ao perdão. A verdade é contar às famílias
dilaceradas pela dor o que aconteceu aos seus parentes desaparecidos. A verdade é confessar o que aconteceu aos menores recrutados
pelos agentes de violência. A verdade é reconhecer o sofrimento das
mulheres vítimas de violência e de abusos. (...) Cada ato de violência cometido
contra um ser humano é uma ferida na carne da humanidade; cada morte violenta
“diminui-nos” como pessoas. (...) A violência gera mais
violência, o ódio gera mais ódio, e a morte mais morte. Temos de quebrar
esta corrente que aparece como inelutável».[211]
A arquitetura e o artesanato da paz
228. O percurso para
a paz não implica homogeneizar a sociedade, mas permite-nos trabalhar juntos.
Pode unir muitos nas pesquisas comuns, onde todos ganham. Perante um certo
objetivo comum, poder-se-á contribuir com diferentes propostas técnicas,
distintas experiências, e trabalhar em prol do bem comum. É preciso procurar
identificar bem os problemas que atravessa uma sociedade, para aceitar que
existem diferentes maneiras de encarar as dificuldades e resolvê-las. O caminho
para uma melhor convivência implica sempre reconhecer a possibilidade de que o
outro contribua com uma perspetiva legítima, pelo menos em parte, algo que
possa ser recuperado, mesmo que se tenha equivocado ou tenha agido mal. Porque
«o outro nunca há de ser circunscrito àquilo que pôde ter dito ou feito, mas
deve ser considerado pela promessa que traz em si mesmo»,[212] uma promessa que
deixa sempre um lampejo de esperança.
229. Como ensinaram
os bispos da África do Sul, a verdadeira reconciliação alcança-se de maneira
proativa, «formando uma nova sociedade baseada no serviço aos outros, e não no
desejo de dominar; uma sociedade baseada na partilha do que se possui com os
outros, e não na luta egoísta de cada um pela maior riqueza possível; uma
sociedade na qual o valor de estar juntos como seres humanos é, em última
análise, mais importante do que qualquer grupo menor, seja ele a família, a
nação, a etnia ou a cultura».[213] E os bispos da Coreia do Sul destacaram que
uma verdadeira paz «só se pode alcançar quando lutamos pela justiça através do
diálogo, buscando a reconciliação e o desenvolvimento mútuo».[214]
230. O árduo esforço
por superar o que nos divide, sem perder a identidade de cada um, pressupõe que
em todos permaneça vivo um sentimento basilar de pertença. Porque «a nossa
sociedade ganha, quando cada pessoa, cada grupo social se sente verdadeiramente
de casa. Numa família, os pais, os avós, os filhos são de casa; ninguém fica
excluído. Se alguém tem uma dificuldade, mesmo grave, ainda que seja por culpa
dele, os outros correm em sua ajuda, apoiam-no; a sua dor é de todos. (…) Nas
famílias, todos contribuem para o projeto comum, todos trabalham para o bem
comum, mas sem anular o indivíduo; pelo contrário, sustentam-no, promovem-no.
Podem brigar entre si, mas há algo que não se move: este laço familiar. As
brigas de família tornam-se reconciliações mais tarde. As alegrias e as penas
de cada um são assumidas por todos. Isto sim é ser família! Oh, se pudéssemos
conseguir ver o adversário político ou o vizinho de casa com os mesmos olhos
com que vemos os filhos, esposas, maridos, pais ou mães, como seria bom! Amamos
a nossa sociedade, ou continua a ser algo distante, algo anónimo, que não nos
corresponde, não nos insere, não nos compromete?»[215]
231. Muitas vezes há
grande necessidade de negociar e, assim, desenvolver percursos concretos para a
paz. Mas os processos efetivos duma paz duradoura são, antes de mais nada,
transformações artesanais realizadas pelos povos, onde cada pessoa pode ser um
fermento eficaz com o seu estilo de vida diária. As grandes transformações não
são construídas à escrivaninha ou no escritório. Por isso, «cada qual
desempenha um papel fundamental, num único projeto criador, para escrever uma
nova página da história, uma página cheia de esperança, cheia de paz, cheia de
reconciliação».[216] Existe uma «arquitetura» da paz, na qual intervêm as
várias instituições da sociedade, cada uma dentro de sua competência, mas há
também um «artesanato» da paz que nos envolve a todos. A partir de distintos
processos de paz que se desenvolvem em vários lugares do mundo, «aprendemos que
estes caminhos de pacificação, de primazia da razão sobre a vingança, de
delicada harmonia entre a política e o direito, não podem prescindir das
pessoas implicadas nos processos. Não basta o desenho de quadros normativos e
acordos institucionais entre grupos políticos ou económicos de boa vontade
(...). Além disso, é sempre enriquecedor incorporar nos nossos processos de paz
a experiência de setores que, em muitas ocasiões, foram deixados de lado, para
que sejam precisamente as comunidades a revestir os processos de memória
coletiva».[217]
232. Nunca está
terminada a construção da paz social num país, mas é «uma tarefa que não dá
tréguas e exige o compromisso de todos. Uma obra que nos pede para não
esmorecermos no esforço por construir a unidade da nação e – apesar dos
obstáculos, das diferenças e das diversas abordagens sobre o modo como
conseguir a convivência pacífica – persistirmos na labuta por favorecer a
cultura do encontro que exige que, no centro de toda a ação política, social e
económica, se coloque a pessoa humana, a sua sublime dignidade e o respeito
pelo bem comum. Que este esforço nos faça esquivar de toda a tentação de
vingança e busca de interesses apenas particulares e a curto prazo».[218] As
manifestações públicas violentas, de um lado ou do outro, não ajudam a
encontrar vias de saída, sobretudo porque, quando se incentivam – como bem
assinalaram os bispos da Colômbia – «as mobilizações dos cidadãos, nem sempre
aparecem claras as origens e objetivos das mesmas; não faltam formas de
manipulação política e apropriações a favor de interesses particulares».[219]
Sobretudo com os últimos
233. A promoção da
amizade social implica não só a aproximação entre grupos sociais distanciados a
partir dum período conflituoso da história, mas também a busca dum renovado
encontro com os setores mais pobres e vulneráveis. A paz «não é apenas ausência
de guerra, mas o empenho incansável – especialmente daqueles que ocupamos um cargo
de maior responsabilidade – de reconhecer, garantir e reconstruir concretamente
a dignidade, tantas vezes esquecida ou ignorada, de irmãos nossos, para que
possam sentir-se os principais protagonistas do destino da própria nação».[220]
234. Muitas vezes, os
últimos da sociedade foram ofendidos com generalizações injustas. Se às vezes
os mais pobres e os descartados reagem com atitudes que parecem antissociais, é
importante compreender que, em muitos casos, tais reações têm a ver com uma
história de desprezo e falta de inclusão social. Como ensinam os bispos
latino-americanos, «só a proximidade que nos faz amigos nos permite apreciar
profundamente os valores dos pobres de hoje, seus legítimos desejos e seu modo
próprio de viver a fé. A opção pelos pobres deve conduzir-nos à amizade com os
pobres».[221]
235. Aqueles que
pretendem pacificar uma sociedade não devem esquecer que a desigualdade e a
falta de desenvolvimento humano integral impedem que se gere a paz. Na verdade,
«sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra
encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há de provocar a
explosão. Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na
periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da
ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a
tranquilidade».[222] Se se trata de recomeçar, sempre há de ser a partir dos
últimos.
O valor e o significado do perdão
236. Alguns preferem
não falar de reconciliação, porque pensam que o conflito, a violência e as
ruturas fazem parte do funcionamento normal duma sociedade. De facto, em
qualquer grupo humano, há lutas de poder mais ou menos subtis entre vários
setores. Outros defendem que dar lugar ao perdão equivale a ceder o espaço
próprio para que outros dominem a situação. Por isso, consideram que é melhor
manter um jogo de poder que permita assegurar um equilíbrio de forças entre os
diferentes grupos. Outros consideram que a reconciliação seja empreendimento de
fracos, que não são capazes dum diálogo em profundidade e por isso optam por
escapar dos problemas escondendo as injustiças. Incapazes de enfrentar os
problemas, preferem uma paz aparente.
O conflito inevitável
237. O perdão e a
reconciliação são temas de grande relevo no cristianismo e, com várias
modalidades, noutras religiões. O risco reside em não entender adequadamente as
convicções dos crentes e apresentá-las de tal modo que acabem por alimentar o
fatalismo, a inércia ou a injustiça, e, por outro lado, a intolerância e a
violência.
238. Jesus Cristo
nunca convidou a fomentar a violência ou a intolerância. Ele próprio condenava
abertamente o uso da força para se impor aos outros: «Sabeis que os chefes das
nações as governam como seus senhores, e que os grandes exercem sobre elas o
seu poder. Não seja assim entre vós» (Mt 20, 25-26). Por outro lado, o
Evangelho pede para perdoar «setenta vezes sete» (Mt 18, 22), dando o exemplo
do servo sem compaixão, que foi perdoado mas, por sua vez, mostrou-se incapaz
de perdoar aos outros (cf. Mt 18, 23-35).
239. Se lermos outros
textos do Novo Testamento, podemos notar que realmente as comunidades
primitivas, imersas num mundo pagão repleto de corrupção e aberrações, viviam
animadas por um sentido de paciência, tolerância, compreensão. A este respeito,
são muito claros alguns textos: convida-se a corrigir os adversários «com
suavidade» (2 Tim 2, 25); ou exorta-se a «que não digam mal de ninguém, nem
sejam conflituosos, mas sejam afáveis, mostrando sempre amabilidade para com
todos os homens. Pois também nós éramos outrora insensatos» (Tit 3, 2-3). O
livro dos Atos dos Apóstolos mostra que os discípulos, perseguidos por algumas
autoridades, «tinham a simpatia de todo o povo» (2, 47; cf. 4, 21.33; 5, 13).
240. Entretanto, ao
refletirmos sobre o perdão, a paz e a concórdia social, deparamo-nos com um
texto de Jesus Cristo que nos surpreende: «Não penseis que vim trazer a paz à
terra; não vim trazer a paz, mas a espada. Porque vim separar o filho do seu
pai, a filha da sua mãe e a nora da sua sogra; de tal modo que os inimigos do
homem serão os seus familiares» (Mt 10, 34-36). É importante situá-lo no
contexto do capítulo onde está inserido. Aqui vê-se claramente que o tema em
questão é o da fidelidade à própria opção, sem ter vergonha, ainda que isso
traga contrariedades e mesmo que os entes queridos se oponham a tal opção.
Portanto, não convida a procurar conflitos, mas simplesmente a suportar o
conflito inevitável, para que o respeito humano não leve a faltar à fidelidade
em nome duma suposta paz familiar ou social. São João Paulo II disse que a
Igreja «não pretende condenar toda e qualquer forma de conflitualidade social.
A Igreja sabe bem que, ao longo da história, os conflitos de interesse entre
diversos grupos sociais surgem inevitavelmente e que, perante eles, o cristão
deve muitas vezes tomar posição decidida e coerentemente».[223]
As lutas legítimas e o perdão
241. Não se trata de
propor um perdão renunciando aos próprios direitos perante um poderoso
corrupto, um criminoso ou alguém que degrada a nossa dignidade. Somos chamados
a amar a todos, sem exceção, mas amar um opressor não significa consentir que
continue a ser tal; nem levá-lo a pensar que é aceitável o que faz. Pelo
contrário, amá-lo corretamente é procurar, de várias maneiras, que deixe de
oprimir, tirar-lhe o poder que não sabe usar e que o desfigura como ser humano.
Perdoar não significa permitir que continuem a espezinhar a própria dignidade e
a do outro, ou deixar que um criminoso continue a fazer mal. Quem sofre
injustiça tem de defender vigorosamente os seus direitos e os da sua família,
precisamente porque deve guardar a dignidade que lhes foi dada, uma dignidade
que Deus ama. Se um delinquente cometeu um delito contra mim ou contra um ente
querido, ninguém me proíbe de exigir justiça e me acautelar para que essa
pessoa – ou qualquer outra – não volte a lesar-me nem cause a outros o mesmo
dano. Compete-me fazê-lo, e o perdão não só não anula esta necessidade, mas
reclama-a.
242. O importante é
não o fazer para alimentar um ódio que faz mal à alma da pessoa e à alma do
nosso povo, ou por uma necessidade morbosa desencadeando uma série de
vinganças. Ninguém alcança a paz interior nem se reconcilia com a vida dessa
maneira. A verdade é que «nenhuma família, nenhum grupo de vizinhos ou uma
etnia e menos ainda um país tem futuro, se o motor que os une, congrega e cobre
as diferenças é a vingança e o ódio. Não podemos pôr-nos de acordo e unir-nos
para nos vingarmos, para fazermos àquele que foi violento o mesmo que ele nos
fez, para planearmos ocasiões de retaliação sob formatos aparentemente
legais».[224] Assim não se ganha nada e, a longo prazo, perde-se tudo.
243. Sem dúvida, «não
é tarefa fácil superar a amarga herança de injustiças, hostilidades e
desconfiança deixada pelo conflito. Só se pode conseguir, superando o mal com o
bem (cf. Rm 12, 21) e cultivando aquelas virtudes que promovem a reconciliação,
a solidariedade e a paz».[225] Deste modo a bondade, «a quem a faz crescer
dentro de si, dá uma consciência tranquila, uma alegria profunda, mesmo no meio
de dificuldades e incompreensões. E até perante as ofensas sofridas, a bondade
não é fraqueza mas verdadeira força, capaz de renunciar à vingança».[226] É
necessário reconhecer na própria vida que «inclusive aquele juízo duro que
tenho no coração contra o meu irmão ou a minha irmã, a ferida não curada,
aquele mal não perdoado, o rancor que só me faz mal, é uma parte de guerra que
tenho dentro, é um fogo no coração que deve ser apagado a fim de não irromper
num incêndio».[227]
A verdadeira superação
244. Quando os
conflitos não se resolvem, mas se escondem ou são enterrados no passado, há
silêncios que podem significar tornar-se cúmplice de graves erros e pecados. A
verdadeira reconciliação não escapa do conflito, mas alcança-se dentro do
conflito, superando-o através do diálogo e de negociações transparentes,
sinceras e pacientes. A luta entre diferentes setores, «quando livre de
inimizades e ódio mútuo, transforma-se pouco a pouco numa concorrência honesta,
fundada no amor da justiça».[228]
245. Várias vezes
propus «um princípio que é indispensável para construir a amizade social: a
unidade é superior ao conflito. (...) Não é apostar no sincretismo ou na
absorção de um no outro, mas na resolução num plano superior que preserva em si
as preciosas potencialidades das polaridades em contraste».[229] Sabemos bem
que, «todas as vezes que aprendemos, como pessoas e comunidades, a olhar para
mais alto do que nós mesmos e os nossos interesses particulares, a compreensão
e o compromisso recíprocos transformam-se em solidariedade; (…) numa área onde
os conflitos, as tensões e mesmo aqueles a quem seria possível considerar como
contrapostos no passado, podem alcançar uma unidade multiforme que gera nova
vida».[230]
A memória
246. De quem sofreu
muito de maneira injusta e cruel, não se deve exigir uma espécie de «perdão
social». A reconciliação é um facto pessoal, e ninguém pode impô-la ao conjunto
duma sociedade, embora a deva promover. Na esfera estritamente pessoal, com uma
decisão livre e generosa, alguém pode renunciar a exigir um castigo (cf. Mt 5,
44-46), mesmo que a sociedade e a sua justiça o busquem legitimamente. Mas não
é possível decretar uma «reconciliação geral», pretendendo encerrar por decreto
as feridas ou cobrir as injustiças com um manto de esquecimento. Quem se pode
arrogar o direito de perdoar em nome dos outros? É comovente ver a capacidade
de perdão dalgumas pessoas que souberam ultrapassar o dano sofrido, mas também
é humano compreender aqueles que não o podem fazer. Em todo o caso, o que nunca
se deve propor é o esquecimento.
247. A
Shoah não deve ser esquecida. É o «símbolo dos extremos aonde pode chegar a
malvadez do homem, quando, atiçado por falsas ideologias, esquece a dignidade
fundamental de cada pessoa, a qual merece respeito absoluto seja qual for o
povo a que pertença e a religião que professe».[231] Ao recordá-la, não
posso deixar de repetir esta oração: «Lembrai-Vos de nós na vossa misericórdia.
Dai-nos a graça de nos envergonharmos daquilo que, como homens, fomos capazes
de fazer, de nos envergonharmos desta máxima idolatria, de termos desprezado e
destruído a nossa carne, aquela que Vós formastes da lama, aquela que
vivificastes com o vosso sopro de vida. Nunca mais, Senhor, nunca mais!»[232]
248. Não se devem
esquecer os bombardeamentos atómicos de Hiroxima e Nagasáqui. Uma vez mais,
«aqui faço memória de todas as vítimas e inclino-me perante a força e a
dignidade das pessoas que, tendo sobrevivido àqueles primeiros momentos, suportaram
nos seus corpos durante muitos anos os sofrimentos mais agudos e, nas suas
mentes, os germes da morte que continuaram a consumir a sua energia vital. (…)
Não podemos permitir que a atual e as novas gerações percam a memória do que
aconteceu, aquela memória que é garantia e estímulo para construir um futuro
mais justo e fraterno».[233] Também não devemos esquecer as perseguições, o
comércio dos escravos e os massacres étnicos que se verificaram e verificam em
vários países, e tantos outros factos históricos que nos fazem envergonhar de
sermos humanos. Devem ser recordados sempre, repetidamente, sem nos cansarmos
nem anestesiarmos.
249. Hoje é fácil
cair na tentação de voltar página, dizendo que já passou muito tempo e é
preciso olhar para diante. Isso não, por amor de Deus! Sem memória, nunca se
avança; não se evolui sem uma memória íntegra e luminosa. Precisamos de manter
«viva a chama da consciência coletiva, testemunhando às sucessivas gerações o
horror daquilo que aconteceu», que assim «aviva e preserva a memória das
vítimas, para que a consciência humana se torne cada vez mais forte contra toda
a vontade de domínio e destruição».[234] Precisam disso as próprias vítimas –
indivíduos, grupos sociais ou nações – para não cederem à lógica que leva a
justificar a represália e qualquer violência em nome do mal imenso que
sofreram. Por isso, não me refiro só à memória dos horrores, mas também à
recordação daqueles que, no meio dum contexto envenenado e corrupto, foram
capazes de recuperar a dignidade e, com pequenos ou grandes gestos, optaram
pela solidariedade, o perdão, a fraternidade. É muito salutar fazer memória do
bem.
Perdão sem esquecimentos
250. O perdão não
implica esquecimento. Antes, mesmo que haja algo que de forma alguma pode ser negado,
relativizado ou dissimulado, todavia podemos perdoar. Mesmo que haja algo que
jamais deve ser tolerado, justificado ou desculpado, todavia podemos perdoar.
Mesmo quando houver algo que por nenhum motivo devemos permitir-nos esquecer,
todavia podemos perdoar. O perdão livre e sincero é uma grandeza que reflete a
imensidão do perdão divino. Se o perdão é gratuito, então pode-se perdoar até a
quem resiste ao arrependimento e é incapaz de pedir perdão.
251. Aqueles que
perdoam de verdade não esquecem, mas renunciam a deixar-se dominar pela mesma
força destruidora que os lesou. Quebram o círculo vicioso, frenam o avanço das
forças da destruição. Decidem não continuar a injetar na sociedade a energia da
vingança que, mais cedo ou mais tarde, acaba por cair novamente sobre eles
próprios. Com efeito, a vingança nunca sacia verdadeiramente a insatisfação das
vítimas. Há crimes tão horrendos e cruéis que, fazer sofrer quem os cometeu,
não serve para sentir que se reparou o dano; não bastaria sequer matar o
criminoso, nem se poderiam encontrar torturas comparáveis àquilo que pode ter
sofrido a vítima. A vingança não resolve nada.
252. Também não
estamos a falar de impunidade. Mas a justiça procura-se de modo adequado só por
amor à própria justiça, por respeito das vítimas, para evitar novos crimes e
visando preservar o bem comum, não como a suposta descarga do próprio rancor. O
perdão é precisamente o que permite buscar a justiça sem cair no círculo
vicioso da vingança nem na injustiça do esquecimento.
253. Se houve
injustiças de parte a parte, é preciso reconhecer claramente a possibilidade de
não terem tido a mesma gravidade ou de não serem comparáveis. A violência
exercida a partir das estruturas e do poder do Estado não está ao mesmo nível
que a violência de grupos particulares. Em todo o caso, não se pode pretender
que sejam recordados apenas os sofrimentos injustos duma das partes. Como
ensinaram os bispos da Croácia, «devemos o mesmo respeito a toda a vítima
inocente. Aqui não pode haver diferenças étnicas, confessionais, nacionais ou
políticas».[235]
254. Peço a Deus que
«prepare os nossos corações para o encontro com os irmãos independentemente das
diferenças de ideias, língua, cultura, religião; que unja todo o nosso ser com
o óleo da sua misericórdia que cura as feridas dos erros, das incompreensões,
das controvérsias; [peço] a graça que nos envie, com humildade e mansidão,
pelas sendas desafiadoras mas fecundas da busca da paz».[236]
A guerra e a pena de morte
255. Há duas situações extremas que podem chegar
a apresentar-se como soluções em circunstâncias particularmente dramáticas, sem
se dar conta que são respostas falsas, não resolvem os problemas que pretendem
superar e, em última análise, nada mais fazem que acrescentar novos fatores de
destruição no tecido da sociedade nacional e mundial. Trata-se da guerra
e da pena de morte.
A injustiça da guerra
256. «No coração dos
que maquinam o mal, há falsidade, mas aqueles que têm conselhos de paz, viverão
na alegria» (Prov 12, 20). No entanto, há quem busque soluções na guerra, que
frequentemente «se nutre com a perversão das relações, com as ambições
hegemónicas, os abusos de poder, com o medo do outro e a diferença vista como
obstáculo».[237] A guerra não é um fantasma do passado, mas tornou-se uma
ameaça constante. O mundo está a encontrar cada vez mais dificuldade no lento
caminho da paz que empreendera e começava a dar alguns frutos.
257. Dado que se
estão a criar novamente as condições para a proliferação de guerras, lembro que
«a guerra é a negação de todos os direitos e uma agressão dramática ao meio
ambiente. Se se quiser um desenvolvimento humano integral autêntico para todos,
é preciso continuar incansavelmente no esforço de evitar a guerra entre as
nações e os povos. Para isso, é preciso garantir o domínio incontrastado do
direito e o recurso incansável às negociações, aos mediadores e à arbitragem,
como é proposto pela Carta das Nações Unidas, verdadeira norma jurídica
fundamental».[238] Quero destacar que os 75 anos de existência das Nações
Unidas e a experiência dos primeiros 20 anos deste milénio mostram que a plena
aplicação das normas internacionais é realmente eficaz e que a sua
inobservância é nociva. A Carta das Nações Unidas, respeitada e aplicada com
transparência e sinceridade, é um ponto de referência obrigatório de justiça e
um veículo de paz. Mas isto pressupõe não disfarçar intenções ilícitas nem
colocar os interesses particulares de um país ou grupo acima do bem comum
mundial. Se a norma é considerada um instrumento que se usa quando resulta
favorável e se contorna quando não o é, desencadeiam-se forças incontroláveis
que causam grande dano às sociedades, aos mais frágeis, à fraternidade, ao meio
ambiente e aos bens culturais, com perdas irrecuperáveis para a comunidade
global.
258. Deste modo
facilmente se opta pela guerra valendo-se de todo o tipo de desculpas
aparentemente humanitárias, defensivas ou preventivas, recorrendo-se mesmo à
manipulação da informação. De facto, nas últimas décadas, todas as guerras
pretenderam ter uma «justificação». O Catecismo da Igreja Católica fala da
possibilidade duma legítima defesa por meio da força militar, o que supõe
demonstrar a existência de algumas «condições rigorosas de legitimidade moral».[239]
Mas cai-se facilmente numa interpretação demasiado larga deste possível
direito. Assim, pretende-se indevidamente justificar inclusive ataques
«preventivos» ou ações bélicas que dificilmente não acarretem «males e
desordens mais graves do que o mal a eliminar».[240] A questão é que, a partir
do desenvolvimento das armas nucleares, químicas e biológicas e das enormes e
crescentes possibilidades que oferecem as novas tecnologias, conferiu-se à
guerra um poder destrutivo incontrolável, que atinge muitos civis inocentes. É
verdade que «nunca a humanidade teve tanto poder sobre si mesma, e nada garante
que o utilizará bem».[241] Assim, já não podemos pensar na guerra como solução,
porque provavelmente os riscos sempre serão superiores à hipotética utilidade
que se lhe atribua. Perante esta realidade, hoje é muito difícil sustentar os
critérios racionais amadurecidos noutros séculos para falar duma possível
«guerra justa». Nunca mais a guerra![242]
259. É importante
acrescentar que, com o desenvolvimento da globalização, aquilo que pode
aparecer como uma solução imediata ou prática para uma região da terra,
desencadeia uma corrente de fatores violentos, muitas vezes subterrâneos, que
acabam por atingir todo o planeta e abrir caminho para novas e piores guerras
futuras. No nosso mundo, já não existem só «pedaços» de guerra num país ou
noutro, mas vive-se uma «guerra mundial aos pedaços», porque os destinos dos
países estão intensamente ligados entre si no cenário mundial.
260. Como dizia São
João XXIII, «não é mais possível pensar que nesta nossa era atómica a guerra
seja um meio apto para ressarcir direitos violados».[243] Afirmava-o num
período de forte tensão internacional, manifestando assim o grande anseio de
paz que se difundia nos tempos da guerra fria. Reforçou a convicção de que as
razões da paz são mais fortes do que todo o cálculo de interesses particulares
e toda a confiança posta no uso das armas. Mas, por falta duma visão de futuro
e duma consciência compartilhada sobre o nosso destino comum, não se exploraram
adequadamente as oportunidades que oferecia o fim da guerra fria. Em vez disso,
cedeu-se à busca de interesses particulares, sem se preocupar com o bem comum
universal. Assim irrompeu novamente o fantasma enganador da guerra.
261. Toda a guerra
deixa o mundo pior do que o encontrou. A guerra é um fracasso da política e da
humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota perante as forças do mal. Não
fiquemos em discussões teóricas, tomemos contacto com as feridas, toquemos a
carne de quem paga os danos. Voltemos o olhar para tantos civis massacrados
como «danos colaterais». Interroguemos as vítimas. Prestemos atenção aos
prófugos, àqueles que sofreram as radiações atómicas ou os ataques químicos, às
mulheres que perderam os filhos, às crianças mutiladas ou privadas da sua
infância. Consideremos a verdade destas vítimas da violência, olhemos a
realidade com os seus olhos e escutemos as suas histórias com o coração aberto.
Assim poderemos reconhecer o abismo do mal no coração da guerra, e não nos
turvará o facto de nos tratarem como ingénuos porque escolhemos a paz.
262. Tampouco serão
suficientes as normas, se se pensa que a solução para os problemas atuais
consiste em dissuadir os outros através do medo, ameaçando-os com o uso de
armas nucleares, químicas ou biológicas. Com efeito, «se tomarmos em
consideração as principais ameaças contra a paz e a segurança com as suas
múltiplas dimensões neste mundo multipolar do século XXI, como, por exemplo, o terrorismo,
os conflitos assimétricos, a segurança informática, os problemas ambientais, a
pobreza, muitas dúvidas emergem acerca da insuficiência da dissuasão nuclear
para responder de modo eficaz a tais desafios. Estas preocupações assumem ainda
mais consistência quando consideramos as catastróficas consequências
humanitárias e ambientais que derivam de qualquer utilização das armas
nucleares com efeitos devastadores indiscriminados e incontroláveis no tempo e
no espaço. (…) Devemos perguntar-nos também quanto seja sustentável um
equilíbrio baseado no medo, quando de facto ele tende a aumentar o temor e a
ameaçar as relações de confiança entre os povos. A paz e a estabilidade
internacionais não podem ser fundadas num falso sentido de segurança, na ameaça
de uma destruição recíproca ou de um aniquilamento total, na manutenção de um
equilíbrio de poder. (…) Em tal contexto, o objetivo final da eliminação total
das armas nucleares torna-se um desafio mas também um imperativo moral e
humanitário. (...) A crescente interdependência e a globalização significam que
a resposta que se der à ameaça de armas nucleares deve ser coletiva e planeada,
baseada na confiança recíproca, que só pode ser construída através do diálogo
sinceramente dirigido para o bem comum e não para a tutela de interesses
velados ou particulares».[244] E, com o dinheiro usado em armas e noutras
despesas militares, constituamos um Fundo mundial,[245] para acabar de vez com
a fome e para o desenvolvimento dos países mais pobres, a fim de que os seus
habitantes não recorram a soluções violentas ou enganadoras, nem precisem de
abandonar os seus países à procura duma vida mais digna.
A pena de morte
263. Há outra maneira de eliminar o outro, não destinada aos países, mas
às pessoas: é a pena de morte. São João Paulo II
declarou, de forma clara e firme, que a mesma é inadequada no plano moral e já
não é necessária no plano penal.[246] Não é possível pensar num recuo
relativamente a esta posição. Hoje, afirmamos com clareza que «a pena de morte
é inadmissível»[247] e a Igreja compromete-se decididamente a propor que seja
abolida em todo o mundo.[248]
264. No Novo Testamento, ao mesmo tempo que se pede aos indivíduos para
não fazerem justiça por si próprios (cf. Rm 12, 19), reconhece-se a necessidade
de as autoridades imporem penas àqueles que praticam o mal (cf. Rm 13, 4; 1 Ped
2, 14). Com efeito, «a vida em comum, estruturada em
volta de comunidades organizadas, precisa de regras de convivência cuja livre
violação exige uma resposta adequada».[249] Isto implica que a autoridade
pública legítima possa e deva «infligir penas proporcionadas à gravidade dos
delitos»[250] e que se garanta ao poder judiciário «a necessária
independência no âmbito da lei».[251]
265. Desde os primeiros séculos da Igreja, alguns manifestaram-se
claramente contrários à pena de morte. Por exemplo, Lactâncio defendia que «não
há qualquer distinção que se possa fazer: sempre será crime matar um
homem».[252] O Papa Nicolau I exortava: «Esforçai-vos
por livrar da pena de morte não só cada um dos inocentes, mas também todos os
culpados».[253] E, por ocasião do julgamento de alguns homicidas que
assassinaram dois sacerdotes, Santo Agostinho pediu ao juiz para não tirar a
vida aos assassinos, e justificava-o da seguinte maneira: «Não que pretendamos
com isto impedir que se tire a indivíduos celerados a liberdade de cometer
delitos, mas queremos que, para esse fim, seja suficiente que, deixando-os
vivos e sem mutilá-los em parte alguma do corpo, aplicando as leis repressivas,
eles sejam afastados da sua agitação insana para serem reconduzidos a uma vida
salutar e pacífica, ou que, retirados das suas ações perversas, sejam ocupados
nalgum trabalho útil. Também isto é uma condenação, mas quem não
entenderia que se trata mais dum benefício que dum suplício, uma vez que não se
deixa campo livre à audácia da ferocidade, nem se retira o remédio do
arrependimento? (...) Indigna-te contra a iniquidade,
mas sem esqueceres a humanidade; não dês livre curso à volúpia da
vingança contra as atrocidades dos pecadores, mas pretende antes curar as suas
feridas».[254]
266. Os medos e os rancores levam facilmente a entender as penas de
maneira vingativa, se não cruel, em vez de as considerar como parte dum processo
de cura e reinserção na sociedade. Hoje, «tanto por
parte de alguns setores da política como de certos meios de comunicação, por
vezes incita-se à violência e à vingança, pública e privada, não só contra
quantos são responsáveis por ter cometido delitos, mas também contra aqueles
sobre os quais recai a suspeita, fundada ou não, de ter infringido a lei. (...)
Há por vezes a tendência a construir deliberadamente inimigos: figuras
estereotipadas, que concentram em si todas as caraterísticas que a sociedade
sente ou interpreta como ameaçadoras. Os mecanismos de formação destas imagens
são os mesmos que, outrora, permitiram a expansão das ideias racistas».[255]
Isso tornou particularmente perigoso o costume crescente que há, nalguns
países, de recorrer a prisões preventivas, a reclusões sem julgamento e
especialmente à pena de morte.
267. Quero assinalar que «é impossível imaginar que hoje os Estados não
possam dispor de outro meio, que não seja a pena capital, para defender a vida
de outras pessoas do agressor injusto». De particular
gravidade se revestem as chamadas execuções extrajudiciais ou extralegais, que
«são homicídios deliberados cometidos por alguns Estados e pelos seus agentes,
com frequência feitos passar como confrontos com delinquentes, ou apresentados
como consequências indesejadas do uso razoável, necessário e proporcional da
força para manter e aplicar a lei».[256]
268. «Os argumentos contrários à pena de morte são muitos e bem
conhecidos. A Igreja frisou oportunamente alguns deles, como a possibilidade da
existência de erro judicial e o uso que dela fazem os regimes totalitários e
ditatoriais, que a utilizam como instrumento de supressão da dissidência
política ou perseguição das minorias religiosas e culturais, todas vítimas que,
para as suas respetivas legislações, são “delinquentes”. Por conseguinte, todos os cristãos e homens de boa vontade
estão chamados hoje a lutar não só pela abolição da pena de morte, legal ou
ilegal, em todas as suas formas, mas também para melhorar as condições
carcerárias, no respeito pela dignidade humana das pessoas privadas da
liberdade. E relaciono isto com a prisão perpétua. (...) A prisão perpétua é
uma pena de morte escondida».[257]
269. Lembremos que «nem sequer o homicida perde a sua dignidade pessoal
e o próprio Deus Se constitui seu garante».[258] A
rejeição firme da pena de morte mostra até que ponto é possível reconhecer a
dignidade inalienável de todo o ser humano e aceitar que tenha um lugar neste
universo. Visto que não o nego ao pior dos criminosos, não o negarei a
ninguém, darei a todos a possibilidade de compartilhar comigo este planeta,
apesar do que nos possa separar.
270. Aos cristãos que hesitam e se sentem
tentados a ceder a qualquer forma de violência, convido-os a lembrar este
anúncio do livro de Isaías: «transformarão as suas espadas em relhas de arado»
(2, 4). Para nós, esta profecia encarna em Jesus Cristo, que, ao ver um
discípulo excitado pela violência, lhe disse com firmeza: «Mete a tua espada na
bainha, pois todos quantos se servirem da espada, morrerão à espada» (Mt 26,
52). Era um eco daquela antiga admoestação: «Ao homem,
pedirei contas da vida do homem, seu irmão. A quem derramar o sangue do homem,
pela mão do homem será derramado o seu» (Gn 9, 5-6). Esta reação de
Jesus, que brotou espontaneamente do seu coração, supera a distância dos
séculos e chega até hoje como um apelo incessante.
Capítulo
VIII - AS RELIGIÕES AO SERVIÇO DA FRATERNIDADE NO MUNDO
271. As várias religiões, ao partir do reconhecimento do valor de cada
pessoa humana como criatura chamada a ser filho ou filha de Deus, oferecem uma
preciosa contribuição para a construção da fraternidade e a defesa da justiça
na sociedade. O diálogo entre pessoas de diferentes
religiões não se faz apenas por diplomacia, amabilidade ou tolerância. Como
ensinaram os bispos da Índia, «o objetivo do diálogo é estabelecer amizade,
paz, harmonia e partilhar valores e experiências morais e espirituais
num espírito de verdade e amor».[259]
O fundamento último
272. Como crentes, pensamos que, sem uma abertura ao Pai de todos, não
podem haver razões sólidas e estáveis para o apelo à fraternidade. Estamos convencidos de que «só com esta consciência de filhos
que não são órfãos, podemos viver em paz entre nós».[260] Com efeito, «a
razão, por si só, é capaz de ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma
convivência cívica entre eles, mas não consegue fundar a fraternidade».[261]
273. Nesta linha, quero lembrar um texto memorável: «Se não existe uma verdade transcendente, na obediência à
qual o homem adquire a sua plena identidade, então não há qualquer princípio
seguro que garanta relações justas entre os homens. Com efeito, o seu
interesse de classe, de grupo, de nação contrapõe-nos inevitavelmente uns aos
outros. Se não se reconhece a verdade transcendente, triunfa a força do poder,
e cada um tende a aproveitar-se ao máximo dos meios à sua disposição para impor
o próprio interesse ou opinião, sem atender aos direitos do outro. (...) A raiz do totalitarismo moderno, portanto, deve ser
individuada na negação da transcendente dignidade da pessoa humana, imagem
visível de Deus invisível, e precisamente por isso, pela sua própria natureza,
sujeito de direitos que ninguém pode violar: seja indivíduo, grupo, classe,
nação ou Estado. Nem tampouco o pode fazer a maioria de um corpo social,
lançando-se contra a minoria».[262]
274. A partir da nossa experiência de fé e da sabedoria que se vem
acumulando ao longo dos séculos e aprendendo também das nossas inúmeras
fraquezas e quedas, como crentes das diversas religiões sabemos que tornar Deus
presente é um bem para as nossas sociedades. Buscar a
Deus com coração sincero, desde que não o ofusquemos com os nossos interesses
ideológicos ou instrumentais, ajuda a reconhecer-nos como companheiros de
estrada, verdadeiramente irmãos. Julgamos que, «quando se pretende, em nome
duma ideologia, expulsar Deus da sociedade, acaba-se adorando ídolos, e bem
depressa o próprio homem se sente perdido, a sua dignidade é espezinhada, os
seus direitos violados. Conheceis bem a brutalidade a que pode conduzir
a privação da liberdade de consciência e da liberdade religiosa, e como desta
ferida se gera uma humanidade radicalmente empobrecida, porque fica privada de
esperança e de ideais».[263]
275. Temos de reconhecer que, «entre as causas mais importantes da crise
do mundo moderno, se contam uma consciência humana anestesiada e o afastamento
dos valores religiosos, bem como o predomínio do individualismo e das
filosofias materialistas que divinizam o homem e colocam os valores mundanos e
materiais no lugar dos princípios supremos e transcendentes».[264] Não se pode admitir que, no debate público, só tenham voz os
poderosos e os cientistas. Deve haver um lugar para a reflexão que provém de um
fundo religioso que recolhe séculos de experiência e sabedoria. «Os
textos religiosos clássicos podem oferecer um significado para todas as épocas,
possuem uma força motivadora», mas de facto «são desprezados pela miopia dos
racionalismos».[265]
276. Por estas razões, embora a Igreja respeite a autonomia da política,
não relega a sua própria missão para a esfera do privado. Pelo contrário, não pode nem deve ficar à margem na
construção de um mundo melhor nem deixar de «despertar as forças
espirituais»[266] que possam fecundar toda a vida social. É verdade que os
ministros da religião não devem fazer política partidária, própria dos leigos,
mas mesmo eles não podem renunciar à dimensão política da existência[267] que
implica uma atenção constante ao bem comum e a preocupação pelo desenvolvimento
humano integral. A Igreja «tem um papel público que não se esgota nas
suas atividades de assistência ou de educação», mas busca a «promoção do homem
e da fraternidade universal».[268] Não pretende disputar poderes terrenos, mas
oferecer-se como «uma família entre as famílias – a Igreja é isto –, disponível
(…) para testemunhar ao mundo de hoje a fé, a esperança e o amor ao Senhor mas
também àqueles que Ele ama com predileção. Uma casa com
as portas abertas... A Igreja é uma casa com as portas abertas, porque é
mãe».[269] E como Maria, a Mãe de Jesus, «queremos ser uma Igreja que serve,
que sai de casa, que sai dos seus templos, que sai das suas sacristias, para
acompanhar a vida, sustentar a esperança, ser sinal de unidade (…) para lançar
pontes, abater muros, semear reconciliação».[270]
A identidade cristã
277. A Igreja valoriza a ação de Deus nas outras religiões e «nada
rejeita do que, nessas religiões, existe de verdadeiro e santo. Olha com
sincero respeito esses modos de agir e viver, esses preceitos e doutrinas que
(…) refletem não raramente um raio da verdade que ilumina todos os
homens».[271] Todavia, como cristãos, não podemos
esconder que, «se a música do Evangelho parar de vibrar nas nossas entranhas,
perderemos a alegria que brota da compaixão, a ternura que nasce da confiança,
a capacidade da reconciliação que encontra a sua fonte no facto de nos sabermos
sempre perdoados-enviados. Se a música do Evangelho cessar de repercutir
nas nossas casas, nas nossas praças, nos postos de trabalho, na política e na
economia, teremos extinguido a melodia que nos desafiava a lutar pela dignidade
de todo o homem e mulher».[272] Outros bebem doutras
fontes. Para nós, este manancial de dignidade humana e fraternidade está no
Evangelho de Jesus Cristo. Dele brota, «para o pensamento cristão e para
a ação da Igreja, o primado reservado à relação, ao encontro com o mistério
sagrado do outro, à comunhão universal com a humanidade inteira, como vocação
de todos».[273]
278. Chamada a encarnar-se em todas as situações e presente através dos
séculos em todo o lugar da terra – isto mesmo significa «católica» –, a Igreja
pode, a partir da sua experiência de graça e pecado, compreender a beleza do
convite ao amor universal. Com efeito, «tudo o que é
humano nos diz respeito (...); onde quer que as assembleias dos povos se reúnam
para determinar os direitos e os deveres do homem, sentimo-nos honrados, quando
no-lo permitem, tomando lugar nelas».[274] Para muitos cristãos, este
caminho de fraternidade tem também uma Mãe, chamada Maria. Ela recebeu junto da
Cruz esta maternidade universal (cf. Jo 19, 26) e cuida não só de Jesus, mas
também do «resto da sua descendência» (Ap 12, 17). Com o poder do Ressuscitado,
Ela quer dar à luz um mundo novo, onde todos sejamos irmãos, onde haja lugar
para cada descartado das nossas sociedades, onde resplandeçam a justiça e a
paz.
279. Como cristãos, pedimos que, nos países onde somos
minoria, nos seja garantida a liberdade, tal como nós a favorecemos para
aqueles que não são cristãos onde eles são minoria. Existe um direito humano fundamental que não deve ser esquecido no
caminho da fraternidade e da paz: é a liberdade religiosa para os crentes de
todas as religiões. Esta liberdade manifesta que
podemos «encontrar um bom acordo entre culturas e religiões diferentes;
testemunha que as coisas que temos em comum são tantas e tão importantes que é
possível individuar uma estrada de convivência serena, ordenada e pacífica, na
aceitação das diferenças e na alegria de sermos irmãos porque filhos de
um único Deus».[275]
280. Ao mesmo tempo, pedimos a Deus que fortaleça a unidade dentro da
Igreja, unidade que se enriquece com diferenças que se reconciliam pela ação do
Espírito Santo. Com efeito, «num só Espírito, fomos todos batizados para formar
um só corpo» (1 Cor 12, 13), onde cada um presta a sua contribuição peculiar. Como dizia Santo Agostinho, «o ouvido vê através do olho, e
o olho escuta através do ouvido».[276] Também é urgente continuar a dar
testemunho dum caminho de encontro entre as várias confissões cristãs. Não
podemos esquecer o desejo expresso por Jesus: «Que todos sejam um só» (Jo 17,
21). Ao escutar o seu convite, reconhecemos com tristeza que, no
processo de globalização, falta ainda a contribuição profética e espiritual da
unidade entre todos os cristãos. Todavia, «apesar de
estarmos ainda a caminho para a plena comunhão, já temos o dever de oferecer um
testemunho comum do amor de Deus por todas as pessoas, trabalhando em conjunto
ao serviço da humanidade».[277]
Religião e violência
281. Entre as religiões, é possível um caminho de paz. O ponto de partida deve ser o olhar de Deus. Porque, «Deus
não olha com os olhos, Deus olha com o coração. E o amor de Deus é o mesmo para
cada pessoa, seja qual for a religião. E se é um ateu, é o mesmo amor. Quando
chegar o último dia e houver a luz suficiente na terra para poder ver as coisas
como são, não faltarão surpresas!»[278]
282. Também «os crentes precisam de encontrar espaços para dialogar e
atuar juntos pelo bem comum e a promoção dos mais pobres. Não se trata de nos tornarmos todos mais volúveis nem de
escondermos as convicções próprias que nos apaixonam, para podermos encontrar-nos
com outros que pensam de maneira diferente. (…) Com efeito, quanto mais
profunda, sólida e rica for uma identidade, mais enriquecerá os outros com a
sua contribuição específica».[279] Como crentes, somos
desafiados a retornar às nossas fontes para nos concentrarmos no essencial: a
adoração de Deus e o amor ao próximo, para que alguns aspetos da nossa
doutrina, fora do seu contexto, não acabem por alimentar formas de desprezo,
ódio, xenofobia, negação do outro. A verdade é que a violência não encontra
fundamento algum nas convicções religiosas fundamentais, mas nas suas
deformações.
283. O culto sincero e humilde a Deus «leva, não à discriminação, ao
ódio e à violência, mas ao respeito pela sacralidade da vida, ao respeito pela
dignidade e a liberdade dos outros e a um solícito compromisso em prol do
bem-estar de todos».[280] Na realidade, «aquele que não ama não chegou a
conhecer a Deus, pois Deus é amor» (1 Jo 4, 8). Por
isso, «o terrorismo execrável que ameaça a segurança das pessoas, tanto no
Oriente como no Ocidente, tanto no Norte como no Sul, espalhando pânico, terror
e pessimismo não se deve à religião – embora os terroristas a instrumentalizem
– mas tem origem no cúmulo de interpretações erradas dos textos religiosos, nas
políticas de fome, de pobreza, de injustiça, de opressão, de arrogância; por
isso, é necessário interromper o apoio aos movimentos terroristas através do
fornecimento de dinheiro, de armas, de planos ou justificações e também a
cobertura mediática, e considerar tudo isto como crimes internacionais que
ameaçam a segurança e a paz mundial. É preciso condenar tal terrorismo em todas
as suas formas e manifestações».[281] As convicções religiosas sobre o
sentido sagrado da vida humana consentem-nos «reconhecer os valores fundamentais
da nossa humanidade comum, valores em nome dos quais se pode e deve colaborar,
construir e dialogar, perdoar e crescer, permitindo que o conjunto das
diferentes vozes forme um canto nobre e harmonioso, e não gritos fanáticos de
ódio».[282]
284. Às vezes, a violência fundamentalista desencadeia-se em alguns
grupos de qualquer religião pela imprudência dos seus líderes. Mas «o
mandamento da paz está inscrito nas profundezas das tradições religiosas que
nós representamos. (...) Nós, líderes religiosos, somos
chamados a ser verdadeiros “dialogantes”, a agir na construção da paz, e não
como intermediários, mas como mediadores autênticos. Os intermediários procuram
contentar todas as partes, com a finalidade de obter um lucro para si mesmos. O
mediador, ao contrário, é aquele que nada reserva para si próprio, mas que se
dedica generosamente, até se consumir, consciente de que o único lucro é a paz.
Cada um de nós é chamado a ser um artífice da paz, unindo e não
dividindo, extinguindo o ódio em vez de o conservar, abrindo caminhos de
diálogo em vez de erguer novos muros».[283]
Apelo
285. Naquele encontro fraterno, que recordo jubilosamente, com o Grande
Imã Ahmad Al-Tayyeb «declaramos – firmemente – que as religiões nunca incitam à
guerra e não solicitam sentimentos de ódio, hostilidade, extremismo nem
convidam à violência ou ao derramamento de sangue. Estas
calamidades são fruto de desvio dos ensinamentos religiosos, do uso político
das religiões e também das interpretações de grupos de homens de religião que
abusaram – nalgumas fases da história – da influência do sentimento religioso
sobre os corações dos homens (…). Com efeito Deus, o Todo-Poderoso, não precisa
de ser defendido por ninguém e não quer que o Seu nome seja usado para
aterrorizar as pessoas».[284] Por isso, quero retomar aqui o apelo à
paz, justiça e fraternidade que fizemos juntos:
«Em nome de Deus, que criou todos os seres humanos iguais nos direitos,
nos deveres e na dignidade e os chamou a conviver entre si como irmãos, a povoar a terra e espalhar sobre ela os valores do bem, da
caridade e da paz.
Em nome da alma humana inocente que Deus proibiu de matar, afirmando que
qualquer um que mate uma pessoa é como se tivesse morto
toda a humanidade e quem quer que salve uma pessoa é como se tivesse salvo toda
a humanidade.
Em nome dos pobres, dos miseráveis, dos
necessitados e dos marginalizados, a quem Deus ordenou socorrer como um dever
exigido a todos os homens e de modo particular às pessoas facultosas e
abastadas.
Em nome dos órfãos, das viúvas, dos refugiados e dos exilados das suas
casas e dos seus países; de todas as vítimas das guerras, das perseguições e
das injustiças; dos fracos, de quantos vivem no medo, dos prisioneiros de
guerra e dos torturados em qualquer parte do mundo, sem distinção alguma.
Em nome dos povos que perderam a segurança, a paz e a
convivência comum, tornando-se vítimas das
destruições, das ruínas e das guerras.
Em nome da “fraternidade humana”, que abraça todos os homens, une-os e
torna-os iguais.
Em nome desta fraternidade, dilacerada pelas políticas de integralismo e
divisão e pelos sistemas de lucro desmesurado e pelas tendências ideológicas
odiosas, que manipulam as ações e os destinos dos homens.
Em nome da liberdade, que Deus deu a todos os seres humanos, criando-os
livres e enobrecendo-os com ela.
Em nome da justiça e misericórdia, fundamentos da prosperidade e pilares
da fé.
Em nome de todas as pessoas de boa vontade, presentes em todos
os cantos da terra.
Em nome de Deus e de tudo isto, (…) declaramos adotar a cultura do
diálogo como caminho; a colaboração comum como conduta; o conhecimento mútuo
como método e critério».[285]
***
286. Neste espaço de reflexão sobre a fraternidade universal, senti-me motivado especialmente por São Francisco de Assis e
também por outros irmãos que não são católicos: Martin Luther King, Desmond
Tutu, Mahatma Mohandas Gandhi e muitos outros. Mas quero terminar
lembrando uma outra pessoa de profunda fé, que, a partir da sua intensa
experiência de Deus, realizou um caminho de transformação até se sentir irmão
de todos. Refiro-me ao Beato Carlos de Foucauld.
287. O seu ideal duma entrega total a Deus
encaminhou-o para uma identificação com os últimos, os mais abandonados no
interior do deserto africano. Naquele contexto, afloravam os seus
desejos de sentir todo o ser humano como um irmão,[286] e pedia a um amigo: «Peça a Deus que eu seja realmente o irmão de todos».[287] Enfim
queria ser «o irmão universal».[288] Mas somente identificando-se com os
últimos é que chegou a ser irmão de todos. Que Deus inspire este ideal a
cada um de nós.
Amen.
Oração ao
Criador
"Senhor e Pai da humanidade,que criastes todos os seres humanos com a mesma dignidade, infundi nos nossos corações um espírito fraterno.Inspirai-nos o sonho de um novo encontro, de diálogo, de justiça e de paz.Estimulai-nos a criar sociedades mais sadias e um mundo mais digno,sem fome, sem pobreza, sem violência, sem guerras.Que o nosso coração se abra a todos os povos e nações da terra, para reconhecer o bem e a beleza que semeastes em cada um deles, para estabelecer laços de unidade, de projetos comuns, de esperanças compartilhadas". Amen.
Oração
cristã ecuménica
"Deus nosso, Trindade de amor,a partir da poderosa comunhão da vossa intimidade divina,infundi no meio de nós o rio do amor fraterno.Dai-nos o amor que transparecia nos gestos de Jesus, na sua família de Nazaré e na primeira comunidade cristã.Concedei-nos, a nós cristãos, que vivamos o Evangelho e reconheçamos Cristo em cada ser humano,para O vermos crucificado nas angústias dos abandonados e dos esquecidos deste mundo e ressuscitado em cada irmão que se levanta.Vinde, Espírito Santo! Mostrai-nos a vossa beleza refletida em todos os povos da terra, para descobrirmos que todos são importantes, que todos são necessários, que são rostos diferentes da mesma humanidade amada por Deus."
Amem!
Dado em Assis, junto do túmulo de São Francisco, na véspera da Memória
litúrgica do referido Santo, 3 de outubro do ano 2020, oitavo do meu
pontificado.
Franciscus
REFERÊNCIAS:
[1] Admoestações, 6, 1: Fonti francescane, 155. Tradução da expressão
italiana: «Todos irmãos».
[2] Ibid., 25: o. c., 175.
[3] São Francisco de Assis, Regra não bulada dos Frades Menores, 16,
3.6: Fonti francescane, 42-43.
[4] Eloi Leclerc ofm, Exilio y ternura (Madrid 1987), 205.
[5] Francisco – Ahmad Al-Tayyeb, Documento sobre a fraternidade humana
em prol da paz mundial e da convivência comum (Abu Dhabi 4 de fevereiro de
2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 05/II/2019), 21.
[6] Francisco, Discurso no encontro ecuménico e inter-religioso com os
jovens (Skopje – Macedónia do Norte 7 de maio de 2019): L´Osservatore Romano
(ed. semanal portuguesa de 14/V/2019), 13.
[7] Francisco, Discurso no Parlamento Europeu (Estrasburgo 25 de
novembro de 2014): AAS 106 (2014), 996.
[8] Francisco, Discurso no encontro com as autoridades, a sociedade
civil e o corpo diplomático, (Santiago – Chile 16 de janeiro de 2018): AAS 110
(2018), 256.
[9] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), 19:
AAS 101 (2009), 655.
[10] Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit (25 de março de 2019), 181.
[11] Card. Raúl Silva Henríquez sdb, Homilia no Te Deum em Santiago do
Chile (18 de setembro de 1974).
[12] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 57: AAS 107
(2015), 869.
[13] Idem, Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé
(11 de janeiro de 2016): AAS 108 (2016), 120.
[14] Idem, Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé
(13 de janeiro de 2014): AAS 106 (2014), 83 84.
[15] Cf. Idem, Discurso à Fundação «Centesimus annus pro Pontifice» (25
de maio de 2013): Insegnamenti I,1 (2013), 238.
[16] Cf. São Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio (26 de março de
1967), 14: AAS 59 (1967), 264.
[17] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009),
22: AAS 101 (2009), 657.
[18] Francisco, Discurso no encontro com as autoridades e o corpo
diplomático (Tirana – Albânia 21 de setembro de 2014): AAS 106 (2014), 773.
[19] Idem, Mensagem aos participantes na Conferência internacional sobre
«Os direitos humanos no mundo contemporâneo: conquistas, omissões, negações»
(10 de dezembro de 2018): L´Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
11/XII/2018), 16.
[20] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013),
212: AAS 105 (2013), 1108.
[21] Idem, Mensagem para o 48º Dia Mundial da Paz de 2015 (8 de dezembro
de 2014), 3-4: AAS 107 (2015), 69-71.
[22] Ibid., 5: o. c., 72.
[23] Idem, Mensagem para o 49º Dia Mundial da Paz de 2016 (8 de dezembro
de 2015), 2: AAS 108 (2016), 49.
[24] Idem, Mensagem para o 53º Dia Mundial da Paz de 2020 (8 de dezembro
de 2019), 1: L´Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 17-24/XII/2019),
8.
[25] Francisco, Discurso sobre as armas nucleares (Nagasáqui – Japão 24
de novembro de 2019): L´Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
03/XII/2019), 9.
[26] Idem, Discurso aos professores e estudantes do Colégio São Carlos
de Milão (6 de abril de 2019): L´Osservatore Romano (08-09/IV/2019), 6.
[27] Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da
convivência comum (Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed.
semanal portuguesa de 05/II/2019), 21.
[28] Francisco, Discurso ao mundo académico e cultural (Cagliari – Itália
22 de setembro de 2013): L´Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
29/IX/2013), 8.
[29] Idem, Carta «Humana communitas» ao Presidente da Academia
Pontifícia para a Vida por ocasião do XXV aniversário da sua instituição (6 de
janeiro de 2019), 2.6: L´Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
22/I/2019), 8-9.
[30] Idem, Vídeo-mensagem ao encontro internacional TED2017 em Vancouver
(26 de abril de 2017): L´Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
04/V/2017), 16.
[31] Homilia durante o Momento extraordinário de oração em tempos de
epidemia (27 de março de 2020): L´Osservatore Romano (29/III/2020), 10.
[32] Francisco, Homilia durante a Santa Missa (Skopje – Macedónia do
Norte 7 de maio de 2019): L´Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
14/V/2019), 11.
[33] Cf. Eneida I, 462: «Sunt lacrimae rerum et mentem mortalia tangunt
– são lágrimas das coisas, as peripécias dos mortais confrangem a alma».
[34] «Historia (…) magistra vitae» (Cícero, De Oratore, 2, 36).
[35] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 204: AAS
107 (2015), 928.
[36] Idem, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit (25 de março de 2019),
91.
[37] Ibid., 92.
[38] Ibid., 93.
[39] Bento XVI, Mensagem para o 99º Dia Mundial do Migrante e do
Refugiado em 2013 (12 de outubro de 2012): AAS 104 (2012), 908.
[40] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit (25 de março de
2019), 92.
[41] Idem, Mensagem para o 106º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado
em 2020 (13 de maio de 2020): L’Osservatore Romano (16/V/2020), 8.
[42] Idem, Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé
(11 de janeiro de 2016): AAS 108 (2016), 124.
[43] Idem, Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé
(13 de janeiro de 2014): AAS 106 (2014), 84.
[44] Idem, Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé
(11 de janeiro de 2016): AAS 108 (2016), 123.
[45] Francisco, Mensagem para o 105º Dia Mundial do Migrante e do
Refugiado em 2019 (27 de maio de 2019): L´Osservatore Romano (ed. semanal
portuguesa de 04/VI/2019), 12.
[46] Idem, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit (25 de março de 2019),
88.
[47] Ibid., 89.
[48] Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate (19 de março de 2018),
115.
[49] Do filme de Wim Wenders O Papa Francisco – Um homem de palavra. A
esperança é uma mensagem universal (2018).
[50] Francisco, Discurso no encontro com as autoridades, a sociedade
civil e o corpo diplomático, (Tallinn – Estónia 25 de setembro de 2018):
L´Osservatore Romano (27/IX/2018), 9.
[51] Cf. Francisco, Homilia durante o Momento extraordinário de oração
em tempos de epidemia (27 de março de 2020): L´Osservatore Romano
(29/III/2020), 10; Idem, Mensagem para o 4º Dia Mundial dos Pobres (13 de junho
de 2020), 6: L´Osservatore Romano (14/VI/2020), 8.
[52] Idem, Discurso no encontro com os jovens do Centro Cultural Padre
Félix Varela (Havana – Cuba 20 de setembro de 2015): L´Osservatore Romano (ed.
semanal portuguesa de 24/IX/2015), 9.
[53] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium et spes, 1.
[54] Adversus haereses 2, 25, 2: PG 7/1, 708-709.
[55] Talmud Bavli (Talmud de Babilónia), Shabbat, 31 a.
[56] Francisco, Discurso no encontro com os assistidos nas obras
sociocaritativas da Igreja (Tallinn - Estónia 25 de setembro de 2018):
L´Osservatore Romano (27/IX/2018), 8.
[57] Idem, Vídeo-mensagem ao encontro internacional TED2017 em Vancouver
(26 de abril de 2017): L´Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
04/V/2017), 16.
[58] Homiliae in Matthaeum, 50, 3-4: PG 58, 508.
[59] Francisco, Mensagem por ocasião do Encontro dos Movimentos
Populares, em Modesto, Estados Unidos d’América (10 de fevereiro de 2017): AAS
109 (2017), 291.
[60] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013),
235: AAS 105 (2013), 1115.
[61] São João Paulo II, Alocução do Angelus rezado com os inválidos
(Osnabrück – República Federal da Alemanha 16 de novembro de 1980):
L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 23/XI/1980), 20.
[62] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium et spes, 24.
[63] Gabriel Marcel, Du refus à l’invocation (Paris 1940), 50.
[64] Francisco, Alocução do Angelus (10 de novembro de 2019):
L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 12/XI/2019), 3.
[65] Cf. São Tomás de Aquino, Scriptum super Sententiis, lib. III, dist.
27, q. 1, a. 1, ad 4: «Dicitur amor extasim facere, et fervere, quia quod
fervet extra se bullit et exhalat – diz-se que o amor produz êxtase e
efervescência, contanto que o efervescente ferva fora de si e expire»
[66] Karol Wojtila, Amore e responsabilità (Casale Monferrato 1983), 90.
[67] Karl Rahner, Kleines Kirchenjahr. Ein Gang durch den Festkreis
(Friburgo 1981), 30.
[68] Regula, 53, 15: «Pauperum et peregrinorum maxime susceptioni cura
sollicite exhibeatur».
[69] Cf. Summa theologiae II-II, q. 23, art. 7; Santo Agostinho, Contra
Julianum, 4, 18: PL 44, 748: «De quantos prazeres se privam os avarentos, para
aumentar os seus tesouros ou com medo de os ver diminuir!»
[70] «Secundum acceptionem divinam»: São Boaventura, Scriptum super
Sententiis, lib. III, dist. 27, a. 1, q. 1, concl. 4.
[71] Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de dezembro de 2005),
15: AAS 98 (2006), 230.
[72] Summa theologiae II-II, q. 27, art. 2, resp.
[73] Cf. ibid. I-II, q. 26, art. 3, resp.
[74] Ibid., q. 110, art. 1, resp.
[75] Francisco, Mensagem para o 47º Dia Mundial da Paz de 2014 (8 de
dezembro de 2013), 1: AAS 106 (2014), 22.
[76] Cf. Idem, Alocução do Angelus (29 de dezembro de
2013): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 02/I/2014), 12; Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé (12 de janeiro de 2015): AAS 107 (2015), 165.
[77] Francisco, Mensagem para o Dia Internacional das Pessoas com
Deficiência (3 de dezembro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal
portuguesa de 10/XII/2019), 4.
[78] Idem, Discurso no Encontro em prol da liberdade religiosa
(Filadélfia – Estados Unidos d’América 26 de setembro de 2015): AAS 107 (2015),
1050-1051.
[79] Idem, Discurso no Encontro com os jovens (Tóquio – Japão 25 de
novembro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
03/XII/2019), 14.
[80] Nestas considerações, deixo-me inspirar pelo pensamento de Paul
Ricoeur, «Le socius et le prochain», in: Idem, Histoire et vérité (Paris 1967),
113-127.
[81] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013),
190: AAS 105 (2013), 1100.
[82] Ibid., 209: o. c., 1107.
[83] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 129: AAS
107 (2015), 899.
[84] Idem, Mensagem para o evento «Economy of Francesco» (1 de maio de
2019): Insegnamenti II,2 (2014), 625-626; L’Osservatore Romano (ed. semanal
portuguesa de 21/V/2019), 7.
[85] Idem, Discurso no Parlamento Europeu (Estrasburgo 25 de novembro de
2014): AAS 106 (2014), 997.
[86] Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 229: AAS 107 (2015),
937.
[87] Francisco, Mensagem para o 49º Dia Mundial da Paz de 2016 (8 de
dezembro de 2015), 6: AAS 108 (2016), 57-58.
[88] A solidez está na raiz etimológica da palavra solidariedade. Esta,
segundo o significado ético-político assumido nos últimos dois séculos, gera
uma construção social segura e firme.
[89] Francisco, Homilia na Santa Missa (Havana – Cuba 20 de setembro de
2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 24/IX/2015), 6.8.
[90] Idem, Discurso aos participantes no Encontro mundial dos Movimentos
populares (28 de outubro de 2014): AAS 106 (2014), 851-852.
[91] Cf. São Basílio, Homilia 21. Quod rebus mundanis adhaerendum non
sit, 3 e 5: PG 31, 545-549; Regulae brevius tractatae, 92: PG 31, 1145-1148;
São Pedro Crisólogo, Sermo 123: PL 52, 536-540; Santo Ambrósio, De Nabuthe
27.52: PL 14, 738-739; Santo Agostinho, In Iohannis Evangelium 6, 25: PL 35,
1436-1437.
[92] De Lazarum Concio 2, 6: PG 48, 992D.
[93] Regula pastoralis 3, 21: PL 77, 87.
[94] Carta enc. Centesimus annus (1 de maio de 1991), 31: AAS 83 (1991),
831.
[95] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 93: AAS 107
(2015), 884.
[96] São João Paulo II, Carta enc. Laborem exercens (14 de setembro de
1981), 19: AAS 73 (1981), 626.
[97] Cf. Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina
Social da Igreja, 172.
[98] Carta enc. Populorum progressio (26 de março de 1967), 22: AAS 59
(1967), 268.
[99] São João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de
dezembro de 1987), 33: AAS 80 (1988), 557.
[100] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 95: AAS
107 (2015), 885.
[101] Ibid., 129: o. c., 899.
[102] Cf. São Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio (26 de março de
1967), 15: AAS 59 (1967), 265; Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de
junho de 2009), 16: AAS 101 (2009), 652.
[103] Cf. Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 93:
AAS 107 (2015), 884-885; Idem, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de
2013), 189-190: AAS 105 (2013), 1099-1100.
[104] Conferência dos Bispos católicos dos Estados Unidos, Open wide our
Hearts: The enduring Call to Love. A Pastoral Letter against Racism (novembro
de 2018).
[105] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 51: AAS
107 (2015), 867.
[106] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de
2009), 6: AAS 101 (2009), 644.
[107] São João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de maio de
1991), 35: AAS 83 (1991), 838.
[108] Francisco, Discurso sobre as armas nucleares (Nagasáqui - Japão 24
de novembro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
03/XII/2019), 9.
[109] Cf. Bispos Católicos do México e dos Estados Unidos, Carta
pastoral Strangers no longer: together on the journey of hope (janeiro de
2003).
[110] Francisco, Catequese na Audiência Geral (3 de abril de 2019):
L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 09/IV/2019), 3.
[111] Cf. Francisco, Mensagem para o 104º Dia Mundial do Migrante e do
Refugiado (14 de janeiro de 2018): AAS 109 (2017), 918-923.
[112] Francisco – Ahmad Al-Tayyeb, Documento sobre a fraternidade humana
em prol da paz mundial e da convivência comum (Abu Dhabi 4 de fevereiro de
2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 05/II/2019), 22.
[113] Francisco, Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa
Sé (11 de janeiro de 2016): AAS 108 (2016), 124.
[114] Ibid.: o. c., 122.
[115] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit (25 de março de
2019), 93.
[116] Ibid., 94.
[117] Idem, Discurso no Encontro com as autoridades e o corpo
diplomático (Sarajevo – Bósnia-Herzegovina 6 de junho de 2015): L’Osservatore Romano
(ed. semanal portuguesa de 11/VI/2015), 3.
[118] Francisco em diálogo com Reyes Alcaide, Latinoamérica.
Conversaciones con Hernán Reyes Alcaide (Buenos Aires 2017), 105.
[119] Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da
convivência comum (Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed.
semanal portuguesa de 05/II/2019), 22.
[120] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009),
67: AAS 101 (2009), 700.
[121] Ibid., 60: o. c., 695.
[122] Ibid., 67: o. c., 700.
[123] Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina Social
da Igreja, 447.
[124] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013),
234: AAS 105 (2013), 1115.
[125] Ibid., 235: o. c., 1115.
[126] Ibidem: o. c., 1115.
[127] São João Paulo II, Discurso aos representantes do mundo da cultura
(Buenos Aires – Argentina 12 de abril de 1987), 4: L’Osservatore Romano (ed.
semanal portuguesa de 10/V/1987), 8.
[128] Cf. Idem, Discurso aos Cardeais e à Cúria (21 de dezembro de
1984), 4: AAS 76 (1984), 506.
[129] Exort. ap. pós-sinodal Querida Amazonia (2 de fevereiro de 2020),
37.
[130] Georg Simmel, Brücke und Tür. Essays des Philosophen zur
Geschichte, Religion, Kunst und Gesellschaft (Estugarda 1957), 6.
[131] Cf. Jaime Hoyos-Vásquez, «Lógica de las relaciones sociales.
Reflexión onto-lógica», in Revista Universitas Philosophica 15-16 (dezembro
1990 a junho 1991), Bogotá, 95-106.
[132] Antonio Spadaro sj, «Le orme di un pastore. Una conversazione con
Papa Francesco», in Jorge Mario Bergoglio – Papa Francisco, Nei tuoi occhi è la
mia parola. Omelie e discorsi di Buenos Aires 1999-2013 (Milão 2016), XVI; cf.
Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 220-221: AAS
105 (2013), 1110-1111.
[133] Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 204: AAS
105 (2013), 1106.
[134] Cf. ibid., 204: o. c., 1105-1106.
[135] Ibid., 202: o. c., 1105.
[136] Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 128: AAS 107 (2015),
898.
[137] Francisco, Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa
Sé (12 de janeiro de 2015): AAS 107 (2015), 165; cf. Idem, Discurso aos
participantes no Encontro mundial dos Movimentos Populares (28 de outubro de
2014): AAS 106 (2014), 851-859.
[138] Algo parecido podemos dizer da categoria bíblica «Reino de Deus».
[139] Paul Ricoeur, «Le socius et le prochain», in: Idem, Histoire et
vérité (Paris 1967), 122.
[140] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 129: AAS
107 (2015), 899.
[141] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009),
35: AAS 101 (2009), 670.
[142] Francisco, Discurso aos participantes no Encontro mundial dos
Movimentos Populares (28 de outubro de 2014):AAS 106 (2014), 858.
[143] Ibidem.
[144] Idem, Discurso aos participantes no Encontro mundial dos
Movimentos Populares (5 de novembro de 2016): L’Osservatore Romano (ed. semanal
portuguesa de 10/XI/2016), 10.
[145] Ibid.: o. c., 12.
[146] Ibidem.
[147] Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 189: AAS 107 (2015),
922.
[148] Discurso à Organização das Nações Unidas (Nova Iorque – Estados
Unidos d’América 25 de setembro de 2015): AAS 107 (2015), 1037.
[149] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 175: AAS
107 (2015), 916-917.
[150] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de
2009), 67: AAS 101 (2009), 700-701.
[151] Ibid., 67: o. c., 700.
[152] Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina Social
da Igreja, 434.
[153] Francisco, Discurso à Organização das Nações Unidas (Nova Iorque –
Estados Unidos d’América 25 de setembro de 2015): AAS 107 (2015), 1037 e 1041.
[154] Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina Social
da Igreja, 437.
[155] São João Paulo II, Mensagem para o 37º Dia Mundial da Paz de 2004
(8 de dezembro de 2003), 5: AAS 96 (2004), 117.
[156] Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina Social
da Igreja, 439.
[157] Cf. Conferência dos Bispos de França (Comissão Social), Declaração
Réhabiliter la politique (17 de fevereiro de 1999).
[158] Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 189: AAS 107 (2015),
922.
[159] Ibid., 196: o. c., 925.
[160] Ibid., 197: o. c., 925.
[161] Ibid., 181: o. c., 919.
[162] Ibid., 178: o. c., 918.
[163] Conferência Episcopal Portuguesa, Carta pastoral Responsabilidade
solidária pelo bem comum (15 de setembro de 2003), 20; cf. Francisco, Carta
enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 159: AAS 107 (2015), 914.
[164] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 191: AAS
107 (2015), 923.
[165] Pio XI, Discurso à Federação Universitária Católica Italiana (18
de dezembro de 1927): L’Osservatore Romano (23/XII/1927), 3.
[166] Cf. Idem, Carta enc. Quadragesimo anno (15 de maio de 1931), 88:
AAS 23 (1931), 206-207.
[167] Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 205: AAS
105 (2013), 1106.
[168] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009),
2: AAS 101 (2009), 642.
[169]Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 231: AAS
107 (2015), 937.
[170] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009),
2: AAS 101 (2009), 642.
[171] Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina Social
da Igreja, 207.
[172] São João Paulo II, Carta enc. Redemptor hominis (4 de março de
1979), 15: AAS 71 (1979), 288.
[173] Cf. São Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio (26 de março de
1967), 44: AAS 59 (1967), 279.
[174] Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina Social
da Igreja, 207.
[175] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009),
2: AAS 101 (2009), 642.
[176] Ibid., 3: o. c., 643.
[177] Ibid., 4: o. c., 643.
[178] Ibidem.
[179] Ibid., 3: o. c., 643.
[180] Ibid., 3: o. c., 642.
[181] A doutrina moral católica, na esteira do ensinamento de São Tomás
de Aquino, prevê esta distinção de ato «elícito» e ato «imperado» [cf. Summa
theologiae, I-II, q. 8-17; veja-se também Marcellino Zalba sj, Theologiae
moralis summa. Theologia moralis fundamentalis. Tractatus de virtutibus
theologicis, I (Madrid 1952), 69; Antonio Royo Marín op, Teología de la
Perfección Cristiana (Madrid 1962), 192-196].
[182] Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina Social
da Igreja, 208.
[183] Cf. São João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de
dezembro de 1987), 42: AAS 80 (1988), 572-574; Idem, Carta enc. Centesimus
annus (1 de maio de 1991), 11: AAS 83 (1991), 806-807.
[184] Francisco, Discurso aos participantes no Encontro mundial dos
Movimentos Populares (28 de outubro de 2014): AAS 106 (2014), 852.
[185] Francisco, Discurso no Parlamento Europeu (Estrasburgo – França 25
de novembro de 2014): AAS 106 (2014), 999.
[186] Idem, Discurso no encontro com as autoridades e o corpo diplomático
(Bangui – República Centro-Africana 29 de novembro de 2015): AAS 107 (2015),
1320.
[187] Idem, Discurso à Organização das Nações Unidas (Nova Iorque –
Estados Unidos d’América 25 de setembro de 2015): AAS 107 (2015), 1039.
[188] Francisco, Discurso aos participantes no Encontro mundial dos
Movimentos Populares (28 de outubro de 2014):AAS 106 (2014), 853.
[189] Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da
convivência comum (Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed.
semanal portuguesa de 05/II/2019), 21.
[190] René Voillaume, Frère de tous (Paris 1968), 12-13.
[191] Francisco, Vídeo-mensagem ao encontro internacional TED2017 em
Vancouver (26 de abril de 2017): L´Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa
de 04/V/2017), 17.
[192] Idem, Catequese na Audiência Geral (18 de fevereiro de 2015):
L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 19/II/2015), 20.
[193] Idem, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 274:
AAS 105 (2013), 1130.
[194] Ibid., 279: o. c., 1132.
[195] Francisco, Mensagem para o 52º Dia Mundial da Paz de 2019 (8 de
dezembro de 2018), 5: L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
18-25/XII/2018), 9.
[196] Francisco, Discurso no encontro com a classe dirigente (Rio de Janeiro
– Brasil 27 de julho de 2013): AAS 105 (2013), 683-684.
[197] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Querida Amazonia (2 de fevereiro
de 2020), 108.
[198] Filme de Wim Wenders O Papa Francisco – Um homem de palavra. A
esperança é uma mensagem universal (2018).
[199] Francisco, Mensagem para o 48º Dia Mundial das Comunicações
Sociais (24 de janeiro de 2014): AAS 106 (2014), 113.
[200] Conferência dos Bispos Católicos da Austrália (Departamento para a
Justiça Social), Making it real: genuine human encounter in our digital world
(novembro de 2019), 5.
[201] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 123: AAS
107 (2015), 896.
[202] São João Paulo II, Carta enc. Veritatis splendor (6 de agosto de
1993), 96: AAS 85 (1993), 1209.
[203] Como cristãos, acreditamos também que Deus dá a sua graça para se
poder agir como irmãos.
[204] Vinicius de Moraes, «Samba da Bênção», no disco Um encontro no «Au
bon Gourmet» (Rio de Janeiro 02/VIII/1962).
[205] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013),
237: AAS 105 (2013), 1116.
[206] Ibid., 236: o. c., 1115.
[207] Ibid., 218: o. c., 1110.
[208] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Amoris laetitia (19 de março de
2016), 100: AAS 108 (2016), 351.
[209] Francisco, Mensagem para o 53º Dia Mundial da Paz de 2020 (8 de
dezembro de 2019), 2: L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
17-27/XII/2019), 9.
[210] Conferência Episcopal do Congo, Message au Peuple de Dieu et aux
femmes et aux hommes de bonne volonté (09/V/2018).
[211] Francisco, Alocução na Liturgia de Reconciliação (Villavicencio –
Colômbia 8 de setembro de 2017): AAS 109 (2017), 1063-1064 e 1066.
[212] Idem, Mensagem para o 53º Dia Mundial da Paz de 2020 (8 de
dezembro de 2019), 3: L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
17-27/XII/2019), 9.
[213] Conferência dos Bispos da África do Sul, Pastoral letter on
christian hope in the current crisis (maio de 1986).
[214] Conferência dos Bispos católicos da Coreia, Appeal of the Catholic
Church in Korea for Peace on the Korean Peninsula (15 de agosto de 2017).
[215] Francisco, Discurso no encontro com a sociedade civil (Quito –
Equador 7 de julho de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
09/VII/2015), 10.
[216] Idem, Discurso no encontro inter-religioso com os jovens (Maputo –
Moçambique 5 de setembro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa
de 10/IX/2019), 4.
[217] Francisco, Homilia «dignidade da pessoa e direitos humanos»
(Cartagena das Índias – Colômbia 10 de setembro de 2017): AAS 109 (2017), 1086.
[218] Idem, Discurso no Encontro com as autoridades, o corpo diplomático
e representantes da sociedade civil (Bogotá – Colômbia 7 de setembro de 2017):
AAS 109 (2017), 1029.
[219] Conferência Episcopal da Colômbia, Por el bien de Colombia:
diálogo, reconciliación y desarrollo integral (26 de novembro de 2019), 4.
[220] Francisco, Discurso no encontro com as autoridades, o corpo
diplomático e alguns representantes da sociedade civil (Maputo – Moçambique 5
de setembro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
10/IX/2019), 3.
[221] V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe,
Documento de Aparecida (29 de junho de 2007), 398.
[222] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013),
59: AAS 105 (2013), 1044.
[223] Carta enc. Centesimus annus (1 de maio de 1991), 14: AAS 83
(1991), 810.
[224] Francisco, Homilia na Missa pelo progresso dos povos (Maputo –
Moçambique 6 de setembro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa
de 10/IX/2019), 12.
[225] Idem, Discurso na cerimónia de chegada (Colombo – Sri Lanka 13 de
janeiro de 2015): L´Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 15/I/2015),
3.
[226] Idem, Discurso no Centro de Assistência «Betânia» (Tirana –
Albânia 21 de setembro de 2014): Insegnamenti II/2 (2014), 288; L´Osservatore
Romano (ed. semanal portuguesa de 25/IX/2014), 13.
[227] Idem, Vídeo-mensagem ao encontro internacional TED2017 em
Vancouver (26 de abril de 2017): L´Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa
de 04/V/2017), 16.
[228] Pio XI, Carta enc. Quadragesimo anno (15 de maio de 1931), 114:
AAS 23 (1931), 213.
[229] Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 228: AAS
105 (2013), 1113.
[230] Francisco, Discurso no encontro com as autoridades, a sociedade
civil e o corpo diplomático (Riga – Letónia 24 de setembro de 2018): L´Osservatore
Romano (ed. semanal portuguesa de 27/IX/2018), 10.
[231] Idem, Discurso na Cerimónia de Boas-Vindas (Tel Aviv – Israel 25
de maio de 2014): Insegnamenti II/1 (2014), 604; L´Osservatore Romano (ed.
semanal portuguesa de 31/V/2014), 7-8.
[232] Idem, Invocação na Visita ao Memorial de Yad Vashem (26 de maio de
2014): AAS 106 (2014), 228.
[233] Discurso no Memorial da Paz (Hiroxima – Japão 24 de novembro de
2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 03/XII/2019), 12.
[234] Francisco, Mensagem para o 53º Dia Mundial da Paz de 2020 (8 de
dezembro de 2019), 2: L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
17-24/XII/2019), 8.
[235] Conferência dos Bispos da Croácia, Letter on the Fiftieth
Anniversary of the End of the Second World War (1 de maio de 1995).
[236] Francisco, Homilia na Santa Missa (Amã – Jordânia 24 de maio de
2014): Insegnamenti II/1 (2014), 593; L’Osservatore Romano (ed. semanal
portuguesa de 31/V/2014), 3.
[237] Idem, Mensagem para o 53º Dia Mundial da Paz de 2020 (8 de
dezembro de 2019), 1: L´Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
17-24/XII/2019), 8.
[238] Idem, Discurso à Organização das Nações Unidas (Nova Iorque –
Estados Unidos d’América 25 de setembro de 2015): AAS 107 (2015), 1041-1042.
[239] Catecismo da Igreja Católica, 2039.
[240] Ibidem.
[241] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 104: AAS
107 (2015), 888.
[242] Mesmo Santo Agostinho, que elaborou uma ideia da «guerra justa»
que hoje já não defendemos, disse que «matar a guerra com a palavra e alcançar
e conseguir a paz com a paz e não com a guerra, é maior glória do que a dar aos
homens com a espada» (Epistula 229, 2: PL 33, 1020).
[243] Carta enc. Pacem in terris (11 de abril de 1963), 127: AAS 55
(1963), 291.
[244] Francisco, Mensagem à Conferência da ONU finalizada a negociar um
instrumento juridicamente vinculante sobre a proibição das armas nucleares (23
de março de 2017): AAS 109 (2017), 394-396.
[245] Cf. São Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio (26 de março de
1967), 51: AAS 59 (1967), 282.
[246] Cf. Carta enc. Evangelium vitae (25 de março de 1995), 56: AAS 87 (1995),
463-464.
[247] Francisco, Discurso na comemoração do 25º aniversário do Catecismo
da Igreja Católica (11 de outubro de 2017): AAS 109 (2017), 1196.
[248] Cf. Congr. para a Doutrina da Fé, Carta aos Bispos a respeito da
nova redação do n.º 2267 do Catecismo da Igreja Católica sobre a pena de morte
(1 de agosto de 2018): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
09/VIII/2018), 6-7 e 10.
[249] Francisco, Discurso a uma delegação da Associação Internacional de
Direito Penal (23 de outubro de 2014): AAS 106 (2014), 840.
[250] Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina Social
da Igreja, 402.
[251] São João Paulo II, Discurso à Associação Nacional Italiana dos
Magistrados (31 de março de 2000), 4: AAS 92 (2000), 633.
[252] Divinae Institutiones 6, 20, 17: PL 6, 708.
[253] Epistula 97 (responsa ad consulta bulgarorum), 25: PL 119, 991.
[254] Epistula ad Marcellinum 133, 1.2: PL 33, 509.
[255] Francisco, Discurso a uma delegação da Associação Internacional de
Direito Penal (23 de outubro de 2014): AAS 106 (2014), 840-841.
[256] Ibid.: o. c., 842.
[257] Ibidem.
[258] São João Paulo II, Carta enc. Evangelium vitae (25
de março de 1995), 9: AAS 87 (1995), 411.
[259] Conferência dos Bispos Católicos da Índia, Response of the church
in India to the present day challenges (9 de março de 2016).
[260] Francisco, Homilia na Missa matutina de Santa Marta (17 de maio de
2020).
[261] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009),
19: AAS 101 (2009), 655.
[262] São João Paulo II, Carta enc. Centesimus annus (1 de maio de
1991), 44: AAS 83 (1991), 849.
[263] Francisco, Discurso no Encontro Inter-religioso (Tirana – Albânia
21 de setembro de 2014): Insegnamenti II/2 (2014), 277; L’Osservatore Romano
(ed. semanal portuguesa de 25/IX/2014), 11.
[264] Francisco – Ahmad Al-Tayyeb, Documento sobre a fraternidade humana
em prol da paz mundial e da convivência comum (Abu Dhabi 4 de fevereiro de
2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 05/II/2019), 21.
[265] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013),
256: AAS 105 (2013), 1123.
[266] Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est (25 de dezembro de 2005),
28: AAS 98 (2006), 240.
[267] «O ser humano é um animal político» (Aristóteles, Política,
parágrafo 1253a, linhas 1-3).
[268] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009),
11: AAS 101 (2009), 648.
[269] Francisco, Discurso no encontro com a comunidade católica
(Rakovsky – Bulgária 6 de maio de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal
portuguesa de 07/V/2019), 9.
[270] Idem, Homilia durante a Santa Missa (Santiago de Cuba 22 de
setembro de 2015): AAS 107 (2015), 1005.
[271] Conc. Ecum. Vat. II, Decl. sobre as relações da Igreja com as
religiões não-cristãs Nostra aetate, 2.
[272] Francisco, Discurso no encontro ecuménico (Riga - Letónia 24 de
setembro de 2018): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 27/IX/2018),
11.
[273] Idem, «Lectio divina» na Pontifícia Universidade Lateranense (26
de março de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 09/IV/2019),
6.
[274] São Paulo VI, Carta enc. Ecclesiam suam (6 de agosto de 1964), 54
(101): AAS 56 (1964), 650.
[275] Francisco, Discurso às autoridades (Belém – Palestina 25 de maio
de 2014): Insegnamenti II/1 (2014), 597; L’Osservatore Romano (ed. semanal
portuguesa de 31/V/2014), 5.
[276] Enarrationes in Psalmos 130, 6: PL 37, 1707.
[277] Papa Francisco e Patriarca Ecuménico Bartolomeu, Declaração
conjunta (Jerusalém – Israel 25 de maio de 2014), 5: L’Osservatore Romano (ed.
semanal portuguesa de 31/V/2014), 22.
[278] Do filme de Wim Wenders O Papa Francisco – Um homem de palavra. A
esperança é uma mensagem universal (2018).
[279] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Querida Amazonia (2 de fevereiro
de 2020), 106.
[280] Idem, Homilia durante a Santa Missa (Colombo – Sri Lanka 14 de
janeiro de 2015): AAS 107 (2015), 139.
[281] Francisco – Ahmad Al-Tayyeb, Documento sobre a fraternidade humana
em prol da paz mundial e da convivência comum (Abu Dhabi 4 de fevereiro de
2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 05/II/2019), 22.
[282] Francisco, Discurso no encontro com as autoridades e o corpo
diplomático (Sarajevo – Bósnia-Herzegovina 6 de junho de 2015): L’Osservatore
Romano (ed. semanal portuguesa de 11/VI/2015), 3.
[283] Idem, Discurso no Encontro internacional organizado pela
Comunidade de Santo Egídio (30 de setembro de 2013): Insegnamenti I/2 (2013),
301-302; L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 06/X/2013), 11.
[284] Francisco – Ahmad Al-Tayyeb, Documento sobre a fraternidade humana
em prol da paz mundial e da convivência comum (Abu Dhabi 4 de fevereiro de
2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 05/II/2019), 22.
[285] Ibidem.
[286] Cf. Carlos de Foucauld, Meditação sobre o Pai Nosso (23 de janeiro
de 1897): Opere spirituali (Roma 1983), 555-562.
[287] Idem, Carta a Henry de Castries (29 de novembro de 1901).
[288] Idem, Carta a Madame de Bondy (7 de janeiro de 1902). Assim o
designava também São Paulo VI, elogiando o seu serviço: Carta enc. Populorum
progressio (26 de março de 1967), 12: AAS 59 (1967), 263.
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