A antropologia
agostiniana a partir de toda sua obra escrita e chegada até nós, busca
o ponto de vista do EU, através do aprofundamento da história interior da vida,
como também da busca da individualidade através das situações experiências
afetivas vividas.
Em sua obra “Confissões” Santo Agostinho sob um enfoque religioso
reflete sobre o “ser” espiritual, onde o ser humano se dá conta de forma
sistemática dos componentes e dos sentidos de uma abordagem da sua experiência
interior. É no relato da conversão que Santo Agostinho mostra a decisão histórica
da vida como sendo a vida um fenômeno pleno de historicidade. A
antropologia agostiniana especifica que o homem quando não está contente
consigo mesmo ele busca um novo “eu”, isto pode ser observado com a decisão
histórica do próprio Agostinho quando num primeiro momento ele é um famoso
professor de oratória a procura de fama e num segundo momento quando é
acometido por uma doença decide interromper a sua carreira e objetivo para
tomar uma outra decisão histórica que neste caso foi quando Agostinho
abraça o cristianismo.O mais importante
nesta decisão (segundo momento) é o seu domínio de uma história interior da
vida (primeiro momento) para um desvio de sua função vital como forma de reação
interior frente aos novos fatos de sua vida e doença, escolhendo o segundo momento
como sua decisão histórica buscando um novo eu.Agostinho não nega a nova
situação da fragilidade de sua saúde ao contrário por meio de SUA VONTADE, voluntariarismo, ele busca uma outra convicção de verdade para o seu projeto de vida,
reelaborando em sua essência a sua pessoa espiritual como forma motivadora para
o seu novo projeto de vida interior despertando uma nova motivação psicológica.
A crença na realidade de Agostinho acentua que a unidade da vida somos nós que
a formamos e que nós estamos sempre presentes para nós mesmos.
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(Bartolomeu no Juízo Final de Michelangelo) |
O sentimento imediato
da vida e de tudo que nela acontece vem do paradoxo onde a vida escapa dando o
sentido da fugacidade da vida; do pânico por constatar que a vida é
inapreensível onde o homem teme o que nele é desconhecido; do ser passageiro
onde tudo em mim é passageiro não conseguindo ser plenamente ele mesmo (homem
inacabado), sem se dispersar não encontrando a realidade dando a sensação de
insegurança, dispersão e nostalgia; a nostalgia como positividade é nela que o
homem consegue se ultrapassar não estando acomodado com a vida que leva estando
sempre presente os seus desejos principalmente os ligados a busca da felicidade
desencadeando a culpabilidade por não extrair tudo o que pode de si;
contradição, tensão e vontade são temas que supõe um adversário estando presentes na
experiência religiosa de Agostinho manifestado pelo drama interior a que o
homem está sujeito através das suas lutas interiores onde a esperança é a ação
como forma de erguer como principio o valor ligado à tensão da vontade que é
fator gerador de força e consciência da sua personalidade de estar vivo.
Assim, é pela vontade que a vida emotiva é englobada assim como seus instintos
e seus impulsos e por último o ser da revolta ou a revolta do ser onde o homem
em Agostinho não se aceita como é e a busca da felicidade como algo impossível
já o faz infeliz levando a revolta contra si próprio por não se admitir como
ele é. Se considera como miserável ou um não-ser, Agostinho relaciona a
felicidade com a saúde como um estado psicofísico ideal lavando a tensão ao seu
grau extremo de sua vontade. Agostinho não aceita a idéia do ser humano ser reduzido a um número de
possibilidades limitadas e ainda não definidas. Agostinho quer governar e
ultrapassar a vida através da tensão e da vontade. Por isso acredita que a
personalidade está em constante construção.
Esquematicamente as atitudes Agostinianas a partir de
Confissões podem ser analisada em 4 fases:
1) A tomada de
consciência da situação.
2) A configuração
espiritual de suas motivações pela abertura à significação capital de seu
momento histórico vital.
3) A concepção das
conseqüências desta experiência vivida, interpretação e compreensão da
impossibilidade, ou, numa expressão fenomenológica, consciência do conteúdo de
adversidade.
4) O engajamento: o
motivo o faz engajar ou o motiva a dar à história interior de sua vida uma
outra trajetória. Trata-se de uma decisão ativa de sua vontade, liberdade, a
respeito do que deseja ser uma elaboração do que deve ser o outro Agostinho, outra
vez usando um termo fenomenológico: é a consciência de possibilidade.
Agostinho atribuiu, assim como os filósofos gregos, grande importância ao
desvendamento do que é o homem, considerado por ele, como um ‘grande abismo’ e
um ‘grande problema’ e um “grande enigma” a descobrir:
“Grande abismo é o
homem, Senhor! Tendes contados os seus cabelos, e nenhum se perde para Vós.
Contudo, os seus cabelos são mais fáceis de contar que os afetos e movimentos
do coração...” (Confissões, IV, 14, 22).
“Há,
porém, coisas no homem que nem sequer o espírito que nele habita conhece...” (Confissões, X, 5, 7).
O ponto de partida de Santo Agostinho para a
gênese da natureza humana foi explicar a natureza do homem num composto de
corpo e alma, conforme vemos em sua obra Vida Feliz 2,7:
[Agostinho] – Será
evidente a cada um de vós, que somos compostos de alma e corpo? Todos foram
concordes, exceto Navígio, que
declarou não saber.Mas, disse-lhe eu, pensas que ignoras tudo em geral, ou essa
proposição é uma entre outras coisas que desconheces?
[Navígio] –
Não creio que sou totalmente ignorante, respondeu ele.
[A.] – Podes, pois, dizer-nos alguma coisa do que
sabes?
[A.] – Se isso não te incomoda, dize-nos, pois.E
como ele hesitasse, interroguei: Sabes, pelo menos que vives?
[N.] – Isso
eu sei!
[A.] – Sabes, portanto, que tens vida, visto que
ninguém pode viver a não ser que tenha vida?
[A.] – Sabes, igualmente, que possuis um corpo?
-Ele concordou.
[A.] – Sabes, então, que constas de corpo e vida?
[N.] – Sim,
todavia tenho dúvidas se não existe alguma coisa a mais do que isso?
[A.] – Assim, não duvidas destes dois pontos:
possuis um corpo e uma alma. Mas estás em dúvida se não existe outra coisa que
seria para o homem um complemento de perfeição.
Desse modo, a união entre corpo e alma constituía,
conforme Santo Agostinho, o conceito de homem total.“Que o corpo se une à alma para
formar e constituir o homem total e completo, conhecemo-lo todos. Testemunha-o nossa
própria natureza...” (Cidade de Deus, X, 29, 2).Mesmo considerando a totalidade do homem em corpo
e alma, Santo Agostinho atribuiu maior importância à alma pela sua
característica de imutabilidade e simplicidade. “Quanto à criatura
espiritual, tal como a alma comparada com o corpo, é certamente mais simples,
ou seja, não é dotada de tanta multiplicidade como o corpo, mas também não é
simples. É mais simples do que o corpo, porque não é uma massa que se difunde
pelo espaço local, mas em cada corpo a alma está toda inteira; e toda está
também em qualquer das partes do corpo. Assim,
quando algo acontece na menor parte do corpo que influa na alma, embora não em
todo o corpo, ela pode sentir, pois influi no seu todo. Mas como na alma uma
coisa é a sua atividade, outra, a inércia, a agudeza, a memória, o desejo, o
temor, alegria, a tristeza. E como esses sentimentos podem existir na natureza
da alma uns sem os outros, e uns com mais intensidade, outras com menos,
inumeráveis e variadíssimos, é sinal evidente de eu essa natureza não é
simples, mas múltipla. Ora, tudo o que é simples é imutável, portanto toda
criatura é mutável...” (Trindade, VI, 6, 8).
Alma e corpo se
mostram contrários ainda pela sua composição, porque o corpo está sob
classificações físicas diferentes das da alma:
“Existe certamente no
corpo humano certo volume de carne, certa forma, certa ordem e distinção de
membros, numa constituição saudável...” (Trindade, III, 2, 8).
“o corpo como nós [o definimos],
ou seja, [é] qualquer natureza que ocupa espaço local pelo comprimento, largura
e altura...” (Comentário Gênesis, VII, 21, 27).
“Por ser superior ao corpo, há independência da alma em relação a ele. Pois,
reconhecemos com admiração que a natureza da alma é tal que não sofre alteração
pela modificação do corpo...” (Livre
arbítrio, III, 9, 28).
“A alma é considerada, portanto, a essência da
razão humana, por isso, lhe é atribuído o domínio do corpo, é substância
dotada de razão, apta a reger um corpo...” (Potencialidade
da alma, 13, 22).
Desse modo, a alma,
por permitir ao homem raciocinar, o diferencia dos animais:
“E, certamente, uma grande
coisa é o homem, pois feito à imagem e semelhança de Deus! Não é grande coisa enquanto encarnado num corpo mortal, mas sim
enquanto é superior aos animais pela excelência da alma racional...”
(Doutrina Cristã, I, 22, 20).
A alma é, nesse sentido, a imagem do próprio Deus.
Não há uma dependência entre ela e o corpo nem mesmo alguma relação com outros
seres da natureza.“É evidente que nem
tudo o que dentre as criaturas é semelhante a Deus pode-se denominar sua
imagem, apenas o é a alma, à qual unicamente Deus lhe é superior. Só a alma é a
expressão de Deus, pois natureza alguma se interpõe entre ela e ele...” (Trindade, XI, 5, 8). Por ser considerado parte da natureza humana, o corpo
deve ser cuidado, pois, com os fins dos tempos, com a ressurreição da carne, o
corpo também irá para o céu. Por isso, deve estar afastado de tudo o que for
corruptível e que não seja digno de sua condição celeste.“Não quero, ademais,
perguntar por que não crêem possa o
corpo terreno estar no céu, se a terra toda se apóia
sobre o nada. Talvez seja argumento de não menor probabilidade o
tomado do centro do mundo, no sentido de nele se encontrarem as coisas mais
pesadas. Desse modo tira à carne do homem a corrupção, dá-lhe a imortalidade,
deixa-lhe a natureza, conserva-lhe a congruência da figura dos membros e
suprime-lhe o retardamento do peso...” (Cidade de Deus, XIII, 18). Por conseguinte, o homem possui matéria e forma,
está em sua condição mortal, sujeito às necessidades fisiológicas do seu corpo
e as ações do tempo. Definido como uma criatura mutável e racional, é capaz,
porém, de abrigar a verdade em si, Deus (o homem é capaz de Deus). Que lhe
garante o conhecimento do imutável e o encontro com a verdadeira
felicidade. Para Santo Agostinho, a alma deveria sobrepor-se ao corpo, entendido
como a prisão da alma e fonte de todos os males, pois “o homem é uma alma que se serve
de um corpo” (GILSON, 1995, p.228). Quando a alma se submetia ao corpo,
ficava voltada para a matéria e não tem força para sair do estado de decadência
em que se encontra. O homem deveria, portanto, desvencilhar-se das coisas
externas, voltando-se às espirituais, as quais vão propiciar a aproximação de
Deus.
“Mas para que falar
de tudo isso, se agora não é o tempo de investigar, mas de me confessar a Vós? Era desgraçado, e desgraçada é toda alma
presa pelo amor as coisas mortais. Despedaça-se quando as perde, e então sente
a miséria que a torna miserável, ainda antes de as perder...” (Confissões, IV, 6, 11).
Santo Agostinho separa o corpo em: corpóreo/carnal
e alma/espiritual. Porém, para o bispo de Hipona, a alma é mais importante, uma
vez que ela se encontra mais próxima a Deus.“Aquelas nem sequer são as primeiras da criação. Com efeito, as vossas criaturas espirituais são superiores às corpóreas,
ainda que estas se apresentem brilhantes e se movam no céu” (Confissões, III, 6, 10).Assim, o corpo é apresentado com a necessidade de
um controle permanente e vigilante, ao qual a pressão implacável do saeculum
não permitia dar trégua (BROWN, 1990). O corpo padece e está fadado a padecer,
pois, diferentemente da alma, está submetido aos ciclos naturais, às flutuações
do desejo e aos perigos da corrupção. Em suma, enquanto a alma é
pensada em termos positivos, o corpo era o inviabilizador do homem de
conquistar uma contemplação divina da vida.“Que eu amo, quando
Vos amo? Não amo a formosura corporal, nem a glória temporal, nem a claridade
da luz, tão amiga destes meus olhos, nem as doces melodias das canções de todo
o gênero, nem o suave cheiro das flores, dos perfumes ou dos aromas, nem o maná
ou mel, nem os membros tão flexíveis aos braços da carne. Nada disto amo,
quando amo ao meu Deus. E contudo, amo uma luz, uma voz, um perfume, um
alimento e um abraço, quando amo meu Deus, luz, voz, perfume e abraço do homem
interior, onde brilha para a minha uma luz que nenhum espaço contém, onde
ressoa uma voz que o tempo não arrebata, onde se exala um perfume que o vento
não esparge, onde se saboreie uma comida que a sofreguidão não diminui, onde se
sente um contato que a saciedade não desfaz. Eis o que amo, quando amo o meu
Deus...” (Confissões,
X, 6, 8).Pode-se afirmar que, para Santo Agostinho, o
conhecimento verdadeiro está em Deus, fonte única de conhecimento e de verdade.
Assim, cabe ao homem desvencilhar-se da sua materialidade, que lhe proporciona
falsos conhecimentos e se aproximar cada vez mais do conhecimento verdadeiro.
Para que isso ocorra, este homem deveria estar preparado.No entendimento agostiniano, para
se ‘descobrir a verdade’ o corpo deve estar submetido às vontades da alma,
porque só assim o verdadeiro conhecimento pode ser alcançado.
A importância do
homem em Agostinho
Na
antropologia agostiniana, o homem é tido como uma unidade, não havendo
separação entre alma e corpo, mas o ser como totalidade. O homem é também
aquele que faz um caminho neste mundo e é capaz, por sua natureza, de buscar
Aquele que o criou. O homem tem em si uma dignidade ao ser criado como “Imago Dei”, por
isso não é qualquer coisa. Ao ser dotado de razão, é capaz também de
fazer suas próprias escolhas, tendendo para o bem ou para o mal. Ao fazer bom
uso de seu livre-arbítrio, opta pela felicidade. Agostinho ver o homem como uma
unidade, como ser itinerante, como aquele que vive para Deus; mostrando que o
homem tem em sua história, uma origem, uma vocação e um destino último.
O Ser como Uno
Platão[1]
separa a alma do corpo, como se o corpo fosse o cárcere da alma. Ao
contrário, influenciado pela filosofia neo platônica, Agostinho propõe uma nova
forma de conceber o homem, não separando corpo e alma, mas dizendo que alma não
é prisioneira do corpo; ela está encarnada nele, como num todo. Não se
separam: é uma unidade substancial. O homem é uma unidade substancial de corpo
e alma.“Não é infreqüente afirmar-se que para
Agostinho a essência do homem é uma alma que se utiliza de um corpo; todavia, é
fora de dúvida que ele doutrina, clara e reiteradamente, que o homem se compõe
de alma e corpo, graças a uma estreita união destes dois componentes, e que só
o ser assim composto merece o nome de homem...” (BOEHNER; GILSON, 1991, p.180). Segundo Santo Agostinho, quando Deus criou o ser
humano, o criou na plenitude do ser. Por isto, não se pode separar a matéria da
forma, visto que Deus criou a unidade do homem. Portanto para Agostinho, o
corpo se torna algo cheio de importância, por causa da encarnação do Verbo: “O próprio Filho de Deus vem
habitar neste mundo, numa forma material. Por isto, afirma que a matéria também
tem sua importância e não se separa da alma”
Mesmo não admitindo a separação, Agostinho admite
que a alma é dotada de certa natureza especial, que eleva o homem a Deus, ao
contrário do corpo que é transitório e limitado, estando sujeito às coisas
deste mundo. A alma é capaz de fazer do homem participante de Deus, elevando-o
através daquilo que tem de mais importante: sua racionalidade. Com isso, o
homem é capaz de ter uma vida feliz, contemplando, de fato, seu Criador. Desta forma, afirma Agostinho (A Vida
Feliz, 4- 33, 2007, p.154-155):“Portanto,
ser feliz não é outra coisa do que não
padecer necessidades, e isso também ser sábio. Agora, se me perguntardes o que
vem a ser a sabedoria, conceito a cuja análise e aprofundamento a nossa razão
tem-se consagrado até o presente quanto pode – dir-vos-ei que a sabedoria é
simplesmente a moderação do espírito (modus
animi). Isto é, aquilo pelo que a alma se conserva em equilíbrio, de
modo a não se dispersar em excessos ou encolher-se abaixo de sua plenitude. Sem
essa medida, a alma atira-se em excesso na direção dos prazeres, da ambição, do
orgulho e de todas as outras paixões do mesmo gênero. Por elas, os
intemperantes, e portanto infelizes, imaginam alcançar alegria e poder. Ora,
eles encontram-se, na verdade, diminuídos pelas baixezas, pelo medo, tristeza,
cupidez e outras paixões. Sejam quem
forem, esses infelizes reconhecem eles próprios que tais coisas fazem a
infelicidade do homem. Ao contrário, quando alguém, tendo encontrado a
sabedoria, faz dela o objeto de sua contemplação, para me servir de uma expressão
deste menino...(Adeodato, cf. III, 18), e a ele se apega (ad ipsam se tenet), sem se deixar
seduzir por coisas vãs, sem se voltar mais para as aparências enganosas, cujo
peso arrasta e submerge em profunda objeção, tudo se desfaz, por estar ele abraçado
a seu Deus (amplexus a Deo suo)...”
A alma é principio vivificador, capaz de dominar o
homem, elevando-o a Deus. Agostinho nos diz da alma, em sua obra Confissões,
como dominadora do corpo:
“A
alma comanda o corpo, e este lhe obedece imediatamente; comanda-se a si mesma,
e esta resiste. A alma ordena à mão que
se mova, e a obediência é tão fácil que mal se distingue a ordem da execução.
No entanto, a alma é espírito, e a mão é matéria.” (AGOSTINHO, Confissões,
8, 9- 21, 1984, p.220).
O ser itinerante
O itinerário do ser, segundo Santo Agostinho, é um
caminho percorrido pelo ser humano em direção ao seu Criador. O autor
nos apresenta o homem como um ser criado segundo a imagem e semelhança de Deus.
O homem é um ser participante da perfeição de Deus como “Imago Dei”. Justamente
por isso, Deus concede a ele o livre-arbítrio[2],
possibilitando-o escolher por sua vontade. Quando, por esta vontade, o homem se
afasta do seu Criador, que é o Sumo Bem, acaba caindo no pecado e o mal[3]
passa a existir no mundo.Ao longo de toda a vida do homem, ele “cai” e se
“levanta”: toda a história do ser humano é feita também de quedas. Dentro deste
itinerário, segundo Agostinho, o homem tem sempre a oportunidade da conversão,
uma vez que seu fim último sempre se dá no seu Criador. A conversão, a que se é
chamado quando se vive uma vida de escravidão, é uma mudança de “rota”, na
qual, contando com a graça de Deus, o homem é capaz de retornar ao Bem.“Um
dom de Deus, que é a graça, e o livre-arbítrio. Sem o livre-arbítrio, não
haveria problemas; sem a graça, o livre-arbítrio (depois do
pecado original) não iria querer o bem ou, se o quisesse, não poderia
realizá-lo. A graça, portanto, não tem o efeito de
suprimir a vontade, mas sim de torná-la boa, pois que se havia transformado em
má. Esse poder de usar bem o livre-arbítrio é precisamente a
liberdade. A
possibilidade de fazer o mal é inseparável do livre-arbítrio, mas o poder de
não fazê-lo é a marca da liberdade, e
encontrar-se confirmado na graça a ponto de não poder mais fazer o mal é o grau
supremo da liberdade. Assim, o
homem que está mais completamente dominado pela graça de Cristo é também o mais
livre: libertas vera est Christo
servire.” (REALE; ANTISERE, 1990,
p.458). Santo Agostinho nos mostra que o homem foi criado
por Deus exclusivamente para o bem. Ao usar mal o livre- arbítrio, a partir do
qual, por sua vontade pode escolher entre o bem e o mal, o homem acaba se
afastando da graça e vivendo no pecado. Porém, para Agostinho, o homem tem
sempre a oportunidade de se converter e de caminhar na graça de Deus, vivendo
sua liberdade.O itinerário do homem, para Agostinho, é sempre caminhar rumo a
Deus, vivendo em sua justiça. A liberdade, na qual o homem foi criado, o faz
viver somente o bem. Porém, isto só acontece pela graça de Deus em sua vida.
Esta graça ajuda o homem a escolher, acima de tudo, o bem, deixando o pecado e
o mal de lado.
O ser para Deus
Para Agostinho, o homem participa da criação
divina. Por isto, caminha sempre em busca da Verdade. O que dá sentindo e
unidade ao homem só pode ser o próprio Deus. O Amor de Deus para com a
humanidade é tão grande, que Ele foi capaz de habitar este mundo para
libertá-la do pecado. Pela encarnação do Verbo, na qual Deus envia seu Filho
único, o homem torna-se digno, sendo reconhecido como filho no Filho.“Para
Agostinho, o encontro com Deus se dá no
interior do homem, pois Deus, enquanto criador, está tão próximo e tão íntimo
de sua criatura, mais do que o próprio homem. Nesse sentido, o itinerário do homem, enquanto criatura é
um itinerário para a verdade: alcançar a Verdade é ser iluminado pela graça
divina. O próprio conhecimento da Verdade exprime o amor, à medida que a
essência do homem é o amor, ou seja, expressão do amor daquele que o criou.
Nesse sentido, Agostinho acredita que o homem, bom e justo, é sem dúvida aquele
que ama a si mesmo e aos outros segundo a lei divina, pois amar o próximo é
amar a Deus na sua obra. (GONÇALVES,
2012, p.139).
A Verdade, como nos diz Agostinho em sua obra
Confissões, está dentro do
próprio ser humano:
“Eis que habitavas dentro de mim e eu te procurava do lado
de fora” (CONFISSÕES, 10,
27-29).
Por isso, por natureza, o homem é iluminado por
Deus através de sua razão e é capaz de buscar a Verdade que é o próprio
Criador. Essa Verdade o leva a agir na justiça e a viver uma vida feliz. Assim,
existe uma busca constante do Bem que o faz feliz. Tem a felicidade somente
aquele que está em Deus. Ao viver irradiado pela luz da Verdade, o homem vive o
amor e torna-se dependente do Amor dado por primeiro pelo seu Criador. Impelido
por este amor, é capaz de amar também o próximo, que é obra da criação divina.
A Luz divina habita em todo homem que está junto de Deus e que o busca
constantemente. Esta busca o impulsiona a viver retamente o Bem. “Certo
impulso interior que nos convida a lembrar-nos de Deus, a buscá-lo, a sentir
sede dele, sem nenhum fastio, jorra em nós dessa mesma fonte da Verdade. É luz
que esse misterioso sol irradia em nossos olhos interiores. E é dele que procede tudo o que proferimos
de verdadeiro, ainda que temamos volver para ele nossos olhos ainda doentios ou
recém-abertos, e de o fixarmos face a face. Esse sol revela-se a nós como sendo
o próprio Deus, ser perfeito sem nenhuma imperfeição a diminuí-lo. Pois
nele encontra-se toda perfeição, completa e íntegra, visto que Ele é, ao mesmo
tempo, o Deus todo-poderoso.” (AGOSTINHO,
A Vida Feliz, 4-35, 2007,
p.156). Para Agostinho, quando o homem busca viver e agir
na justiça de Deus, ele vive uma vida feliz, se afastando do mal e do pecado.
Com isso, o fim do homem é sempre buscar seu Deus e Criador. O homem tem uma
origem: foi criado por Deus; tem uma vocação, que é viver segundo a justiça
divina, no amor e no bem; e o seu fim, que é o próprio Deus, capaz de fazê-lo
plenamente feliz.
CONCLUSÃO:
A obra Sobre a Trindade (de trinitate),
escrita por Agostinho de Hipona entre os anos de 400 e 416, representa um
momento crucial na consolidação de seu pensamento. Dentre os vários temas de
natureza filosófica e teológica presentes ao longo dos quinze livros que a
compõem, destaca-se a reflexão acerca da constituição e da existência humana,
desenvolvida a partir da convergência entre a discussão trinitária e a questão
antropológica. Neste sentido, o presente artigo teve por objetivo
discutir os conceitos que fundamentam a estrutura antropológica inacabada do
homem, imagem de Deus, no filho, como modelo acabado, ao qual devemos nos configurar. Vimos que na "antropologia Agostiniana entende que o homem é
mau por sua natureza decaída". Isso pode ser facilmente constatado na prática: Precisamos
ensinar o que é errado para nossos filhos? Imagine a cena: um pai chama seu
filho e lhe diz: "filho, hoje vou te ensinar a quebrar a TV e como bater
na sua irmã". Já viram por aí alguma escola que ensina a roubar?
Alguma escola que ensina a usar drogas? Alguma escola para corruptos? Para
assassinos? Alguma escola de prostituição? Obviamente que não! Já sabemos, naturalmente, de
tudo isso, sendo necessário, para passar da potência à prática, apenas a
ativação, o startar do gatilho que existe dentro de nós. Às vezes, um símples
estímulo já é o suficiente para desencadear todo mal em potência que
carregamos.Por conta disso, o processo formativo precisa ser mais
focado no certo; pois o errado naturalmente já o temos em nossa natureza
decaída e pecaminosa, que ao entrar em contato com o mal logo é atraída por uma
certa simpatia ímpar; uma identificação com o mal, de fato. Todos somos assim.
Todos nós, sem exceção.Afirmar
ser o homem totalmente depravado e mau em sua natureza significa dizer que
todos os seus desejos, todas as suas atitudes e até mesmo todos os seus
amores são totalmente corrompidos e tendem para o mal, numa relação quase
simbiótica. Até mesmo o "amor de
mãe" é maculado pelo desejo espúrio e oculto de
auto-promoção. Exatamente por isso, também, não queremos saber de
Deus, que é antítese de todo mal. Para querermos caminhar em direção a
Deus é necessário que Ele mesmo mude completamente nossas entranhas, nossos
desejos e implante, em nós, uma natureza diferenciada, tornando-nos
"novas criaturas"; um parto espiritual, realmente. Um novo nascimento
promovido pela ação Soberana do Espírito Santo, que concede essa "nova
vida" apenas àqueles que Lhe aprouver conceder, de forma
incondicional, sem méritos próprios do beneficiário e somente por Sua graça,
que por definição é "favor não merecido". Mas há uma dimensão da bondade de Deus que pode ser
chamada de "graça comum". Essa é distribuída a todos sem exceção.
Inclusive aos ímpios, blasfemos e ateus. A chuva, o oxigênio e o sol, por
exemplo. Como diria o sabedoria experiencial do Judeu, acima de toda
especulação filosófica:“A vara e a disciplina dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma vem a envergonhar
a sua mãe" (Provérbios 29,15). Freud
costumava dizer: "dê-me uma criança e faço dela o que eu quiser".Para fazer da criança um verdadeiro "monstro social", entretanto, basta
tão somente deixá-la entregue à sua própria natureza. Nada mais será necessário
acrescentar-lhe. A formação humana é um
desses instrumentos da "graça comum" de Deus, que servem como
atenuadores da ação nefasta que a queda, no Édem, provocou no homem.
Ela a pedagogia vai retirando esse "mal natural" do coração do
homem, minimizando-o e aplacando-o a ponto de tornar possível a vida em
sociedade. É por isso que, quanto mais um país investe, seriamente, em
educação, mais ele se aproximará do ideal de justiça social, promovendo,
assim, o bem social e uma convivência mais harmoniosa entre seus cidadãos, pois
mais pessoas estarão com "menos mal" no coração. Pouca educação,
por sua vez,é igual a "mais mal" no coração, que
resultará, impreterivelmente, em graves problema sociais, como a
criminalidade, por exemplo. Muita educação, como já dissemos, é igual a
"menos mal" no coração, consequentemente, menos problemas sociais,
que trará como resultado um menor índice de criminalidade, inclusive. Já dizem
alguns especialistas:“Cada escola que se abre no presente, é um
presídio a menos que se fechará no futuro, o países desenvolvidos que investem
seriamente em educação, podem confirmar isso.” Por
fim, podemos concluir que a concepção de homem em Santo Agostinho se dá como
uma unidade. Não se divide o corpo da alma, ou a matéria da forma, como faziam
os gregos. Influenciado pelos neo platônicos, ele concebe o homem em uma
unidade substancial de corpo e alma: o homem é a totalidade, a alma está
encarnada no corpo como um todo.O homem, criado segundo a imagem e semelhança
de Deus, torna-se participante da obra da criação. Assim, ele é dotado de
dignidade, uma vez que o próprio Filho de Deus assumiu a carne humana: o ser
humano é filho no Filho, pela da encarnação do Verbo. Por isso, o homem é
dependente do amor de Deus que nos amou por primeiro. O caminho do homem é
sempre buscar o seu Criador. E estando junto Dele, é capaz de viver uma vida
justa e feliz, fugindo do mal e do pecado, vivendo no Bem.
REFERENCIAS
[1] Aqui estamos citando o Platão segundo o qual pensa existir um dualismo na concepção de homem. Para este o homem seria composto de duas partes separadas: corpo e alma. A alma estaria no corpo como prisioneira. O homem seria essencialmente alma.
[2] O livre-arbítrio concedido ao homem por ele ser criado a imagem e semelhança de Deus é justamente para que o homem por sua própria vontade escolha o que fazer ou o bem ou o mal. Assim sendo, “[…] o homem é livre para fazer o bem e que não é forçado a cometer o mal por nenhuma necessidade. Se o homem peca, a culpa é sua. Agostinho insiste fortemente na bondade essencial e infinita de Deus” (AGOSTINHO, O livre-arbítrio, 9, p.18).
[3] A origem do mal no mundo é algo de responsabilidade do próprio homem que escolhe o pecado ao invés da graça, por escolher seguir a sua própria vontade e paixão. “Ora, cometer o mal não é nada mais do que submeter sua vontade às paixões, ou preferir aos bens propostos pela fé eterna uma satisfação pessoal” (AGOSTINHO, O livre-arbítrio, 4, p.14).
BIBLIOGRAFIA:
-Agostinho.
A Trindade. Trad. de Frei Agustinho Belmonte, O.A.R. São Paulo: Paulus,
1994.
-AGOSTINHO,
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-AGOSTINHO,
Santo. A Vida Feliz.
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-AGOSTINHO,
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Philotheus; GILSON, Etienne. História
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-GONÇALVES,
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-DHÊNIS ROSINA: “CORPO
E EDUCAÇÃO: O DIÁLOGO ENTRE AS CONCEPÇÕES DE EPICURO, SÊNECA E SANTO AGOSTINHO”.
(Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá, como
um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador:
Prof. Dr. JOSÉ JOAQUIM PEREIRA MELO). Maringá, 2008.
-REALE,
Giovanni; ANTISERI, Dario. História
da Filosofia. São Paulo: Paulinas. 1990. V.1.
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