Professor Orlando Fedeli responde sobre a Onisciência de Deus e
o livre arbítrio
1ª SÉRIE DE DÚVIDAS de Leandro: “Deus não é eterno
se pode destruir a si mesmo e, se não pode destruir a si mesmo, não é
onipotente; Deus não pode conhecer o futuro se nos deu livre arbítrio e, se o
conhece, a defesa do livre arbítrio fica impossível; Deus não pode fazer uma
esfera cúbica porque é uma contradição lógica, então não é onipotente, mas, se
pode criá-la, já não se trata de uma contradição; Deus não pode cometer erros,
mas a Bíblia diz que Deus se arrependeu de certos atos, logo é imperfeito ou a
Bíblia está errada.Como sempre, ficamos com uma polaridade de escolhas: ou Deus
é onipotente ou é eterno, ou é onisciente ou não temos o livre arbítrio e assim
por diante...”
RESPOSTA:
Prezado
Leandro,não existe, e nem pode existir nenhuma contradição em Deus. A
contradição é uma imperfeição, uma falha ou uma fraude, e portanto se houvesse
contradição em Deus ele não seria Deus. Aristóteles, e São Tomás de Aquino
demonstram que Deus é Ato puro, ou seja, contém todas as perfeições e
qualidades. (Sobre este assunto recomendo que você leia nosso site a Matéria
sobre a existência e as qualidades de Deus que consta dos Cadernos
Montfort).
Quanto ao ponto específico que você aborda, em primeiro lugar é
necessário esclarecer que pelo fato de ser Onipotente, não significa que Deus
possa fazer ou criar qualquer coisa!
Deus não pode fazer um absurdo, como por exemplo:
um triângulo de quatro lados, nem pode cometer um pecado, por exemplo fazer uma
injustiça com um homem, não pode criar um outro Deus igual a ele, pois Ele é incriado, não pode criar a escuridão, que é incriada, mas pode criar a luz. A Onipotência de Deus significa que Ele tem o poder de
fazer qualquer bem. E nisto consiste a absoluta liberdade de Deus, sempre fazer
o que é certo, sempre fazer o que é bom.
Nós, por não sermos deuses, e por causa do pecado original,
temos uma falha em nossa liberdade. Nós podemos, e muitas vezes escolhemos o
errado!
Deus nos dá sempre força para que façamos o bem, mas por nossos
defeitos, e nossas fraquezas, muitas vezes preferimos fazer o errado. O fato de
Deus conhecer o futuro não nos tira a liberdade.
Assim, por exemplo, se eu vejo
um cego caminhando para um abismo eu sei que ele irá cair no abismo. Se eu o
aviso do abismo, mas ele insiste em continuar no caminho, eu sei que ele cairá,
mas ele não cairá por que eu sei, mas devido a sua obstinação. Assim age Deus
conosco: Ele sabe o que faremos, mas isto não nos tira a liberdade.
Ademais, a
Bíblia usa uma linguagem antropomórfica, assim algumas expressões são imagens
analógicas para nos fazer compreender melhor as atitudes de Deus, por exemplo a
expressão "a mão de Deus", ora, Deus é espírito,não tem corpo e
portanto não poderia ter mão.Assim, o caso que você coloca do arrependimento de
Deus, significa que Deus se condoia tanto com o sofrimento daqueles que Ele
puniu, que se fosse homem, se arrependeria. Isto demonstra que o Deus do antigo
testamento não é um Deus carrasco como muitos querem apresentar, na realidade
Ele punia para que os homens se corrigissem.
2ª SÉRIE DE DÚVIDAS –
Professora SOPHIA: Senhor Orlando,Primeiramente eu quero elogiar o trabalho que os
senhor desenve aqui neste site que considero como um maravilhoso local de
pesquisa sobre o Catolicismo. Tenho uma admiração cada vez maior por
apologética.Escrevo esta para lhe pedir encarecidamente elementos da doutrina católica
acerca de alguns atributos divinos.Me declaro como católica mas ainda estou em
processo de conversão. Anteriormente eu me declarava ter um lado espiritual
independente de religiões, mas ao estudar algumas religiões me voltei ao
Catolicismo. Não precisei receber nenhum Sacramento porque tive criação
católica, portanto já me batizei, fiz Primeira Comunhão e Crisma. Mas depois
dos 15 anos fui aos poucos me afastando da idéia de religião, e quando passei a
cursar universidade abandonei definitivamente a religião. Passei por alguns
problemas emocionais e depois fui aos poucos voltando para as práticas
devocionais católicas de fazer orações, ir na igreja, assistir a Missa.Sei que
tenho mais motivos para crer do que para descrer, e os motivos que me parecem
sem sentido são compensados pelos que tenho para crer, ou seja, são
justificados pela fé. Espero poder fazer com que os questões baseadas apenas em
uma fé pura e de certa forma comodista e por uma obediência cega sejam cada dia
substituídos por argumentos sólidos, que sei que a Igreja tem, mas ainda não
conheço muito bem. A crença em Deus já me é totalmente aceita, mas no Deus
cristão sumamente Bom e Misericordioso, creio por causa da objetividade
católica e dos milagres que vivem no Catolicismo.Peço alguma bibliografia a
respeito dos atributos divinos como onisciência, onipotência e onipresença. O
primeiro em contraponto ao mal no mundo, o segundo também, e o terceiro em
contraponto a idéias panteístas que misturam Deus à criação.Sei que já estou
começando com temas pra lá de difíceis, mas pra mim são base de sustentação de
fé. De resto só a mantenho porque a vejo como superior e mais coerente que as
outras possibilidades, inclusive a descrença, e por causa dos milagres que são
como assinaturas de Deus.Mas eu pergunto, isso é suficiente? Será que minha fé
não fica incompleta sem esclarecer essas dúvidas que tenho ou devo aquietar meu
coração pois não existem respostas para elas?Vou enumerar as questões para
explicitar melhor o que procuro saber. Peço que a resposta seja colocada de
acordo com o que é pregado pela Igreja, seja a resposta objetiva ou um Mistério
da fé no qual devemos crer mas não temos explicação racional. Além vou tentar
enumerar algumas outras dúvidas, que em parte podem ser semelhantes às já
colocadas:
1- Sendo
Deus Onisciente, e sabendo de tudo o que ocorrerá no futuro, qual a explicação
para a Criação de seres que, mesmo sendo bons, se perderão para sempre
(demônios, pessoas más)?
2- Sendo
Deus onipotente, qual a explicação para não eliminar o mal e o sofrimento? Sei
que isso contrariraria as consequências do pecado, mas Deus também se submete a
essa Lei? Ou Deus é a própria Lei?
3- Cristo
na Cruz é a maior prova de Amor. Isso realmente é fato. Estou querendo
questionar demais fazendo essas perguntas? Será mal de ex-estudante de
filosofia que não pára de perguntar "por que"? Vejo que estudar
certas coisas em um período frágil de minha vida me prejudicaram, mas também
agora já não posso parar os questionamentos e dizer para mim mesma que devo apenas
afastá-los de minha cabeça. Devo encará-los e resolvê-los.Acho que minha
missiva ficou confusa. Peço que o senhor como professor com muita experiência,
que já deve ter tido todo tipo de alunos, tente tirar o máximo dessa carta
proveniente de uma cabeça confusa. Desculpe-me pela enorme carta. Faço idéia do
número de cartas que o senhor tem a responder. Espero ansiosamente pela
resposta. Por incrível que pareça essas dúvidas não afetam minha fé em Jesus
Cristo e Nossa Senhora, a quem sempre direciono minhas preces e me comovo ao me
lembrar.Muito obrigada.Na Paz de JesUs e no amor de Maria,
Sophia
RESPOSTA:
Muito
prezada Professora Sophia,Sua carta me agradou sumamente. É assim mesmo que
deve fazer (vou tratá-la por você por sua juventude, e por minha velhice
adiantada, mas sem esquecer jamais que você é professora como eu, e que eu
também passei em minha juventude por dificuldades religiosas).Você faz muito
bem em procurar respostas para essas perguntas. É assim que a Fé cresce porque
a Fé é uma virtude intelectual, e ela não repudia a razão.Recomendo-lhe que
reze e que estude, sim.Creio que lhe faria muito bem ler essas questões que me
pergunta na Suma Teológica de São tomás de Aquino.
No site Montfort, resumi
algumas das primeiras questões da Suma sobre a Existência de Deus, e as
Processões em Deus. São pontos fundamentais da doutrina Católica sobre os quais
tudo mais se fundamenta.Na Suma, logo depois da exposição das provas da
existência de Deus, você encontrará exatamente as qualidades próprias de Deus.No
site Montfort você poderá encontar ainda respostas a outras perguntas que você
me coloca.E a primeira delas é sobre a oniciência de Deus e a perdição das
almas.Deus existe na eternidade, fora do tempo.
Para Deus não há antes, agora
ou depois. Ele conhece tudo no mesmo eterno e fixo agora. Ele não sabe o que
faremos, antes de que nós façamos algo, porque para Deus tudo é agora.Deus nos
criou para o bem, e para sermos eternamente felizes com Ele. Ele nos dá toda a
ajuda que necessitamos para nos salvar. Mas, para que ser justo ao nos dar o
prêmio eterno, Ele nos fez livres e responsáveis por nossos atos.Seres sem
liberdade não podem ser nem premiados, nem castigados. Deus nos fez seres
livres, para poder nos premiar.Por isso, o saber de deus não condiciona a nossa
liberdade. Nós não agimos porque Deus sabe, mas Deus sabe porque agimos.
Dou-lhe um exemplo que costumava dar no colégio.Se estamos no alto de uma torre
da qual vemos um cego caminhando em direção a um abismo, nós gritamos
avisando-o do perigo. Se ele continua a andar na mesma direção apesar de nosso
aviso, nós sabemos que ele irá morrer. Mas ele não morre porque nós sabemos.
Morre porque quis, porque repeliu nosso aviso. Não foi o nosso saber antecipado
que determinou sua ação. Nós previmos a sua morte, mas não a causamos.Do mesmo
modo, Deus sabe o que faremos, mas não é o saber dele que determina nossa ação.
Escolhemos livremente o que queremos.Só vai para o inferno quem quer.
Quanto à
sua segunda pergunta (sobre o mal), antes de tudo, há que distinguir mal
ontológico, e mal moral
Os gnósticos se perguntavam de onde vem o mal?Deus é
bom e tudo o que Ele fez é bom.É o que se lê no Gênesis capítulo I, Deus dizia
ser boa cada coisa que Ele criava. E, contemplando o conjunto de sua obra, Deus
disse que o todo era "muito bom". Portanto tudo o que existe é bom.O
ser é na medida que tem qualidades em ato.Deus sendo ato puro é bem
absoluto.Tudo o que Ele criou é bem, mas não bem absoluto. Toda criatura é boa,
mas seu bem é limitado, finito, relativo. Então toda criatura, não tendo o bem
absoluto, carece de algum bem, e nesse sentido restritivo, teria carência de
uma bem maior que ela.
Por outro lado, o mal não pode existir enquanto ser.
Como explicou Santo Agostinho em seu livro Contra Manicheos, existir é melhor
do que não existir. Existir é um bem. Se o mal absoluto existisse, ele teria o
bem da existência. Então não seria mal absoluto.O mal é uma falta de ser, uma
falta do que devia existir, ou uma falta de ordem.A treva não existe. O que
existe é a luz. A treva é uma falta de luz.
O inferno existe, então ele é um
bem, pois faz justiça a Deus e a aqueles que livremente querem passar a
eternidade na ausência de Deus.Por outro lado, o mal moral existe.Roubar é um
mal moral.Mas roubar não é uma coisa. É uma ação. Não há então coisas más, mas
pode haver ações más. Não há substantivos maus.Há verbos maus.Mentir, roubar,
adulterar, fraudar são verbos que indicam ações más.Quando alguém rouba, faz
uma desordem nos bens.O dinheiro que se busca roubando é bom. É um bem. Mas a
Justiça é um bem maior que o dinheiro. Roubar é colocar o dinheiro (bem menor)
acima da justiça (bem maior).Roubar é desordenar bens. Roubar é uma ação má.
Roubar é pecado por desordenar os bens.
A lei é a expressão da Vontade de Deus.A lei natural é a própria
Vontade de Deus enquanto governa a natureza
Por isso, tudo o que vai contra a
natureza vai contra a Vontade de Deus.Não há então motivo para não
perguntar,pois se pergunta para aprender e não debochar.Pelo contrário. Deus
nos mandou que o amássemos com todo o entendimento, porque só podemos amar
aquilo que conhecemos. Ninguém pode amar "xoró no avesso", porque
"xoró" não existe. Imagine no avesso.Para amar a Deus devemos
procurar conhecer todo o possível a respeito dele. Por isso o estudo é a fonte
da que alimenta o amor. Todo amor vem do conhecimento. Pergunte, estude e ame a
Deus com toda a sua inteligência e vontade.E tendo alguma dúvida que eu possa
solucionar, estarei pronto a fazê-lo, quando você me indagar.Deus a guarde
sempre em sua santa Lei.
In
Corde Jesu, semper,
Orlando Fedeli - Montfort
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Prof. Ribeiro
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