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Reflexões Teológicas Sobre a História: Esperar em Deus ou Agir Antecipando Sua Providência?

Written By Beraká - o blog da família on quinta-feira, 29 de dezembro de 2016 | 17:38





por *Francisco José Barros de Araújo 


O que a teologia da história nos ensina: "esperar em Deus, ou quem sabe faz a hora e antecipa-se ao próprio Deus"? 



“Vem vamos embora, que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer...” (Geraldo Vandré)



Esses versos, que marcaram toda uma geração, continuam ressoando na vida de quem observa o mundo com atenção. Para nós, contemporâneos, eles não falam apenas de política ou revoluções; falam da vida em seu sentido mais profundo. Porque a existência é feita de momentos que não podem ser controlados, de situações que não se explicam, de encontros e perdas que nos transformam sem pedir permissão. Às vezes, simplesmente não existem respostas nem explicações. Apenas a vida. Apenas o instante que nos atravessa, a pessoa que cruza nosso caminho, a dor que nos desafia e o amor que nos sustenta. Insistir em controlar tudo, em impor nossa vontade a cada situação, só nos leva a sofrer mais, a perder o que realmente importa e a esquecer que a beleza da vida está justamente em sua imprevisibilidade.  É por isso que aprender a agir com sabedoria envolve não apenas a coragem de fazer a hora quando podemos, mas também a paciência de esperar quando precisamos. Há momentos em que o esforço humano, por mais diligente que seja, encontra limites; há ocasiões em que o tempo é mestre e a vida, professora silenciosa. Aceitar isso não é resignação, é inteligência: é reconhecer que nem tudo depende de nós, que há forças que operam além do nosso controle, e que o universo tem seu próprio ritmo, muitas vezes mais sábio do que o nosso.  Portanto, faça o que está ao seu alcance com dedicação, atenção e amor. Realize suas ações de forma plena, mas não se deixe afligir pelo que não pode ser alterado. Entregue ao tempo, confie no processo e saiba que há momentos em que a espera não é passiva — é necessária. E, paradoxalmente, é nesse equilíbrio entre ação e paciência que a vida revela seus desígnios: aquilo que parecia distante, improvável ou impossível surge, inesperadamente, no momento certo.  Em última análise, Vandré nos lembra que “quem sabe faz a hora”, mas a sabedoria nos mostra que há ocasiões em que saber é esperar. Saber é compreender que o mundo se move segundo leis próprias, e que a vida se cumpre para aqueles que têm coragem de agir e serenidade para deixar acontecer. Assim, aprender a viver é aprender a harmonizar esses dois movimentos: fazer quando é hora, esperar quando é preciso, e, acima de tudo, estar presente em cada instante que nos é dado.










O homem, na sua existência, é um ser limitado. Suas forças, seu tempo, sua percepção e sua compreensão encontram barreiras inevitáveis. O mundo que o cerca, no qual ele habita e com o qual interage, também é limitado, condicionado por leis naturais, contingências históricas e imperfeições humanas. Tudo ao seu redor parece ter fronteiras definidas, limites que desafiam sua ação e compreensão.  E, no entanto, por algum propósito misterioso, a razão humana parece abrir-se para o ilimitado. O homem consegue vislumbrar, para além do tangível, a totalidade de seu ser e da realidade que o transcende. Nesse horizonte do infinito, a fé surge como ponte entre o finito e o eterno. O homem de fé crê em seu Deus, não como alguém que tudo explica, mas como aquele que se revela na profundidade do coração humano. Jesus, ao responder a um fariseu e doutor da lei sobre o maior dos mandamentos, apontou o caminho dessa fé:  “Amarás ao Senhor teu Deus com todo teu coração, toda a tua alma e toda a tua inteligência” (Mt 22,37).  Nesse “todo”, reside um paradoxo maravilhoso: o homem é chamado a amar e crer mesmo em sua incompreensão. A fé não exige que se domine o mistério; exige, antes, uma atitude de humildade diante do transcendente, uma abertura silenciosa diante do que ultrapassa a razão, uma entrega que não se confunde com resignação, mas que brota do amor mais profundo e da reverência mais sincera.  Cremos, assim, que Deus pode ser aquilo que não compreendemos. Acima da razão que busca explicações, há um mistério que nos convoca ao silêncio e à contemplação. Esse silêncio não é vazio; é ativo, cheio de reverência, respeito e admiração. É a aceitação de que há realidades que escapam ao domínio humano, que desafiam o entendimento e, ao mesmo tempo, revelam a profundidade da existência.  É nesse espaço entre o finito e o infinito, entre o conhecido e o misterioso, que o homem encontra seu verdadeiro lugar: não como senhor absoluto do mundo, mas como criatura que contempla, ama e se deixa transformar pelo que transcende sua compreensão. A fé, então, é a coragem de viver diante do desconhecido, é a confiança que ilumina o coração limitado com a esperança do ilimitado, e é a reverência silenciosa que nos conecta ao mistério que nos envolve e sustenta.











Há pessoas que preferem sacrificar sua própria vida a negar suas convicções. Elas são admiráveis por sua coragem, mas não se diferenciam substancialmente daqueles que entregam a vida para não trair seu país, sua ideologia política ou qualquer causa temporal que julgam justa. A grande distinção do mártir cristão é que ele oferece sua vida como testemunho do Evangelho, e não de uma ideologia passageira. Para o mártir, nada — nem conforto, nem segurança, nem a própria vida — se compara à fidelidade ao seguimento de Jesus Cristo. Mesmo diante da morte, sua entrega é um sinal eloquente de que a verdade que professa supera todas as contingências humanas.  Essa convicção nasce da fé que habita seu coração e que, a partir do ato de entrega, torna-se testemunho vivo da Igreja e da comunidade que compartilha da mesma fé. As catacumbas, testemunhos silenciosos da vida cristã nos primeiros séculos, nos revelam essa coragem de maneira eloquente. Elas constituem verdadeiras escolas de fé, esperança e caridade, recordando-nos os tempos em que grandes mártires caminhavam para o martírio conscientes de sua missão, seguros de que uma recompensa maior lhes aguardava:  “Ficai alegres e contentes, porque será grande para vós a recompensa no céu” (Mt 5,11).  Ao longo desses séculos, não faltaram exemplos de gratuidade recebida e gratuidade oferecida. Os primeiros cristãos transformaram a doação desinteressada em característica essencial da experiência cristã, demonstrando que a fé não é apenas uma vivência interior, mas um chamado à ação, à transformação da sociedade, à prática concreta de amor e caridade.  No coração de debates teológicos como o da controvérsia pelagiana, surge uma questão profunda: é o homem ou Deus quem quer e decide? Santo Agostinho responde a essa pergunta com grande clareza, mostrando que, embora o homem possua liberdade, suas decisões estão enraizadas em forças que muitas vezes transcendem sua vontade consciente. Segundo Agostinho, o livre-arbítrio, por si só, é suficiente para fazer o mal, mas incapaz de conduzir plenamente ao bem. Para que o homem alcance o verdadeiro bem, é necessário o auxílio de Deus, manifestado sob a forma da graça divina.  Essa reflexão não diminui a responsabilidade humana, mas a coloca em diálogo com a ação de Deus: o homem é chamado a cooperar, a escolher o bem, a caminhar na direção da verdade, mas sempre sustentado por uma força maior, invisível, que transforma sua vontade limitada em instrumento de salvação. Assim, o martírio, a fé vivida e a ação guiada pela graça se entrelaçam, mostrando que a entrega humana, quando alinhada ao divino, se torna testemunho de uma vida plena, corajosa e eterna.









CONCLUSÃO




A graça divina, quando acolhida pelo homem, transforma sua própria natureza de maneira espontânea e profunda. Surge, então, uma sobrenatureza que não apenas guia suas ações, mas configura o homem como verdadeiro filho de Deus. É nesta total entrega que se manifesta a essência da fé cristã, conforme compreendida por Hans Urs von Balthasar: uma fé que vive na tensão entre a ausência e a presença, o silêncio e a Revelação, uma verdadeira dialética divina que transcende a compreensão meramente humana.  Para Balthasar, é justamente nesse ausentar-se do mundo que o cristão encontra sua presença mais significativa, mais intensa, mais verdadeira. Não se trata de evasão ou indiferença, mas de uma participação profunda na realidade divina, que permite ao cristão agir no mundo de maneira plena, mesmo permanecendo, em certo sentido, invisível às preocupações e à lógica imediata do tempo humano. Como ele mesmo afirma:  




“Também o cristão é com Cristo um ausente do mundo, para estar presente nele desde Deus, de modo mais intenso, embora incompreensível. A missão cristã no mundo supõe esse estar morto para o mundo, não apenas na própria entrega ao seguimento de Jesus, como caminho terreno, mas também enquanto a dialética da imanência, sempre maior em sua transcendência, toma corpo no cristão, sabendo que o tempo esconde o que é eterno...”  




Essa reflexão revela que a fé autêntica não é passiva, mas dinâmica. É na aparente ausência do mundo, na renúncia e no desapego, que o cristão manifesta sua presença mais ativa, atuando como instrumento do eterno no temporal, como portador da verdade que escapa às medições humanas. A entrega ao divino não diminui a responsabilidade humana, mas a eleva, permitindo que cada gesto, cada decisão, cada silêncio seja impregnado de significado eterno.  Em última análise, compreender essa dialética — ausentar-se do mundo para estar plenamente nele desde Deus — é perceber que a vida cristã não é medida pelo que se vê, mas pelo que se vibra espiritualmente, pelo impacto invisível da graça operando na história, e pela certeza de que aquilo que é eterno permanece, mesmo quando o tempo parece esconder suas marcas. Assim, o cristão se torna, ao mesmo tempo, discípulo, mártir e testemunha silenciosa do mistério divino, vivendo a plenitude da fé em sua dimensão mais alta e transformadora.




*Francisco José Barros de Araújo – Bacharel em Teologia pela Faculdade Católica do RN, conforme diploma Nº 31.636 do Processo Nº  003/17 - Perfil curricular no sistema Lattes do CNPq Nº 1912382878452130.

 



BIBLIOGRAFIA:




-COSTA, Marcos Roberto Nunes. Livre-arbítrio, presciência, graça e predestinação em Santo Agostinho: um estudo em diálogo com a modernidade. São Paulo: Edições Loyola, 2023. loyola.com.br

-BALTHASAR, Hans Urs von. Teologia da História. São Paulo: Quadrante, 2001.

-BALTHASAR, Hans Urs von. O silêncio de Deus. São Paulo: Paulinas, 2019. Sapientia PUCSP

-SCOTT, Benjamin. As catacumbas de Roma: o testemunho e o martírio dos primeiros cristãos. São Paulo: Paulus, 1995. Estante Virtual

-RIBARIC, Sérgio Alejandro. O silêncio de Deus segundo Hans Urs von Balthasar. São Paulo: PUC-SP, 2010. Sapientia PUCSP

-ALVES, Paulo Afonso. A teologia da fé em Hans Urs von Balthasar. Braga: Universidade Católica Portuguesa, 2012. repositorio.ucp.pt







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