Não é raro se ouvir exclamações
assim:
“Com tantas religiões no mundo, é difícil
saber qual a verdadeira…”
Todas as religiões, desde que induzam a prática do
bem, são caminhos para Deus e devem ser respeitadas. No dealbar deste século e
deste milênio, havia no mundo cerca de 30 mil religiões.
Como saber, e como escolher a verdadeira religião?
Huberto Rohden, um dos grandes pensadores cristãos
do século 20, que foi padre jesuíta durante 25 anos e depois criou a Filosofia
Univérsica, um novo modo de pensar o Universo, que começa a ser estudado e ensinado
em escolas e faculdades, no seu livro Orientando, publicado em 1965,
oferece-nos sua longa experiência pessoal sobre esse assunto, pois viveu 87
anos:
“No
catecismo tive de aprender que há uma só religião verdadeira, e que esta é,
naturalmente, a do autor do catecismo, como não podia deixar de ser. Se o meu catecismo de antanho tivesse sido
escrito por um adepto de outra religião, é claro que esta seria a religião
verdadeira e única, e Deus seria invocado como o chefe supremo desse partido
religioso. Se percorrêssemos todos os credos do orbes terráqueo – centenas e
milhares – descobriríamos que há tantas religiões verdadeiras e únicas quantas
as igrejas, seitas ou grupos religiosos do mundo. Requer-se muita
ingenuidade e miopia espiritual para admitir que o Deus do Universo tenha
resolvido por precisamente à minha religião o sinete da sua autenticidade e
unicidade, excluindo desta aprovação as religiões de todos os outros homens. Jesus
não fundou religião alguma...”
Autor de mais de 60 obras e
dezenas de anos de palestras, conferências e cursos no Brasil e fora dele,
Rohden continua:
As
numerosas igrejas e seitas afirmam que foram fundadas por Jesus Cristo. Entretanto Jesus não fundou religião
alguma, muito menos milhares delas. Todas as igrejas são de fundação humana e,
como tais, têm a sua finalidade pedagógica e educativa.Jesus proclamou o
“reino de Deus”, que não é uma organização externa, visível, de caráter
jurídico, porque “o reino de Deus está dentro de vós”.
O reino de Deus é uma
experiência divina dentro da alma humana, experiência que, depois de revelada
na vida desse homem como verdade, santidade, amor, caridade, pureza,
benevolência, alegria espiritual. O reino de Deus é “verdade, justiça e alegria
no Espírito Santo” – segundo Paulo Apóstolo. A expressão “igreja” ocorre
raríssimas vezes nos Evangelhos, ao passo que o termo “reino de Deus” ou “reino
dos céus” é freqüentíssimo, A igreja deve ser educadora do povo – mas não
intermediária entre o homem e Deus, fazendo depender da sua atuação ou
não-atuação o efeito da redenção do Cristo ou da sua frustração. Mas para
compreender coisa tão grande requer-se grande liberdade de espírito.Por que
excetuada a minha todas as outras religiões são “falsas”? De todos os tipos de
egoísmo – individual, nacional, eclesiástico – este último é, sem dúvida, o
mais funesto, porque é um “egoísmo sagrado”, mantido e praticado “por motivos
de consciência”, e em nome desse egoísmo eclesiástico têm sido cometidos os
mais pavorosos crimes, em todos os tempos e países.No Ocidente cristão, essa
cegueira e esse egoísmo são atribuídos ao maior gênio espiritual que o mundo
conhece. Para que os adeptos desta ou daquela religião organizada não percam a
sua estreiteza e intolerância sectária, são eles rigorosamente proibidos de ler
as palavras diretas do Cristo, como brilham nas páginas do Evangelho, ou,
quando têm permissão de ler esse livro sacro, os chefes da respectiva seita não
lhes permitem entenderem e interpretarem essas palavras segundo a sua
consciência individual.Em face desta triste situação, houve quem lançasse aos
quatro ventos o slogan: “religião é ópio para o povo”, entendendo por religião
essas criações humanas e ignorando a realidade divina da Religião, que faz
parte da própria natureza humana. Ainda no segundo século, escrevia Tertuliano
que a “alma humana é crística por sua própria natureza.Um ser em perene
evolução Finaliza Rohden.”
Continua o brasileiro que estudou
Pesquisas Científicas na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos,
convivendo com Albert Einstein, o pai da Teoria da Relatividade:
“Qual
é, pois, a verdadeira religião? É aquela que ajuda o homem a encontrar Deus,
sobretudo o reino de Deus, dentro de si mesmo. Possivelmente, a forma externa da religião passará por diversos
estágios, como o próprio homem.Se me perguntassem qual a vida verdadeira, se
foi a da minha infância, a da minha adolescência ou a da minha maturidade, eu
não hesitaria em responder que todas essas três formas de vida são igualmente
verdadeiras para mim, porque por detrás de todas elas está a minha única vida
verdadeira. Mas, do fato de eu, em criança, ter brincado com soldadinhos de
chumbo ou figurinhas de cera ou de barro, não se segue absolutamente que deva
fazer o mesmo hoje em dia. Do fato de
eu, como jovem, ter vivido num mundo de aventuras pitorescas e até perigosas,
não se segue que deva fazer o mesmo durante o resto da minha vida. Considero
verdadeiro e bom o que fiz na infância, na adolescência e o que estou fazendo
hoje, no tempo da minha maturidade porque, tratando-se de um ser em perene
evolução, a vida verdadeira não é um determinado estado...”
Jávier Godinho - Especial para
Diário da Manhã
Refutações
“O Homem moderno confunde VERDADE com SINCERIDADE – Todas as
religiões são boas ? Todas religião Salvam? Todas as religiões são necessárias
? Basta uma prática sincera da religião sem preocupar-se com a VERDADE ? O
texto acima faz um verdadeiro malabarismo falacioso de parafraseados unicamente
para dar fundamentos de verdade à nova ideologia a qual o autor está envolvido:
a Filosofia Univérsica. Confunde religião com igreja. Ora Cristo não fundou religião
alguma(Religião vem do latim=Religare=Religar), pois Ele é a própria religião,
ou seja, conforme Ele próprio nos revelou: o único capaz de de RELIGAR O HOMEM
A DEUS: João 14,6: “Eu Sou o Caminho
a Verdade e a Vida, e ninguém vem ao Pai senão por mim...”
Dizer que Cristo não fundou a Igreja, carece de fundamento e completo desconhecimento de causa por parte do autor do artigo acima!
Jesus o Cristo, em Mateus 18,18 afirmou claramente: " Simão doravante sois Pedra, e sobre esta Pedra eu EDIFICAREI a minha Igreja..."
Ora, ao dizer edificarei, Cristo quis sim e fundou a única e verdadeira Igreja sobre Pedro, que em sua sucessão legítima após a morte de Pedro, encontra-se apenas na Igreja Católica Apostólica Romana!
Dom
Estevão Bettencourt - OSB
O Homem precisa da religião para
praticar o bem?
O Homem
moderno confunde VERDADE com SINCERIDADE – Todas as religiões são boas? Basta
uma prática sincera sem preocupar-se com a VERDADE ? TODOS, assim, “tem razão”
e Deus se torna dispensável e todas as
religiões são boas e verdadeiras, pois basta ser um religioso sincero ?
O mundo de hoje diz:
«Em matéria de Religião,
o essencial é o procedimento reto e bondade para com todos os homens. As
questões de credo ficam sempre obscuras. Doutro lado, a celebração de ritos é
secundária. Há muitas almas boníssimas que não praticam cerimonial algum».
Para julgar
adequadamente o conteúdo das proposições acima, deveremos considerar de per si
cada um dos dois aspectos que elas abordam:
1) Religião,Verdade
e Sinceridade.
2) Religião e
culto externo.
I - Religião,Verdade e Sinceridade
A mentalidade
moderna tem posto em xeque não somente este ou aquele ensinamento do
Cristianismo (a Divindade de Jesus, a presença real do Senhor na Eucaristia…),
mas também o próprio conceito de «verdade religiosa»; quem professa alguma
verdade em nome da Religião e quer defender os direitos que a mesma tem, de não
ser equiparada ao erro, parece propugnar «dogmatismo» estreito, hedionda
mesquinhez de espírito, diante da qual alguns contemporâneos «se escandalizam». Parece que em Religião o conceito de verdade é relativo;
Religião seria, primariamente, manifestação do sentimento ou do bom senso de
cada indivíduo, não, porém, algo que se possa e deva exprimir em fórmulas
universais destinadas a serem reconhecidas por todos os homens. Cada um, por conseguinte, teria o direito
de fazer «sua» religião, de acordo com seus critérios pessoais, e todos teriam
a obrigação de dizer que as diversas formas de religião assim concebidas são
boas, contanto que os respectivos adeptos pratiquem o bem e sejam sinceros.«Praticar
o bem», tal seria simplesmente o ideal do homem. A filosofia religiosa e a
teologia seriam secundárias, seriam valores subjetivos, reservados ao foro
particular de cada um.
Não teriam razão os que assim pensam ?
A resposta a
esta questão decorrerá claramente de uma análise das causas de tal atitude. Ora parece que são três os motivos desse
relativismo religioso:
1) O homem
moderno está muito imbuído da mentalidade procedente dos métodos das ciências
físicas e matemáticas; tais métodos, que se baseiam estritamente no visível e
ponderável, parecem ao filho do nosso século ser os únicos que levem à posse
segura da verdade; nos setores em que a pesquisa empírica não tem aplicação
(como seriam os da metafísica e da teologia), julgam muitos pensadores que não
se pode chegar à certeza.Sendo assim, as proposições que não possam ser
provadas por tais métodos (como é o caso das proposições religiosas) só parecem
interessar ao sentimento e à vida afetiva de indivíduos; preconiza-se o
respeito para com essas fórmulas; julga-se, porém, que são arbitrárias, válidas
apenas para quem as queira adotar. À luz desta
concepção, tende-se a fazer das noções de Deus e das relações do homem com Deus
(noções que não podem ser formuladas em laboratório), algo de cada vez mais
vago e pálido; «Deus» e «Religião» se tornam, aos poucos, conceitos tão diluídos
que muitos facilmente os removem, sem julgar que nisto haja algum detrimento
real.Paul Claudel o observava muito bem:
«A tentação do homem
moderno (neo pelaginismo), consiste em fazer crer que não é necessária a crença em Deus para se
praticar o bem». O homem se consumaria na prática do bem igualmente, tendo ou
não tendo Religião.
Com outras palavras ainda:
Em se tratando de Religião, a mentalidade cientificista
moderna leva o homem a não se preocupar muito com a VERDADE.Contenta-se apenas
com a SINCERIDADE ou com as disposições pessoais dos indivíduos «religiosos»;
substitui-se assim a noção de verdade (valor objetivo) pela de sinceridade
(valor subjetivo); julga-se que pouco importa o que alguém professa (catolicismo,
protestantismo, espiritismo, budismo…), contanto que o professe sinceramente.
Ora não é preciso grande esforço para se averiguar
quão vã é tal posição:
A sinceridade com a qual
alguém professa uma ideologia ou propugna uma causa, não é, de modo nenhum,
argumento em favor dessa causa.O fato de que há comunistas sinceros não
justifica o comunismo, como também o fato de que há católicos, protestantes e
Ortodoxos sinceros ainda não justifica o Catolicismo, Protestantes e Ortodoxos.A
sinceridade é uma disposição subjetiva, independente das qualidades do objeto
ao qual ela se aplica; mesmo as causas mais desastrosas tiveram adeptos
fanáticos, de cuja sinceridade não nos seria lícito duvidar.
Ninguém nega o valor da sinceridade ou da boa fé!
A boa fé,
porém, (disposição subjetiva) não dispensa o seu complemento necessário que é a
verdadeira fé (ou a apreensão da realidade objetiva tal como ela é).Em última
análise, deve-se dizer que a atitude relativista do homem contemporâneo frente
a tudo que é metafísico e religioso, significa decrepitude ou cansaço da
mentalidade moderna:
“Quem renuncia a
verdades objetivas para se prender unicamente a critérios subjetivos na
orientação de sua conduta, sofreu uma deformação em sua mentalidade.”
O homem que só
admite certeza no setor das ciências positivas, fecha-se intencionalmente a
toda uma ordem de coisas ainda mais ricas do que as coisas visíveis; os objetos
sensíveis sugerem conclusões contingentes, muito sujeitas a ser reformadas
(basta lembrar como os cientistas vão sucessivamente remodelando suas
explicações dos fenômenos); ao contrário, a realidade que fica além do
empírico, a realidade metafísica, é, como dizia o filósofo grego Aristóteles
(+322 a. C.), «necessária, eterna e imutável», oferecendo, por isto, certeza
tal que as ciências empíricas geralmente não conseguem obter. Donde se vê
que uma das tarefas mais prementes que incumbem ao homem moderno, é a de
confiar de novo na sua inteligência; esta, utilizada sem preconceitos, indica
ao estudioso a existência do Mistério ou de uma Inteligência transcendente;
indica, sim, a existência de Deus e das realidades invisíveis; ora, não há
dúvida, a inteligência humana, feita para captar a verdade, tem como vocação
primária a apreensão de tais realidades não sujeitas à contingência da matéria. Não se
justifica, portanto, o relativismo no setor religioso; existe o Mistério, mas
existe também intelecto humano capaz de o apreender aos poucos. Cf. «P. R.»
8/1958, qu. 2.(Não
repetimos aqui o que já foi dito em «P. R.» 20/1959, qu. 1, em favor das
possibilidades de chegarmos ao conhecimento da verdade).
2) Outro
motivo, afim ao anterior, que explica a indiferença moderna em relação à fé, é
o primado que hoje em dia se atribui à ação e aos valores práticos, com
detrimento para os valores especulativos: Muitos tendem a julgar o
Cristianismo e, em particular, o Catolicismo pelas suas manifestações externas;
em consequência, assim como há os que muito admiram a Igreja por causa dos
benefícios (educação, instrução, morigeração…) prestados à humanidade, há
também os que dela se afastam por causa de maus exemplos dados pelos cristãos.Para
não poucos contemporâneos a pior objeção existente contra a fé Cristã é o
comportamento decepcionante de irmãos tidos como católicos.Ora uma parte, ou
até metade do bolo estragado, não quer dizer que o bolo inteiro não presta.” - Ao
averiguá-lo, esses observadores julgam poder definir peremptoriamente a sua
atitude de condenação; não consideram aquilo que a fé católica ensina, nem
olham para os valores objetivos que a mesma encerra, independentemente da
infidelidade dos seus pretensos adeptos - (O princípio de “o abuso não tolhe o uso”).Ante tal
tendência, o católico reconhecerá, sem hesitação, que a fé deve ser eficaz, que
a conduta de vida há de ser coerente com a crença e que a verdade tem por fim
transformar as almas. Não há dúvida, nas
origens do Cristianismo, foi o teor de vida exemplar dos cristãos que para
muitos pagãos se tornou a prova palpável da origem divina da Igreja.Mas,
reconhecendo isso, o bom cristão não poderá deixar de lembrar aos seus
observadores a distinção vigente entre a verdade em si e a conduta pessoal,
subjetiva, dos que professam a verdade:
«A verdade nada tem que ver com o número de pessoas que ela
persuade», dizia Claudel muito sabiamente. Sim,
a verdade permanece de pé e tem sempre valor destinado a todos os homens, ainda
que os filhos da verdade não lhe deem testemunho prático. A verdade não se
desvirtua pelo fato de que não é traduzida por atos concretos. Ela fica sendo
sempre capaz de transformar a vida de quem a abrace, embora este ou aquele
indivíduo que a profere não leve, por fraqueza humana, uma conduta de vida
consequente. «Muitas mentiras não extinguem a existência da verdade»
(Daniélou).
3) Em terceiro lugar, como fator de indiferença
perante a fé, pode-se apontar o orgulho de que muitas vezes está imbuído o
cidadão do século XX: Esse garbo
desregrado se dissimula sob formas sutis. Em última análise, o homem
contemporâneo sabe que quem aceita a fé, aceita ao mesmo tempo a irrupção, em sua
vida, de Alguém que nunca mais o deixará entregue a si mesmo.Aceitar a fé
implica renunciar ao desejo que cada um tem de bastar a si, para aceitar a
condição de ser englobado numa corrente de vida que talvez leve a pessoa a sair
da sua mediocridade e a atingir objetivos mais elevados do que os que ela
quisera atingir. Em outros termos:
aceitar a Deus e aceitar o seu amor, como Ele se manifesta no Catolicismo,
significa abraçar a perspectiva de ser desapossado da posição de «alfa e ômega»
que cada um tende a atribuir a si mesmo. «Deus primeiro nos amou», diz S. João
(1 Jo 4,10), de sorte que ao homem compete aceitar esse amor e corresponder-lhe
dignamente.
Em suma: a fé a muitos aparece como uma ameaça à
sede de autonomia que o filho do século XX traz em si!
É por isto que
grande número de nossos contemporâneos, sem ter a ousadia de renegar
diretamente o Criador, preferem forjar o seu conceito «próprio» de Deus e de
Religião; preferem dizer eles mesmos quem é o Senhor e como se chega até Ele,
emancipando-se destarte de qualquer autoridade objetiva, devidamente
credenciada para propor as verdades religiosas. Sem dificuldade,
percebe-se quanto o homem moderno, nutrindo tal atitude, engana a si mesmo.Não
pode haver Religião sem fé, sem adesão da razão a verdades de ordem superior,
que o homem não abarca com sua exígua inteligência, mas que se lhe incutem por
estarem devidamente credenciadas. Sim; deve-se
levar em conta, de um lado, que Deus, por definição, é o Ser absoluto,
infinitamente mais rico do que o homem; por conseguinte há de ter seus
mistérios. Doutro lado,
tendo criado o homem por benevolência, Deus não podia deixar de lhe revelar
algo de seus desígnios, assim como os meios necessários para que o homem volte
ao Criador. Pois bem; tal revelação divina foi feita e há de ser aceita, por
vias objetivas, por um magistério anterior e superior ao indivíduo, devendo
este, por conseguinte, prestar fé.Não há dúvida, é mais
cômodo ao intelecto humano criar ou inventar do que simplesmente aceitar a
realidade religiosa já feita. Essa «comodidade», porém, é ilógica; desvirtua o
conceito de Religião, pois Religião significa entrega do homem a Deus, Ser
vivo, pessoal e transcendente. Será sempre preciso reconhecer que Deus precede o
homem,que há efeitos sobre os quais este não pode dispor, enfim,que ao homem
toca necessariamente entrar numa ordem de coisas que ele não inventou.
De resto, observa-se que a fé de modo nenhum
suprime a pesquisa racional; deixa aberto vasto campo de estudos ao qual se
aplica a inteligência:
Basta lembrar
quanto a Revelação cristã estimulou o desenvolvimento da Filosofia e da
especulação intelectual na Idade Média. Do seu lado, a inteligência humana,
aplicando-se logicamente ao estudo, chega à conclusão de que a única posição
verdadeiramente razoável é a de quem tem fé. Sim; a razão aos poucos descobre a
existência do Mistério e do Transcendente que está na raiz de toda a realidade;
ora, tendo-o descoberto, é consentâneo com os seus próprios ditames que ela
profira um ato de fé ou de adesão ao Mistério ou ao Absoluto.
II - Religião e culto divino (Externo)
em Três dimensões:
1. Mencionamos acima a marcante
tendência do homem moderno à atividade.
A
multiplicação de tarefas que o progresso do saber e da técnica acarretou,
parece solicitar toda a atenção do cidadão, não deixando lugar nem tempo para
grandes manifestações religiosas. Dir-se-ia que as energias dedicadas aos atos
religiosos são sequestradas à construção da cidade dos homens, cidade dos
homens onde tanta miséria requisita incessante colaboração.
Vejamos os graves “senões” que nesse modo de
pensar se encerram:
A essência da
Religião e, em particular, do Cristianismo está em que o homem reconheça sua
dependência em relação a Deus e se una o mais possível ao Senhor; o amor ao
próximo e o alívio da sorte alheia têm que ser considerados como efluxos vivos
desse amor a Deus.Ora o homem não pode limitar suas relações com Deus ao plano
do invisível, pois o ser humano é essencialmente um composto de alma e corpo,
dotado de índole social; a vida do homem se desenvolve normalmente:
-mediante o
uso de suas faculdades corpóreas e
-em ambiente
comunitário; cf. «P. R.» 15/1959, qu. 3.
Por isto deve-se dizer
que o homem que não reserva periodicamente algum espaço de tempo para a oração
(ou seja, para a procura explícita da união com Deus), e para a oração
comunitária, tal homem não vive como homem; sua vida está mutilada. Pertencer à
comunidade, aperfeiçoar-se na comunidade (família, escola, igreja, profissão
civil ou religiosa…) são elementos essenciais à personalidade humana, elementos
sem os quais esta definha. Esta afirmação
é corroborada pelo fato de que os homens sempre experimentaram a necessidade de
consagrar mediante ritos coletivos ao menos as fases essenciais da sua
existência, ou os atos nos quais lhes parece tocar o mistério de Deus e da
vida: o nascimento (surto da vida), o casamento (contrato que visa multiplicar
a vida) e a morte (extinção da vida); sempre que o homem se viu colocado diante
da realidade básica, que é a vida, ele procurou entrar em contato com Deus de
maneira comunitária e sensível.
De modo especial, o Cristianismo requer dos seus
membros uma prática deveras Sacramental:
Sim; o Cristianismo
é essencialmente a Encarnação do Divino no humano. Em primeiro lugar, Cristo é
o Filho de Deus feito homem; os que tomaram contato com a sua Divindade
invisível, tomaram-no por meio da sua carne sensível. Por sua vez, a Igreja é a
continuação da Encarnação; Cristo Lhe confiou os mistérios de Deus e da
Redenção, que Ela traz encerrados dentro de moldes sensíveis e humanos; por
isto ninguém pode tomar contato com as riquezas de Cristo a não ser por meio da
estrutura visível ou dos sacramentos da Igreja. Quem despreza a Igreja por
causa da índole sensível dos sacramentos, está-se afastando de Cristo e vai-se
privando dos tesouros de santificação e Redenção que o Salvador nela depositou.
Pode-se dizer que Cristo é o Grande Sacramento ou
o Sacramento primordial:
Ele se fez
Filho do homem para que o homem se tornasse filho adotivo de Deus; e, na
qualidade de Filho do homem manifestou claramente atitudes sacramentais tais
como: multiplicou pães, transformou água em vinho, tendo em vista por essa via
levar os homens até a sua Divindade, ou mesmo até o Pai Celeste. Ora os
sacramentos não são senão água, pão, vinho, óleo, gestos e palavras que Cristo
hoje em dia administra por meio da sua Igreja (ou do seu Corpo prolongado) a
fim de comunicar aos homens a filiação divina. Em consequência, vê-se que
anticristão seria querer afastar-se do plano sacramental; o cristão que o
pretendesse, deixaria de ser cristão no sentido pleno da palavra, por muito que
praticasse a beneficência para com os indigentes (não é preciso ser cristão
para ter pena dos que sofrem; basta ter o senso humanitário ou filantrópico
natural, que é comum a todos os indivíduos, antes mesmo que professem alguma
crença religiosa positiva). Não sem razão,
pode-se julgar que a recusa do aspecto sacramental e ritual do Cristianismo é
inspirada pelo orgulho do homem contemporâneo; o recurso aos elementos
materiais e sensíveis (água, pão, vinho, óleo…) instituídos por Cristo como
canais da graça parece ser algo de pequenino demais para o cidadão do século
XX, o qual pouco compreende que Deus se revela aos humildes e pequenos (cf. Mt
11,25).
2. Dir-se-á, porém: apesar de tudo, não
é mais útil e premente praticar a caridade (dando de comer a quem tem fome,
vestindo a quem está desnudo...) do que ir à Missa e participar de assembleias
litúrgicas ?
Vista a
necessidade da oração, e da oração coletiva (ou seja, do culto comunitariamente
prestado a Deus), responderemos que por motivo nenhum o cristão poderá
menosprezar esse culto, instaurado pelo próprio Cristo.Os homens procuram
construir as cidades dos homens neste mundo; mas, para que tais cidades tenham
consistência, deverão deixar que Deus construa a Sua Cidade entre eles; se Deus
não construir a Sua Cidade, nem os homens construirão a deles. Ora o Supremo
Senhor edifica Sua Cidade por meio dos Sacramentos; é principalmente através
destes que o Redentor age no mundo, comunicando-lhe valores eternos, que
servirão de esteio para os valores temporais.
«O serviço explícito de Deus constitui uma experiência tão
fundamental quanto o serviço do próximo. Estas duas exigências são igualmente
incoercíveis. Um cristão se engana sempre que minimiza uma ou outra. O mundo
não será digno deste nome se nele uma e outra não forem respeitadas. Um mundo
sem adoração é mundo tão desumano quanto um mundo sem fraternidade. A
verdadeira cidade, diz La Pira, é aquela em que Deus e o homem têm cada qual a
sua casa» (J. Daniélou, Défense du pratiquant, em «Études» janv. 1958,12).
A construção
da cidade dos homens e o culto do Deus não são incompatíveis entre si. É
preciso mesmo dizer que, se os cristãos foram, nesta ou naquela fase da
história, infiéis às suas tarefas sociais, isto não se deve a um presumido
excesso de amor a Deus e à casa de Deus. É vã portanto, a censura feita aos cristãos,
de que a sua fé os subtrai aos afazeres temporais. As energias
consagradas ao Senhor não são furtadas aos homens, porque, na verdade, o amor
aos homens só é eficaz quando sustentado pelo amor a Deus e ao seu santuário.
3. Em último lugar, o observador não
cristão poderia apontar o caso de mais de um cristão para quem a Religião se
limita aos atos do culto:
Há, sim, quem
muito viva na igreja, sem pensar em aliviar a sorte do próximo na cidade. Tal
tipo de fiéis não redunda em desabono do ritual cristão ?Na verdade, muito se
deve lamentar a existência de tais cristãos. Sua atitude, pouco ou nada
influente na vida social, em parte terá dado motivo à reação dos não católicos
contra o culto católico. Contudo o proceder incoerente dos que vão à Missa, mas
não difundem os frutos da Missa no mundo, ainda tem significado: exprime na
sociedade o desejo de não romper com Deus, mas de manter contato com Ele.
«Não louvarei o cristão para quem o Cristianismo se reduz a
alguns atos religiosos. Mas também não lhe atirarei a primeira pedra. Nele
respeitarei o pavio que ainda fumega, o caniço que pode ser reerguido. Quando
essa chamazinha se tiver extinto por completo teremos entrado no mundo das
trevas, da morte espiritual, dos casamentos meramente civis e dos enterros
meramente civis. Vivemos num mundo em que pode haver dedicação aos interesses
da humanidade, do progresso ou da ciência, mas em que essa dedicação imola
vidas humanas ao monstruoso ídolo que é o orgulho coletivo do homem» (J.
Daniélou, ibd. 6).
Conclusão:
“A sinceridade não é o critério
da verdade, pois uma pessoa pode estar sinceramente enganada, seja dentro de uma
falsa religião, ou fora de qualquer uma delas...”
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«Não louvarei o cristão para quem o Cristianismo se reduz a alguns atos religiosos. Mas também não lhe atirarei a primeira pedra. Nele respeitarei o pavio que ainda fumega, o caniço que pode ser reerguido. Quando essa chamazinha se tiver extinto por completo teremos entrado no mundo das trevas, da morte espiritual, dos casamentos meramente civis e dos enterros meramente civis. Vivemos num mundo em que pode haver dedicação aos interesses da humanidade, do progresso ou da ciência, mas em que essa dedicação imola vidas humanas ao monstruoso ídolo que é o orgulho coletivo do homem» (J. Daniélou, ibd. 6).
Fontes - MG
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