*Francisco José Barros de Araújo
Maria Santíssima Medianeira de Todas as Graças, ou apenas medianeira?
Tradição Antiga, Desenvolvimento Teológico e Prudência Magisterial
A ideia de "Maria como Medianeira de todas as graças" ocupa um lugar significativo na história da teologia católica e da piedade cristã. Longe de ser uma invenção tardia ou uma novidade moderna, trata-se de uma intuição profundamente enraizada na experiência orante e na fé viva da Igreja, que brota de modo orgânico da Tradição e acompanha, passo a passo, o desenvolvimento da reflexão teológica ao longo dos séculos. Desde os primeiros testemunhos patrísticos, Maria é contemplada em íntima associação com a obra redentora de Cristo, não como fonte autônoma da graça, mas como aquela que, por singular desígnio divino, esteve inseparavelmente unida ao mistério da Encarnação e da Redenção. Contudo, fiel ao seu modo próprio de ensinar, a Igreja jamais se deixou levar por entusiasmos acríticos ou por formulações dogmáticas precipitadas. A prudência milenar do Magistério manifesta-se precisamente no cuidado de distinguir o núcleo revelado da fé das expressões teológicas que o procuram explicar, proteger e aprofundar. Assim, embora a mediação materna de Maria esteja amplamente atestada na liturgia, na devoção e na teologia espiritual, a formulação técnica da expressão “Medianeira de todas as graças” não surge de forma explícita e sistematizada nos primeiros séculos, sendo progressivamente elaborada sobretudo a partir da Patrística tardia, da teologia medieval e, com maior densidade conceitual, na época moderna. Essa progressividade não deve ser interpretada como fragilidade doutrinal, mas como sinal de maturidade e sabedoria eclesial. A Igreja, consciente do risco de ambiguidades cristológicas e eclesiológicas, sempre buscou preservar a verdade central da fé: a unicidade e suficiência da mediação de Cristo (cf. 1Tm 2,5), evitando qualquer linguagem que pudesse obscurecer esse dado fundamental da Revelação. É nesse contexto que se compreendem tanto as formulações entusiásticas de santos, teólogos e fiéis, quanto as reservas cautelosas do Magistério, que prefere integrar a mediação mariana de modo subordinado, participativo e absolutamente dependente da única mediação do Redentor. Dessa forma, a questão não se situa no simples “sim” ou “não” ao título, mas na justa hermenêutica que respeite simultaneamente a Tradição viva, o desenvolvimento homogêneo da doutrina e a prudência pastoral e teológica da Igreja. Compreender Maria como Medianeira exige, portanto, entrar nesse caminho de equilíbrio característico do catolicismo: um caminho onde a devoção não suplanta a verdade, a verdade não sufoca a piedade e o Magistério, com paciência histórica, garante a harmonia entre ambas.



