Já faz algum tempo que se fala sobre uma "crise da Teologia da Libertação (TdL)", corrente teológica fundada há mais de 40 anos, que se caracteriza por uma suposta opção preferencial pelos pobres e pela luta por justiça social.
Nas palavras do Frei Clodovis Boff – religioso da ordem dos Servos de Maria, que juntamente com seu irmão mais famoso, Leonardo Boff, foi um dos principais teólogos da TdL –, esse modo de teologizar “deu o que tinha que dar”, ou seja, conscientizou a Igreja sobre a opção preferencial pelos pobres, contudo “não tem mais futuro dentro da igreja” e por isso está perdendo cada vez mais espaço dentro dela.Mesmo tendo participado da fundação da TdL, Frei Clodovis assegura que já tinha suas reservas em virtude da falta de rigor teórico e da priorização “do político às expensas da fé”. Com o passar dos anos, vendo que essa prioridade não mudava, mas se firmava cada vez mais, decidiu abrir suas críticas. Hoje o religioso defende que é desaparecendo no caudal maior da teologia cristã que a Teologia da Libertação cumpre sua missão histórica.
Eis a entrevista de Natasha Pitts, publicada por Adital, 8/8/2014
-Quarenta
e dois anos depois, a Teologia da Libertação ainda vive? Ela ainda faz sentido
nos dias atuais?
-Sim,
existem teólogos da libertação que se reúnem e escrevem. Mas seu declínio como
tendência à parte é inegável. A meu ver, a Teologia da Libertação “prescreveu”
historicamente. Deu o que tinha que dar: conscientizar a Igreja sobre a opção
preferencial pelos pobres. Ora, isso foi fundamentalmente incorporado, sem mais
discussão, pelo discurso normal da Igreja. Assim, a corrente liberacionista
reentra, finalmente, na grande correnteza da teologia católica ou universal,
reforçando e atualizando aquilo que foi sempre uma riqueza da Igreja: o amor
preferencial pelos sofredores de toda a sorte. A Teologia da Libertação poderia
até permanecer como um espécimen da chamada “teologia do genitivo”, teologia necessariamente
parcial, como quando se fala na “teologia da graça”, na “teologia do casamento”
ou ainda na “teologia de São Paulo”. Essas teologias particulares são apenas
tematizações de um aspecto da fé. Foi nesse sentido, como teologia parcial,
sintonizada com o todo da fé, que a Teologia da Libertação foi declarada por
João Paulo II, em Carta aos Bispos do Brasil (9/4/1986) “oportuna, útil e
necessária” (n. 5). Mas até que a Teologia da Libertação pretende ser uma
teologia completa, ela não tem futuro dentro da Igreja. Ela, de fato, vai
perdendo cada vez mais espaço dentro dela.
-“Quer-se
mostrar aqui que a Teologia da Libertação partiu bem, mas, devido à sua
ambiguidade epistemológica, acabou se desencaminhando: colocou os pobres em
lugar de Cristo. Dessa inversão de fundo resultou um segundo equívoco:
instrumentalização da fé ‘para’ a libertação. Erros fatais, por comprometerem
os bons frutos desta oportuna teologia” (artigo de 16/8/2008). Em qual momento
e por que você se tornou um dos grandes críticos da Teologia da Libertação?
-Desde
sempre, tive reservas em relação à Teologia da Libertação, quer por causa de sua
falta de rigor teórico, quer devido ao seu pendor ideológico: o de priorizar o
político às expensas da fé. Embora em minha tese doutoral “Teologia e prática”,
publicada há mais de 40 anos (Vozes, 1978) eu já tivesse estabelecido
claramente a prioridade da fé sobre a política (especialmente na II Seção, cap.
I), imaginei que a prioridade conferida ao político fosse coisa transitória,
seja pelo urgentismo social, que se vivia naqueles tempos difíceis (ditadura e
capitalismo selvagem), seja por se mostrar uma doença infantil, normal para
todo movimento histórico novo. Mas quando, com o passar do tempo, fui me dando
conta de que, desgraçadamente, aquela prioridade, em vez de refluir, ia se
afirmando cada vez mais, com grave dano para a identidade da fé, a missão
própria da Igreja e o destino último do ser humano, decidi então explicitar,
sem rebuços, minhas críticas.
-Em
quais pontos há divergências entre os teólogos da TdL?
-As
divergências não são de pouca monta, mas fundamentais, tocando os princípios
mesmos da fé. Quem é o Senhor da Igreja? Quem ocupa seus pensamentos? Cristo ou
os pobres? Se dizemos: Cristo, é garantido, em princípio, que os pobres terão
na Igreja seu “lugar eminente”, para falar como Bossuet. Mas se dizemos: os
pobres, então Cristo pode ser facilmente despedido da sociedade e da vida, como
foi com o marxismo.
-Em
alguns textos você fala em desgaste e crise da TdL. Como esse “modo de teologizar”
pode enfrentar a crise e seguir forte?
Como
disse acima, é paradoxalmente desaparecendo no caudal maior da teologia cristã
que aTeologia da Libertação cumpre sua missão histórica. É como o torrão de
açúcar, que só existe para se dissolver no café: continuará aí presente,
adoçando todo o café, mas invisível. Ou, numa metáfora mais bíblica, é como
João Batista, que disse: “Importa que Ele cresça e eu diminua”, ao contrário
dos judeus que, chamados a acolher o Messias, se recusaram a ser o que deveriam
se tornar. Deveriam ter feito como Saulo, que só cumpriu seu destino
tornando-se Paulo. Tal também deveria ser o termo final da Teologia da
Libertação: tornar-se teologia cristã sem mais, depois de ter contribuído para
seu enriquecimento.
-Os
teólogos da libertação estão envelhecendo, o senhor acredita em uma renovação?
-Quando
se leem as produções atuais dos chamados “teólogos da libertação”, nota-se aí
que o "discurso se repete ad nauseam." São “variações sobre o mesmo tema”: os
pobres socioeconômicos e sua libertação social. Insisto: só é possível uma
Teologia da Libertação, como, aliás, qualquer outra espécie de teologia, sob a
condição de começar e também acabar no horizonte transcendente da fé. Fora
disso, a Teologia da Libertaçãosó produzirá “mais do mesmo”. E, assim como o
Papa Francisco costuma dizer que uma Igreja sem a fé incondicional no Cristo é
uma “ONG piedosa”, assim também uma Teologia da Libertação (ou qualquer outra),
sem essa mesma fé primacial no Cristo, é uma ideologia religiosa, concorrendo
ou então colaborando com outras ideologias. Torna-se, com isso, cada vez mais
irrelevante, pois, de ideologias o mundo atual está cansado.
-A
abertura que o Papa Francisco vem dando a teólogos da TdL pode ajudar a
revigorá-la?
-O
discurso e, mais ainda, o exemplo do Papa atual poderia servir de exemplo para
um cristianismo que não precisa de ideologia, mesmo sob um rótulo teológico,
para se ocupar a sério com os pobres. A Teologia da Libertação só pode se
revigorar dentro da Igreja, no seio de seu pluralismo teológico, a título,
portanto, de uma teologia particular.
-Como
os teólogos da libertação têm trabalhado e como deveriam pensar questões
polêmicas como aborto, diversidade (união homoafetiva) e participação da mulher
na igreja?
-Como
para a questão do pobre, central na Teologia da Libertação, todas essas outras
questões devem ser tratadas por qualquer teólogo a partir dos princípios
perenes da fé. Mas, é claro – e esta é a função própria do teólogo na Igreja –,
esses princípios devem ser bem compreendidos e postos em confronto com a
experiência da história, que tem muito a ensinar à Igreja, como reconhece o
Vaticano II na Gaudium et Spes (cf. GS 44).
-E
no caso da Igreja Católica, quais são seus desafios atuais diante de tantas
demandas sociais, políticas e econômicas?
Certamente, a Igreja já está fazendo muito no campo social, e precisará fazer mais. Mas, é preciso que fique claro: não é essa a missão originária, “própria” da Igreja, como repete expressamente o Vaticano II (cf. GS 42,2; e ainda 40,2-3 e 45,1). A missão social é, antes, uma missão segunda, embora derivada, necessariamente, da primeira, que é de natureza “religiosa”. Essa lição nunca foi bem compreendida pelo pensamento laico.Foram os Iluministas que queriam reduzir a missão da Igreja à mera função social. Daí terem cometido o crime, inclusive cultural, de destruírem celebres mosteiros e proibido a existência de ordens religiosas, por acharem tudo isso coisa completamente inútil, mentalidade essa ainda forte na sociedade e até mesmo dentro da Igreja.Agora, se perguntamos: Qual é o maior desafio da Igreja?, devemos responder: É o maior desafio do homem: o sentido de sua vida. Essa é uma questão que transcende tanto as sociedades como os tempos. É uma questão eterna, que, porém, hoje, nos pós-modernos, tornou-se particularmente angustiante e generalizada.É, em primeiríssimo lugar, a essa questão, profundamente existencial e hoje caracterizadamente cultural, que a Igreja precisa responder, como, aliás, todas as religiões, pois são elas, a partir de sua essência, as “especialistas do sentido”. Quem não viu a gravidade desse desafio, ao mesmo tempo existencial e histórico, e insiste em ver na questão social “a grande questão”, está “desantenado” não só da teologia, mas também da história.
Fonte: Adital
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