por *Francisco José Barros de Araújo
Na vida cristã, as virtudes são dons que, com a graça de Deus, moldam nossa alma e nos configuram a Cristo. A graça é sempre dada em sua plenitude pelo Senhor, mas as virtudes precisam ser exercitadas até que se tornem hábitos estáveis que orientam toda a vida para Deus (CIC, 1997). Nesse caminho, Maria Santíssima aparece como o espelho perfeito da castidade e da pureza: n’Ela, vemos a alma totalmente entregue a Deus, sem mistura, sem corrupção, guardada na luz do Altíssimo.É importante ressaltar que pureza e castidade não se confundem com ingenuidade. Maria era toda pura e casta, mas não ingênua; quando o anjo anunciou que ela seria Mãe do Salvador, questionou:
“Como, se não conheço homem algum?” (Bíblia de Jerusalém, Lc 1,34)
Essa resposta revela seu discernimento e liberdade interior, mostrando que a castidade e a pureza caminham junto da razão e do juízo correto, iluminados pela graça (João Paulo II, 1981). Aquilo que na Mãe de Deus resplandece em plenitude deve também brilhar, em medida própria, na vida de todo cristão. Por isso, o Magistério da Igreja, iluminado pela Sagrada Escritura e pela Tradição, ensina que a castidade e a pureza, embora distintas, se complementam e formam no discípulo de Cristo um coração indiviso para Deus (CIC, 1997).No Magistério da Igreja, a virgem Maria é apresentada como “cheia de graça” (Lc 1,28), o que significa que ela recebeu a graça santificante em plenitude desde o primeiro instante de sua concepção — é o que chamamos de Imaculada Conceição.
Isso tem algumas implicações importantes
sobre as virtudes em Maria
1. Graça e virtudes em plenitude - O Catecismo da Igreja Católica afirma:
“Maria foi preservada do pecado original e, cheia da graça de
Deus, cooperou com o Espírito Santo em tudo o que Ele lhe pedisse” (CIC,
491-493).
Ou seja, Maria não precisou conquistar a
graça como nós; ela já nasceu em estado de santidade. Todas as virtudes —
castidade, pureza, obediência, humildade — estavam presentes nela em sua forma
mais perfeita, não de forma adquirida, mas como dom de Deus.
2. Apesar de não precisar “conquistar” a virtude como nós, Maria exerceu conscientemente suas virtudes:
-Sua castidade não era apenas física, mas total entrega do corpo e da alma a Deus.
Sua pureza não se manifestava apenas na integridade moral, mas sobretudo no discernimento, na prudência e na total fidelidade à vontade divina. Maria reconhecia humildemente seu nada diante de Deus, como expressa no Magnificat:
"Minha alma engrandece ao Senhor, e meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador; porque olhou para o nada de sua serva" (Lc 1,46-48).
Assim, a santidade de Maria no seu perfeito discernimento, se revela na consciência de sua completa dependência de Deus e na entrega generosa à sua vontade, obtendo todo mérito unicamente pela graça divina.O Magistério sublinha que Maria exerceu suas virtudes de forma ativa, mesmo possuindo-as em plenitude, mostrando que santidade é graça recebida e cooperação consciente com Deus (CIC, 967).
3. Diferença das virtude entre nós e Maria
-Nós:
precisamos exercitar virtudes para que se tornem hábito, sempre contando com a
graça de Deus.
-Maria:
possuía todas as virtudes em plenitude, não as adquiriu, mas as viveu e as
manifestou conscientemente ao longo de sua vida.
Portanto, Maria é modelo da santidade,
mostrando que a graça não anula a liberdade; mesmo cheia de virtudes, ela
escolheu cooperar com Deus e agir em virtude de sua vontade divina.
A castidade é a virtude que integra a
sexualidade de forma ordenada e harmoniosa, controlando as paixões e desejos
segundo a razão iluminada pela fé. O Catecismo da Igreja Católica ensina:
“A castidade significa a integração correta da sexualidade na
pessoa e, com isso, a unidade interior do homem em seu ser corporal e
espiritual” (CIC, 2337).
São Paulo reforça a necessidade de exercitar o autodomínio:
“Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de modo a
obedecerdes às suas paixões” (Bíblia de Jerusalém, Rm 6,12).
SOBRE A VIRTUDE DA PUREZA
A pureza, por sua vez, tem um alcance mais
amplo. É a virtude que preserva a integridade da alma e da fé, impedindo
contaminações internas e externas. Jesus advertiu:
“Guardai-vos do fermento dos
fariseus” (Bíblia de Jerusalém, Mt 16,6)
São Paulo acrescenta:
“Não sabeis que um pouco de fermento leveda toda a massa?” (Bíblia
de Jerusalém, 1Cor 5,6).
O Catecismo explica:
“A pureza do coração nos dará a visão de Deus. Desde agora ela nos
permite ver segundo Deus todas as coisas; aceitar o próximo como ‘um próximo’;
ver o corpo humano – o nosso e o do próximo – como templo do Espírito Santo,
manifestação da beleza divina” (CIC, 2519).
“A pureza exige o pudor. Este preserva a intimidade da pessoa.
Ordena os olhares e os gestos em conformidade com a dignidade das pessoas e da
união entre elas” (CIC, 2521).
A Escritura também distingue a Virtude Pureza da Castidade:
-Jó 15,15: “Eis que Deus não confia nem em seus santos, e até os céus não são puros aos seus olhos” (Bíblia de Jerusalém).
-Levítico 19,31: “Não vos voltareis para os que consultam os espíritos dos mortos nem para os que adivinham o futuro, porquanto eles vos contaminariam. Eu Sou Yahweh, vosso Deus.” (Bíblia de Jerusalém)
-Romanos 12,2: “E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, a fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito.” (Bíblia de Jerusalém)
Na visão de Isaías, os anjos cobrem o rosto diante da glória
divina:
“Cada um tinha seis asas: com duas cobriam o rosto, com duas
cobriam os pés e com duas voavam” (Bíblia de Jerusalém, Is 6,2).
E o Apocalipse reafirma
a exigência da pureza para a vida eterna:
“Nela nunca entrará algo de impuro, nem alguém que pratique
abominação e mentira, mas somente aqueles que estão inscritos no livro da vida
do Cordeiro” (Bíblia de Jerusalém, Ap 21,27).
Historicamente, o povo judeu viveu cercado por ameaças constantes à pureza de sua fé monoteísta, por isso o constante alerta dos profetas a retornar a pureza da fé do monte Sinai. Desde os tempos do Antigo Testamento, as nações vizinhas, imersas em culturas politeístas e práticas idolátricas, pressionavam o povo escolhido a se desviar da aliança com Yahweh. O helenismo, com sua filosofia e religiosidade sincrética, exercia uma influência sedutora, oferecendo modelos culturais e políticos que muitas vezes levavam à assimilação de práticas contrárias à revelação divina. Essa penetração de influências externas, descrita nos escritos sagrados e evidenciada no comportamento de alguns reis, incluindo Salomão, que se deixou seduzir por alianças e práticas idólatras, mostra como até os líderes mais iluminados podiam ser vulneráveis à corrupção espiritual. É nesse contexto de perigos internos e externos que Maria Santíssima se destaca como modelo de fidelidade absoluta!
Ela preservou intacta a pureza de sua fé, mesmo diante de circunstâncias adversas e imprevisíveis. Quando precisou fugir para o Egito, confrontando-se com um ambiente cultural e religioso completamente estrangeiro, não se deixou contaminar por influências externas nem perdeu a comunhão com a revelação antecipada a ela do verdadeiro Deus Uno e Trino. Sua alma permaneceu íntegra, protegida pela graça divina, mostrando que a verdadeira pureza não se permite influenciar pelo “fermento” do erro, da idolatria ou de ideologias contrárias à revelação divina.
Essa lição é também um alerta para os cristãos de hoje
Assim como Maria não se deixou corromper pelo mundo em torno dela, nós devemos preservar a pureza da fé revelada por Jesus Cristo e confirmada pelo Sagrado Magistério. Ideologias contemporâneas, modismos culturais e interpretações distorcidas da moral podem agir como fermento, alterando a integridade da nossa fé. Manter-se firme, discernir com prudência e permanecer em comunhão com a verdade revelada é essencial para que a pureza do coração e da alma não seja comprometida, garantindo que continuemos a viver em santidade e fidelidade a Deus. O cumprimento dessa preservação da fé se dá também pela obediência à ordem de Cristo, que se realiza por meio de seus legítimos sucessores: os bispos em colegiado e o Papa, quando fala como Pastor Universal. Como o Senhor mesmo disse:
"Quem vos ouve a vós, a mim ouve; e quem vos rejeita, rejeita
aquele que me enviou" (Lc 10,16).
Assim, a fidelidade à autoridade do Magistério não é apenas um ato de disciplina e respeito, mas um caminho concreto para proteger a fé da contaminação dos erros e desvios do mundo, e permanecer em comunhão com a verdade de Cristo, tal como Maria a preservou em plenitude.
Ideologias contemporâneas, modismos culturais e interpretações distorcidas da moral podem agir como fermento, alterando a integridade e Pureza da nossa fé!
Manter-se firme, discernir com prudência e permanecer em comunhão com a verdade revelada é essencial para que a pureza do coração e da alma não seja comprometida, garantindo que continuemos a viver em santidade e fidelidade a Deus.Maria Santíssima encarna essas virtudes em plenitude. Sua castidade não é mera virgindade física, mas entrega total do corpo e da alma ao serviço de Deus. Sua pureza é a transparência da graça, que não se deixa contaminar por nenhum fermento de pecado ou erro. Ao mesmo tempo, Maria não era ingênua: ao questionar o anjo sobre como conceberia sem conhecer homem algum, demonstra discernimento e liberdade interior (Gruenberg, 2005; Krajewski, 2012). Ela nos ensina que a pureza e castidade caminham com inteligência e juízo santo, não com simples inocência.
Conclusão
À luz da Bíblia, da Tradição e do Magistério, compreendemos que a castidade e a pureza não são virtudes isoladas, mas se complementam de maneira profunda e necessária. A castidade orienta e controla as paixões, integrando a sexualidade de forma ordenada e harmoniosa, enquanto a pureza protege a alma e a fé, prevenindo que sejam corrompidas pelo “fermento” do pecado, das ideologias distorcidas ou das influências externas que tentam desviar o cristão do caminho de Deus. Em outras palavras, a castidade molda os desejos, e a pureza ilumina a consciência, permitindo ao fiel discernir com clareza e agir com integridade. Maria Santíssima é o modelo perfeito dessa união de virtudes. Cheia de graça (Lc 1,28), ela foi preservada do pecado e possuía todas as virtudes em plenitude, mas jamais de forma passiva ou ingênua. Sua castidade e pureza eram ativas: refletiam discernimento, prudência e total entrega à vontade divina.
É preciso compreender, portanto, que pureza não se confunde com ingenuidade. A verdadeira pureza é lúcida, firme e consciente de si; ela não é alienação nem negação da realidade. Pureza não é aquelas imagens piedosas de olhos humildes, cabeça para o lado e mãos postas — isso é apenas um simulacro de pureza, uma aparência exterior sem o vigor interior da virtude. A pureza autêntica nasce de um coração purificado pela verdade, sustentado pela graça e capaz de ver o mundo sem se deixar contaminar por ele, como Maria Santíssima e tantos Santos e Santas o fizeram de modo exemplar.
Ao contemplá-las, vemos não apenas a perfeição da vida cristã, mas também o exemplo de como a graça e a liberdade devem caminhar juntas. A santidade de Maria nos ensina que ser puro e casto não significa jamis ingenuidade, mas firmeza e coragem diante do mundo, mantendo o coração voltado a Deus mesmo em meio às provações e influências externas.
Maria, semelhante Jesus na condição humana, embora cheia da graça, não nasceu com pleno conhecimento infuso de todas as coisas como os anjos. Ela precisou crescer em sabedoria e graça diante de Deus e dos homens (Lc 2,52), aprendendo a discernir a vida e os mistérios de Deus passo a passo. Aquilo que não entendia, perguntava com humildade (Lc 2,49); e aquilo que ultrapassava sua compreensão, guardava em seu coração (Lc 2,51), confiando à providência divina o desdobrar dos acontecimentos. O silêncio de Maria é uma virtude que também precisamos exercitar, pois a Escritura nos lembra que "há um tempo para falar e um tempo para calar" (Ecle. 3,1-7).
Muitas vezes, o silêncio é a nossa melhor resposta!
Não precisamos expor imediatamente todas as nossas dúvidas ou opiniões, que podem apenas confundir ou escandalizar os pequenos na fé (Rom 14,22-23). Sigamos seu exemplo: há sabedoria em esperar, refletir e guardar, confiando que, com o tempo, a compreensão virá e a verdade se manifestará de forma adequada e serena. Inspirados por sua humildade e discrição, aprendamos a falar com prudência e ouvir com paciência, tornando nosso silêncio não um vazio, mas um espaço fértil de reflexão e graça.Imitar Maria Santíssima e invocar sua intercessão nos permite receber a graça necessária para permanecer firmes em nossa fé e conservar a integridade da alma, vivendo uma vida de santidade, prudência e amor a Deus. Por isso, Jesus nos lembra da recompensa daqueles que guardam a pureza do coração:
"Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus" (Bíblia de Jerusalém, Mt 5,8)
Que esta bem-aventurança nos inspire a cultivar a castidade e a pureza em nossa vida diária, não como normas rígidas, mas como caminhos de liberdade, discernimento e plena comunhão com Deus, seguindo o exemplo de Maria, nossa Mãe e modelo de santidade.
Referências Bibliográficas
1.BÍBLIA
DE JERUSALÉM. Tradução de padre José Rubens Costa. São Paulo: Paulus, 2010.
2.CATECISMO
DA IGREJA CATÓLICA. Libreria Editrice Vaticana; Brasília: CNBB, 1997.
3.JOÃO
PAULO II. Catequeses sobre o Amor Humano: Teologia do Corpo. 1981. Disponível
em: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt.html. Acesso em: 3 out.
2025.
4.GRUENBERG,
S. A Virtude da Castidade: uma perspectiva teológica. Rio de Janeiro: Edições
Loyola, 2005.
5.KRAJEWSKI,
A. Pureza do Coração e Vida Cristã: reflexões sobre a castidade e pureza à luz
do Magistério. São Paulo: Paulinas, 2012.
6.PECCO,
L. Maria, cheia de graça: virtudes e cooperação com a vontade divina. Rio de
Janeiro: Edições Loyola, 2008.
*Francisco José
Barros de Araújo – Bacharel em Teologia pela Faculdade Católica do RN, conforme
diploma Nº 31.636 do Processo Nº 003/17 - Perfil curricular no
sistema Lattes do CNPq Nº 1912382878452130.
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A Paz em
Cristo e o Amor de Maria, a mãe do meu Senhor (Lucas 1,43)
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