A teologia católica sempre enfatizou que o pecado é uma ofensa grave contra Deus e contra o próximo, cuja culpa só pode ser removida pela graça divina, ordinariamente mediada pelo sacramento da reconciliação (CIC 1849-1851). Nesta perspectiva, a consciência da própria culpa é condição indispensável para a experiência do perdão e da regeneração interior. Nem toda heresia surge mal-intencionada, ou seja, com desejo de destruir a Igreja; muitas vezes, nasce de pessoas sinceras e bem-intencionadas que, infelizmente, se agarram às suas convicções pessoais, negando toda a tradição santa e milenar da Igreja, considerando-a errada e acreditando que apenas suas ideias estão corretas. Falta-lhes a humildade teológica, que consiste em “fazer teologia de joelhos”, como fez Santo Agostinho, que, mesmo sendo Doutor da Igreja, escreveu retratações ao reconhecer erros em seus próprios escritos. O Pe. Alberto Maggi, teólogo italiano da Ordem dos Servos de Maria, propõe uma leitura pastoral diferenciada: ele minimiza a ênfase na culpa do pecado e privilegia a experiência da misericórdia de Deus como caminho de libertação, interpretando o pecado mais como um “errar o caminho” (hamartía) do que como transgressão moral. Este texto analisa sua proposta à luz da tradição católica, destacando pontos de tensão e implicações teológicas e pastorais.
por *Francisco José Barros de Araújo
O Magistério da Igreja sobre pecado e culpa
O Magistério ensina que o pecado destrói a comunhão com Deus e fere o amor ao próximo. O Catecismo da Igreja Católica afirma que “o pecado é uma falta contra a razão, a verdade e a reta consciência; é uma falta contra o verdadeiro amor de Deus e do próximo” (CIC 1849). A culpa do pecado, especialmente o mortal, exige arrependimento sincero e confissão sacramental, que somente pela graça divina remove a ofensa cometida (CIC 1451-1457; Concílio de Trento, DS 1679). Sem essa consciência e reparação, a experiência do perdão se torna impossível.
A leitura pastoral de Pe. Alberto Maggi
Em "Chi non muore si rivede" ("Aquele que não morre se verá novamente" -Garzanti, 2013), Maggi propõe que a centralidade do anúncio cristão não deve ser a culpa, mas a misericórdia libertadora de Deus. Ele critica a tradição de pregação baseada no medo ou na culpa, argumentando que essa abordagem pode gerar moralismo e ansiedade em vez de conversão autêntica. Para Maggi, Deus é um Pai acolhedor que perdoa gratuitamente, e a linguagem do pecado deve focar no desvio do caminho, não no peso da transgressão. O Evangelho, segundo ele, não é um código de leis, mas a boa notícia de vida plena.
Pontos de tensão teológica
Embora Maggi não negue a existência do pecado, sua relativização da culpa contrasta com a tradição católica. Santo Agostinho já advertia que “Deus, que te criou sem ti, não te salvará sem ti” (Sermão 169, 13), lembrando que a graça exige colaboração ativa e arrependimento sincero. São Tomás de Aquino reforça: “a remissão do pecado supõe o arrependimento” (Suma Teológica, III, q.84, a.5). Ao deslocar o foco da culpa para a misericórdia, a teologia de Maggi corre o risco de transformar o Evangelho em consolo psicológico, sem exigir a conversão radical que caracteriza a fé católica.
Implicações pastorais à luz de "Veritatis Splendor" a Teologia Moral de São João Paulo II
A abordagem pastoral de Maggi, ao reduzir a ênfase na culpa e na responsabilidade moral diante do pecado, atrai aqueles que se sentem sobrecarregados pelo peso da culpa, oferecendo conforto e proximidade com a misericórdia divina. No entanto, essa ênfase exclusiva na misericórdia pode gerar equívocos teológicos e pastorais, sobretudo no contexto da moralidade objetiva.
A Veritatis Splendor de São João Paulo II reforça que a experiência da graça não pode ser separada da adesão à verdade moral: “O homem não pode fazer o que quer sem obedecer à verdade” (VS, 78). A vida moral do cristão exige o reconhecimento do bem e do mal objetivos, bem como a consciência da própria responsabilidade diante de Deus. Ignorar ou relativizar a culpa do pecado, como ocorre na proposta de Maggi, pode enfraquecer a capacidade do fiel de discernir corretamente entre atos moralmente bons e maus, comprometendo a conversão autêntica e a santidade.
Do ponto de vista pastoral, a tradição católica ensina que o anúncio da misericórdia deve sempre caminhar junto com a instrução sobre a verdade e a gravidade do pecado. A misericórdia que não exige contrição e conversão corre o risco de reduzir o Evangelho a consolo psicológico, sem conduzir o fiel à transformação radical da vida, que é o objetivo central da moral cristã. Como afirma Veritatis Splendor:
“A consciência moral deve ser formada e educada na verdade, para que a liberdade do homem se realize plenamente em conformidade com a lei de Deus” (VS, 60).
Portanto, a implicação pastoral é clara: embora seja necessário levar esperança e proximidade com Deus, a prática pastoral deve equilibrar misericórdia e verdade, evitando minimizar a culpa do pecado ou obscurecer a necessidade do arrependimento. A fé cristã não se limita a consolar; ela exige conversão, participação nos sacramentos e adesão aos princípios morais que conduzem à vida plena em Cristo.
Conclusão
A teologia pastoral de Pe. Alberto Maggi oferece uma perspectiva centrada na misericórdia, desonerando a consciência da culpa e enfatizando o acolhimento incondicional de Deus. Entretanto, sob a ótica da tradição católica, tal abordagem apresenta riscos teológicos significativos: dilui a gravidade do pecado, enfraquece a exigência de contrição e compromete a eficácia transformadora da graça. O Magistério ensina que a misericórdia divina se realiza plenamente quando precedida pelo arrependimento sincero e pela participação nos sacramentos, reforçando a responsabilidade moral e o caminho de conversão exigido para a santidade. Além disso, a retirada da consciência da culpa corre o risco de formar uma geração de cristãos indiferentes ao pecado e às suas consequências, ou mesmo comportamentos moralmente insensíveis, de maneira análoga ao psicopata, que não experimenta remorso pelos próprios atos. A fé cristã não se limita a consolar; ela exige conversão, adesão aos princípios morais e responsabilidade pessoal diante de Deus, garantindo que o amor e a misericórdia divinos transformem efetivamente o coração e a vida do fiel.
*Francisco José Barros de Araújo – Bacharel em Teologia pela Faculdade Católica do RN, conforme diploma Nº 31.636 do Processo Nº 003/17 - Perfil curricular no sistema Lattes do CNPq Nº 1912382878452130
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A Paz em
Cristo e o Amor de Maria, a mãe do meu Senhor (Lucas 1,43)
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