"O cume entre censura e acompanhamento
é sempre sutil. Deveria salvaguardar a liberdade dos batizados e das suas
associações, mas também a sua coerência com todo o povo de Deus, tanto a nível
diocesano como universal. Como não sentir positivamente o impulso evangelizador
de muitas dessas novas fundações? O próprio dicastério da vida consagrada se
questiona sobre a identidade dos visitantes e interventores (cerca de oitenta)
e sua eficácia. Há resistências e oposições, muitas vezes injustificadas, mas nem
sempre fora de lugar", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre
dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 03-11-2022. A tradução é de
Luisa Rabolini.
Eis o artigo:
Para os interessados na vida consagrada e nas novas famílias eclesiais, as surpresas nunca acabam. A começar pelos números.Um primeiro registro de experiências foi fornecido por Giancarlo Rocca (Primeiro censo de novas comunidades, Urbaniana Press 2010). Ele apresentou 800. Mas, quando os bispos chegam a Roma em sua visita ad limina, outros números explodem. Os brasileiros falam de 600 novas fundações, muitas das dioceses africanas apresentam algumas, e não faltam nem mesmo na Ásia. Rapidamente nascem e, em parte, rapidamente se fecham. Mas um bom número continua. O mundo dos institutos tradicionais (masculinos e femininos), especialmente os nascidos na onda das necessidades sociais em 1800, está passando por sérias dificuldades no Ocidente, mas, se levarmos em conta todas as novas formas de consagração, o juízo deveria ser mais brando. Também porque, ao lado das novas fundações, renascem formas de consagração consideradas arquivadas. Assim os eremitas e as eremitas (há cerca de 200 casos na Itália), das virgens (mil), das beguinas (algumas dezenas), das viúvas (cerca de 450).
Dois dicastérios
Algumas das novas fundações se reportam ao dicastério de leigos. Entre esses os movimentos mais conhecidos: Comunhão e Libertação, Focolares, Neocatecumenais, Comunidade de Santo Egídio, Cursillos, Renovação no Espírito, etc. Em alguns desses movimentos há a experiência de vida comum e consagração, como os Focolares, a Renovação no Espírito e os memores domini de CL. Mas a grande maioria são leigos associados em várias formas.Uma segunda parte das novas fundações reporta-se ao dicastério dos religiosos. Entre elas: as Beatitudini, de Werke, Schöenstatt, Foyer de Charité, Verbum Dei, Comunidade dos filhos de Deus, etc. Neste segundo caso, os leigos envolvidos são numericamente menos numerosos, enquanto sacerdotes e pessoas consagradas (homens e mulheres) constituem o coração das associações.
Movimentos entre os leigos
O dicastério dos leigos organiza as várias fundações que se reportam a ele em duas seções: as “organizações internacionais” e as “associações de fiéis”. As primeiras estão enraizadas em alguns países, as segundas estão ligadas a uma única diocese. De particular importância é o decreto geral que o dicastério publicou em 11 de junho de 2021. Ele prevê uma disciplina comum quanto à escolha do moderador ou presidente e seu conselho. A escolha requer a participação, direta ou indireta (em qualquer caso formal) de cada membro; o mandato é de cinco anos, renovável apenas uma vez, enquanto o fundador pode permanecer mais tempo, mas com a permissão do dicastério.
Alguns problemas permanecem em aberto. Os consagrados dos
movimentos que muitas vezes têm uma vida comum não são formalmente reconhecidos
como religiosos. Além disso, os padres ativos no movimento e até formados em
suas instituições são incardinados em uma diocese e não no próprio movimento.
Famílias eclesiais entre os religiosos
O dicastério dos religiosos ao qual se reportam os mosteiros, ordens, congregações, institutos seculares e agora também as comunidades tradicionalistas anteriormente coordenadas pela comissão Ecclesia Dei, no âmbito da Congregação para a Doutrina da Fé, chama as novas fundações de Famílias eclesiais. Estas podem ser assim definidas: “A família eclesial é uma entidade jurídica única com vários ramos distintos, que inclui o ramo masculino de celibatários e o ramo feminino das mulheres solteiras. Esses dois ramos principais professam votos públicos de castidade, pobreza e obediência, e assim incluem os que pertencem de pleno direito à família eclesial” (R. Fusco, Vita consacrata, n. 4, 2022, p. 295). Também nesse caso há associados leigos e leigas. O tipo de vínculo dos leigos ainda não foi definido porque sua condição de casados não é compatível ao que é exigido pela consagração dos religiosos. Além disso, o presidente, que pode ser leigo e leiga, configura-se como "ordinário" (em paralelo com o bispo) e à sua responsabilidade eclesial.
O carisma como auxílio na consagração
As evidentes dificuldades do direito e da disciplina eclesial para seguir os caminhos criativos do Espírito remetem ao coração pulsante dessas novas fundações, ao seu carisma próprio; aquele dom particular que enfatiza temas específicos do Evangelho na pessoa do fundador. O depósito carismático é mais narrado do que definido. A referência mais imediata é ao fundador ou à fundadora e à sua vida e obra, mas também ao núcleo originário dos seus colaboradores ou colaboradoras. A sua força de referência é decisiva para a convivência e harmonia dos estados de vida na Família ou no movimento. Ressalta-se muito a demanda de radicalidade evangélica exigida pelo carisma que conforma o estilo próprio de cada estado de vida. E o magistério e a hierarquia são convidados a compartilhar a mesma perspectiva. Menos percebidas são as eventuais “doenças” ligadas à referência carismática. Como, por exemplo, as formas narcísicas de alguns fundadores que trocam o dom espiritual em relação à Igreja como um dom pessoal ou aqueles grupos de liderança que pretendem ter o carisma como "posse" inteiramente disponível apenas a partir de si mesmos, se não mesmo em contraste com a hierarquia.
Novas estruturas, novas gerações
Mas há quem questione o “novum”, a novidade de tais experiências, visto que, na tradição eclesial, o envolvimento dos leigos no carisma dos fundadores já foi diversamente explicitado. Hoje, porém, existem as condições teológicas e culturais para um pleno reconhecimento da centralidade do batismo, da dignidade dos leigos, do sacramento do matrimônio, da dignidade da mulher.Diferentes são sobretudo gerações em que o fascínio das fundações mais tradicionais é muito menos pronunciado. São também as gerações que não viveram uma "civilização" cristã e muitas vezes estão em jejum até dos conhecimentos eclesiais mais elementares. Uma generosidade sincera ainda não moldada dentro da prática da fé.
Discernimento e formação
As dimensões do discernimento do bispo e da Igreja local, a prática da formação dentro das Famílias e da vida comum nos movimentos, além do estudo teológico, tornam-se fundamentais. Os Bispos têm por vezes dificuldade em fazer um discernimento eficaz, demasiado condicionados por urgências pastorais e por impressões não adequadamente desenvolvidas. Uma nova normativa os obriga a fazer um acordo prévio com o dicastério romano. Mas, apesar disso, espera-se que a investigação seja ampliada. O instrumento tradicional, as chamadas “cartas testemunhais” de alguns dos protagonistas diocesanos, deveria ser desenvolvido em um parecer específico da Conferência Episcopal regional. Considerando os pontos de partida dos participantes, a formação é uma etapa decisiva. Não é fácil encontrar bons formadores e menos ainda comunidades formadoras. Não se recomenda uma ascese total praticada por alguns, assim como a confusão entre foro interno e foro externo com pouca atenção ao equilíbrio e à maturidade da pessoa. Paralelamente, a formação teológica deveria ocorrer em institutos de comprovada qualidade e robustez, conscientes de que, sem a maturidade humana, ela permanece insuficiente. Talvez se poderia falar mais de ‘provação’ do que de formação.
As interrogações
No
entanto, muitas perguntas permanecem em aberto!
-Não são ainda demasiados os cânones desenvolvidos sobre os modelos tradicionais em comparação com as novas formas de consagração?
-Como as pessoas casadas podem fazer promessas semelhantes às dos religiosos?
-Como construir um direito a partir dos deveres-direitos comuns com especificações sucessivas para os diferentes ramos (masculino, feminino, celibatário, religioso e presbiteral)?
-As famílias podem assumir as tarefas e os encargos da vida consagrada?
-Como garantir a igualdade entre consagrados e consagradas no mesmo instituto?
-Como distribuir o poder entre os órgãos centrais e supremos
conselhos dos ramos individuais?
A multiplicação de perguntas atesta que a
questão é muito profunda e esmiuçada, mas também que o equilíbrio atual
permanece provisório.
Temporada de
verificação (Ad Experimentum)
Após as primeiras décadas pós-conciliares em que essas realidades tiveram ampla liberdade de funcionamento e autogoverno, nos últimos vinte anos foram objeto de diversas correções. Deixando de lado o mundo dos institutos religiosos como os Legionários, a Comunidade de São João e várias comunidades monásticas, as novas fundações também foram afetadas. Diretrizes de correção chegaram a Comunhão e Libertação, Opus Dei, Schöenstatt, Verbe de Vie, Eucharistein, Totus tuus, Beatitudini, Fraternidade de Jerusalém, Foyer de Charité etc. Um trabalho de verificação mais que de disciplina, tornado necessário pelos desvios, os abusos registrados e a compreensível incerteza após a morte dos fundadores. O cume entre censura e acompanhamento é sempre sutil. Deveria salvaguardar a liberdade dos batizados e das suas associações, mas também a sua coerência com todo o povo de Deus, tanto a nível diocesano como universal. Como não sentir positivamente o impulso evangelizador de muitas dessas novas fundações? O próprio dicastério da vida consagrada se questiona sobre a identidade dos visitantes e interventores (cerca de oitenta) e sua eficácia. Há resistências e oposições, muitas vezes injustificadas, mas nem sempre fora de lugar.
Acompanhantes dispostos a aprender
Para os institutos com uma história mais
longa, muitas vezes ocupados com problemas não fáceis como a gestão de uma
ramificação internacional, o multiculturalismo, o fluxo persistente de saídas
(quase 3.000 por ano), falta de fecundidade no quadrante ocidental, etc.
abre-se a tarefa de sentir as novas presenças e as figuras que
"retornam" (eremitas e similares) como parte de um mesmo fluxo de
testemunho de radicalidade evangélica.
Não são “mestres”, mas certamente
acompanhantes preciosos e dispostos a aprender.
Fonte:
https://www.ihu.unisinos.br/categorias/623617-vida-religiosa-os-outros-consagrados-artigo-de-lorenzo-prezzi
GOSTOU Do APOSTOLADO berakash? QUER SER UM (A) SEGUIDOR (a) E RECEBER AS ATUALIZÇÕES EM SEU CELULAR, OU, E-MAIL?
Segue no link abaixo o “PASSO-A-PASSO” para se tornar um(a) seguidor(a) - (basta clicar):
https://berakash.blogspot.com/2023/10/como-ser-um-ser-um-seguidor-e-ou.html
Shalom!
.............................................
APOSTOLADO BERAKASH - A serviço da Verdade: Este blog não segue o padrão comum, tem opinião própria, não querendo ser o dono da verdade, mas, mostrando outras perspectivas racionais para ver assuntos que interessam a todos. Trata basicamente de pessoas com opiniões e ideias inteligentes, para pessoas inteligentes. Ocupa-se de ideias aplicadas à política, a religião, economia, a filosofia, educação, e a ética. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre literatura, questões culturais, e em geral, focando numa discussão bem fundamentada sobre temas os mais relevantes em destaques no Brasil e no mundo. A mera veiculação, ou reprodução de matérias e entrevistas deste blog não significa, necessariamente, adesão às ideias neles contidas. Tal material deve ser considerado à luz do objetivo informativo deste blog, não sendo a simples indicação, ou reprodução a garantia da ortodoxia de seus conteúdos. As notícias publicadas nesta página são repostadas a partir de fontes diferentes, e transcritas tal qual apresentadas em sua origem. Este blog não se responsabiliza e nem compactua com opiniões ou erros publicados nos textos originais. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com as fontes originais para as devidas correções, ou faça suas observações (com fontes) nos comentários abaixo para o devido esclarecimento aos internautas. Os comentários devem ser respeitosos e relacionados estritamente ao assunto do post. Toda polêmica desnecessária será prontamente banida. Todos os comentários são de inteira responsabilidade de seus autores e não representam, de maneira alguma, a posição do blog. Não serão aprovados os comentários escritos integralmente em letras maiúsculas, ou CAIXA ALTA. A edição deste blog se reserva o direito de excluir qualquer artigo ou comentário que julgar oportuno, sem demais explicações. Todo material produzido por este blog é de livre difusão, contanto que se remeta nossa fonte.Não somos bancados por nenhum tipo de recurso ou patrocinadores internos, ou externo ao Brasil. Este blog é independente e representamos uma alternativa concreta de comunicação. Se você gosta de nossas publicações, junte-se a nós com sua propaganda para que possamos crescer e fazer a comunicação dos fatos, doa a quem doer. Entre em contato conosco pelo nosso e-mail abaixo, caso queira colaborar de alguma forma:
filhodedeusshalom@gmail.com
+ Comentário. Deixe o seu! + 2 Comentário. Deixe o seu!
Gratia plena Maria, tem como vc explicar sobre Preterismo no seu blog para nos possamos entender livros proféticos e Apocalise de João o teólogo. Abraço de católico romano
Olá João Lucas,
O preterismo é uma metodologia popular para o exame do Apocalipse e dos Livros proféticos do Antigo Testamento entre os eruditos críticos. Essa escola é também conhecida como a contemporânea-histórica. Entendem que a grande maioria das profecias (ou todas) cumpriram-se na destruição de Jerusalém (em 70 dC). O preterismo opõe-se a outras três correntes de interpretação das profecias, sendo elas o Idealismo, o Historicismo e o Futurismo. O Preterismo tinha pouca sistematização, até que no século XIX James Stuart Russell examinou todos os textos significativos do Novo Testamento sobre a volta de Cristo, para ver quando isso ocorreria e como seria. Ele chegou a conclusão que a Segunda Vinda ocorreu no primeiro século com a destruição de Jerusalém em 70 dC. Ele publicou um livro originalmente em 1878 com o título The Parousia: A Critical Inquiry in the New Testament Doctrine of Our Lord's Second Coming. Outra edição se seguiu com o nome do autor em anexo em 1887.
Acredito não ser necessário mais que isso, você tem alguma dúvida?
Shalom !
Erivaldo - Colaborador do Apostolado Berakash
Postar um comentário
Todos os comentários publicados não significam a adesão às ideias nelas contidas por parte deste apostolado, nem a garantia da ortodoxia de seus conteúdos. Conforme a lei o blog oferece o DIREITO DE RESPOSTA a quem se sentir ofendido(a), desde que a resposta não contenha palavrões e ofensas de cunho pessoal e generalizados. Os comentários serão analisados criteriosamente e poderão ser ignorados e ou, excluídos.