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Bernardo Küster e o Tradicionalismo Radical: os riscos da fé transformada em espetáculo digital

Written By Beraká - o blog da família on segunda-feira, 24 de outubro de 2022 | 10:50

 


 

*Francisco José Barros de Araújo 




Críticas a Bernardo Küster, aos Rad Trad, e ao documentário “Eles estão no meio de nós



Bernardo Küster: “Nosso filme vai revelar o maior inimigo da Igreja” (nossaaa! grande novidade!)



Bernardo Küster surgiu outra vez empunhando sua cruz midiática — símbolo de sua cruzada digital — e o celular na outra mão, como quem segura uma espada de luz contra as trevas do mundo moderno. Com voz solene, anunciou:  “Nosso filme vai revelar o maior inimigo da Igreja!”  Uau! Que reviravolta! Porque, claro, ninguém nunca desconfiou que a Igreja tem inimigos, não é mesmo? Que suspense digno de uma novela mexicana misturada com um documentário de conspiração teológica. 




Bernardo — ou melhor, Bernardo like-a- qualquer-Kusto, sempre pronto para o like da salvação — parece ter descoberto, mais uma vez, a pólvora espiritual da semana.  É o herói do algoritmo: luta bravamente contra os mesmos vilões de sempre, só que agora em 4K, com trilha sonora épica e iluminação dramática. O problema é que, no fundo, o público já conhece o roteiro: uma denúncia bombástica, uma edição cinematográfica e, inevitavelmente, o link para o financiamento coletivo. Enquanto uns assistem na esperança da “grande revelação”, outros apenas sorriem diante da ironia: quem vive de apontar inimigos acaba, não raro, se tornando parte do espetáculo que diz combater.  No palco da fé transformada em performance, o “maior inimigo da Igreja” talvez não esteja fora dela — mas bem ali, entre os refletores, as curtidas e o eco digital das próprias convicções.  Ainda assim, o novo documentário de Bernardo Küster e Viviane Princival promete mais do que um simples clickbait religioso. Ele chega com a ambição de acender luzes onde muitos preferem manter as sombras. 




A produção mergulha sem rodeios no terreno espinhoso da infiltração ideológica, explorando como a esquerda socialista — paciente, meticulosa e estrategicamente camuflada — tem se servido das estruturas e da linguagem da própria Igreja Católica para promover um projeto de poder total: político, cultural e, sobretudo, espiritual.  Entre entrevistas, documentos e cenas meticulosamente editadas, o filme escancara aquilo que muitos intuíram, mas poucos ousaram dizer em voz alta: a fé tem sido instrumentalizada como ferramenta de engenharia social. O discurso da caridade, a teologia da libertação e até a retórica da “inclusão” tornaram-se, em certas mãos, veículos de uma agenda que busca moldar o cristianismo à imagem do mundo — e não o mundo à luz de Cristo.  Mas atenção: este não é um documentário para plateias confortáveis nem para católicos domesticados pela opinião pública. É um soco teológico, um chamado à vigília num tempo em que até o altar pode se tornar palco e até a devoção pode se converter em marketing.  No fim, a pergunta não é se a Igreja tem inimigos — isso já sabemos desde o Calvário. A questão é: quem, dentro dela, ainda tem coragem de reconhecer a verdade quando ela aparece sem maquiagem?  Respire fundo, desligue o piloto automático e, se o coração estiver preparado, assista ao trailer abaixo. Talvez você descubra que o “inimigo” de que tanto se fala não está apenas lá fora, mas em algum canto da alma coletiva que prefere o espetáculo à conversão.







Por Paulo Briguet - 17 de Outubro de 2022 


Posso dizer que acompanhei a gênese do documentário "Eles estão no meio de nós",  desde o primeiro momento. A semente inicial foi o processo de conversão de Bernardo Pires Küster ao Catolicismo. Como amigo, testemunhei a sua adesão à Santa Igreja pelas mãos de Santa Teresinha do Menino Jesus, a querida Flor do Carmelo. Estive ao lado dele também nos lamentáveis acontecimentos de janeiro de 2018, quando a esquerda petista realizou em nossa cidade, Londrina, um verdadeiro show de horrores ideológicos no 14º Encontro Intereclesial das CEBs. Naquela ocasião, Lula, Dilma, Frei Betto e outros ícones do PT invadiram o altar de Jesus Cristo em nome do projeto de poder socialista, que agora tenta voltar ao poder. Quatro anos e muitas dificuldades depois, o filme dirigido por Bernardo Küster e Viviane Princival enfim poderá ser visto pelo grande público – e estreia justamente em um momento decisivo para o país, a tempo de abrir muitos olhos para o sinistro processo revolucionário que ameaça nossa fé, nossas famílias, nossa liberdade e a nossa existência enquanto nação. Eles estão no meio de nós é o resultado do apoio de milhares de pessoas, que a tornaram a obra cinematográfica com o financiamento coletivo recorde no Brasil.




Acompanhe a seguir a conversa que eu tive com meu amigo Bernardo, que também é diretor do BSM:

 



-Paulo Briguet: Por que você resolveu fazer um filme?



Bernardo Küster: A ideia do filme nasceu com a cobertura que eu fiz, em janeiro de 2018, quando o Lula estava sendo julgado em segunda instância pelo TRF-4, para ser condenado à prisão, e estava acontecendo em Londrina o 14° Intereclesial das CEBs, o evento em que o PT tentava reorganizar suas bases na Igreja Católica, dispersas depois dos governos Lula e Dilma, quando o partido empregou todas as forças para dominar a máquina pública e se esqueceu de suas bases. Era uma reunião de 60 bispos, 3 mil delegados, intelectuais de esquerda, ex-guerrilheiros e todo tipo de entidade da esquerda socialista. O objetivo era salvar o Lula e reorganizar o PT por meio das suas bases católicas. Esse foi o germe do filme. Mas o projeto surgiu alguns meses depois, quando alguns amigos sugeriram que eu fizesse um documentário sobre o assunto e me apresentaram a Viviane Princival. Aí as coisas tomaram um rumo que eu jamais esperaria. Comecei a fazer uma análise profunda sobre a Teologia da Libertação, essa busca por usar a Igreja como meio de fazer a revolução. As pessoas haviam se esquecido desse problema – que é um problema fundamental do Brasil. Então comecei a construir um roteiro com a Vivi. Devo ter lido mais de 200 livros sobre TL. Tenho mais de 500 livros sobre o tema. Viajamos para 20 cidades: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, São Bernardo do Campo, Fortaleza, Virgínia (EUA), Cidade do México, Guadalajara (México) e Roma, entre outras. As pesquisas que eu fiz foram de todos os tipos: testemunhos de intelectuais de todas as vertentes do Catolicismo; revistas especializadas (como a Religion in Communist Lands, publicação britânica voltada para documentar a relação entre o comunismo e a Igreja); matérias jornalísticas; panfletos; documentos internos de partidos políticos; vídeos, áudios e situações que eu mesmo presenciei.







-Paulo Briguet: Você acredita que a devastação provocada pela Teologia da Libertação é comparável à de outras grandes crises da Igreja, como as do arianismo e da reforma protestante?



Bernardo Küster: Sim e não. Em outras crises, como a da heresia do arianismo (no século IV) e a reforma protestante (no século XVI), foram atacados determinados pontos da fé católica. Os arianos atacavam o ponto fundamental era a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, da qual eles duvidavam. A reforma protestante causou uma ruptura na Igreja, mas não buscou reler toda a Igreja, quis apenas estabelecer algo novo. Diferentemente, a Teologia da Libertação é conduzida por pessoas que não concordam com nada do que está na Igreja, mas querem ficar na Igreja e transformá-la desde dentro, ressignificando tudo: desde os seus dogmas e suas crenças fundamentais, até a Palavra, as Escrituras, a Tradição, o Magistério, a Liturgia e, fundamentalmente, a própria estrutura da Igreja e sua dinâmica hierárquica e monárquica baseada na sucessão apostólica. A Teologia da Libertação (qual delas Bernardo, já que existem várias correntes?) é uma busca por ressignificar completamente a estrutura da Igreja e do Cristianismo – hoje ela se associa até a algumas vertentes protestantes.

 



-Paulo Briguet: Quem é o maior inimigo da Igreja Católica hoje?






Bernardo Küster: Os maiores inimigos da Igreja sempre foram o diabo, o mundo e a carne. Mas esses inimigos, de maneira evidente, estão sintetizados no comunismo. É a ideologia que Nossa Senhora de Fátima denunciou, ao falar sobre “os erros da Rússia”, em 1917, e que Nossa Senhora de Cimbres profetizou no Brasil, em 1936. O comunismo é a ponta de lança de todo o movimento revolucionário, sendo utilizado também pelos globalistas. É claro que por trás do comunismo existem forças espirituais, mas eu acredito que o maior inimigo da Igreja hoje é o comunismo, é a mentalidade revolucionária.




-Paulo Briguet: O filme vai estrear seis dias antes das eleições mais importantes da história. "O Imaculado Coração de Maria vai triunfar nas urnas?"



Bernardo Küster: É importante que o filme seja lançado agora. Todo mundo dizia que a pauta da economia seria decisiva nas eleições. Mas agora nós vemos o Lula abandonando o vermelho, dizendo que é contra o aborto, tentando fazer um discurso mais ameno e moralista, fazendo acenos aos evangélicos, escrevendo carta ao Papa. No fundo, essa eleição é uma discussão religiosa, uma questão de valores. O PT tenta voltar àquela imagem dos anos 80 e às suas relações com os católicos. Agora, se o Imaculado Coração de Maria vai triunfar nas urnas, isso vai depender do coração humano – se ele vai estar inclinado a ouvir a verdade.

 



-Paulo Briguet: Há seis anos, você se converteu ao Catolicismo. De que maneira o filme representa essa mudança de rumos na sua vida?

 



Bernardo Küster: Mudou tudo! Porque a minha vida acabou sendo vinculada a esse tema. Um dos aspectos da nossa vocação é aquilo que só nós podemos fazer, e mais ninguém. Tenho sangue frio para lidar com esse assunto e ouvir as denúncias sem abalar minha fé, que certamente é sustentada por Deus. Esse trabalho trouxe para mim muito sofrimento, muita ameaça, muito ódio – mas também muito reconhecimento e muitas conversões, inclusive a minha conversão pessoal. Trouxe muitos amigos, muito aprofundamento na fé e minha futura esposa, que eu conheci durante o processo de conversão. Trouxe tudo de bom e um quilo de coisas ruins. Jesus disse que ninguém poderia segui-Lo sem esperar perseguições, e elas aconteceram, mas ao mesmo tempo eu ganhei amigos, irmãos, irmãs, pais, mães e uma grande família, cem vezes mais do que aquilo que nós deixamos para O seguir. Eu já recebi isso. Minha vida se transformou numa missão em defesa das almas, da Igreja e da honra de Nosso Senhor.


 






-Paulo Briguet: Sem querer dar spoiler, o filme vai causar escândalo e ranger de dentes?

 



Bernardo Küster: O filme não vai causar escândalo – mas ranger de dentes, sim! Vai causar espanto. Ele foi pensado e concebido da forma mais didática possível, para que todos possam entendê-lo: do intelectual à pessoa mais simples. Todos vão compreender a real dimensão do problema. O filme foi construído em tópicos, que ao final vão ser coroados. Nomes, fatos, acordos e testemunhos serão expostos. Pessoas que nunca puderam falar, falaram. Situações muito comprometedoras de certos clérigos e intelectuais vão ser expostos, tudo com documentos primários e testemunhos. Esse é o grande feito do filme: ele é um documento do nosso tempo, para o nosso tempo, com implicações na eternidade.

 



-Paulo Briguet: Fale sobre a parceria com a Viviane Princival, nossa querida Vivi, e a concepção artística do filme. Foi um filme concebido com o coração nas mãos, como ensinava o Olavo?



Bernardo Küster: A parceria com a Vivi foi uma maravilha. Ela é uma irmã que eu ganhei. Será minha madrinha de casamento. Vivi trabalha com o coração nas mãos e se entrega a tudo que faz. Nós choramos muitas vezes juntos, nos alegramos, nos desesperamos, fomos atacados, fomos ameaçados. Rimos com os que riram e choramos com os que choraram. A Vivi tem uma concepção artística admirável: ela queria fazer não apenas um documentário, mas um filme que comovesse as pessoas pelo aspecto estético. Eu já disse ao meu amigo Mauro Ventura: é um filme chagado, flagelado, pelo tempo, pelos quatro anos de produção, pelos nossos sofrimentos pessoais, pelas inúmeras dificuldades que passamos, pelas perseguições que sofremos, pelo site que foi hackeado, pelos meus equipamentos que foram apreendidos, pelo ataques que recebemos, pelas dificuldades internas da equipe, pelas ameaças de morte, por pessoas que desistiram, por pessoas que nos traíram, por pessoas que nos enganaram, por acordos que foram quebrados, por problemas técnicos inexplicáveis e misteriosos – é um filme chagado, mas muito abençoado. Nós conseguimos fazer coisas que jamais poderão ser refeitas, como certas entrevistas que a gente conseguiu de última hora. E o final é apoteótico.



Fonte:https://brasilsemmedo.com/nosso-filme-vai-revelar-o-maior-inimigo-da-igreja/

 

 



Carta Aberta a Bernardo Küster



Caro Bernardo,


O diagnóstico de um problema ainda não é a cura — é apenas o início do processo. Depois de identificar a doença, é preciso aplicar a terapia certa.



E já antecipo aos imediatistas de plantão — sempre prontos com o martelo da “justiça excomungante” nas mãos — que arrancar o joio do meio do trigo já foi descartado pelo próprio Cristo (Mt 13,24-29). Portanto, sejamos prudentes.






Não nego tuas boas intenções, nem tampouco a “sinceridade” de muitos que te acompanham no chamado movimento rad trad. Contudo, como bem sabemos, a sinceridade não é critério de verdade — alguém pode estar sinceramente enganado.




Dito isso, confesso minha desconfiança com canais religiosos monetizados. O perigo é transformar o zelo apostólico em conteúdo de consumo, onde é preciso fabricar escândalos para manter o engajamento. Não digo isso para desmerecer o teu documentário — que, sim, possui informações relevantes e provoca reflexões necessárias — mas para alertar sobre os riscos da generalização e da caricatura.


Frases de efeito como “a Igreja trocou o anel de Pedro pelo anel de Tucum” podem causar impacto, mas não resistem à análise teológica séria. Nem o Papa, nem a maioria dos bispos, trocaram sua fidelidade à Tradição por slogans ideológicos. É injusto com a própria realidade e com a imensa diversidade da Igreja.





Apresentar o Concílio Vaticano II como origem de todos os males é um erro teológico grave. Fazê-lo é colocar-se acima da autoridade universal da Igreja, que foi guiada pelo Espírito Santo nesse Concílio. Quem assim procede, perde credibilidade. Seria salutar, caro Bernardo, aprofundar-se mais na Eclesiologia — o estudo da própria natureza da Igreja.



Entre a suposta “infalibilidade” de Bernardo Küster e a infalibilidade do Concílio Vaticano II, eu não tenho dúvidas: fico com o Magistério autêntico, seguro e contínuo da Igreja, que Bento XVI chamou de hermenêutica da continuidade, e não da ruptura. Além disso, é incorreto condenar em bloco a Teologia da Libertação. O próprio São João Paulo II reconheceu que há nela uma vertente justa e necessária, conforme expressou na Carta aos Bispos do Brasil (Vaticano, 9 de abril de 1986), ao afirmar que essa reflexão teológica pode ser “útil e necessária” quando em plena sintonia com o Evangelho e com o Magistério.






A Igreja, portanto, não é inimiga da libertação — mas da deturpação da libertação. O perigo está quando se substitui o Evangelho por ideologia. Assim como é perigoso substituir a comunhão eclesial por tribalismo religioso, travestido de “tradição”.



A verdade é que, quando os neófitos e catecúmenos amadurecem na fé e conhecem a Doutrina integral da Igreja, passam a colocar a Igreja acima dos grupos e movimentos. Participam deles apenas se estes forem verdadeiramente católicos — ou seja, se abraçam e acolhem a doutrina universal e integral desde o Concílio de Niceia, e não apenas fragmentos que lhes agradam. Considerando a crise de fé que atravessamos, em tempos em que muitos católicos não dominam sequer os fundamentos da doutrina, talvez o termo mais adequado não seja “extirpar o mal”, mas purificar a Igreja. Deus não destrói o corpo doente — Ele o cura.






Não creio que a receita “temos de extirpar o câncer da Igreja” produza bons frutos. O próprio Cristo jamais ensinou a didática da exclusão. Em Lc 9,49-50, Ele corrige os discípulos justamente por quererem proibir quem fazia o bem em Seu nome.


Por isso, caro Bernardo, apresentar diagnósticos e apontar erros sem propor caminhos de reconciliação e formação, é contribuir mais para o espetáculo do escândalo do que para a edificação da fé.

 

E convenhamos: que grupo eclesial está isento de falhas? Todos — sem exceção — têm luzes e sombras. O tradicionalismo também tem seus excessos e deformações, como o sedevacantismo, que nega a legitimidade do Papa e rompe com a comunhão. Não é menos grave do que as confusões teológicas de certos setores progressistas.


Uns tentam reduzir Deus à natureza e o Evangelho a filosofia; outros reduzem a Tradição a um museu. Ambos erram o alvo.

 

A verdadeira Igreja é hierárquica, apostólica, sacramental e viva. Vive da tensão criadora entre tradição e atualização, entre fidelidade e missão. É humana e divina, santa e pecadora, imaculada em sua essência e ferida em seus membros. Por isso, em vez de caçar “hereges” em série, talvez devêssemos lembrar: o que não é dogma na Igreja está sempre em caminho de purificação. Os carismas, os movimentos, as pastorais — todos precisam de conversão constante.



Em suma: não é excluindo que se corrige, mas evangelizando que se transforma!

 


E não me venhas, caro Bernardo, com o rótulo de “somos os verdadeiros católicos”. Todos nós somos — mas estamos sempre em construção, dentro de contextos pessoais, sociais e espirituais em que erros e acertos convivem.



 






Chamar algo de “heresia” não deve ser um fetiche ou um troféu digital. Para ser herético, é preciso haver ruptura essencial com o que a Igreja professa. Muitas vezes há apenas confusão, imaturidade ou interpretação parcial.


Portanto, em vez de promover uma “inquisição midiática”, promovamos uma conversão pastoral. A Igreja não precisa de mais cruzados digitais, mas de discípulos que saibam distinguir firmeza doutrinária de rigidez ideológica, e zelo apostólico de militância travestida de fé.


Porque, no fim, o joio e o trigo continuam crescendo juntos, e o Senhor, que é dono da messe, saberá separá-los — não por cliques, mas por corações.



 

Os problemas existem — e sempre existirão. A Igreja, composta de homens e mulheres limitados, caminha entre luzes e sombras desde o início. Mas diante dessa realidade inevitável, duas perguntas se impõem com força de exame de consciência:



1) O que fazer com eles?


2) Isso desvaloriza a experiência eclesial como um todo?



Em outras palavras: devemos "jogar fora a água suja com o bebê junto?"


Essas perguntas não são novas. Elas ecoam desde o tempo dos apóstolos, quando escândalos, divisões e incompreensões já feriam o Corpo de Cristo. A diferença está na forma como escolhemos reagir. Há quem prefira o caminho fácil da indignação e da ruptura — romper, denunciar, abandonar — como se fosse possível purificar a Igreja apenas pela exclusão dos que erram. Mas a pedagogia do Evangelho é outra: é a da conversão, não a da destruição.




Cristo nunca prometeu uma Igreja sem falhas humanas; prometeu, sim, que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela. Isso significa que a santidade da Igreja não depende da perfeição de seus membros, mas da presença contínua do Espírito Santo que a sustenta, purifica e conduz, mesmo em meio aos escândalos.


Portanto, diante dos problemas, o cristão autêntico não foge nem se escandaliza — ele permanece, ora, trabalha e se converte junto. O trigo e o joio crescem lado a lado, mas é Deus quem fará a colheita final. Desvalorizar a experiência eclesial por causa dos erros humanos seria como desprezar o Evangelho porque Judas o traiu. A Igreja é santa, não porque seus membros o sejam, mas porque nela habita Aquele que é Santo.



Sim, há águas turvas — mas nelas continua mergulhado o bebê da graça. Jogar tudo fora seria negar a própria encarnação: Deus que quis salvar o mundo não por anjos, mas por homens, e entre homens.


Em vez de abandonar a barca por causa das tempestades, sejamos os que ajudam a esvaziar a água, confiando que Cristo ainda está no leme — mesmo quando parece dormir.

 

 

As respostas que a razoabilidade nos apresenta:

 

 

Repito: "os problemas na Igreja existem — e continuarão existindo". Diante deles, a fé e a razão nos propõem duas atitudes fundamentais:



1) Corrigir de maneira verdadeira e fraterna, incluindo e não excluindo. A correção cristã deve ser feita com caridade, e não com o espírito de cruzada. Todos os grupos e movimentos da Igreja, sem exceção, têm suas imperfeições e, por vezes, ensinam algo impreciso ou incompleto. Mas isso não os torna inimigos da fé. Mesmo que os erros estivessem concentrados apenas na Teologia da Libertação, ainda assim a justiça exigiria reconhecer o que nela há de bom e evangélico — sobretudo sua luta pela justiça social e pela dignidade humana.



2) Recordar que muitos elementos e práticas atribuídos à Teologia da Libertação como “erros” não o são de fato, ao menos não sob o ponto de vista teológico e histórico. Desde Pentecostes e o Concílio de Niceia — e não apenas desde Trento — a Igreja tem vivido uma pluralidade legítima de expressões de fé. Julgar uma corrente teológica ou espiritual apenas por uma experiência pessoal, ou tomar um único modelo de vivência católica como o padrão universal, é cair num reducionismo perigoso e, em última instância, anticatólico.





 

O foco, acima de tudo, deve permanecer na fidelidade à Verdade integral revelada e ensinada pela Igreja. Essa Igreja é santa e pecadora, divina e humana — e os seus filhos, caros Bernardo, sempre estiveram no meio de nós: santos e pecadores, iluminados e confusos, fervorosos e tibios.



Querer que todos sejam santos segundo critérios pessoais, escolhidos cirurgicamente a partir de passagens do magistério, é uma utopia. Não tem nada a ver com o Magistério integral de Cristo, mas com a necessidade psicológica de alguns de viver numa bolha de pureza artificial. Se alguém erra, tem até o último instante da vida para se corrigir. 


Pensar o contrário é cair no farisaísmo — o farisaísmo de quem não suporta a realidade e, por isso, sonha com uma “igreja dos imaculados”, uma utopia sem pecadores, sem conflitos e sem cruz. Esse é justamente o princípio das divisões que vemos entre certos tradicionalistas e progressistas: ambos acreditam possuir o monopólio da ortodoxia.






No entanto, as realidades eclesiais — neoconservadores, tradicionalistas, carismáticos, progressistas — não deveriam ser vistas como divisões, mas como carismas. Um carismático é católico. Um tradicionalista é católico. Um progressista, também. O nosso esforço deve ser mostrar que essas aparentes diferenças não tocam o núcleo do Depósito da Fé, desde que os carismas permaneçam autênticos e em comunhão com a Igreja. O caminho é o da orientação, não da supressão, como fez São Paulo com as comunidades do Novo Testamento. Cada vez que a Igreja tentou sufocar uma legítima manifestação do Espírito, o resultado foi desastroso. Que o digam os sofrimentos de São Pio de Pietrelcina diante do zelo excessivo dos burocratas eclesiásticos. Até o zelo, quando desordenado, pode se tornar um pecado.




Sim, há riscos em todos os lados. Muitos carismáticos, movidos por ardor sincero, acabam caindo no sentimentalismo e na superficialidade espiritual. Muitos tradicionalistas, leitores apressados de documentos e sites, resvalam no sectarismo e na arrogância doutrinária. E muitos progressistas, fascinados pela luta pela justiça, terminam confundindo misericórdia com relativismo, esquecendo que o amor de Deus se dirige ao pecador, mas jamais ao pecado.


Perigos existem em cada extremo. A verdade, como sempre, está no equilíbrio da ortodoxia vivida com caridade. E não é loucura imaginar que manifestações verdadeiras de Deus ocorram no meio de experiências imperfeitas. Ao longo da história, todo movimento autêntico do Espírito abriu também espaço para confusões humanas — e isso faz parte da dinâmica do discernimento eclesial.







Não quero aqui duvidar da tua boa vontade, nem do mérito da tua pesquisa. Reconheço teu esforço, Bernardo — como disseste, leste mais de duzentos livros sobre o tema. Mas aqui cabem algumas perguntas essenciais:



-Tivestes a devida caridade e paciência para ouvir o outro lado da moeda?


-Leste, na íntegra, os dois documentos da Congregação para a Doutrina da Fé assinados por São João Paulo II e pelo então cardeal Joseph Ratzinger? Um sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação, outro sobre a liberdade cristã e a libertação?


-Buscaste autores moderados e em consonância com a Doutrina Social da Igreja, como Clodovis Boff, Frei Carlos Josaphat com sua obra Tomás de Aquino e a Nova Era do Espírito, ou mesmo Gustavo Gutiérrez, após as correções orientadas pelo Vaticano, em livros como Onde dormirão os pobres?







Um justo e autêntico juiz nunca profere sentença ouvindo apenas uma das partes. A prudência cristã exige o direito ao contraditório, e só ele permite um salto de qualidade intelectual e espiritual.


-Julgar generalizando que “tudo está errado na Igreja”, que “ninguém presta”, é uma temeridade que beira a ignorância. O próprio Jesus advertiu: “Não julgueis segundo as aparências, mas julgai segundo a reta justiça” (Jo 7,24).


-Julgar retamente requer tempo, maturação, dados suficientes,  e humildade para revisar conclusões. Somente assim adquirimos um discernimento realmente cristão — aquele que nasce da escuta, da paciência e da luz do Espírito Santo.






Se assim procedermos, talvez descubramos que nem tudo está perdido, que ainda há muito bem dentro da Igreja, que o mal pode ser vencido, e que nosso esforço não é inútil. A generalização, caro Bernardo, pode ser mais nociva do que o próprio preconceito. O preconceito, por ser “pré”, pode mudar com o conhecimento. Mas a generalização cria certezas absolutas — e todo absolutismo termina em tragédia: caça às bruxas, linchamentos, assassinatos de reputações e de almas.







Por isso, quando falares da CNBB, diz ao menos “salvo raríssimas exceções”. Não ponha todos os bispos no mesmo saco. 



Quando falares da Teologia da Libertação, reconhece com honestidade que a Igreja condena apenas a vertente marxista, materialista e ateia, e não a reflexão teológica voltada à justiça e à libertação cristã. E quando falares do Concílio Vaticano II, lembra — aqui sim, com ampla generalização — que todos os concílios da Igreja foram influenciados pelo seu tempo, por seus teólogos e pelos desafios de sua era. O Vaticano II não seria, nem poderia ser, a exceção.



Sobre o teólogo jesuíta Karl Rahner, um dos maiores nomes da teologia católica do século XX



Sim, ele teve vários alunos e discípulos influentes, especialmente no campo da teologia sistemática e da filosofia da religião. Aqui estão alguns dos mais conhecidos:


1. Johann Baptist Metz (1928–2019)


-Principal discípulo de Rahner.

-Fundador da Teologia Política, uma vertente que enfatiza a responsabilidade social e histórica da fé cristã.

-Foi aluno direto de Rahner em Innsbruck e depois seu assistente.

-Desenvolveu uma teologia que questionava a “privatização” da fé e criticava o que via como uma espiritualidade “abstrata”.



2. Edward Schillebeeckx (1914–2009)


-Dominicano e grande teólogo do Concílio Vaticano II.

-Embora não tenha sido aluno direto no sentido acadêmico formal, foi fortemente influenciado por Rahner, com quem manteve diálogo constante.

-Trabalhou no mesmo horizonte da “nova teologia” católica, marcada pela abertura à modernidade e pela integração da experiência humana na fé.


3. Hans Küng (1928–2021)


-Teólogo suíço que também participou do Concílio Vaticano II.

-Embora divergissem em vários pontos (Küng foi mais crítico à infalibilidade papal, por exemplo), reconhecia em Rahner uma influência filosófica e metodológica importante, sobretudo na relação entre fé e razão.



4. Walter Kasper (1933–)



-Cardeal alemão, importante teólogo contemporâneo.

-Estudou na mesma tradição teológica alemã de Rahner, tendo sido influenciado pelo seu método transcendental.

-Mais tarde tornou-se presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e conselheiro próximo do Papa Francisco.



5. Karl Lehmann (1936–2018)


-Outro discípulo direto de Rahner, também jesuíta e depois cardeal.

-Foi bispo de Mainz e presidente da Conferência Episcopal Alemã.

-Trabalhou intensamente na aplicação pastoral e eclesial da teologia rahneriana.


 Outros influenciados por Rahner


-Gustavo Gutiérrez, pai da Teologia da Libertação, foi fortemente influenciado pela abordagem existencial e antropológica de Rahner.


-Bernard Lonergan, embora canadense e mais autônomo intelectualmente, também compartilhou fundamentos semelhantes, e ambos dialogaram mutuamente.


Rahner lecionou sobretudo na Universidade de Innsbruck (Áustria), na Universidade de Munique e na Universidade de Münster, tendo alunos vindos do mundo todo, especialmente da Europa e da América Latina. 




Muitos teólogos brasileiros não foram seus alunos “formais” (de sala de aula), mas discípulos intelectuais, influenciados fortemente por sua teologia do mistério, da graça e do “cristão anônimo”.



Entre os brasileiros ligados a Rahner (de modo direto ou por contato acadêmico):



1.Leonardo Boff – estudou Teologia em Munique e foi profundamente influenciado por Karl Rahner. Embora não tenha sido “aluno direto” em curso regular, Boff teve contato pessoal com Rahner e cita-o abundantemente como mestre e referência teológica. Ele mesmo reconhece Rahner como uma de suas maiores influências (ao lado de Congar e Moltmann).


2.Clodovis Boff – irmão de Leonardo, também estudou na Europa e foi igualmente marcado pela teologia rahneriana, especialmente na articulação entre fé e realidade histórica.


3.Henrique Cláudio de Lima Vaz, SJ – filósofo e teólogo jesuíta, contemporâneo e colega espiritual de Rahner dentro da Companhia de Jesus. Embora não tenha sido seu aluno direto, sua formação e método teológico dialogam intimamente com o de Rahner.


4.Vários teólogos jesuítas brasileiros formados na década de 1960–1970, sobretudo em Innsbruck, Frankfurt e Roma, receberam aulas ou seminários de Rahner ou de seus colaboradores diretos. Entre eles, citam-se alguns nomes ligados ao Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus (CES) em Belo Horizonte, que trouxeram suas ideias ao Brasil.



Influência ampla no Brasil


Mesmo sem muitos “alunos de classe”, Karl Rahner foi o teólogo mais estudado entre os jesuítas brasileiros do pós-Concílio Vaticano II, inspirando:



-A teologia da libertação em sua base antropológica e transcendental,

-A teologia do laicato e dos sacramentos,

-E a compreensão moderna da revelação e da graça.



Resumo rápido:



-Aluno direto e com contato pessoal: Leonardo Boff (em Munique).


-Discípulos intelectuais no Brasil: Clodovis Boff, Lima Vaz, e muitos teólogos jesuítas brasileiros formados na Europa pós-Concílio.


Leonardo Boff estudou na Universidade de Munique (Ludwig-Maximilians-Universität), na Alemanha, entre 1965 e 1970, período em que preparava sua tese de doutorado em Teologia Sistemática, intitulada: Die Kirche als Sakrament im Horizont der Welterfahrung” (em português: "A Igreja como Sacramento no horizonte da experiência do mundo"). Esse tema é fortemente inspirado na teologia sacramental e transcendental de Karl Rahner — que defendia que a Igreja é o “sacramento fundamental da salvação”. Durante esse tempo, Karl Rahner ainda lecionava em Münster, mas frequentemente participava de seminários e congressos em Munique, onde Boff pôde assistir a conferências e encontros teológicos com ele. Boff relata em entrevistas e textos que teve encontros pessoais e diálogos teológicos com Karl Rahner, de quem se considerava discípulo e admirador direto. Ele o menciona como um de seus “mestres espirituais e intelectuais”, ao lado de Yves Congar, Hans Küng e Jürgen Moltmann. Em seu livro Teologia do Cativeiro e da Libertação (1980) e em artigos posteriores, Boff escreve que Rahner lhe ajudou a compreender a presença universal da graça e a dimensão transcendental da fé, fundamentos que depois adaptou à realidade latino-americana.



Testemunhos e referências


-Em “O Destino do Homem e do Mundo” (Vozes, 1982), Boff cita Karl Rahner mais de vinte vezes e o chama de “meu professor e mestre”, ainda que nem sempre formalmente em sala de aula.


-Em uma entrevista ao portal IHU (Instituto Humanitas Unisinos, 2004), Boff afirmou: “Tive a graça de conhecer pessoalmente Karl Rahner, de quem fui aluno e de quem recebi grandes luzes para minha teologia.”


-A tese de doutorado de Boff, publicada pela Herder em 1972, contém longas passagens em diálogo direto com Rahner, inclusive notas citando suas aulas e conferências.





Resumo do centro e objetivo da teologia de Karl Rahner




O centro da teologia de Karl Josef Erich Rahner (1904–1984) é a "autocomunicação de Deus na experiência transcendental do ser humano". Para Rahner, o homem é um “ouvinte da Palavra” — isto é, um ser que, em sua própria estrutura espiritual e existencial, está aberto ao mistério absoluto que chamamos de Deus. O objetivo de sua teologia é mostrar que a graça divina não é algo extrínseco, mas o cumprimento mais profundo da própria natureza humana, pois o ser humano é, por essência, "capaz de Deus" (capax Dei). 



Assim, Rahner busca conciliar a fé cristã com a filosofia transcendental moderna, especialmente com o pensamento de Immanuel Kant e Martin Heidegger, propondo uma “teologia transcendental”: uma reflexão que parte da experiência humana para compreender a revelação divina.



Sua teologia pode ser sintetizada na fórmula:




“O ser humano é o ponto de partida da teologia, mas Deus é o seu horizonte e destino.”



Portanto, o centro de sua teologia é a autocomunicação de Deus ao homem na graça, e o objetivo é compreender a fé cristã a partir da experiência universal da transcendência humana, revelando que Deus se torna presente no mais íntimo da existência.



Título da tese de doutorado de Karl Rahner  





Título original (em alemão): „Geist in Welt: Zur Metaphysik der endlichen Erkenntnis bei Thomas von Aquin“ (em tradução livre: “Espírito no Mundo: Sobre a metafísica do conhecimento finito em Tomás de Aquino”).  Defendida em 1936 na Universidade de Innsbruck (Áustria), sob orientação do jesuíta Martin Honecker.  




Resumo do conteúdo e importância  





Nesta tese, Rahner busca reinterpretar o pensamento de São Tomás de Aquino à luz da filosofia transcendental moderna, especialmente a fenomenologia de Heidegger e o idealismo crítico de Kant.  




Ele propõe que o “espírito humano” (Geist) não é uma substância isolada, mas uma abertura dinâmica ao ser — ou seja, o homem conhece o mundo porque é, por natureza, orientado ao Mistério Infinito (Deus).  



A expressão “espírito no mundo” indica que a experiência humana, mesmo finita, é sempre um movimento em direção ao infinito. Essa visão torna-se o núcleo de sua futura “teologia transcendental”, em que a experiência humana é o ponto de partida da revelação e da graça.  




Assim, Rahner afirma que Deus é o horizonte último de toda a experiência de conhecimento e liberdade humana — o que prepara o terreno para sua grande obra posterior, Curso Fundamental da Fé (1976).




Fontes bibliográficas 


-RAHNER, Karl. Geist in Welt: Zur Metaphysik der endlichen Erkenntnis bei Thomas von Aquin. Innsbruck: Rauch, 1939.

-RAHNER, Karl. Curso Fundamental da Fé: Introdução ao conceito de cristianismo. São Paulo: Paulus, 1989.

-RAHNER, Karl. Experiência de Deus hoje. São Paulo: Loyola, 1995.

-RAHNER, Karl. Theological Investigations (vols. I–XXIII). London: Darton, Longman & Todd, 1961–1992.

-McCOOL, Gerald A. From Unity to Pluralism: The Internal Evolution of Thomism. New York: Fordham University Press, 1989.

-GIBELLINI, Rosino. A Teologia do Século XX. São Paulo: Loyola, 1998.





A crítica de Bento XVI (Joseph Ratzinger) à teologia de Karl Rahner, especialmente ao conceito de “cristão anônimo”




Essa crítica é uma das mais conhecidas dentro da teologia católica contemporânea. A seguir um resumo sintético e documentado dessa crítica:




1. O conceito de “cristão anônimo” em Karl Rahner: Karl Rahner (1904–1984) propôs que toda pessoa humana, ao abrir-se sinceramente à graça e à transcendência de Deus, participa implicitamente da fé cristã — mesmo sem professá-la explicitamente.




Assim, um “cristão anônimo” seria alguém que, sem conhecer Cristo ou a Igreja, vive segundo a graça divina e, portanto, é salvo por Cristo, ainda que inconscientemente.



Essa ideia aparece sobretudo em: Rahner, Karl. Grundkurs des Glaubens: Einführung in den Begriff des Christentums. Freiburg: Herder, 1976. (trad. port.: Curso Fundamental da Fé, Loyola, 1989).



2. Crítica de Joseph Ratzinger (Bento XVI) - Joseph Ratzinger reconheceu o valor pastoral e a intenção inclusiva de Rahner, mas considerou o conceito teologicamente problemático e redutivo. Suas críticas principais são:



a) Risco de banalização do cristianismo: Ratzinger advertiu que o conceito de “cristão anônimo” dilui a especificidade da fé cristã e o caráter único da revelação em Cristo:




“Se todos já são cristãos de forma anônima, o cristianismo perde sua urgência missionária e se torna mera consciência moral.” — Ratzinger, J. “Problemas e resultados do Concílio Vaticano II”, in Teologia e História, Lisboa: Paulinas, 1990, p. 65.




b) Cristologia implícita demais: Para Ratzinger, Rahner substitui o encontro pessoal com Cristo por uma experiência transcendental anônima do Absoluto. Isso transforma o cristianismo em uma antropologia religiosa universal, onde a fé deixa de ser resposta a uma revelação concreta:




“A teologia transcendental de Rahner parte do homem, e não do evento Cristo; assim, o cristianismo corre o risco de se tornar antropologia.” — Ratzinger, J. “Introdução ao Cristianismo”, Lisboa: A.O., 1969, p. 126-128.




c) Esvaziamento da missão e da Igreja: Ratzinger também apontou que o conceito de “cristão anônimo” enfraquece a necessidade da evangelização e o papel da Igreja como mediadora da salvação:




“A missão cristã não é tornar consciente o que já se é, mas anunciar uma novidade: a irrupção do Logos eterno na história.” — Ratzinger, J. “Fé, Verdade, Tolerância”, Lisboa: Principia, 2005, p. 44.


OUTRO CRÍTICOS FAMOSOS À TEOLOGIA DE Karl Rahner:



Karl Rahner, embora amplamente respeitado como um dos teólogos mais influentes do século XX e perito no Concílio Vaticano II, também recebeu críticas consistentes de outros papas e teólogos renomados, além de Joseph Ratzinger (Bento XVI).




1. Papa João Paulo II (Karol Wojtyła)



Embora nunca tenha condenado diretamente Rahner, João Paulo II manifestou reservas implícitas à sua antropologia transcendental e à noção de salvação universal. Ele via na teologia de Rahner o risco de substituir a centralidade do mistério de Cristo por uma visão antropocêntrica, onde o homem é o ponto de partida da fé, e não Deus.




“Quando o homem se torna a medida de todas as coisas, o mistério de Cristo se reduz a uma dimensão de sua própria consciência.” — João Paulo II, Redemptor Hominis, 1979, n. 10.



Em várias catequeses e documentos (como Dominum et Vivificantem, 1986, e Veritatis Splendor, 1993), o Papa enfatizou a necessidade da conversão explícita a Cristo, contrapondo-se ao “otimismo salvífico” de Rahner.





BIBLIOGRAFIA



-João Paulo II, Redemptor Hominis (1979), nn. 10–11.

-João Paulo II, Veritatis Splendor (1993), n. 87.

-Weigel, George. Witness to Hope: The Biography of John Paul II. HarperCollins, 1999.




2. Hans Urs von Balthasar (1905–1988)




Amigo e contemporâneo de Rahner, von Balthasar partilhava sua preocupação pastoral, mas via em sua teologia um “otimismo excessivo” e uma tendência a dissolver o drama da fé em categorias filosóficas.




“Rahner constrói uma teologia da graça que parece automática demais. A liberdade humana diante de Deus deixa de ser dramática.” — von Balthasar, H.U. “Cordula ou o sério da fé”, Paulinas, 1984.



Balthasar defendia uma teologia estética e dramática, centrada no evento da cruz, em contraste com o esquema transcendental e inclusivo de Rahner.




BIBLIOGRAFIA


-von Balthasar, Hans Urs. Cordula ou o sério da fé. São Paulo: Paulinas, 1984.

-von Balthasar, Hans Urs. Teodramática, vol. I–V. Johannes Verlag, 1973–1983.

-Nichols, Aidan. The Thought of Pope Benedict XVI: An Introduction to the Theology of Joseph Ratzinger. Burns & Oates, 2005.





3. Cardeal Henri de Lubac (1896–1991)



Embora amigo e colega de Rahner, Henri de Lubac — também perito conciliar — advertiu que Rahner radicalizava a relação natureza-graça, transformando a graça em algo quase natural.



“A graça não é algo que o homem possua por estrutura. Ela é sempre dom, surpresa e ruptura.” — de Lubac, H. “Surnaturel”, Paris: Aubier, 1946.



De Lubac via em Rahner o perigo de uma teologia sem a tensão entre o dom sobrenatural e a liberdade humana.





BIBLIOGRAFIA



-de Lubac, Henri. Surnaturel: Études historiques. Paris: Aubier, 1946.

-Doran, Robert. What Is Systematic Theology? University of Toronto Press, 2005.




4. Outros Críticos Importantes da Teologia de Karl Rahner




Além das críticas de Joseph Ratzinger, João Paulo II, Henri de Lubac e Hans Urs von Balthasar, outros teólogos de destaque também analisaram e questionaram aspectos centrais do pensamento de Karl Rahner.




1-O teólogo suíço Hans Küng, embora próximo de Rahner em muitos pontos, acusou-o de manter um “sistema ainda demasiado escolástico”, isto é, excessivamente preso às estruturas da teologia tradicional, o que dificultava a plena conciliação entre liberdade humana e graça divina. (Fonte: Küng, Hans. Ser Cristão. Madrid: Cristiandad, 1974).



2-O teólogo protestante Karl Barth foi ainda mais contundente. Considerou a noção rahneriana de “cristão anônimo” uma forma velada de universalismo salvífico, incompatível com a fé reformada. Para Barth, a salvação é sempre ato soberano de Deus em Cristo, não uma potencialidade humana natural. (Fonte: Barth, Karl. Church Dogmatics IV. Edinburgh: T&T Clark, 1956).



3-Por sua vez, o cardeal jesuíta Avery Dulles — um dos principais teólogos norte-americanos do século XX — reconheceu o valor pastoral de Rahner, mas advertiu que "seu otimismo quanto à salvação universal poderia conduzir a um indiferentismo religioso, enfraquecendo a urgência da evangelização". (Fonte: Dulles, Avery. Models of Revelation. New York: Doubleday, 1983).





Em conjunto, essas críticas revelam que, embora Karl Rahner tenha sido um marco na renovação da teologia católica contemporânea, muitos pensadores — católicos e protestantes — consideraram que sua tentativa de universalizar a graça corre o risco de diluir o caráter único, histórico e pessoal da revelação cristã em Jesus Cristo. A teologia de Karl Rahner ampliou os horizontes da soteriologia católica, mas também provocou sérias reservas entre papas e teólogos. De João Paulo II a von Balthasar, a crítica central foi sempre a mesma: ao tentar universalizar a graça, Rahner correu o risco de relativizar a necessidade do encontro explícito com Cristo e a missão da Igreja. Porém, ser aluno de Karl Rahner não significava passar por uma “lavagem cerebral teológica” nem sair com um chip rahneriano implantado no cérebro, recitando automaticamente “teologia transcendental” a cada homilia. Rahner não formava clones; formava pensadores — e isso, convenhamos, é bem mais perigoso.  Basta olhar o “pós-Rahner” de seus alunos e discípulos: Joseph Ratzinger (Bento XVI) foi seu colega e admirador nos tempos de Munique, mas depois tomou o caminho da teologia mais clássica e crítica ao método rahneriano, chegando até a divergir frontalmente em temas como o conceito de “cristão anônimo”. 





Já Leonardo Boff mergulhou fundo na fonte rahneriana e depois misturou-a com o barro latino-americano da teologia da libertação. Clodovis Boff, por sua vez, percorreu a mesma trilha… até que um dia pegou o retorno e voltou para a ortodoxia romana, reavaliando o que chamava de “excessos” da libertação.  Ou seja: o contato com Karl Rahner produziu mentes inquietas, não discípulos dóceis. 





Cada um saiu do encontro com o mestre jesuíta seguindo um rumo próprio — alguns mais místicos, outros mais dogmáticos, outros mais sociais. Nenhum deles parece ter sofrido “lavagem cerebral”; talvez o contrário: tiveram lavagem de alma — com enxágue de perguntas e centrifugação de certezas.  Rahner, afinal, nunca quis fabricar seguidores; quis provocar consciências. E nisso foi genial: deixou um legado que incomoda tanto progressistas quanto conservadores. 




A prova? 




Seus ex-alunos hoje se distribuem entre o Vaticano, as universidades, e as comunidades de base — cada um carregando um pouco da centelha rahneriana, ainda que nem todos admitam.  Em suma: passar por Karl Rahner não transforma ninguém em herege ou santo — apenas em alguém que pensa diferente e quer contribuir à teologia.




QUAL O MAIOR DESAFIO DA IGREJA HOJE ? (um teólogo da libertação nos responde):









“Certamente, a Igreja já fez, está fazendo muito no campo social, e precisará fazer mais ainda. Mas, é preciso que fique claro: não é essa a missão originária, "própria” da Igreja, como repete expressamente o Vaticano II (cf. GS 42,2; e ainda 40,2-3 e 45,1). A missão social é, antes, uma missão segunda, embora derivada, necessariamente, da primeira, que é de natureza "religiosa”. Essa lição nunca foi bem compreendida pelo pensamento laico. Foram os Iluministas que queriam reduzir a missão da Igreja à mera função social. Daí terem cometido o crime, inclusive cultural, de destruírem celebres mosteiros e proibido a existência de ordens religiosas, por acharem tudo isso coisa completamente inútil, mentalidade essa ainda forte na sociedade e até mesmo dentro da Igreja. Agora, se perguntamos: Qual é o maior desafio da Igreja?, Devemos responder: É o maior desafio do homem: o sentido de sua vida. Essa é uma questão que transcende tanto as sociedades como os tempos. É uma questão eterna, que, porém, hoje, nos pós-moderno, tornou-se, particularmente angustiante e generalizada. É, em primeiríssimo lugar, a essa questão, profundamente existencial e hoje caracterizadamente cultural, que a Igreja precisa responder, como, aliás, todas as religiões, pois são elas, a partir de sua essência, as "especialistas do sentido”. Quem não viu a gravidade desse desafio, ao mesmo tempo existencial e histórico, e insiste em ver na questão social "a grande questão”, está "desantenado” não só da teologia, mas também da história.”- (Frei Clodovis M. Boff).




*Francisco José Barros de Araújo – Bacharel em Teologia pela Faculdade Católica do RN, conforme diploma Nº 31.636 do Processo Nº  003/17 - Perfil curricular no sistema Lattes do CNPq Nº 1912382878452130.








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Anônimo
25 de outubro de 2022 às 08:26

Graças a Deus, uma postura sensata.
Não aguento mais essa tendenciosidade e agressividade velada de grupos "radtrads", que se colocam como superiores à doutrina da Igreja. Perseguem a todos que tentam um diálogo, se acham a suprema sabedoria da interpretação dos ensinamentos católicos,induzem as pessoas a se ligarem mais a grupos/ movimentos, do que ao Evangelho. Tempos difíceis de todas as formas: farisianismo de um lado e sentimentalismo do outro. Se não se encaixa em nenhum, você é considerado"murista", sendo que você é apenas católico!

Anônimo
25 de outubro de 2022 às 14:20

CONCORDO PLENAMENTE!

Anônimo
5 de novembro de 2025 às 16:22

Fato!

Embora Karl Rahner tenha sido um marco na renovação da teologia católica contemporânea, muitos pensadores — católicos e protestantes — consideraram que sua tentativa de universalizar a graça corre o risco de diluir o caráter único, histórico e pessoal da revelação cristã em Jesus Cristo. A teologia de Karl Rahner ampliou os horizontes da soteriologia católica, mas também provocou sérias reservas entre papas e teólogos. De João Paulo II a von Balthasar, a crítica central foi sempre a mesma: ao tentar universalizar a graça, Rahner correu o risco de relativizar a necessidade do encontro explícito com Cristo e a missão da Igreja. Porém, ser aluno de Karl Rahner não significava passar por uma “lavagem cerebral teológica” nem sair com um chip rahneriano implantado no cérebro, recitando automaticamente “teologia transcendental” a cada homilia. Rahner não formava clones; formava pensadores — e isso, convenhamos, é bem mais perigoso. Basta olhar o “pós-Rahner” de seus alunos e discípulos: Joseph Ratzinger (Bento XVI) foi seu colega e admirador nos tempos de Munique, mas depois tomou o caminho da teologia mais clássica e crítica ao método rahneriano, chegando até a divergir frontalmente em temas como o conceito de “cristão anônimo”.

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