Há oito anos, a mídia condenou em peso a palestra do papa emérito em
Regensburg (Ratisbona). Hoje constatamos: Ele estava certo, e a mídia estava
errada...
Por GEORGE WEIGEL –
Aleteia
Na noite de 12 de
setembro de 2006, minha esposa e eu estávamos jantando em Cracóvia com amigos
poloneses quando um agitado vaticanista italiano (me perdoem pela redundância
nos adjetivos) me ligou querendo saber o que eu achava "do louco discurso do papa
sobre os muçulmanos". Aquele foi, para mim, o primeiro indício de
que o rebanho da imprensa mundial estava prestes a bombardear o que Bento XVI
tinha dito em Regensburg; uma suposta “gafe” que os meios de comunicação
continuariam a trazer à tona o tempo todo, até o final daquele pontificado.Oito anos depois, a palestra de Regensburg (Ratisbona) desperta reações
bem diferentes. Aliás, quem de fato a leu em 2006 entendeu que, longe de
cometer uma “gafe”, Bento XVI explorou com precisão acadêmica duas questões
fundamentais, cujas respostas influenciariam profundamente a guerra civil que
corroi as entranhas do islã: uma guerra cujo resultado determinará se o islã do
século XXI é seguro para os seus próprios adeptos e seguro para o mundo. A primeira questão
era a liberdade religiosa: será que os muçulmanos conseguiriam
encontrar, dentro dos seus próprios recursos espirituais e intelectuais,
argumentos islâmicos que defendessem a tolerância religiosa (incluindo a
tolerância para com quem se converte do islã a outras religiões)? O
processo desejável, sugeriu o pontífice, deveria levar, ao longo do tempo
(séculos, no caso), a uma teoria islâmica mais completa sobre a liberdade
religiosa.A segunda questão era
a estruturação das sociedades islâmicas: será que os muçulmanos poderiam
encontrar, também com base nos seus próprios recursos espirituais e
intelectuais, argumentos islâmicos que defendessem a distinção entre autoridade
religiosa e autoridade política dentro de um Estado justo?O desenvolvimento
igualmente desejável desse processo poderia tornar as sociedades muçulmanas
mais humanas em si mesmas e menos perigosas para os seus vizinhos,
especialmente se vinculado a uma emergente experiência islâmica de tolerância
religiosa.
O papa Bento XVI
chegou a sugerir que o diálogo inter-religioso entre católicos e muçulmanos se
concentrasse nessas duas questões interligadas!
A Igreja católica,
admitiu livremente o papa, tinha as suas próprias batalhas no tocante à
liberdade religiosa em uma comunidade política constitucionalmente regulada, na
qual a Igreja desempenhava um papel fundamental dentro da sociedade civil, mas
não diretamente no governo.
Mas o catolicismo tinha conseguido resultados
interessantes:
Não capitulando
diante da filosofia política laicista, e sim usando o que tinha aprendido da
modernidade política para voltar à sua própria tradição, redescobrindo
elementos do seu pensamento sobre a fé, a religião e a sociedade que tinham se
perdido ao longo do tempo e desenvolvendo a sua doutrina sobre a sociedade
justa do futuro.
Será que tal processo de recuperação e desenvolvimento é
possível no islã?
Esta foi a grande
pergunta feita por Bento XVI na palestra de Regensburg. É uma tragédia de
proporções históricas que esta questão tenha sido, primeiro, mal interpretada,
e, depois, ignorada. Os resultados desse mal-entendido e desse descaso (e de
muitos outros mal-entendidos e muitas outras ignorâncias) estão agora sendo
expostos de modo macabro no Oriente Médio:
Dizimação de antiquíssimas comunidades cristãs; barbaridades que
chocaram o aparentemente inchocável Ocidente, como a crucificação e a
decapitação de cristãos; países cambaleantes; esperanças despedaçadas de que o
Oriente Médio do século XXI possa se recuperar das suas várias doenças
culturais e políticas e encontrar um caminho para um futuro mais humano.
Bento XVI, tenho certeza, não sente prazer algum ao ver a
história vingar o seu discurso de Regensburg:
Mas os seus críticos
de 2006 poderiam examinar em sua consciência o opróbrio que despejaram sobre
ele há oito anos. Admitir que eles entenderam tudo errado em 2006 seria um bom
primeiro passo para abordarem a própria ignorância sobre a guerra civil
intra-islâmica que ameaça gravemente a paz do mundo no século XXI.
Quanto ao diálogo proposto por Bento XVI sobre o futuro
do islã, ele agora parece bastante improvável:
Mas, caso aconteça,
os líderes cristãos devem listar sem rodeios as patologias do islamismo e do
jihadismo; devem deixar de lado as desculpas não históricas pelo colonialismo
do século XX (que imita desajeitadamente o que há de pior nos chavões
acadêmicos ocidentais sobre o mundo islâmico árabe); e devem declarar
publicamente que, diante de fanáticos sanguinários, como são os responsáveis pelo
reinado de terror que está assolando o Iraque e a Síria neste momento, o uso da
força das armas, prudente e bem direcionado por aqueles que têm a vontade e os
meios para defender os inocentes, é moralmente justificado.
Fonte: Aleiteia
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