Homilia do Papa Bento XVI na abertura do Ano da Fé – 11/10/2012
HOMILIA: Santa
Missa de abertura do Ano da Fé
Venerados
Irmãos,
Queridos irmãos e irmãs!
Hoje,
com grande alegria, 50 anos depois da abertura do Concílio Vaticano II, damos
início ao Ano da fé. Tenho o prazer de saudar a todos vós, especialmente Sua
Santidade Bartolomeu I, Patriarca de Constantinopla, e Sua Graça Rowan
Williams, Arcebispo de Cantuária. Saúdo também, de modo especial, os Patriarcas
e Arcebispos Maiores das Igrejas Orientais católicas, e os Presidentes das
Conferências Episcopais. Para fazer memória do Concílio, que alguns dos aqui
presentes – a quem saúdo com afeto especial – tivemos a graça de viver em
primeira pessoa, esta celebração foi enriquecida com alguns sinais específicos:
a procissão inicial, que quis recordar a memorável procissão dos Padres
conciliares, quando entraram solenemente nesta Basílica; a entronização do
Evangeliário, cópia daquele que foi utilizado durante o Concílio; e a entrega
das sete mensagens finais do Concílio e do Catecismo da Igreja Católica, que
realizarei no termo desta celebração, antes da Bênção Final. Estes sinais não
nos fazem apenas recordar, mas também nos oferecem a possibilidade de ir além
da comemoração. Eles nos convidam a entrar mais profundamente no movimento
espiritual que caracterizou o Vaticano II, para que se possa assumi-lo e
levá-lo adiante no seu verdadeiro sentido. E este sentido foi e ainda é a fé em Cristo, a fé apostólica,
animada pelo impulso interior que leva a comunicar Cristo a cada homem e a
todos os homens, no peregrinar da Igreja nos caminhos da história.
O
Ano da fé que estamos inaugurando hoje está ligado coerentemente com todo o
caminho da Igreja ao longo dos últimos 50 anos: desde o Concílio, passando pelo
Magistério do Servo de Deus Paulo VI, que proclamou um “Ano da Fé”, em 1967,
até chegar ao o Grande Jubileu do ano 2000, com o qual o Bem-Aventurado João
Paulo II propôs novamente a toda a humanidade Jesus Cristo como único Salvador,
ontem, hoje e sempre. Entre estes dois Pontífices, Paulo VI e João Paulo II,
houve uma profunda e total convergência na visão de Cristo como o centro do
cosmos e da história, e no ardente desejo apostólico de anunciá-lo ao
mundo. Jesus é o centro
da fé cristã. O cristão crê em Deus através de Jesus Cristo, que nos revelou a
face de Deus. Ele é o cumprimento das Escrituras e seu intérprete definitivo.
Jesus Cristo não é apenas o objeto de fé, mas, como diz a Carta aos Hebreus, é
aquele “que em nós começa e completa a obra da fé” (Hb 12,2).
O
Evangelho de hoje nos fala que Jesus Cristo, consagrado pelo Pai no Espírito
Santo, é o verdadeiro e perene sujeito da evangelização. “O Espírito do Senhor
está sobre mim, / porque ele me consagrou com a unção / para anunciar a
Boa-Nova aos pobres” (Lc 4,18). Esta missão de Cristo, este movimento, continua
no espaço e no tempo, ao longo dos séculos e continentes. É um movimento que
parte do Pai e, com a força do Espírito, impele a levar a Boa-Nova aos pobres,
tanto no sentido material como espiritual. A Igreja é o instrumento primordial
e necessário desta obra de Cristo, uma vez que está unida a Ele como o corpo à
cabeça. “Como o Pai me enviou, também eu vos envio” (Jo 20,21). Estas foram as
palavras do Senhor Ressuscitado aos seus discípulos, que soprando sobre eles
disse: “Recebei o Espírito Santo” (v. 22). O sujeito principal da evangelização do mundo é Deus, através
de Jesus Cristo; mas o próprio Cristo quis transmitir à Igreja a missão, e o
fez e continua a fazê-lo até o fim dos tempos infundindo o Espírito Santo nos
discípulos, o mesmo Espírito que repousou sobre Ele, e n’Ele permaneceu durante
toda a sua vida terrena, dando-lhe a força de “proclamar a libertação aos
cativos / e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para
proclamar um ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-19).
O Concílio Vaticano II não quis colocar a fé como tema de um
documento específico. E, no entanto, o Concílio esteve inteiramente animado
pela consciência e pelo desejo de ter que, por assim dizer, imergir mais uma
vez no mistério cristão, para poder propô-lo novamente e eficazmente para o
homem contemporâneo. Neste sentido, o Servo de Deus Paulo VI, dois anos
depois da conclusão do Concílio, se expressava usando estas palavras: “Se o
Concílio não trata expressamente da fé, fala da fé a cada página, reconhece o
seu caráter vital e sobrenatural, pressupõe-na íntegra e forte, e estrutura as
suas doutrinas tendo a fé por alicerce. Bastaria recordar [algumas] afirmações
do Concílio (…) para dar-se conta da importância fundamental que o Concílio, em
consonância com a tradição doutrinal da Igreja, atribui à fé, a verdadeira fé,
que tem a Cristo por fonte e o Magistério da Igreja como canal” (Catequese na
Audiência Geral de 8 de março de 1967).
Agora,
porém, temos de voltar para aquele que convocou o Concílio Vaticano II e que o
inaugurou: o Bem-Aventurado João XXIII. No Discurso de Abertura, ele apresentou
a finalidade principal do Concílio usando estas palavras: “O que mais importa
ao Concílio Ecumênico é o seguinte: que o depósito sagrado da doutrina cristã
seja guardado e ensinado de forma mais eficaz. (…) Por isso, o objetivo
principal deste Concílio não é a discussão sobre este ou aquele tema doutrinal…
Para isso, não havia necessidade de um Concílio… É necessário que esta doutrina
certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e
apresentada de forma a responder às exigências do nosso tempo” (AAS 54 [1962],
790791-792).
À
luz destas palavras, entende-se aquilo que eu mesmo pude então
experimentar: durante o
Concílio havia uma tensão emocionante, em relação à tarefa comum de fazer
resplandecer a verdade e a beleza da fé no hoje do nosso tempo, sem
sacrificá-la frente às exigências do presente, nem mantê-la presa ao passado:
na fé ecoa o eterno presente de Deus, que transcende o tempo, mas que só pode
ser acolhida no nosso hoje, que não torna a repetir-se. Por
isso, julgo que a coisa mais importante, especialmente numa ocasião tão
significativa como a presente, seja reavivar em toda a Igreja aquela tensão
positiva, aquele desejo ardente de anunciar novamente Cristo ao homem
contemporâneo. Mas para
que este impulso interior à nova evangelização não seja só um ideal e não peque
de confusão, é necessário que ele se apóie sobre uma base concreta e precisa, e
esta base são os documentos do Concílio Vaticano II, nos quais este impulso
encontrou a sua expressão. É por isso que repetidamente
tenho insistido na necessidade de retornar, por assim dizer, à “letra” do
Concílio – ou seja, aos seus textos – para também encontrar o seu verdadeiro
espírito; e tenho repetido que neles se encontra a verdadeira herança do
Concílio Vaticano II. A referência aos documentos protege dos extremos tanto de
nostalgias anacrônicas como de avanços excessivos, permitindo captar a novidade
na continuidade. O Concílio não excogitou nada de novo em matéria de fé, nem
quis substituir aquilo que existia antes. Pelo contrário, preocupou-se em fazer
com que a mesma fé continue a ser vivida no presente, continue a ser uma fé
viva em um mundo em mudança.
Se
nos colocarmos em sintonia com a orientação autêntica que o Bem-Aventurado João
XXIII queria dar ao Vaticano II, poderemos atualizá-la ao longo deste Ano da
Fé, no único caminho da Igreja que quer aprofundar continuamente a “bagagem” da
fé que Cristo lhe confiou. Os
Padres conciliares queriam voltar a apresentar a fé de uma forma eficaz, e se
quiseram abrir-se com confiança ao diálogo com o mundo moderno foi justamente
porque eles estavam seguros da sua fé, da rocha firme em que se apoiavam. Contudo,
nos anos seguintes, muitos acolheram acriticamente a mentalidade dominante,
questionando os próprios fundamentos do depositum fidei a qual infelizmente já
não consideravam como própria diante daquilo que tinham por verdade.
Se a Igreja hoje propõe um novo Ano da Fé e a nova
evangelização, não é para prestar honras a uma efeméride, mas porque é
necessário, ainda mais do que há 50 anos! E a resposta que se deve dar a esta
necessidade é a mesma desejada pelos Papas e Padres conciliares e que está
contida nos seus documentos. Até mesmo a iniciativa de criar um Concílio Pontifício
para a Promoção da Nova Evangelização – ao qual agradeço o empenho especial
para o Ano da Fé – enquadra-se nessa perspectiva. Nos últimos decênios tem-se
visto o avanço de uma “desertificação” espiritual. Qual fosse o valor de uma
vida, de um mundo sem Deus, no tempo do Concílio já se podia perceber a partir
de algumas páginas trágicas da história, mas agora, infelizmente, o vemos ao
nosso redor todos os dias. É
o vazio que se espalhou. No entanto, é precisamente a partir da experiência
deste deserto, deste vazio, que podemos redescobrir a alegria de crer, a sua
importância vital para nós homens e mulheres. No deserto é possível redescobrir
o valor daquilo que é essencial para a vida; assim sendo, no mundo de hoje, há
inúmeros sinais da sede de Deus, do sentido último da vida, ainda que muitas
vezes expressos implícita ou negativamente. E no deserto
existe, sobretudo, necessidade de pessoas de fé que, com suas próprias vidas,
indiquem o caminho para a Terra Prometida, mantendo assim viva a esperança. A
fé vivida abre o coração à Graça de Deus que liberta do pessimismo. Hoje, mais
do que nunca, evangelizar significa testemunhar uma vida nova, transformada por
Deus, indicando assim o caminho. A primeira Leitura falava da sabedoria do
viajante (cf. Eclo 34,9-13): a viagem é uma metáfora da vida, e o viajante
sábio é aquele que aprendeu a arte de viver e pode compartilhá-la com os irmãos
– como acontece com os peregrinos no Caminho de Santiago, ou em outros caminhos
de peregrinação que, não por acaso, estão novamente em voga nestes últimos
anos. Por que tantas pessoas hoje sentem a necessidade de fazer esses caminhos?
Não seria porque neles encontraram, ou pelo menos intuíram o significado do
nosso estar no mundo? Eis
aqui o modo como podemos representar este ano da Fé: uma peregrinação nos
desertos do mundo contemporâneo, em que se deve levar apenas o que é essencial:
nem cajado, nem sacola, nem pão, nem dinheiro, nem duas túnicas – como o Senhor
exorta aos Apóstolos ao enviá-los em missão (cf. Lc 9,3), mas sim o Evangelho e
a fé da Igreja, dos quais os documentos do Concílio Vaticano II são uma
expressão luminosa, assim como é o Catecismo da Igreja Católica, publicado há
20 anos.
Venerados e queridos irmãos, no dia 11 de outubro de 1962, celebrava-se a festa de Santa Maria, Mãe de Deus. A Ela lhe confiamos o Ano da Fé, tal como fiz há uma semana, quando fui, em peregrinação, a Loreto. Que a Virgem Maria brilhe sempre qual estrela no caminho da nova evangelização. Que Ela nos ajude a pôr em prática a exortação do Apóstolo Paulo: “A palavra de Cristo, em toda a sua riqueza, habite em vós. Ensinai e admoestai-vos uns aos outros, com toda a sabedoria… Tudo o que fizerdes, em palavras ou obras, seja feito em nome do Senhor Jesus.
Venerados e queridos irmãos, no dia 11 de outubro de 1962, celebrava-se a festa de Santa Maria, Mãe de Deus. A Ela lhe confiamos o Ano da Fé, tal como fiz há uma semana, quando fui, em peregrinação, a Loreto. Que a Virgem Maria brilhe sempre qual estrela no caminho da nova evangelização. Que Ela nos ajude a pôr em prática a exortação do Apóstolo Paulo: “A palavra de Cristo, em toda a sua riqueza, habite em vós. Ensinai e admoestai-vos uns aos outros, com toda a sabedoria… Tudo o que fizerdes, em palavras ou obras, seja feito em nome do Senhor Jesus.
Por meio dele dai graças a Deus Pai” (Col 3,16-17). Amém.
Por que o “ Ano da Fé ?
O
Papa Bento XVI pediu este especial ano de
convidar para uma “autêntica conversão e renovada ao Senhor, único Salvador do
mundo” (Carta Apostólica Porta
fidei 6). Ele espera que isso inspire em todos os fiéis
“a aspiração deconfessar a
fé em plenitude e com renovada convicção, com confiança e esperança. Será
também uma boa oportunidade para intensificar a celebração da fé na
liturgia, especialmente a Eucaristia, que é o “cume para o qual tende a
atividade da Igreja e com a fonte a partir da qual todo o seu poder” ( Sacrosanctum Concilium 10). Ao
mesmo tempo, esperamos que o testemunho de
vida dos crentes a crescer em sua credibilidade. Redescobrindo os
conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezou (cf. Constituição
Apostólica Fidei depositum ,
116), e refletir sobre o mesmo ato pelo qual eles acreditam que é um
compromisso que cada crente deve fazer a sua própria, especialmente neste Ano ”( Porto fidei 9).
Embora
haja momentos de celebração e confissão pública de fé comum, o objetivo
específico deste ano é que cada cristão a redescobrir “o caminho de fé para
destacar crescente evidência da alegria e renovado entusiasmo do encontro com
Cristo. “
O
Papa esclareceu o significado e propósito na sua Carta Apostólica Porta fidei , publicada em
11 de outubro de 2011.
Quando começa (e termina) o “ Ano da Fé ?
O
“ Ano da Fé começa
em 11 de outubro de 2012, e termina 24 de novembro de 2013, Solenidade de Nosso
Senhor Jesus Cristo Rei. O Papa escolheu a 11 de Outubro de 2012 como a
data de abertura porque neste dia ocorrerá dois importantes aniversários: o 50
º aniversário da abertura do Concílio Vaticano II e do 20 º aniversário da
promulgação do Catecismo da Igreja Católica.
Site que fornece mais informações e materiais sobre o “ Ano da Fé”:
www.annusfidei.va
Nota com indicações pastorais para o Ano da Fé:
Com
a Carta apostólica Porta fidei de 11 de outubro de
2011, o Santo Padre Bento XVI convocou um Ano da Fé. Ele começará no dia 11 de outubro
2012, por ocasião do quinquagésimo aniversário da abertura do Concílio
Ecumênico Vaticano II, e terminará aos 24 de novembro de 2013, Solenidade de
Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo.
Este ano será uma ocasião propícia a fim de que todos os fiéis
compreendam mais profundamente que o fundamento da fé cristã é “o encontro com
um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta
forma, o rumo decisivo”.1
Fundamentada
no encontro com Jesus Cristo ressuscitado, a fé poderá ser redescoberta na sua
integridade e em todo o seu esplendor. “Também nos nossos dias a fé é um dom
que se deve redescobrir, cultivar e testemunhar” para que o Senhor “conceda a
cada um de nós viver a beleza e a alegria de sermos cristãos”2.
O
início do Ano da Fé coincide
com a grata recordação de dois grandes eventos que marcaram a face da Igreja
nos nossos dias: o quinquagésimo aniversário da abertura do Concílio Vaticano
II, desejado pelo beato João XXIII (11 de outubro de 1962), e o vigésimo
aniversário da promulgação do Catecismo
da Igreja Católica, oferecido à Igreja pelo beato João Paulo II (11
de outubro de 1992).
O Concílio, segundo o Papa João XXIII, quis “transmitir pura e
íntegra a doutrina, sem atenuações nem subterfúgios”, empenhando-se para que
“esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja
aprofundada e exposta de forma a responder às exigências do nosso tempo”3. A este
propósito, continua sendo de importância decisiva o início da Constituição
dogmática Lumen gentium:
“A luz dos povos é Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido no Espírito
Santo, deseja ardentemente iluminar com a Sua luz, que resplandece no rosto da
Igreja, todos os homens, anunciando o Evangelho a toda a criatura (cfr. Mc.
16,15)”4. A
partir da luz de Cristo, que purifica, ilumina e santifica na celebração da
sagrada liturgia (cf. Constituição Sacrosanctum
Concilium) e com a sua palavra divina (cf. Constituição
dogmática Dei Verbum), o Concílio quis aprofundar a natureza íntima
da Igreja (cf. Constituição dogmática Lumen gentium) e a sua relação com o mundo
contemporâneo (cf. Constituição pastoralGaudium et spes). Ao redor das
suas quatro Constituições, verdadeiras pilastras do Concílio, se agrupam as
Declarações e os Decretos, que enfrentam alguns dos maiores desafios do tempo.
Depois
do Concílio, a Igreja se empenhou na assimilação (receptio) e na aplicação do seu rico ensinamento,
em continuidade com toda a Tradição, sob a guia segura do Magistério. A fim de
favorecer a correta assimilação do Concílio, os Sumos Pontífices convocaram
amiúde o Sínodo dos Bispos5, instituído pelo Servo de Deus Paulo VI
em 1965, propondo à Igreja orientações claras por meio das diversas Exortações
apostólicas pós-sinodais. A
próxima Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, no mês de outubro de 2012, terá
como tema: A
nova evangelização para a transmissão da fé cristã.
Desde o começo do seu pontificado, o Papa Bento XVI se empenhou
de maneira decisiva por uma correta compreensão do Concílio, rechaçando como
errônea a assim chamada “hermenêutica da descontinuidade e da ruptura” e
promovendo aquele que ele mesmo chamou de “’hermenêutica da reforma’”, da
renovação na continuidade do único sujeito-Igreja, que o Senhor nos concedeu; é
um sujeito que cresce no tempo e se desenvolve, permanecendo porém sempre o
mesmo, único sujeito do Povo de Deus a caminho”6.
O Catecismo da Igreja Católica,
pondo-se nesta linha, é, de um lado, “verdadeiro fruto do Concílio Vaticano II”7,
e de outro pretende favorecer a sua assimilação. O Sínodo Extraordinário dos
Bispos de 1985, convocado por ocasião do vigésimo aniversário da conclusão do
Concílio Vaticano II e para efetuar um balanço da sua assimilação, sugeriu que
fosse preparado este Catecismo a fim de oferecer ao Povo de Deus um
compêndio de toda a doutrina católica e um texto de referência segura para os
catecismos locais. O Papa João Paulo II acolheu a proposta como desejo “de
responder plenamente a uma necessidade verdadeira da Igreja Universal e das
Igrejas particulares”8. Redigido em colaboração com todo o
Episcopado da Igreja Católica, este Catecismo “exprime verdadeiramente aquela a
que se pode chamar a ‘sinfonia da fé’”9.
O Catecismo compreende “coisas
novas e velhas (cf. Mt 13,52), porque a fé é sempre a mesma e
simultaneamente é fonte de luzes sempre novas. Para
responder a esta dupla exigência, o ‘Catecismo
da Igreja Católica’
por um lado retoma a ‘antiga’ ordem, a tradicional, já
seguida pelo Catecismo de São Pio V, articulando o conteúdo em quatro partes: o
Credo; a sagrada Liturgia, com os sacramentos em primeiro plano; o agir
cristão, exposto a partir dos mandamentos; e por fim a oração cristã. Mas, ao
mesmo tempo, o conteúdo é com frequência expresso de um modo ‘novo’, para responder às
interrogações da nossa época“10. Este Catecismo é “um instrumento válido e legítimo a
serviço da comunhão eclesial e como uma norma segura para o ensino da fé.”11.
Nele os conteúdos da fé encontram “a sua síntese sistemática e orgânica. Nele,
de facto, sobressai a riqueza de doutrina que a Igreja acolheu, guardou e
ofereceu durante os seus dois mil anos de história. Desde a Sagrada Escritura
aos Padres da Igreja, desde os Mestres de teologia aos Santos que atravessaram
os séculos, oCatecismo oferece uma memória permanente dos
inúmeros modos em que a Igreja meditou sobre a fé e progrediu na doutrina para
dar certeza aos crentes na sua vida de fé.”12.
O Ano da Fé quer contribuir para
uma conversão renovada ao Senhor Jesus e à redescoberta da fé, para que todos
os membros da Igreja sejam testemunhas credíveis e alegres do Senhor
ressuscitado no mundo de hoje, capazes de indicar a “porta da fé” a tantas pessoas
que estão em busca. Esta
“porta” escancara o olhar do homem para Jesus Cristo, presente no nosso meio
“todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20). Ele nos mostra como “a arte de viver” se aprende “numa
relação profunda com Ele“13. “Com o seu amor, Jesus Cristo atrai a Si os
homens de cada geração: em todo o tempo, Ele convoca a Igreja
confiando-lhe o anúncio do Evangelho, com um mandato que é sempre novo. Por
isso, também hoje é
necessário um empenho eclesial mais convicto a favor duma nova evangelização,
para descobrir de novo a alegria de crer e reencontrar o entusiasmo de
comunicar a fé“14.
Por
ordem do Papa Bento XVI15, a Congregação para a Doutrina da Fé
redigiu a presente Nota,
em acordo com os Dicastérios competentes da Santa Sé e com a contribuição
do Comitê para a preparação
do Ano da Fé16, com algumas indicações para viver este
tempo de graça, sem excluir outras propostas que o Espírito Santo quiser
suscitar entre os Pastores e os fiéis nas diversas partes do mundo.
Indicações:
“Eu
sei em quem pus a minha fé” (2
Tm 1, 12): esta palavra de São Paulo nos ajuda a compreender
que “antes de mais, a fé é uma adesão
pessoal do homem a
Deus. Ao mesmo tempo, e inseparavelmente, é o assentimento livre a toda a verdade
revelada por Deus“17. A fé como confiança pessoal no Senhor e a fé
que professamos no Credo são inseparáveis, se atraem e se exigem
reciprocamente. Existe uma ligação profunda entre a fé vivida e os seus
conteúdos: a fé das testemunhas e dos confessores é também a fé dos apóstolos e
dos doutores da Igreja.
Neste
sentido, as seguintes indicações para o Ano
da Fé desejam favorecer tanto o encontro com Cristo por meio
de autênticas testemunhas da fé, quanto o conhecimento sempre maior dos seus
conteúdos. Trata-se de
propostas que visam solicitar, de maneira exemplificativa, a pronta
responsabilidade eclesial diante do convite do Santo Padre a viver em plenitude
este Ano como um especial “tempo de graça”18. A redescoberta
alegre da fé poderá contribuir também a consolidar a unidade e a comunhão entre
as diversas realidades que compõem a grande família da Igreja.
I. A nível da Igreja universal:
1.
O principal evento eclesial no começo do Ano da Fé será a XIII Assembleia Geral
Ordinária do Sínodo dos Bispos, convocada pelo Papa Bento XVI para o mês de
outubro de 2012 e dedicada à Nova
evangelização para a transmissão da fé cristã. Durante este Sínodo, no dia 11 de outubro de
2012, acontecerá uma celebração solene de inauguração do Ano da Fé, recordando o qüinquagésimo aniversário de
abertura do Concílio Vaticano II.
2. No Ano da Fé devem-se encorajar as romarias dos
fiéis à Sé de Pedro, para ali professarem a fé em Deus Pai, Filho e
Espírito Santo, unindo-se àquele que é chamado hoje a confirmar seus irmãos na
fé (cf. Lc 22, 32). Será importante favorecer também as romarias à Terra Santa,
lugar que por primeiro viu a presença de Jesus, o Salvador, e de Maria, sua
mãe.
3.
No decorrer deste Ano será
útil convidar os fiéis a se dirigirem com devoção especial a Maria, figura da
Igreja, que “reúne em si e reflete os imperativos mais altos da nossa fé”19. Assim pois deve-se encorajar qualquer
iniciativa que ajude os fiéis a reconhecer o papel especial de Maria no
mistério da salvação, a amá-la filialmente e a seguir a sua fé e as suas
virtudes. A tal fim será muito conveniente organizar romarias, celebrações e
encontros junto dos maiores Santuários.
4. A próxima Jornada Mundial da Juventude no Rio de
Janeiro em 2013 oferecerá uma ocasião privilegiada aos
jovens para experimentar a alegria que provém da fé no Senhor Jesus e da
comunhão com o Santo Padre, na grande família da Igreja.
5.
Deseja-se que sejam organizados simpósios,
congressos e encontros de grande porte, também a nível internacional, que
favoreçam o encontro com autênticos testemunhos da fé e o conhecimento dos
conteúdos da doutrina católica. Demonstrando como também
hoje a Palavra de Deus continua a crescer e a se difundir, será importante dar
testemunho de que em
Jesus Cristo “encontra plena realização toda a ânsia e
anélito do coração humano”20 e que a fé “se torna um novo
critério de entendimento e de ação que muda toda a vida do homem”21.
Alguns congressos serão dedicados à redescoberta dos ensinamentos do Concílio
Vaticano II.
6. Para todos os crentes, o Ano da Fé oferecerá uma ocasião favorável para
aprofundar o conhecimento dos principais Documentos do Concílio Vaticano II e o
estudo do Catecismo
da Igreja Católica. Isto
vale de modo particular
para os candidatos ao sacerdócio, sobretudo durante o ano
propedêutico ou nos primeiros anos dos estudos teológicos, para as noviças e os
noviços dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica,
bem como para aqueles que vivem um período de prova para incorporar-se a uma
Associação ou a um Movimento eclesial.
7.
Este Ano será a ocasião propícia para acolher com maior atenção as homilias, as catequeses, os
discursos e as outras intervenções do Santo Padre. Os Pastores,
as pessoas consagradas e os fiéis leigos serão convidados a um empenho renovado
de efetiva e cordial adesão ao ensinamento do Sucessor de Pedro.
8. Durante o Ano da Fé, se deseja que haja várias iniciativas
ecumênicas, em colaboração com o Pontifício Conselho para a
Promoção da Unidade dos Cristãos, com o fim de invocar e favorecer “a
restauração da unidade entre todos os cristãos” que é “um dos principais
propósitos do sagrado Concílio Ecumênico Vaticano II”22. Em
particular, acontecerá uma solene celebração ecumênica a fim de reafirmar a fé
em Cristo por parte de todos os batizados.
9.
Junto ao Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização será
instituída uma Secretaria especial para coordenar as diversas
iniciativas relativas ao Ano da Fé, promovidas pelos vários Dicastérios
da Santa Sé ou que tenham relevância para a Igreja universal. Será conveniente
informar com tempo esta Secretaria sobre
os principais eventos organizados: ela também poderá sugerir iniciativas
oportunas a respeito. A Secretaria abrirá para tanto um site internet com a finalidade de oferecer todas as
informações úteis para viver de modo eficaz oAno da Fé.
10. Por ocasião da conclusão deste Ano, na
Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, acontecerá uma
Eucaristia celebrada pelo Santo Padre, na qual se renovará solenemente a
profissão de fé.
II. A nível das Conferências Episcopais23
1.
As Conferências Episcopais poderão dedicar uma jornada de estudo ao tema da fé,
do seu testemunho pessoale
da sua transmissão às
novas gerações, na consciência da missão específica dos Bispos
como mestres e “arautos da fé”24.
2.
Será útil favorecer a republicação
dos Documentos do Concílio Vaticano II, do Catecismo da Igreja Católica e do seu Compêndio, também em edições de bolso e econômicas, e
a sua maior difusão possível com a ajuda dos meios eletrônicos e das
tecnologias modernas.
3.
Deseja-se um esforço renovado para traduzir
os Documentos do Concílio Vaticano II e o Catecismo da Igreja Católica nas línguas em que ainda não existem.
Encorajam-se as iniciativas de sustento caritativo para tais traduções nas
línguas locais dos Países em terra de missão, onde as Igrejas particulares não
podem arcar com as despesas. Tudo isto seja feito sob a guia da Congregação
para a Evangelização dos Povos.
4.
Os Pastores, haurindo das novas linguagens de comunicação, devem se empenhar
para promover
transmissões televisivas ou radiofônicas, filmes e publicações, também a nível
popular e acessíveis a um grande público, sobre o tema da fé, dos seus
princípios e conteúdos, como também sobre o significado eclesial do Concílio Vaticano
II.
5. Os Santos e os Beatos são as autênticas
testemunhas da fé25. Portanto será oportuno que as
Conferências Episcopais se empenhem para difundir o conhecimento dos Santos do
próprio território, utilizando também os modernos meios de comunicação social.
6.
O mundo contemporâneo é sensível à relação
entre fé e arte. Neste sentido, se aconselha às Conferências
Episcopais a valorizar adequadamente, em função catequética e eventualmente em
colaboração ecumênica, o patrimônio das obras de arte presentes nos lugares
confiados à sua cura pastoral.
7.
Os docentes nos Centros de estudos teológicos, nos Seminários e nas
Universidades católicas são convidados a verificar a relevância, no exercício
do próprio magistério, dos conteúdos do Catecismo
da Igreja Católica e das implicações que daí derivam para as
respectivas disciplinas.
8.
Será útil preparar, com a ajuda de teólogos e autores competentes, subsídios de divulgação com caráter
apologético (cf. 1 Pd 3, 15). Assim cada fiel poderá responder melhor às
perguntas que se fazem nos diversos âmbitos culturais, ora no tocante aos
desafios das seitas, ora aos problemas ligados ao secularismo e ao relativismo,
ora “a uma série de interrogativos, que provêm duma diversa mentalidade que,
hoje de uma forma particular, reduz o âmbito das certezas racionais ao das
conquistas científicas e tecnológicas”26, como também a outras dificuldades
específicas.
9.
Deseja-se um controle dos catecismos locais e dos vários subsídios catequéticos
em uso nas Igrejas particulares, para garantir a sua conformidade plena com
o Catecismo da Igreja
Católica27. No caso em que alguns catecismos ou
subsídios não estejam em plena sintonia com o Catecismo, ou revelem algumas lacunas,
poder-se-á encetar a elaboração de novos, eventualmente segundo o exemplo e a
ajuda de outras Conferências Episcopais que já providenciaram à sua redação.
10.
Será oportuna, em colaboração com a competente Congregação para a Educação
Católica, um controle da presença dos conteúdos do Catecismo da Igreja Católica na Ratio da formação dos
futuros sacerdotes e noCurriculum dos
seus estudos teológicos.
III. A nível diocesano
1.
Deseja-se uma celebração
de abertura do Ano
da Fé e
uma solene conclusão do mesmo a nível de cada Igreja particular,
ocasião para “confessar a fé no Senhor Ressuscitado nas nossas catedrais e nas
igrejas do mundo inteiro”28.
2.
Será oportuno organizar em cada Diocese do mundo uma jornada sobre o Catecismo da Igreja Católica,
convidando especialmente os sacerdotes, as pessoas consagradas e os catequistas.
Nesta ocasião, por exemplo, as Eparquias orientais católicas poderiam preparar
um encontro com os sacerdotes para testemunhar a sensibilidade específica e a
tradição litúrgica próprias ao interno da única fé em Cristo; assim as jovens
Igrejas particulares nas terras de missão poderão ser convidadas a oferecer um
testemunho renovado daquela alegria na fé que tanto as caracterizam.
3. Cada Bispo poderá dedicar uma sua Carta
pastoral ao tema da fé, recordando a importância do Concílio Vaticano II e
do Catecismo
da Igreja Católica levando
em conta as circunstâncias pastorais específicas da porção de fiéis a ele
confiada.
4.
Deseja-se que em cada
Diocese, sob a responsabilidade do Bispo, sejam organizados
momentos de catequese,
destinados aos jovens e àqueles que estão em busca de um sentido para a vida,
com a finalidade de descobrir a beleza da fé eclesial, e que sejam promovidos
encontros com as testemunhas significativas da mesma.
5.
Será oportuno controlar a assimilação (receptio)
do Concílio Vaticano II e do Catecismo
da Igreja Católica na vida e na missão de cada Igreja
particular, especialmente em âmbito catequético. Neste sentido se deseja um
empenho renovado por parte dos Ofícios catequéticos das Dioceses, os quais –
com o apoio das Comissões para a Catequese das Conferências Episcopais ; têm o
dever de providenciar à
formação dos catequistas no que diz respeito aos conteúdos da fé.
6. A formação permanente do
clero poderá ser concentrada, especialmente neste Ano da Fé, nos Documentos do
Concílio Vaticano II e no Catecismo
da Igreja Católica, tratando, por exemplo, de temas como “o anúncio
do Cristo ressuscitado”, “a Igreja, sacramento de salvação”, “a missão
evangelizadora no mundo de hoje”, “fé e incredulidade”, “fé, ecumenismo e
diálogo interreligioso”, “fé e vida eterna”, “a hermenêutica da reforma na
continuidade”, “oCatecismo na
preocupação pastoral ordinária”.
7.
Os Bispos são convidados a organizar, especialmente no período da quaresma, celebrações penitenciais
nas quais se peça perdão a Deus, também e particularmente, pelos pecados contra
a fé. Este Ano será também um tempo favorável para se
aproximar com maior fé e maior freqüência do sacramento da Penitência.
8.
Deseja-se um envolvimento do mundo acadêmico e da cultura por uma renovada
ocasião de diálogo
criativo entre fé e razão por meio de simpósios,
congressos e jornadas de estudo, especialmente nas Universidades católicas,
mostrando “que não é possível haver qualquer conflito entre fé e ciência
autêntica, porque ambas, embora por caminhos diferentes, tendem para a verdade”29.
9.
Será importante promover encontros com pessoas que, “embora não reconhecendo em
si mesmas o dom da fé, todavia vivem uma busca sincera do sentido último e da verdade definitiva acerca
da sua existência e do mundo“30, inspirando-se
também nos diálogos do Pátio
dos Gentios, organizados sob a guia do Conselho Pontifício para a
Cultura.
10.
O Ano da Fé poderá
ser uma ocasião para prestar uma maior
atenção às Escolas católicas, lugares próprios para oferecer
aos alunos um testemunho vivo do Senhor e para cultivar a sua fé com uma
referência oportuna à utilização de bons instrumentos catequéticos, como por
exemplo, o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica ou
como o Youcat.
IV. A nível das paróquias / comunidades / associações / movimentos
1.
Em preparação para o Ano da
Fé, todos os fiéis são convidados a ler e meditar atentamente a Carta apostólicaPorta fidei do Santo Padre Bento XVI.
2. O Ano da Fé ”será uma ocasião propícia também para
intensificar a celebração da fé na liturgia, particularmente na
Eucaristia“31. Na Eucaristia, mistério da fé e fonte
da nova evangelização, a fé da Igreja é proclamada, celebrada e fortalecida.
Todos os fiéis são convidados a participar dela conscientemente, ativamente e
frutuosamente, a fim de serem testemunhas autênticas do Senhor.
3.
Os sacerdotes poderão dedicar maior atenção ao estudo dos Documentos do
Concílio Vaticano II e do Catecismo
da Igreja Católica, tirando daí fruto para a pastoral paroquial – a
catequese, a pregação, a preparação aos sacramentos – e propondo ciclos de
homilias sobre a fé ou sobre alguns dos seus aspectos específicos, como por
exemplo “o encontro com Cristo”, “os conteúdos fundamentais do Credo“, “a fé e a Igreja”32.
4.
Os catequistas poderão haurir sobremaneira da riqueza doutrinal do Catecismo da Igreja Católica e guiar, sob a
responsabilidade dos respectivos párocos, grupos de fiéis à leitura e ao
aprofundamento deste precioso instrumento, a fim de criar pequenas comunidades
de fé e de testemunho do Senhor Jesus.
5.
Deseja-se que nas paróquias haja um empenho renovado na difusão e na
distribuição do Catecismo da
Igreja Católica ou de outros subsídios adequados às famílias,
que são autênticas igrejas domésticas e primeiro lugar da transmissão da fé, como
por exemplo, no contexto das bênçãos das casas, dos Batismos dos adultos, das
Crismas, dos Matrimônios. Isto poderá contribuir para a confissão e
aprofundamento da doutrina católica “nas nossas casas e no meio das nossas
famílias, para que cada um sinta fortemente a exigência de conhecer melhor e de
transmitir às gerações futuras a fé de sempre”33.
6.
Será oportuno promover missões
populares e outras iniciativas nas paróquias e nos lugares de trabalho para
ajudar os fiéis a redescobrir o dom da fé batismal e a responsabilidade do seu
testemunho, na consciência de que a vocação cristã “é também, por sua própria
natureza, vocação ao apostolado”34.
7.
Neste tempo, os membros dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de
Vida Apostólica são solicitados a se empenhar na nova evangelização, com uma
adesão renovada ao Senhor Jesus, pela contribuição dos próprios carismas e na
fidelidade ao Santo Padre e à sã doutrina.
8.
As Comunidades contemplativas durante o Ano
da Fé dedicarão uma intenção de oração especial para a
renovação da fé no Povo de Deus e para um novo impulso na sua transmissão às
jovens gerações.
9.
As Associações e os Movimentos eclesiais são convidados a serem promotores de
iniciativas específicas, as quais, pela contribuição do próprio carisma e em
colaboração com os Pastores locais, sejam inseridas no grande evento do Ano da Fé. As novas Comunidades e os Movimentos
eclesiais, de modo criativo e generoso, saberão encontrar os modos mais
adequados para oferecer o próprio testemunho de fé ao serviço da Igreja.
10. Todos os fiéis, chamados a reavivar o dom da
fé, tentarão comunicar a própria experiência de fé e de caridade35 dialogando
com os seus irmãos e irmãs, também com os das outras confissões cristãs, com os
seguidores de outras religiões e com aqueles que não crêem ou são indiferentes.
Deste modo se deseja que todo o povo cristão comece uma espécie de missão
endereçada aqueles com os quais vive e trabalha, com consciência de ter
recebido “a mensagem da salvação para a comunicar a todos”36.
Conclusão
A
fé “é companheira de vida, que permite perceber, com um olhar sempre novo, as
maravilhas que Deus realiza por nós. Solícita a identificar os sinais dos
tempos no hoje da história, a fé obriga cada um de nós a tornar-se sinal vivo
da presença do Ressuscitado no mundo”37. A fé é um ato pessoal e ao mesmo tempo
comunitário: é um dom de Deus que deve ser vivenciado na grande comunhão da
Igreja e deve ser comunicado ao mundo.
Cada iniciativa
para o Ano da Fé quer
favorecer a alegre redescoberta e o testemunho renovado da fé. As indicações
aqui oferecidas têm o fim de convidar todos os membros da Igreja ao empenho a
fim de que este Ano seja
a ocasião privilegiada para partilhar aquilo que o cristão tem de mais caro:
Cristo Jesus, Redentor do homem, Rei do Universo, “autor e consumador da fé”
(Heb 12, 2).
Roma,
da Sede da Congregação para a Doutrina da Fé, aos 6 de janeiro de 2012,
Solenidade da Epifania do Senhor.
William Card. Levada
Prefeito
Luis F. Ladaria, S.I.
Arcebispo titular de Thibica
Secretário
Carta Apostólica Porta Fidei, de Bento XVI, sobre o Ano da Fé:
Carta Apostólica sob forma de Motu Próprio
Porta Fidei com a qual se proclama o Ano da Fé (out/2012 – out/2013)
1. A PORTA DA FÉ (cf. Act 14,
27), que introduz na vida de comunhão com Deus e permite a entrada na sua
Igreja, está sempre aberta para nós. É possível cruzar este limiar, quando a
Palavra de Deus é anunciada e o coração se deixa plasmar pela graça que
transforma. Atravessar aquela porta implica embrenhar-se num caminho que dura a
vida inteira. Este caminho tem início com o Baptismo (cf. Rm 6, 4), pelo qual
podemos dirigir-nos a Deus com o nome de Pai, e está concluído com a passagem
através da morte para a vida eterna, fruto da ressurreição do Senhor Jesus, que,
com o dom do Espírito Santo, quis fazer participantes da sua própria glória
quantos crêem n’Ele (cf. Jo 17, 22). Professar a fé na Trindade – Pai, Filho e
Espírito Santo – equivale a crer num só Deus que é Amor (cf. 1 Jo 4, 8): o Pai,
que na plenitude dos tempos enviou seu Filho para a nossa salvação; Jesus
Cristo, que redimiu o mundo no mistério da sua morte e ressurreição; o Espírito
Santo, que guia a Igreja através dos séculos enquanto aguarda o regresso
glorioso do Senhor.
2.
Desde o princípio do meu ministério como Sucessor de Pedro, lembrei a
necessidade de redescobrir o caminho da fé para fazer brilhar, com evidência
sempre maior, a alegria e o renovado entusiasmo do encontro com Cristo. Durante
a homilia da Santa Missa no início do pontificado, disse: «A Igreja no seu
conjunto, e os Pastores nela, como Cristo devem pôr-se a caminho para conduzir
os homens fora do deserto, para lugares da vida, da amizade com o Filho de
Deus, para Aquele que dá a vida, a vida em plenitude» (Homilia no início do
ministério petrino do Bispo de Roma, (24 de Abril de 2005): AAS 97 (2005),
710). Sucede não poucas vezes que os cristãos sintam maior preocupação com as
consequências sociais, culturais e políticas da fé do que com a própria fé,
considerando esta como um pressuposto óbvio da sua vida diária. Ora um tal
pressuposto não só deixou de existir, mas frequentemente acaba até negado (Cf.
Bento XVI, Homilia da Santa Missa no Terreiro do Paço (Lisboa – 11 de Maio de
2010): L’Osservatore Romano (ed. port. de 15/V/2010), 3.). Enquanto, no
passado, era possível reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente
compartilhado no seu apelo aos conteúdos da fé e aos valores por ela
inspirados, hoje parece que já não é assim em grandes sectores da sociedade
devido a uma profunda crise de fé que atingiu muitas pessoas.
3. Não podemos aceitar que o sal se torne insípido e a luz fique escondida (cf. Mt 5, 13-16). Também o homem contemporâneo pode sentir de novo a necessidade de ir como a samaritana ao poço, para ouvir Jesus que convida a crer n’Ele e a beber na sua fonte, donde jorra água viva (cf. Jo 4, 14). Devemos readquirir o gosto de nos alimentarmos da Palavra de Deus, transmitida fielmente pela Igreja, e do Pão da vida, oferecidos como sustento de quantos são seus discípulos (cf. Jo 6, 51). De facto, em nossos dias ressoa ainda, com a mesma força, este ensinamento de Jesus: «Trabalhai, não pelo alimento que desaparece, mas pelo alimento que perdura e dá a vida eterna» (Jo 6, 27). E a questão, então posta por aqueles que O escutavam, é a mesma que colocamos nós também hoje: «Que havemos nós de fazer para realizar as obras de Deus?» (Jo 6, 28). Conhecemos a resposta de Jesus: «A obra de Deus é esta: crer n’Aquele que Ele enviou» (Jo 6, 29). Por isso, crer em Jesus Cristo é o caminho para se poder chegar definitivamente à salvação.
4.
À luz de tudo isto, decidi proclamar um Ano da Fé. Este terá início a 11 de
Outubro de 2012, no cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II, e
terminará na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, a 24 de
Novembro de 2013. Na referida data de 11 de Outubro de 2012, completar-se-ão
também vinte anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica, texto
promulgado pelo meu Predecessor, o Beato Papa João Paulo II, (Cf. João Paulo
II, Const. ap. Fidei depositum (11 de Outubro de 1992): AAS 86 (1994), 113-118)
com o objetivo de ilustrar a todos os fiéis a força e a beleza da fé. Esta
obra, verdadeiro fruto do Concílio Vaticano II, foi desejada pelo Sínodo
Extraordinário dos Bispos de 1985 como instrumento ao serviço da catequese (Cf.
Relação final do Sínodo Extraordinário dos Bispos (7 de Dezembro de 1985), II,
B, a, 4: L’Osservatore Romano (ed. port. de 22/XII/1985), 650) e foi realizado
com a colaboração de todo o episcopado da Igreja Católica. E uma Assembleia
Geral do Sínodo dos Bispos foi convocada por mim, precisamente para o mês de
Outubro de 2012, tendo por tema A nova evangelização para a transmissão da fé
cristã. Será uma ocasião propícia para introduzir o complexo eclesial inteiro
num tempo de particular reflexão e redescoberta da fé. Não é a primeira vez que
a Igreja é chamada a celebrar um Ano da Fé. O meu venerado Predecessor, o Servo
de Deus Paulo VI, proclamou um semelhante, em 1967, para comemorar o martírio
dos apóstolos Pedro e Paulo no décimo nono centenário do seu supremo
testemunho. Idealizou-o como um momento solene, para que houvesse, em toda a
Igreja, «uma autêntica e sincera profissão da mesma fé»; quis ainda que esta
fosse confirmada de maneira «individual e colectiva, livre e consciente,
interior e exterior, humilde e franca» (Paulo VI, Exort. ap. Petrum et Paulum
Apostolos, no XIX centenário do martírio dos Apóstolos São Pedro e São Paulo
(22 de Fevereiro de 1967): AAS 59 (1967), 196). Pensava que a Igreja poderia assim
retomar «exacta consciência da sua fé para a reavivar, purificar, confirmar,
confessar» (Ibid.: o.c., 198.). As grandes convulsões, que se verificaram
naquele Ano, tornaram ainda mais evidente a necessidade duma tal celebração.
Esta terminou com a Profissão de Fé do Povo de Deus, (Paulo VI, Profissão
Solene de Fé, Homilia durante a Concelebração por ocasião do XIX centenário do
martírio dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, no encerramento do «Ano da Fé»
(30 de Junho de 1968): AAS 60 (1968), 433-445) para atestar como os conteúdos
essenciais, que há séculos constituem o património de todos os crentes,
necessitam de ser confirmados, compreendidos e aprofundados de maneira sempre
nova para se dar testemunho coerente deles em condições históricas diversas das
do passado.
5.
Sob alguns aspectos, o meu venerado Predecessor viu este Ano como uma
«consequência e exigência pós-conciliar» (Paulo VI, Audiência Geral (14 de
Junho de 1967): Insegnamenti V (1967), 801), bem ciente das graves dificuldades
daquele tempo sobretudo no que se referia à profissão da verdadeira fé e da sua
recta interpretação. Pareceu-me que fazer coincidir o início do Ano da Fé com o
cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II poderia ser uma ocasião
propícia para compreender que os textos deixados em herança pelos Padres
Conciliares, segundo as palavras do Beato João Paulo II, «não perdem o seu
valor nem a sua beleza. É necessário fazê-los ler de forma tal que possam ser
conhecidos e assimilados como textos qualificados e normativos do Magistério,
no âmbito da Tradição da Igreja. Sinto hoje ainda mais intensamente o dever de
indicar o Concílio como a grande graça de que beneficiou a Igreja no século XX:
nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que
começa» (João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte (6 de Janeiro de
2001), 57: AAS 93 (2001), 308). Quero aqui repetir com veemência as palavras
que disse a propósito do Concílio poucos meses depois da minha eleição para
Sucessor de Pedro: «Se o lermos e recebermos guiados por uma justa
hermenêutica, o Concílio pode ser e tornar-se cada vez mais uma grande força
para a renovação sempre necessária da Igreja» (Discurso à Cúria Romana, (22 de
Dezembro de 2005): AAS 98 (2006), 52).
6. A renovação da Igreja realiza-se
também através do testemunho prestado pela vida dos crentes: de facto, os
cristãos são chamados a fazer brilhar, com a sua própria vida no mundo, a
Palavra de verdade que o Senhor Jesus nos deixou. O próprio Concílio, na
Constituição dogmática Lumen Gentium, afirma: «Enquanto Cristo “santo,
inocente, imaculado” (Heb 7, 26), não conheceu o pecado (cf. 2 Cor 5, 21), mas
veio apenas expiar os pecados do povo (cf. Heb 2, 17), a Igreja, contendo
pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de
purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação. A Igreja
“prossegue a sua peregrinação no meio das perseguições do mundo e das
consolações de Deus”, anunciando a cruz e a morte do Senhor até que Ele venha
(cf. 1 Cor 11, 26). Mas é robustecida pela força do Senhor ressuscitado, de
modo a vencer, pela paciência e pela caridade, as suas aflições e dificuldades
tanto internas como externas, e a revelar, velada mas fielmente, o seu
mistério, até que por fim se manifeste em plena luz» (Conc. Ecum. Vat. II,
Const. dogm. sobre a Igreja Lumen Gentium, 8).
Nesta
perspectiva, o Ano da Fé é convite para uma autêntica e renovada conversão ao
Senhor, único Salvador do mundo. No mistério da sua morte e ressurreição, Deus
revelou plenamente o Amor que salva e chama os homens à conversão de vida por
meio da remissão dos pecados (cf. Act 5, 31). Para o apóstolo Paulo, este amor
introduz o homem numa vida nova: «Pelo Baptismo fomos sepultados com Ele na
morte, para que, tal como Cristo foi ressuscitado de entre os mortos pela
glória do Pai, também nós caminhemos numa vida nova» (Rm 6, 4). Em virtude da
fé, esta vida nova plasma toda a existência humana segundo a novidade radical
da ressurreição. Na medida da sua livre disponibilidade, os pensamentos e os
afectos, a mentalidade e o comportamento do homem vão sendo pouco a pouco
purificados e transformados, ao longo de um itinerário jamais completamente
terminado nesta vida. A «fé, que actua pelo amor» (Gl 5, 6), torna-se um novo
critério de entendimento e de acção, que muda toda a vida do homem (cf. Rm 12,
2; Cl 3, 9-10; Ef 4, 20-29; 2 Cor 5, 17).
7.
«Caritas Christi urget nos – o amor de Cristo nos impele» (2 Cor 5, 14): é o
amor de Cristo que enche os nossos corações e nos impele a evangelizar. Hoje,
como outrora, Ele envia-nos pelas estradas do mundo para proclamar o seu
Evangelho a todos os povos da terra (cf. Mt 28, 19). Com o seu amor, Jesus
Cristo atrai a Si os homens de cada geração: em todo o tempo, Ele convoca a
Igreja confiando-lhe o anúncio do Evangelho, com um mandato que é sempre novo.
Por isso, também hoje é necessário um empenho eclesial mais convicto a favor
duma nova evangelização, para descobrir de novo a alegria de crer e reencontrar
o entusiasmo de comunicar a fé. Na descoberta diária do seu amor, ganha força e
vigor o compromisso missionário dos crentes, que jamais pode faltar. Com
efeito, a fé cresce quando é vivida como experiência de um amor recebido e é
comunicada como experiência de graça e de alegria. A fé torna-nos fecundos,
porque alarga o coração com a esperança e permite oferecer um testemunho que é
capaz de gerar: de facto, abre o coração e a mente dos ouvintes para acolherem
o convite do Senhor a aderir à sua Palavra a fim de se tornarem seus
discípulos. Os crentes – atesta Santo Agostinho – «fortificam-se acreditando»
(De utilitate credendi, 1, 2). O Santo Bispo de Hipona tinha boas razões para
falar assim. Como sabemos, a sua vida foi uma busca contínua da beleza da fé
enquanto o seu coração não encontrou descanso em Deus (Cf. Confissões, 1, 1).
Os seus numerosos escritos, onde se explica a importância de crer e a verdade
da fé, permaneceram até aos nossos dias como um património de riqueza
incomparável e consentem ainda a tantas pessoas à procura de Deus de encontrarem
o justo percurso para chegar à «porta da fé».
Por
conseguinte, só acreditando é que a fé cresce e se revigora; não há outra
possibilidade de adquirir certeza sobre a própria vida, senão abandonar-se
progressivamente nas mãos de um amor que se experimenta cada vez maior porque
tem a sua origem em Deus.
8.
Nesta feliz ocorrência, pretendo convidar os Irmãos Bispos de todo o mundo para
que se unam ao Sucessor de Pedro, no tempo de graça espiritual que o Senhor nos
oferece, a fim de comemorar o dom precioso da fé. Queremos celebrar este Ano de
forma digna e fecunda. Deverá intensificar-se a reflexão sobre a fé, para
ajudar todos os crentes em Cristo a tornarem mais consciente e revigorarem a
sua adesão ao Evangelho, sobretudo num momento de profunda mudança como este
que a humanidade está a viver. Teremos oportunidade de confessar a fé no Senhor
Ressuscitado nas nossas catedrais e nas igrejas do mundo inteiro, nas nossas
casas e no meio das nossas famílias, para que cada um sinta fortemente a
exigência de conhecer melhor e de transmitir às gerações futuras a fé de
sempre. Neste Ano, tanto as comunidades religiosas como as comunidades
paroquiais e todas as realidades eclesiais, antigas e novas, encontrarão forma
de fazer publicamente profissão do Credo.
9.
Desejamos que este Ano suscite, em cada crente, o anseio de confessar a fé
plenamente e com renovada convicção, com confiança e esperança. Será uma
ocasião propícia também para intensificar a celebração da fé na liturgia,
particularmente na Eucaristia, que é «a meta para a qual se encaminha a acção
da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força» (Conc. Ecum. Vat. II,
Const. sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 10). Simultaneamente
esperamos que o testemunho de vida dos crentes cresça na sua credibilidade.
Descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada
(Cf. João Paulo II, Const. ap. Fidei depositum (11 de Outubro de 1992): AAS 86
(1994), 116) e reflectir sobre o próprio acto com que se crê, é um compromisso
que cada crente deve assumir, sobretudo neste Ano.
Não
foi sem razão que, nos primeiros séculos, os cristãos eram obrigados a aprender
de memória o Credo. É que este servia-lhes de oração diária, para não
esquecerem o compromisso assumido com o Baptismo. Recorda-o, com palavras
densas de significado, Santo Agostinho quando afirma numa homilia sobre a
redditio symboli (a entrega do Credo): «O símbolo do santo mistério, que
recebestes todos juntos e que hoje proferistes um a um, reúne as palavras sobre
as quais está edificada com solidez a fé da Igreja, nossa Mãe, apoiada no
alicerce seguro que é Cristo Senhor. E vós recebeste-lo e proferiste-lo, mas
deveis tê-lo sempre presente na mente e no coração, deveis repeti-lo nos vossos
leitos, pensar nele nas praças e não o esquecer durante as refeições; e, mesmo
quando o corpo dorme, o vosso coração continue de vigília por ele» (Sermo 215,
1).
10.
Queria agora delinear um percurso que ajude a compreender de maneira mais
profunda os conteúdos da fé e, juntamente com eles, também o acto pelo qual
decidimos, com plena liberdade, entregar-nos totalmente a Deus. De facto,
existe uma unidade profunda entre o acto com que se crê e os conteúdos a que
damos o nosso assentimento. O apóstolo Paulo permite entrar dentro desta
realidade quando escreve: «Acredita-se com o coração e, com a boca, faz-se a
profissão de fé» (Rm 10, 10). O coração indica que o primeiro acto, pelo qual
se chega à fé, é dom de Deus e acção da graça que age e transforma a pessoa até
ao mais íntimo dela mesma.
A
este respeito é muito eloquente o exemplo de Lídia. Narra São Lucas que o
apóstolo Paulo, encontrando-se em Filipos, num sábado foi anunciar o Evangelho
a algumas mulheres; entre elas, estava Lídia. «O Senhor abriu-lhe o coração
para aderir ao que Paulo dizia» (Act 16, 14). O sentido contido na expressão é
importante. São Lucas ensina que o conhecimento dos conteúdos que se deve
acreditar não é suficiente, se depois o coração – autêntico sacrário da pessoa
– não for aberto pela graça, que consente de ter olhos para ver em profundidade
e compreender que o que foi anunciado é a Palavra de Deus.
Por
sua vez, o professar com a boca indica que a fé implica um testemunho e um
compromisso públicos. O cristão não pode jamais pensar que o crer seja um facto
privado. A fé é decidir estar com o Senhor, para viver com Ele. E este «estar
com Ele» introduz na compreensão das razões pelas quais se acredita. A fé,
precisamente porque é um acto da liberdade, exige também assumir a
responsabilidade social daquilo que se acredita. No dia de Pentecostes, a
Igreja manifesta, com toda a clareza, esta dimensão pública do crer e do
anunciar sem temor a própria fé a toda a gente. É o dom do Espírito Santo que
prepara para a missão e fortalece o nosso testemunho, tornando-o franco e corajoso.
A
própria profissão da fé é um acto simultaneamente pessoal e comunitário. De
facto, o primeiro sujeito da fé é a Igreja. É na fé da comunidade cristã que
cada um recebe o Baptismo, sinal eficaz da entrada no povo dos crentes para
obter a salvação. Como atesta o Catecismo da Igreja Católica, «“Eu creio”: é a
fé da Igreja, professada pessoalmente por cada crente, principalmente por
ocasião do Baptismo. “Nós cremos”: é a fé da Igreja, confessada pelos bispos
reunidos em Concílio ou, de modo mais geral, pela assembleia litúrgica dos
crentes. “Eu creio”: é também a Igreja, nossa Mãe, que responde a Deus pela sua
fé e nos ensina a dizer: “Eu creio”, “Nós cremos”» (Catecismo da Igreja
Católica, 167).
Como
se pode notar, o conhecimento dos conteúdos de fé é essencial para se dar o
próprio assentimento, isto é, para aderir plenamente com a inteligência e a
vontade a quanto é proposto pela Igreja. O conhecimento da fé introduz na
totalidade do mistério salvífico revelado por Deus. Por isso, o assentimento
prestado implica que, quando se acredita, se aceita livremente todo o mistério
da fé, porque o garante da sua verdade é o próprio Deus, que Se revela e
permite conhecer o seu mistério de amor (Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm.
sobre a fé católica Dei Filius, cap. III: DS 3008-3009; Conc. Ecum. Vat. II,
Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 5)
Por
outro lado, não podemos esquecer que, no nosso contexto cultural, há muitas
pessoas que, embora não reconhecendo em si mesmas o dom da fé, todavia vivem uma
busca sincera do sentido último e da verdade definitiva acerca da sua
existência e do mundo. Esta busca é um verdadeiro «preâmbulo» da fé, porque
move as pessoas pela estrada que conduz ao mistério de Deus. De facto, a
própria razão do homem traz inscrita em si mesma a exigência «daquilo que vale
e permanece sempre» (Bento XVI, Discurso no «Collège des Bernardins» (Paris, 12
de Setembro de 2008): AAS 100 (2008), 722). Esta exigência constitui um convite
permanente, inscrito indelevelmente no coração humano, para se pôr a caminho ao
encontro d’Aquele que não teríamos procurado se Ele não tivesse já vindo ao
nosso encontro (Cf. Santo Agostinho, Confissões, 13, 1). É precisamente a este
encontro que nos convida e abre plenamente a fé.
11.
Para chegar a um conhecimento sistemático da fé, todos podem encontrar um
subsídio precioso e indispensável no Catecismo da Igreja Católica. Este
constitui um dos frutos mais importantes do Concílio Vaticano II. Na
Constituição Apostólica Fidei depositum – não sem razão assinada na passagem do
trigésimo aniversário da abertura do Concílio Vaticano II – o Beato João Paulo
II escrevia: «Este catecismo dará um contributo muito importante à obra de
renovação de toda a vida eclesial (…). Declaro-o norma segura para o ensino da
fé e, por isso, instrumento válido e legítimo ao serviço da comunhão eclesial»
(João Paulo II, Const. ap. Fidei depositum (11 de Outubro de 1992): AAS 86
(1994), 115 e 117).
É
precisamente nesta linha que o Ano da Fé deverá exprimir um esforço
generalizado em prol da redescoberta e do estudo dos conteúdos fundamentais da
fé, que têm no Catecismo da Igreja Católica a sua síntese sistemática e
orgânica. Nele, de facto, sobressai a riqueza de doutrina que a Igreja acolheu,
guardou e ofereceu durante os seus dois mil anos de história. Desde a Sagrada
Escritura aos Padres da Igreja, desde os Mestres de teologia aos Santos que
atravessaram os séculos, o Catecismo oferece uma memória permanente dos
inúmeros modos em que a Igreja meditou sobre a fé e progrediu na doutrina para
dar certeza aos crentes na sua vida de fé.
Na
sua própria estrutura, o Catecismo da Igreja Católica apresenta o
desenvolvimento da fé até chegar aos grandes temas da vida diária. Repassando
as páginas, descobre-se que o que ali se apresenta não é uma teoria, mas o
encontro com uma Pessoa que vive na Igreja. Na verdade, a seguir à profissão de
fé, vem a explicação da vida sacramental, na qual Cristo está presente e
operante, continuando a construir a sua Igreja. Sem a liturgia e os
sacramentos, a profissão de fé não seria eficaz, porque faltaria a graça que
sustenta o testemunho dos cristãos. Na mesma linha, a doutrina do Catecismo
sobre a vida moral adquire todo o seu significado, se for colocada em relação
com a fé, a liturgia e a oração.
12.
Assim, no Ano em questão, o Catecismo da Igreja Católica poderá ser um
verdadeiro instrumento de apoio da fé, sobretudo para quantos têm a peito a
formação dos cristãos, tão determinante no nosso contexto cultural. Com tal
finalidade, convidei a Congregação para a Doutrina da Fé a redigir, de comum
acordo com os competentes Organismos da Santa Sé, uma Nota, através da qual se
ofereçam à Igreja e aos crentes algumas indicações para viver, nos moldes mais
eficazes e apropriados, este Ano da Fé ao serviço do crer e do evangelizar.
De
facto, em nossos dias mais do que no passado, a fé vê-se sujeita a uma série de
interrogativos, que provêm duma diversa mentalidade que, particularmente hoje,
reduz o âmbito das certezas racionais ao das conquistas científicas e
tecnológicas. Mas, a Igreja nunca teve medo de mostrar que não é possível haver
qualquer conflito entre fé e ciência autêntica, porque ambas tendem, embora por
caminhos diferentes, para a verdade (Cf. João Paulo II, Carta enc. Fides et ratio
(14 de Setembro de 1998), 34.106: AAS 91 (1999), 31-32.86-87).
13.
Será decisivo repassar, durante este Ano, a história da nossa fé, que faz ver o
mistério insondável da santidade entrelaçada com o pecado. Enquanto a primeira
põe em evidência a grande contribuição que homens e mulheres prestaram para o
crescimento e o progresso da comunidade com o testemunho da sua vida, o segundo
deve provocar em todos uma sincera e contínua obra de conversão para
experimentar a misericórdia do Pai, que vem ao encontro de todos.
Ao
longo deste tempo, manteremos o olhar fixo sobre Jesus Cristo, «autor e
consumador da fé» (Heb 12, 2): n’Ele encontra plena realização toda a ânsia e
anélito do coração humano. A alegria do amor, a resposta ao drama da tribulação
e do sofrimento, a força do perdão face à ofensa recebida e a vitória da vida
sobre o vazio da morte, tudo isto encontra plena realização no mistério da sua
Encarnação, do seu fazer-Se homem, do partilhar connosco a fragilidade humana
para a transformar com a força da sua ressurreição. N’Ele, morto e ressuscitado
para a nossa salvação, encontram plena luz os exemplos de fé que marcaram estes
dois mil anos da nossa história de salvação.
Pela
fé, Maria acolheu a palavra do Anjo e acreditou no anúncio de que seria Mãe de
Deus na obediência da sua dedicação (cf. Lc 1, 38). Ao visitar Isabel, elevou o
seu cântico de louvor ao Altíssimo pelas maravilhas que realizava em quantos a
Ele se confiavam (cf. Lc 1, 46-55). Com alegria e trepidação, deu à luz o seu
Filho unigénito, mantendo intacta a sua virgindade (cf. Lc 2, 6-7). Confiando
em José, seu Esposo, levou Jesus para o Egipto a fim de O salvar da perseguição
de Herodes (cf. Mt 2, 13-15). Com a mesma fé, seguiu o Senhor na sua pregação e
permaneceu a seu lado mesmo no Gólgota (cf. Jo 19, 25-27). Com fé, Maria
saboreou os frutos da ressurreição de Jesus e, conservando no coração a memória
de tudo (cf. Lc 2, 19.51), transmitiu-a aos Doze reunidos com Ela no Cenáculo
para receberem o Espírito Santo (cf. Act 1, 14; 2, 1-4).
Pela
fé, os Apóstolos deixaram tudo para seguir o Mestre (cf. Mc 10, 28).
Acreditaram nas palavras com que Ele anunciava o Reino de Deus presente e
realizado na sua Pessoa (cf. Lc 11, 20). Viveram em comunhão de vida com Jesus,
que os instruía com a sua doutrina, deixando-lhes uma nova regra de vida pela
qual haveriam de ser reconhecidos como seus discípulos depois da morte d’Ele
(cf. Jo 13, 34-35). Pela fé, foram pelo mundo inteiro, obedecendo ao mandato de
levar o Evangelho a toda a criatura (cf. Mc 16, 15) e, sem temor algum,
anunciaram a todos a alegria da ressurreição, de que foram fiéis testemunhas.
Pela
fé, os discípulos formaram a primeira comunidade reunida à volta do ensino dos
Apóstolos, na oração, na celebração da Eucaristia, pondo em comum aquilo que possuíam
para acudir às necessidades dos irmãos (cf. Act 2, 42-47).
Pela
fé, os mártires deram a sua vida para testemunhar a verdade do Evangelho que os
transformara, tornando-os capazes de chegar até ao dom maior do amor com o
perdão dos seus próprios perseguidores.
Pela
fé, homens e mulheres consagraram a sua vida a Cristo, deixando tudo para viver
em simplicidade evangélica a obediência, a pobreza e a castidade, sinais
concretos de quem aguarda o Senhor, que não tarda a vir. Pela fé, muitos
cristãos se fizeram promotores de uma acção em prol da justiça, para tornar
palpável a palavra do Senhor, que veio anunciar a libertação da opressão e um
ano de graça para todos (cf. Lc 4, 18-19).
Pela
fé, no decurso dos séculos, homens e mulheres de todas as idades, cujo nome
está escrito no Livro da vida (cf. Ap 7, 9; 13, 8), confessaram a beleza de
seguir o Senhor Jesus nos lugares onde eram chamados a dar testemunho do seu
ser cristão: na família, na profissão, na vida pública, no exercício dos
carismas e ministérios a que foram chamados.
Pela
fé, vivemos também nós, reconhecendo o Senhor Jesus vivo e presente na nossa
vida e na história.
14.
O Ano da Fé será uma ocasião propícia também para intensificar o testemunho da
caridade. Recorda São Paulo: «Agora permanecem estas três coisas: a fé, a
esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade» (1 Cor 13, 13). Com
palavras ainda mais incisivas – que não cessam de empenhar os cristãos –,
afirmava o apóstolo Tiago: «De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem
fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma
irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes
disser: “Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome”, mas não lhes
dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé:
se ela não tiver obras, está completamente morta. Mais ainda! Poderá alguém
alegar sensatamente: “Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me então a tua
fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé”» (Tg 2,
14-18).
A
fé sem a caridade não dá fruto, e a caridade sem a fé seria um sentimento
constantemente à mercê da dúvida. Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal
modo que uma consente à outra de realizar o seu caminho. De facto, não poucos
cristãos dedicam amorosamente a sua vida a quem vive sozinho, marginalizado ou
excluído, considerando-o como o primeiro a quem atender e o mais importante a
socorrer, porque é precisamente nele que se espelha o próprio rosto de Cristo.
Em virtude da fé, podemos reconhecer naqueles que pedem o nosso amor o rosto do
Senhor ressuscitado. «Sempre que fizestes isto a um dos meus irmãos mais
pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40): estas palavras de Jesus são
uma advertência que não se deve esquecer e um convite perene a devolvermos
aquele amor com que Ele cuida de nós. É a fé que permite reconhecer Cristo, e é
o seu próprio amor que impele a socorrê-Lo sempre que Se faz próximo nosso no
caminho da vida. Sustentados pela fé, olhamos com esperança o nosso serviço no
mundo, aguardando «novos céus e uma nova terra, onde habite a justiça» (2 Ped
3, 13; cf. Ap 21, 1).
15.
Já no termo da sua vida, o apóstolo Paulo pede ao discípulo Timóteo que
«procure a fé» (cf. 2 Tm 2, 22) com a mesma constância de quando era novo (cf.
2 Tm 3, 15). Sintamos este convite dirigido a cada um de nós, para que ninguém
se torne indolente na fé. Esta é companheira de vida, que permite perceber, com
um olhar sempre novo, as maravilhas que Deus realiza por nós. Solícita a identificar
os sinais dos tempos no hoje da história, a fé obriga cada um de nós a
tornar-se sinal vivo da presença do Ressuscitado no mundo. Aquilo de que o
mundo tem hoje particular necessidade é o testemunho credível de quantos,
iluminados na mente e no coração pela Palavra do Senhor, são capazes de abrir o
coração e a mente de muitos outros ao desejo de Deus e da vida verdadeira,
aquela que não tem fim.
Que
«a Palavra do Senhor avance e seja glorificada» (2 Ts 3, 1)! Possa este Ano da
Fé tornar cada vez mais firme a relação com Cristo Senhor, dado que só n’Ele
temos a certeza para olhar o futuro e a garantia dum amor autêntico e
duradouro. As seguintes palavras do apóstolo Pedro lançam um último jorro de
luz sobre a fé: «É por isso que exultais de alegria, se bem que, por algum
tempo, tenhais de andar aflitos por diversas provações; deste modo, a qualidade
genuína da vossa fé – muito mais preciosa do que o ouro perecível, por certo
também provado pelo fogo – será achada digna de louvor, de glória e de honra, na
altura da manifestação de Jesus Cristo. Sem O terdes visto, vós O amais; sem O
ver ainda, credes n’Ele e vos alegrais com uma alegria indescritível e
irradiante, alcançando assim a meta da vossa fé: a salvação das almas» (1 Ped
1, 6-9). A vida dos cristãos conhece a experiência da alegria e a do
sofrimento. Quantos Santos viveram na solidão! Quantos crentes, mesmo em nossos
dias, provados pelo silêncio de Deus, cuja voz consoladora queriam ouvir! As
provas da vida, ao mesmo tempo que permitem compreender o mistério da Cruz e
participar nos sofrimentos de Cristo (cf. Cl 1, 24) , são prelúdio da alegria e
da esperança a que a fé conduz: «Quando sou fraco, então é que sou forte» (2
Cor 12, 10). Com firme certeza, acreditamos que o Senhor Jesus derrotou o mal e
a morte. Com esta confiança segura, confiamo-nos a Ele: Ele, presente no meio
de nós, vence o poder do maligno (cf. Lc 11, 20); e a Igreja, comunidade
visível da sua misericórdia, permanece n’Ele como sinal da reconciliação
definitiva com o Pai.
À
Mãe de Deus, proclamada «feliz porque acreditou» (cf. Lc 1, 45), confiamos este
tempo de graça.
Dado
em Roma, junto de São Pedro, no dia 11 de Outubro do ano 2011, sétimo de
Pontificado.
+ Comentário. Deixe o seu! + 2 Comentário. Deixe o seu!
achei muito interesante e divertido.
Sinceramente, não entendi em que esta avoada da Maria Eduarda achou em divertido esta matéria??????
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