O conhecimento de Deus se faz por analogia, seguindo uma vida de negação que afasta dele todo elemento criatural. Mas somente isto redundaria num agnosticismo.E não se conhece Deus imediatamente como numa contemplação direta com a essência divina, mas somente através de um saber analógico em que todos os nomes não predicados, explicita ou implicitamente de modo negativo, Lhe aplicam tal sentido analógico, o que evidencia a distância infinita entre o Criador e as criaturas e também justifica os enunciados que de Deus fazemos (Deus é Bom, Infinitamente Sábio, etc.).Essa doutrina da analogia que inclui semelhança e comparação se opõe à da iluminação; esta propõe um contato imediato com Deus.
O abandono da Iluminação divina – experiência interna – pela analogia – experiência externa – acarretou suas consequências e dificuldades, a saber: em primeiro lugar, as criaturas semelhantes a Deus por serem causadas por Ele (causa equívoca) devem conter seus efeitos.Desse modo, a causa contém em si os seus efeitos; em segundo lugar, nada é univocamente predicável de Deus e das criaturas, o que de acordo com a causa equívoca seus efeitos também o são.A univocidade se enquadra em categorias e é a relação para a equivocidade, enquanto Deus não se encaixa em nenhuma categoria. Ele é simplesmente; e em terceiro lugar, alguns predicados não são enunciados do modo puramente equívoco de Deus, já que para Aquino, uma equivocação pura é um termo que, por simples causalidade, é empregado para designar coisas diversas.O tautológico não se relaciona com as coisas e se assim fosse, não teríamos dele conhecimento algum; e por último, que os predicados positivos são anunciados analogicamente de Deus e das criaturas.Em nossas predicações, o ser compete primeiro às criaturas e depois a Deus. E não o contrário, porque não há relações entre estes.Designamos Deus a partir do que deparamos nas criaturas de modo infinito (nas relações, ocorre o inverso, já que o predicado é anterior à natureza de qualquer substância).Portanto, Santo Tomás de Aquino atribui a predicação de Deus e da criatura, somente por analogia, evidenciando entre eles uma distância infinita da qual nenhum conceito transpõe, já que Deus transcende infinitamente a criatura.Foi o autor da formosura que criou todas as coisas (...) e pela grandeza e formosura da criatura se pode visivelmente chegar ao conhecimento do seu Criador, diz a Sabedoria de Deus (Sab., XIII, 3 e 5).E São Paulo, na Epístola aos Romanos, ensinou que as perfeições invisíveis de Deus, depois da criação do mundo, tornaram-se visíveis pela compreensão das coisas criadas (Cfr. Ep. aos Rom., I, 20).
(E tudo que Deus criou é bom!) |
Em todos os seres, o Criador deixou a sua marca. Nos transcendentais do ser, contemplamos o selo da divina majestade, e nas formas das criaturas, vemos a imagem de sua formosura. Deus é a Verdade. Deus é o Bem. Deus é a Beleza. NEle, Verdade, Bem e Beleza se identificam, pois que Deus é simples, sem composição. Ora, o Criador fez o mundo à Sua imagem e semelhança. Por isso, a verdade, o bem e a beleza existentes no universo são reflexos da Verdade, do Bem da Beleza de Deus.Podemos encontrar esses reflexos das infinitas qualidades de Deus no finito das criaturas, examinando-as de dois modos diversos:
No universo material, todo ser é composto de matéria e forma. Além disso, todo ser reflete analogicamente qualidades de Deus. Todo ser, de algum modo, é símbolo de algum valor. Todas as coisas, de algum modo, falam de Deus.Por isso, São Boaventura disse que Deus escreveu dois livros que falam d'Ele mesmo: A Sagrada Escritura e o Universo (Cfr. S. Boaventura, Brevilóquio). O mundo é uma grande parábola de Deus. Portanto, ao considerar a beleza das coisas naturais ou artísticas, deve-se levar em conta a matéria, a forma e o símbolo delas.Ainda de um ponto de vista metafisico, verificamos que todo ser é uno, verdadeiro e bom!
E porque os homens são filhos de Deus, as obras de arte são chamadas poeticamente por Dante de netas de Deus. "Sí che vostr'arte a Dio quasi é nepote" [De tal modo que vossa arte é como neta de Deus] (Dante, Inferno XI, 105)A verdadeira arte deve alimentar a alma inteira satisfazendo a vontade, pelo bonum, a inteligência, pelo claro conhecimento dele (verum), e a sensibilidade, pelo agrado do pulchrum. Mais ainda, deve mostrar claramente que o bonum das coisas é um reflexo do Bonum absoluto, pois que a beleza é como que um reflexo de Deus, nas coisas criada. A arte verdadeira, pois, tem que ser moral, levando a vontade a amar o bem. Uma obra imoral não é verdadeiramente artística.Portanto, a verdadeira obra de arte deve fazer com que a inteligência compreenda imediatamente, numa visão súbita, o bem de algo. Deve dar à inteligência uma verdade a contemplar. Para isso, ela deve apresentar à inteligência uma idéia objetivamente verdadeira. Ela atinge essa finalidade ao representar conveniente e claramente a verdade de um ser, sua forma, no sentido metafísico.Consegue isso quando respeita as leis objetivas da Estética, que regem a correta expressão da beleza material de um ser: leis da unidade, da variedade, da ordem, da proporção, simetria, contraste, gradação, relação, etc. Finalmente, ela satisfaz a inteligência revelando, por meio das formas materiais, as realidades espirituais, graças à reta utilização dos símbolos.Portanto, a arte para ser verdadeira tem que ser veraz e lógica. Não há obra de arte sem compreensão de algo, e não pode haver verdadeira compreensão se não se obedecem as leis estéticas.Por isso, era absurda a resposta de Picasso a uma jovem comunista que o entrevistava, perguntando o que se deveria compreender de seus quadros:"Compreender? Que diabos isso tem a ver com a compreensão?" (Cfr. Ariana S. Huffington, Criador e Destruidor, Ed. Best Seller, São Paulo 1988, p.248).Ou ainda, esta outra afirmação de Picasso sobre a irracionalidade da arte e do gosto modernos:"Se eu cuspir, vão pegar o meu cuspe, emoldurá-lo, e vendê-lo como grande arte" (A. S. Huffington, op. cit. p. 392).Finalmente, a obra de arte deve agradar. "Belo é aquilo cuja vista agrada", ensina São Tomás com Aristóteles. Não há agrado no feio, e não há verdadeira arte na busca do feio.
A arte, como disse certa vez Pio XII, é uma janela aberta para o Infinito. Por essa razão, toda arte tem que ser, de alguma forma, religiosa. A arte de Picasso é um buraco aberto para o abismo do absurdo e do inferno.Foram os gregos que descobriram a causa da beleza material nas proporções. Quando as medidas materiais de um ser são proporcionadas, nele existe beleza.A beleza material vem dos números. E os números conduzem ao "um", símbolo de Deus. Por isso, perguntava S. Agostinho: "Que busca o olho humano senão as medidas? Nas medidas, que quer encontrar senão os números? E nos números, que busca senão o um? E no um que busca senão Deus?" - A Idade Média demonstrou que a beleza material não era suficiente. Além dela e acima dela, percebeu uma beleza mais alta: a beleza espiritual ou formal. Não é só a proporção material que causa a beleza. Uma coisa é tanto mais bela quanto mais claramente sua forma demonstra o que ela é.Assim como Deus é aquele que é, assim também quanto mais uma coisa é claramente o que deve ser, mais ela é bela. Uma velhinha, ainda que não tenha beleza material, por não ter belas proporções, terá beleza formal quanto mais claramente refletir em seu ser a idéia de velha, quanto mais tipicamente for velha. É da identidade do ser que decorre a beleza formal.Foi com fundamento nesse dois fatores de beleza (material e formal) que Santo Alberto Magno definiu beleza como o resplendor da forma na proporção da matéria!
Entretanto, a beleza material e a beleza formal não esgotam a idéia de beleza. Há um terceiro fator de beleza, no ser criado, que lhe advém de seu valor ou expressão simbólicos. É também por meio do seu valor simbólico que o ser canta a glória de Deus.Tratando dos símbolos, é preciso salientar que eles são sempre analógicos. Tomá-los univocamente conduz diretamente ao panteísmo. Considerá-los equivocamente faz cair na Gnose. O símbolo é inteligível no sensível. E é objetivo.É claro que sua natureza analógica não permite que se faça dele uma leitura de certeza matemática. A analogia lhe dá contornos não totalmente precisos, do que se aproveitam os gnósticos para dar-lhe uma interpretação que contraria tanto a Fé quanto a lógica.Essa deturpação gnóstica dos símbolos se torna ainda mais fácil graças à ambigüidade deles. Os símbolos podem representar tanto o bem quanto o mal; tanto a virtude quanto o pecado. Assim, a serpente representa o demônio e a traição, assim como representa também a prudência; a pomba simboliza a a mansidão, visto que Nosso senhor Jesus Cristo disse: "Sede mansos como as pombas" (Mt X, 16). Mas, a pomba também é símbolo de estupidez, pois está dito: "Não sejais estúpidos como as pombas".Cristo é chamado o "leão de Judá", portanto o leão pode ser símbolo de Cristo por sua majestade, assim como pode ser também símbolo do demônio, pois, como disse S. Pedro, o demônio como um leão faminto ruge entre vós, procurando a quem devorar" (I Pe.V,8).Especialmente depois do pecado, certos animais passaram a representar vícios humanos. "A própria vista desses animais não mostra nada de bom neles, porque foram excluídos da aprovação e bênção de Deus" (Sab. XV, 19). Todavia, a ambigüidade dos símbolos não deve levar a crer que eles sejam irracionais, nem que possam ser usados de modo subjetivo.Para frisar o valor da linguagem simbólica ou analógica como meio de expressão artística capaz de nos revelar valores transcendentes e divinos, basta lembrar que o próprio Verbo de Deus encarnado abriu a sua boca em parábolas e comparações quando nos quis ensinar.Há, pois, duas maneiras de apreender o real: por meio da ciência e por meio da arte. Ambas servem a nossa inteligência, cada uma usando linguagem própria. Ambas, por meio do conhecimento, visam, em última análise, aperfeiçoar o homem, levando-o a amar a Deus.Quando a inteligência conhece um bem como verdadeiro, ela o tem como luz intelectual. A vontade pode amar esse bem ou repeli-lo; pode ainda amá-lo em graus diversos. Repelir o bem verdadeiro para amar um falso bem é dar o calor do amor ao tenebroso.Separar a luz da verdade do calor do amor, eis aquilo que constitui o pecado. O pecador, como Lúcifer, separa a luz do calor, a verdade do bem, e, por isso o inferno os pune com fogo que queima sem iluminar. Trevas no fogo ardente serão dadas aos que viram a luz da verdade e não a amaram com ardor.Se a arte deve oferecer à vontade um verdadeiro bem a ser amado, deve-se perguntar se é lícita a representação artística do mal e do pecado.A arte, embora distinta da Moral, não é independente dela. Ainda que seja legítimo representar artisticamente o mal moral, isto deve ser feito de tal modo que não incite nem induza ao pecado, e sim, à sua condenação.Uma sociedade relativista, que nega a existência do bem objetivo, e que, por isso, perdeu todo senso moral, tem que produzir uma arte da qual toda noção de bem está banida, uma arte em total desarmonia espiritual.
"Espírito e harmonia são, pois, testemunhas recíprocas; tal como à abundância do espírito deve corresponder sempre a abundância de harmonia, assim também toda dissonância, onde quer que se verifique, nas ciências, nas artes, na vida, indica algum entrave à plena efusão daquele.Tal reciprocidade de relações aponta à reprovação os que, no domínio literário e artístico propagam o culto da desarmonia, e, como eles mesmos o afirmam, do absurdo. Que seria feito do mundo e do homem se o gosto e a estima da harmonia se perdessem? É, no entanto, isto o que visam os que tentam revestir de beleza e sedução o que é vergonhoso, pecaminoso, mau. E bem mais, para além da estética, sua ofensiva fere a própria dignidade do homem que, imagem do Espírito Divino, é essencialmente feito para a harmonia e a ordem.Não se nega, todavia, que o próprio mal possa ser apresentado sob a luz da arte verdadeira, desde que, entretanto, sua representação apareça ao espírito e aos sentidos como uma contradição oposta ao espírito, como o sinal de sua ausência. A dignidade da arte resplandece tanto mais quanto em maior grau refletir ela o espírito do homem, imagem de Deus, e, conseqüentemente, ela manifesta mais sua fecundidade criadora, sua plena maturidade, quando desenvolve o tema diverso da unidade e da harmonia por suas ações e pelos diferentes aspectos de sua vida." (Pio XII, Rádio-Mensagem de Natal de 1957).A arte deve visar o Belo, Bem claramente conhecido, como já citamos, e não o feio, que simboliza o contrário do bem. A arte deve ser ética, para ser verdadeiramente arte.Por fim, a verdadeira obra de arte deve agradar racionalmente, proporcionando verdadeiro prazer estético. Belo é aquilo cuja vista agrada, ensinaram São Tomás e Aristóteles. Não pode haver agrado no feio. E, se tal ocorrer, é porque há um erro na inteligência, ou um desvio ilegítimo na vontade.Por tudo isso, assiste razão a Hans Sedlmayer ao afirmar que a arte moderna "É um pensamento que renunciou totalmente à lógica, uma arte que renunciou à estrutura, uma ética que renunciou ao pudor, um homem que renunciou a Deus" (H. Sedlmayer, La rivoluzione dell'arte moderna, p. 111).
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