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Você sabe por que as imagens sacras são cobertas na Quaresma?

Written By Beraká - o blog da família on domingo, 17 de março de 2024 | 14:59

 


 


Na Quaresma, enquanto os fiéis começam a se preparar com mais força para a Páscoa, as imagens de nossas igrejas são cobertas com um véu. Mas de onde vem, afinal, esse costume e o que ele significa? Embora tal tradição já se tenha perdido em alguns lugares e em outras tantos não se saiba mais qual seu significado, a igreja ainda o recomenda. Neste pequeno artigo apresentaremos algumas informações de caráter histórico sobre a origem desse costume e, ao fim, verificaremos nos livros litúrgicos restaurados por decreto do Concílio Vaticano II como se deve proceder atualmente.




De onde vem o costume católico de velar as imagens sacras durante o tempo litúrgico da Quaresma?



A resposta para essa questão deve ser encontrada na riquíssima arquitetura litúrgica da Igreja. Em primeiro lugar, não é verdade que as imagens sejam cobertas por toda a Quaresma, mas somente nos dias que precedem a Paixão do Senhor, mais exatamente a partir do 5.º Domingo da Quaresma. Diferentemente do Missal Romano de 1962, as rubricas do Missal de Paulo VI não preveem mais a obrigatoriedade dessa prática (cf. Paschalis Sollemnitatis, n. 26). Cabe às Conferências Episcopais discernir a oportunidade de se manter esse costume em cada região, a depender da recepção cultural que o acompanha. Como o Brasil é um país de antiga tradição católica, não há problema algum na sua observância. Mais importante que a letra da rubrica, porém, é compreender o seu significado.Não são meras proibições, ou uma questão de pode ou não pode, na liturgia a pergunta central é por que? 




Ao "velar" (colocar vel) o crucifixo, até a Sexta-feira Santa, e as imagens dos santos, até a Vigília Pascal, a Igreja antecipa o luto pela vida, paixão e morte de seu Senhor, incutindo nos fiéis uma mortificação à sua visão que concorra em retirar esse foco, pois nesse tempo litúrgico específico,ápice de toda liturgia, no qual todos os demais tempos litúrgicos se voltam e nos preparam para ele, não é a vida e exemplo dos santos que devemos prioprizar, mas a vida do "Santo de todos os Santos": Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo! Não que Deus ficasse ressentido e magoado com isso, ou seja, olhar e seguir o exemplo de seus santos, Deus está acima disso, mas, porque é uma pedagogia inspirada e amadurecida ao longo dos séculos!




O foco das leituras também é outro: nas primeiras semanas da Quaresma, os textos litúrgicos chamavam sobretudo à penitência e à conversão pessoais; a partir da 5.ª semana da Quaresma — que, no calendário antigo, se chamava simplesmente 1.º Domingo da Paixão —, os fiéis começam a ouvir as narrativas do Evangelho de São João, chamados a manter o olhar fixo em Jesus crucificado, não tanto com os olhos da carne, mas com os da alma. Em sua pedagogia de mãe, portanto, a Igreja introduz-nos em um mistério. Neste fim de semana, as cruzes são veladas, mas, na Sexta-feira da Paixão, novamente elas são descobertas e dadas à veneração dos fiéis.










Com esse gesto, os católicos, evidentemente, não adoramos um pedaço de madeira ou de gesso (cf. S. Th., III, q. 25, a. 4), mas o amor de Cristo que se manifestou na Cruz. Aproveitemos esse tempo de silêncio e sobriedade, intensifiquemos a nossa vida de penitência e meditemos sobre o infinito amor do Senhor, o qual, “amando os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13, 1).










O velum quadragesimale




Para descobrir a origem do véu das imagens é preciso retroceder aos primeiros séculos do cristianismo, pois é a partir da prática penitencial antiga que se desenvolverá esse costume, como veremos. A disciplina penitencial da Igreja antiga era extremamente rígida: durante meses e até anos, ou em certos casos até ao fim da vida, o penitente deveria realizar atos ascéticos e não poderia participar plenamente da liturgia. Assim como os penitentes, todos os pagãos, hereges e os catecúmenos não podiam acompanhar toda a celebração eucarística. Sinal disso é que, até a publicação do Missal de Paulo VI (1969), a missa era dividida em duas partes: 



-a “missa dos catecúmenos” (orações ao pé do altar, intróito, kyrie, glória, oração coleta, leitura, salmo gradual, evangelho, prédica, credo) 

 

 

-e missa dos fiéis (ofertório, cânon, ritos de comunhão, oração pós-comunhão, bênção final, último evangelho). 



De início a missa dos catecúmenos era concluída com uma oração de bênção e o convite do diácono para os “não-fiéis” já enumerados retirarem-se¹. Tal convite – que num largo processo desembocou no atual “Ite, missa est”, “Ide, a missa terminou” ou “Ide, é a missa [missão, envio]” – marcava a saída dos catecúmenos e penitentes do recinto sagrado. Os penitentes eram reconciliados na manhã da Quinta-feira Santa, para participarem do Tríduo Pascal. Segundo D. Prósper Guéranger e o Pe. João Batista Reus (p. 149-150), quando a penitência pública caiu em desuso e passou a ser praticada a penitência privada dada pelo confessor, o sentido da saída dos penitentes foi preservado com o uso litúrgico do “velum quadragesimale”, o “véu da quaresma”. Esse véu inicialmente recobria todo o presbitério, ocultando completamente o altar aos olhos de todos, como que advertindo-os de que é necessário fazer penitência antes de tomar parte nos Sagrados Mistérios.




O Pe. Edward McNamara conduz tal costume a uma tradição germânica:




Em seguida, tal prática foi simplificada. Desapareceu o véu quaresmal, ficando apenas o véu da cruz e das imagens. - a origem histórica desta prática […] provavelmente deriva do costume, existente na Alemanha desde o IX século, de estender um grande tecido na frente do altar desde o início da Quaresma. Este tecido, chamado “Hungertuch” (pano de fome), cobria inteiramente o altar para os fiéis durante a quaresma e não era removido até a leitura da Paixão na Quarta-feira Santa, às palavras “o véu do templo partiu-se em dois”. (tradução livre nossa – original em inglês)



Uma interpretação alegórica: “… mas Jesus escondeu-se” (Jo 8,59)




Após a explicação da origem histórica dos véus quaresmais, vejamos agora o significado alegórico e espiritual que foi atribuído a este rito e que ajuda a tomá-lo como auxílio visual na preparação à Páscoa do Senhor - Na liturgia anterior ao Concílio Vaticano II, chamada agora de “Forma Extraordinária do Rito Romano”, a V Semana da Quaresma era chamada de Tempo da Paixão, estendendo-se até o início do Tríduo Sacro. Era um período profundamente austero. Se no IV Domingo (Laetare²) a Igreja despojou-se das vestes penitenciais para vestir as da alegria pela proximidade da Páscoa, agora no Tempo da Paixão ela deve intensificar a penitência e estimular os piedosos pensamentos sobre a morte de Cristo. Durante toda a Quaresma o “enlutamento” da Igreja pelo Noivo que é retirado vai tornando-se sempre maior. Durante o Tempo da Paixão, além do “Aleluia” e do “Glória a Deus nas alturas”, que não são entoados desde a Quarta-feira de Cinzas, também não é mais rezado o “Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo”. Ao aproximar-se o sacrifício do Cordeiro Pascal a Igreja mergulha na dor da sua morte. Os paramentos deste tempo ainda são roxos. Mas (sempre na liturgia anterior a 1969) na Sexta-feira Santa o luto chegará ao seu ápice: a Igreja vestir-se-á de preto, como faz por ocasião do falecimento de qualquer cristão (embora hoje dificilmente se veja um padre vestir paramentos pretos em celebrações exequiais…). É o dia da morte do Esposo. Dia de luto universal. No Domingo da Paixão (hoje V Domingo da Quaresma) lia-se o evangelho de João 8,46-59, que apresenta o grande conflito de Jesus com os judeus. Ele apresenta-se como o Messias divino (“Eu sou” é o nome de Deus), anterior a Abraão (cf. Jo 8,58). O resultado é que os judeus tentam apedrejá-lo. Jesus tem de esconder-se e sair do templo. Ao escolher este evangelho, a liturgia anterior ressaltava o clima de tensão que conduziria à condenação capital de Jesus. Para expressar simbolicamente esse mistério a liturgia cobria as imagens com um véu roxo. Este é o sentido espiritual apresentado por D. Prósper Guéranger, OSB: Na espera desta hora [a hora da agonia do Filho, quando o Esposo será tirado], a santa Igreja manifesta os seus dolorosos pressentimentos velando antecipadamente a imagem do divino Crucificado. A própria Cruz fica invisível aos fiéis, desaparecendo através de um véu. Não se verão mais as imagens dos santos, porque é justo que o servo se esconda, quando se eclipsa a glória do Patrão. Os intérpretes da Liturgia ensinam que o austero uso de velar a Cruz no tempo da Paixão significa a humilhação do Redentor, que foi constrangido a esconder-se para não ser lapidado pelos judeus… (tradução livre nossa – original em italiano).




O véu das imagens no Missal de Paulo VI










Historicamente, como vimos, a velatio das imagens é uma adaptação do costume de impedir aos penitentes, hereges e não-batizados a participação, a “visão” dos Sagrados Mistérios: da expulsão dos penitentes passou-se ao véu amplo que escondia todo o presbitério e que foi reduzido, posteriormente, ao véu das cruzes e imagens sacras na Igreja. Do ponto de vista espiritual o costume foi interpretado como sinal da penitência à qual todos os fiéis são chamados, ainda como sinal da antecipação do luto da Igreja pela morte do seu Esposo e da humilhação de Cristo, que teve de esconder-se para escapar da ameaça de morte.




Até a publicação do Missal de Paulo VI, em 1969, era obrigatório o costume de cobrir as imagens na V Semana da Quaresma. A reforma litúrgica, porém, ao contrário do que muitos imaginam, não aboliu este uso. Ele foi tornado facultativo, podendo ser mantido a juízo das conferências episcopais. É o que afirma a rubrica do sábado da IV Semana da Quaresma:Pode-se conservar o costume de cobrir as cruzes e imagens da igreja, a juízo das Conferências Episcopais. As cruzes permanecerão veladas até o fim da celebração da Paixão do Senhor, na Sexta-feira Santa. As imagens, até o início da Vigília Pascal.




Note-se, contudo, que mesmo onde não se mantém o costume de cobrir com o véu roxo as imagens na última semana quaresmal, é recomendado cobrir ou retirar da igreja as cruzes no final da Missa na Ceia do Senhor, na Quinta-feira Santa, durante o Tríduo Pascal, de modo que na Celebração da Paixão apresente-se aos fiéis uma única cruz. No final da Celebração da Paixão todas as cruzes são desveladas. Eis a rubrica do Missal Romano:




Após alguns momentos de adoração silenciosa [ao Santíssimo Sacramento que foi levado em procissão após a oração depois da comunhão], o sacerdote e os ministros fazem genuflexão e voltam à sacristia. Retiram-se as toalhas do altar e, se possível, as cruzes da Igreja. Convém velar as que não possam ser retiradas.









Se na sua igreja este belo costume ainda é conservado, aproveite essas informações para explicar aos demais membros da comunidade o seu sentido. Assim, também com os sinais externos da penitência, do recolhimento, da purificação da visão e do coração de tudo o que é secundário ou mesmo supérfluo, poderemos concentrar o nosso sentir, pensar e agir no Cristo Crucificado. Com os olhos fixos no Senhor, percorrendo com ele a Via Dolorosa, chegaremos às núpcias do Cordeiro Redivivo, à Páscoa da Ressurreição!




Laersio da Silva Machado - Seminarista da Diocese de Imperatriz,




Notas:




¹ Pode-se aprofundar o assunto no livro clássico de Pe. Josef Andreas Jungmann, Missarum Sollemnia, Parte III “Os ritos das partes da missa. A liturgia da Palavra”, Capítulo II “A Liturgia da Palavra”, n. 9 “Despedidas”, (São Paulo: Paulus, 2009. pp. 460-465).


² Sobre o IV Domingo da Quaresma, veja o link ativo na fonte ao final deste post.





REFERÊNCIAS DE CONSULTAS:




-MISSAL ROMANO. Restaurado por decreto do Sagrado Concílio Ecumênico Vaticano Segundo e promulgado pela autoridade do Papa Paulo VI. Tradução portuguesa da 2ª edição típica para o Brasil. São Paulo/Petrópolis: Paulinas/Vozes, 1992.


-GUÉRANGER, D. Prósper, OSB. L’Anno liturgico. “Mistica del Tempo di Passione e Settimana Santa” Disponível em: . Acesso em: 24 mar. 2011. (em italiano)


-REUS, João Batista, SJ. Curso de liturgia. 2.ed.rev.aum. Petrópolis: Vozes, 1944.


-JUNGMANN, Josef Andreas. Missarum Sollmenia: origens, liturgia, história e teologia da missa romana. 5.ed.corr. São Paulo: Paulus, 2009.


-MCNAMARA, Edward. Covering of crosses and images in lent. Entrevista publicada em Zenit, 03 mar. 2005. Disponível em: . Acesso em: 24 mar. 2011. (em inglês)


-RIGHETTI, Mario. Historia de la liturgia: I – Introduccion general. El año liturgico. El breviario. Madrid: La Editorial Catolica, 1955. (Biblioteca de autores cristianos – BAC, 132). (em espanhol).




Fonte - https://www.icatolica.com/2016/02/o-veu-quaresmal-das-imagens-e-cruzes.html?m=1





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