Palavras escritas com o sangue dos mártires do século XX e XXI
(Por Robert Cheaib – Zenit)
As palavras do título são da luminosa figura do século XX, o irmão
universal, Charles de Foucauld, que foi morto pelos muçulmanos aos quais se
dedicou com heroica generosidade de presença.
Isso mostra que o seu martírio, provavelmente um erro humano, não
o pegou desprevenido! Ele escreveu:
“Que
nosso único tesouro seja Deus, que nosso coração pertença completamente a Deus,
tudo em Deus, tudo por Deus! Somente Ele! Sejamos vazios de tudo, tudo quanto
foi criado, desapegados mesmo dos bens espirituais, mesmo das graças de Deus,
vazios de tudo para poder sermos inteiramente repletos de Deus”.
As palavras do Irmão Charles nos mostra o verdadeiro significado
do martírio, não como um momento trágico, mas como existência ‘Teodramática’ ,
como único verdadeiro caso real e sério.
Pensamento semelhante é o de Abraham
Joshua Heschel:
"Há
apenas um problema real e sério, o do martírio. Trata-se da questão: existe
algo tão valioso pelo qual vale a pena viver, algo grande o suficiente pelo
qual vale a pena morrer? Podemos viver a verdade apenas se tivermos a
força para morrer por ela".
Estas palavras não nascem em um momento de retórica inflamada, que
o pregador sente nas veias de vez em quando. Surgem a partir da experiência de
um grande homem, um rabino que foi deportado para um campo de concentração
dentro de um vagão de gado.
Vale a pena viver por algo
que vale a pena morrer
Palavras fortes, exigentes, que talvez tenha o direito de dizer
apenas aqueles que se encontram realmente diante de uma única opção e a escolhe
com coragem. E quantos cristãos, de todas as denominações, viveram a verdade
dessa afirmação no século XX (século em que morreram mais cristãos do que nos
19 precedentes)?
O sangue dos mártires é a semente de
cristãos
O Papa João Paulo II nos faz recordar que as chamadas
“concessões" do Imperador Constantino garantiram o desenvolvimento da
Igreja, mas foram as “sementes plantadas pelos mártires e o patrimônio de
santidade" que marcaram as primeiras gerações de cristãos” .
E mesmo assim, sobre o martírio
sempre ocorre alguns “clichês”, fomentados pela última onda de Kamikaze do
islamismo fundamentalista
O martírio cristão é outra coisa. Não é uma escolha de morte, mas
uma escolha de vida, a verdadeira Vida. Não é uma escolha contra, mas uma
escolha por algo.
Nos recorda o biblista Bruno Maggioni:
"o
mártir não escolhe a morte, mas um modo de viver, o de Jesus".
Na mesma linha, o gênio literário de
T.S. Eliot fala do conceito cristão do martírio de Dom Thomas Becket, em sua
última homilia antes de seu martírio:
"Um mártir, um santo, é constituído por um desenho de
Deus, de seu amor pelos homens, para alertá-los e guia-los, para reconduzi-los
para o seu caminho. O martírio nunca é o desenho de um homem; porque o
verdadeiro mártir é aquele que se tornou um instrumento de Deus, que perdeu a
sua vontade na vontade de Deus: não perdida, mas encontrada, pois encontrou a
liberdade na submissão a Deus. O mártir já não deseja nada para si, nem mesmo a
glória do martírio".
O martírio é o caso que nos lembra
que não existe fé "low cost" (Papa Francisco), exprime
uma conformação a Cristo na vida e na morte
Nem sempre a morte é a morte do corpo. Às vezes, é o martírio das
circunstâncias, o martírio de uma doença, da solidão vivida com e por amor.
O mártir de hoje também pode ser,
como bem explica Timothy Radcliffe:
“um
professor que fica acordado até tarde para preparar a aula do dia seguinte, ou
apenas alguém que se preocupa em sorrir para quem está cansado, exausto. Pode
ser dizer com sinceridade o que pensa, mesmo que isso possa arruinar sua
carreira ou fazer perder o trabalho".
O livro de Gerolamo Fazzini, em italiano, Scritte com il
Sangue. Vita e parole di testimoni dela fede del XX e XXI secolo, reúne
testemunhos, em primeira pessoa, de mais de 100 testemunhas, a maioria
católicos, mas não apenas Católicos, porque o martírio é uma das dimensões do
ecumenismo espiritual doada pelo Espírito a todos os cristãos.
Não faltam exemplos de figuras não-cristãs, como a do hindu
Gandhi, a judia Etty Hillesum e o muçulmano argelino Said Mekbel .
(Trad.:MEM)
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