José Arthur Giannotti era um dos poucos filósofos de esquerda que eu admirava. Da mesma forma que era um
crítico ácido, ele aceitava críticas como ninguém e, inclusive, adorava. Ele tinha esse gosto pela polêmica, pela crítica e acreditava
que apenas no diálogo era possível aprender. Havia nele também um compromisso forte com a
honestidade intelectual e com o trabalho intelectual, acima da vaidade. E ele
instilou isso em várias gerações de pesquisadores das humanidades que começou a
formar a partir dos anos 1970 no Cebrap e antes disso na Faculdade de Filosofia
da USP”, conta Luis Henrique Lopes dos Santos, professor do Departamento de
Filosofia da Universidade de São Paulo e membro das coordenações adjuntas da
FAPESP, que trabalhou por muitos anos com Giannotti. Logo após publicar o seu
último livro Heidegger/ Wittgenstein: Confrontos, em 2020, o filósofo José
Arthur Giannotti recebeu uma ligação entusiasmada. O interlocutor era só
elogios ao livro, que em sua definição estava perfeito. Ao desligar e agradecer
o telefonema, Giannotti soltou: “Ou ele não leu ou não está me levando a
sério. Não é possível que não tenha uma única crítica a fazer”, disse. Para quem não é versado no campo acadêmico da Filosofia no Brasil, o
método da leitura estrutural do texto havia sido a principal marca do
Departamento de Filosofia da USP em contraposição às escolas católicas.
Trazido pelos professores franceses Martial Geroult e Vito Goldschmidt, ele propunha que os filósofos deveriam ser lidos no original,
sem influência dos comentadores, e toda análise deveria se restringir à
estrutura lógica e argumentativa do texto. Estudar um filósofo tendo este método como base,
confesso, dava-nos uma compreensão profunda de um texto, o que explica sua
vitalidade no Departamento por décadas. A visão de autores como Giannotti era de que
restringir-se ao texto, ignorando aspectos históricos e intertextuais,
empobrecia a análise. Pois bem, era exatamente isso que Oswaldo Porchat, o
principal defensor vivo da tradição estruturalista, estava admitindo.
Onde entra Olavo de Carvalho?
Ele tomou conhecimento do debate, cujo conteúdo extrapolou os limites da USP, e decidiu dar sua contribuição por meio de um artigo na Folha de S.Paulo saudando a revisão de Porchat. Qual o problema? Ele saudou uma revisão que Porchat não havia feito, isto é, uma revisão de uma certa vinculação marxista do Departamento. E, na seqüência, atacou todo o Departamento por representar uma influência esquerdista nefasta sobre a Filosofia brasileira.Porchat jamais poderia ter feito essa revisão, porque era Giannotti, e não ele, o representante do tipo de pensamento que Olavo atacava. Tanto que o artigo recebeu uma réplica de Porchat colocando os pingos nos is. E uma tréplica de Olavo condenando Porchat.O episódio me colocou sérias dúvidas sobre quanto Olavo de Carvalho era realmente alguém bem intencionado ou simplesmente um caçador de polêmicas mais ilustrado que a média. Em meados do inicio do sec XXI seu pensamento já havia se tornado hegemônico nos meios católicos ilustrados. Havia fincado pé nesses círculos por apresentar um pensamento coerente que se opunha à influência da Teologia da Libertação, e direta ou indiretamente seu conservadorismo agressivo agradou quem não queria se vincular nem à infidelidade da Libertação nem à superficialidade da espiritualidade carismática. De certa forma, atendia no Brasil ao espírito do tempo marcado pela eleição de Bento XVI.
À época minha praia era completamente outra. Eu estava longe do
marxismo, no qual militei por 10 anos no PCdoB, mas vinha de uma leitura de
Ratzinger e Wojtyla como promotores de um diálogo construtivo com o pensamento
moderno. A mesma tendência eu havia descoberto em Chesterton e C.S. Lewis.Minha
relação com o marxismo era mais de diálogo crítico que de confronto.Isso me
colocou em rota de colisão com alguns Olivaletes e ex-companheiros da esquerda. Por vários anos pessoas que
nem me conheciam acusavam-me de participar de uma suposta conspiração.Fui
chamado de cristão incoerente, comunista incubado, bem como traidor das causas populares, e coisas do tipo. Demorei a
entender que se tratava do efeito nefasto da influência de Olavo de Carvalho
nos círculos católicos ilustrados. Pessoas que colocadas fora do campo
acadêmico institucional brasileiro por suas próprias debilidades, encontraram
no olavismo uma expressão de seu ressentimento em forma de teoria. Não
nego,temos uma safra de autores conservadores geniais, mas que se perdem em um
discurso de ódio.Dou aqui razão aos textos de Joel Pinheiro da Fonseca
sobre a má influência de Olavo que mostram que há no campo crítico ao marxismo
e pós-modernismo a necessidade de se corrigir os efeitos do "olavismo" (que deturpa o próprio Olavo de Carvalho). É
preciso substituir o discurso de ódio e ressentimento por uma postura de
diálogo com o campo acadêmico que construa um ambiente realmente plural e
produtivo, até mesmo porque não estamos lidando com ciências exatas, mas com pontos
de vista e visões de mundo diferentes, mas que desejam a mesma coisa: o bem comum!
I - José Arthur Giannotti
Provocador, polêmico, o professor José Arthur Giannotti, 73 anos, pode ser visto de muitas maneiras diferentes. Como ele mesmo observa, há quem o considere um traidor do pensamento marxista. Ou melhor, das posições e práticas da esquerda nacional, embora tenha sido cassado da Universidade de São Paulo (USP) pelo regime militar, em 1969, exatamente por suas visões críticas e prática de esquerda.De sua parte, Giannotti, em cuja linguagem pode-se flagrar claramente a influência das análises fundamentais de Marx sobre o capitalismo, em paralelo ao diálogo que está sempre estabelecendo com vários outros pensadores, como Wittgenstein, para interpretar a crise contemporânea da razão, prefere se definir como “o último dos marxistas” – deixando escapar aí um laivo da divertida ironia com que costuma pontuar suas palavras. O que quer que se pense do professor Giannotti, concorde-se ou não com suas análises, obrigatório, no entanto, é considerar que suas contribuições teóricas no campo da filosofia, suas intervenções públicas, na condição de intelectual engajado, sobre a política no Brasil, e sua prática concreta como professor e pesquisador, fazem dele personagem dos mais importantes nas tentativas de elaboração de um pensamento crítico consistente que dê suporte ao país para transcender sua pobreza, seu subdesenvolvimento. E tem sido assim desde os anos 60, estivesse ele onde quer que fosse: na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), do qual, junto com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, foi um dos fundadores, e que dirigiu por 11 anos, ou na USP, para onde retornou após a anistia de 1979 e da qual é hoje professor emérito.Para cumprir a tarefa que se impôs de pensar sobre o problema da racionalidade no mundo contemporâneo, o professor Giannotti há algum tempo afiou os instrumentos para explorar um de seus aspectos centrais, que é o campo da ciência e tecnologia. Recentemente, publicou dois artigos na Folha de S. Paulo, “Feiticeiros do Saber” e “Fetiche na Razão” (Caderno Mais, dias 25 de maior e 15 de junho), que desde o título avisam sobre sua vocação polêmica.
Vejamos agora um pouco do polêmico Giannotti por ele
mesmo:
“O PSDB nunca foi, de fato, um partido. O PT foi consumido pelas
corporações e pela burocracia e não zelou pela honestidade pública. E agora
vivemos num populismo ligado a milícias”, disse Giannotti.
“Veja bem, minha geração teve vários desafios. Um deles era entender o
marxismo, disse (os estudos de Giannotti sobre Marx renderam clássicos da
filosofia da USP, como Origens da dialética do trabalho: estudo sobre a lógica
do jovem Marx, tese de livre-docência defendida em 1966 e publicada em 1985; e
Trabalho e reflexão: ensaios para uma dialética da sociabilidade, de 1983). Giannotti defende que seu “melhor livro” é Heidegger/Wittgenstein: confrontos,
editado pela Companhia das Letras e que acaba de chegar às livrarias. Em quase 500 páginas, com uma prosa rigorosa ao extremo, o
autor esmiúça o pensamento do alemão (e nazista) Martin Heidegger (1889-1976) e
do austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951) à procura da lógica. Ele já
havia publicado um livro sobre o austríaco, Apresentação do mundo:
considerações sobre o pensamento de Ludwig Wittgenstein (1995). “Heidegger e
Wittgenstein são dois filósofos do século XX que abandonam a ideia de razão, o
que é fabuloso”, afirmou Giannotti.
“Tratei de examiná-los em seus pormenores e deu num livro extremamente
difícil, mas o que posso fazer? Vai ser lido por, no
máximo, 100 pessoas. Mas é um livro que pode ficar e, quem sabe, se
confrontar com o tipo de filosofia que se está fazendo hoje.”
“Muito da filosofia feita hoje, lamentou Giannotti, é bordado, mero
comentário. Se você for ao Departamento de Filosofia da USP, vai encontrar
várias bordadeiras, gente que pega um pedaço de Descartes e estuda... estuda,
estuda aquele negócio e fica lá bordando. São estudos interessantes, mas são
bordados, reclamou. Quando saem do bordado, alguns fazem uma mistureba como a
que faz o Olavo de Carvalho ou outros críticos do chamado ‘marxismo cultural’.
Eles estudam um autor e insultam os outros. Nos últimos tempos, o que temos na
filosofia são dois abismos: bordados e insultos.”
Giannotti na visão de outros:
-Giannotti é
reconhecido pelo rigor. “Quanto ao papel do professor Giannotti no que diz
respeito ao desenvolvimento da filosofia no Brasil, ainda mais nos tempos
atuais de desprezo pelo pensamento, bastam algumas palavras de ordem: rigor,
exemplo, paciência, dificuldade que se desfaz em compreensão”, disse
a ÉPOCA Marcio Sattin, professor da Escola da Cidade, em São Paulo, que assina
a orelha de Heidegger/Wittgenstein. Sattin, cujo doutorado foi
orientado por Giannotti, ainda ressaltou “suas preocupações disfarçadas em
cobranças, seus conselhos disfarçados em impropérios — alguns dos quais
dificilmente aprovados pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) — e
seu afeto gigantesco disfarçado em mau humor”.
-Luiz Damon Santos
Moutinho, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e coautor
com o filósofo do livro Os limites da política: uma divergência (2017), disse a
ÉPOCA que “Giannotti é conhecido por seu estilo contundente, incisivo, diria
até um pouco bélico”. “Ele gosta da
metáfora dos boxeadores no ringue de luta. Trabalhar num livro com ele foi um
pouco assim, como uma luta. Mas no plano puramente conceitual, no nível do
debate aberto, franco, leal”, completou.
-O crítico literário
Roberto Schwarz, amigo de décadas que, segundo o próprio Giannotti, “anda meio
bravo comigo porque não fui votar na última eleição”, descreveu, num texto, o
estilo do filósofo como “exigente, exaltado e obscuro”. “Eu sou um chato”, confessou
Giannotti. “Porque pretendo ser rigoroso.”
SOBRE OLAVO DE CARVALHO (por ele mesmo)
FOLHA – Como o sr. avalia o
discurso de alguns intelectuais históricos do PT, como a filósofa Marilena
Chaui, que procura relativizar a questão ética na política? O mesmo
tema, de certa forma, havia sido proposto pelo filósofo tucano José Arthur
Giannotti.
OLAVO DE CARVALHO – Quando essa gangue uspiana
começou a “campanha pela ética na política”, uma década e meia atrás, já
anunciei que era tudo uma empulhação destinada a entregar o poder total à
esquerda, usando e prostituindo a indignação moral do povo com os miúdos
corruptos da época para encobrir a montagem da maior máquina de corrupção de
todos os tempos. Os tucanos estão hoje com choradeira, mas eles são amplamente culpados
pela ascensão do petismo, do qual foram cúmplices na “estratégia das tesouras”
calculada para suprimir da política todas as demais correntes e dividir o bolo
entre os dois partidos nascidos da USP. O que quer que venha da boca de Chauis e
Giannottis é sempre camuflagem, pose, hipocrisia. Essa gente já deveria estar
embalsamada faz muito tempo em alguma espécie de IML intelectual. Cansei de
ouvir besteira. “Intelectual de esquerda”, seja tucano, petista ou qualquer
outra porcaria, tem para mim a confiabilidade de uma nota de R$ 32.A USP
sempre foi o templo da vigarice intelectual, e o sujeito que começa com safadeza
no campo das idéias acaba sempre inventando algum mensalão para se remunerar do
esforço de embrulhar a platéia. Os tucanos ainda podem se redimir do mal que fizeram. A carta
de 7 de setembro do ex-presidente Fernando Henrique é um bom começo, mas é preciso
um arrependimento mais fundo e uma tomada de posição mais clara.Não
adianta querer um “choque de capitalismo” quando ao mesmo tempo se cortejam
“movimentos sociais” cujos programas “politicamente corretos” exigem sempre
maior controle estatal da sociedade. Um capitalismo assim acaba
virando capitalismo chinês. (https://olavodecarvalho.org/usp-e-templo-de-vigarice/)
Entrevista: Olavo de Carvalho Entrevista aos estudantes
de Filosofia da UFPE
(Publicado em Minerva
- Informe Filosófico da Universidade Federal de Pernambuco . Nº 5, maio de 97)
Minerva:
Qual a força de um filósofo dentro de uma sociedade profundamente massificada?
Olavo de Carvalho: É força de um pequeno comprimido de tranqüilizante no corpo de um
neurastênico: não vai curá-lo, mas vai
lhe dar um breve momento de calma e lucidez no qual ele poderá tomar decisões
que mudem sua vida. Se a sociedade souber aproveitar a presença do filósofo,
melhor para ela. Se não, o filósofo,
sem recriminar ninguém, irá calmamente para o seu canto ensinar a si mesmo o
que os outros não quiseram aprender.
Minerva:
Qual a importância de Aristóteles para o conhecimento humano?
Olavo: É dupla:
a importância do que já nos deu, a importância do que ainda pode nos dar. A primeira consiste das dezenas de ciências que ele
fundou - a anatomia comparada, a embriologia comparada, a lógica, a história da
filosofia, a teoria literária, a psicologia, etc. - e das concepções
metafísicas que inspiraram a Idade Média Cristã. A segunda consiste, sobretudo, da visão que ele
tem de uma unidade orgânica do conhecimento -
um ideal que o sec. XX perseguiu em vão,
mas para cuja realização a filosofia de Aristóteles pode dar ainda uma ajuda
substantiva.
Minerva:
Seu livro O Imbecil Coletivo, está indo para a 3ª edição. Qual o alcance
filosófico de sua crítica à intelligentzia dominante?
Olavo: Toda manifestação cultural tem
por fundo alguma tese filosófica que pode permanecer implícita e inconsciente.
A técnica que emprego em O Imbecil Coletivo é explicitar as teses subentendidas
na produção cultural brasileira, e em seguida examiná-las criticamente. Em muitos casos, torna-se claro que a única
força delas residia no fato de permanecerem escondidas: uma vez trazidas à luz,
sua absurdidade salta aos olhos. Às vezes, basta revelar a origem histórica
de uma crença dominante para que ela fique instantaneamente desmoralizada. Um
exemplo é a crença de que tudo na vida é político, de que a política é uma
dimensão onipresente, de que todo ato humano encerra uma significação política
e de que portanto tudo deve ser julgado politicamente. Essa crença, que tanta gente na esquerda brasileira professa de maneira
ostensiva ou velada, tem origem nas doutrinas de Carl Schmitt, teórico do
estado Nazista. Basta revelar isto, e a pessoa que subscreveu a tese de
maneira ingênua vai se sentir tentada, se for honesta, a questioná-la
criticamente. Meu livro não tem só o
propósito de denunciar um estado de fato, mas de desentranhar as raízes
intelectuais de certas crenças e hábitos que deprimem e enfraquecem a
inteligência humana.
Minerva: A
seu ver, qual a ajuda que a religião pode dar a uma compreensão global do
mundo?
Olavo: Que é uma religião? É a encenação ritual de um conjunto de mensagens
simbólicas de importância medular para a conservação do estatuto humano do
homem. As regras morais fazem parte
desse grande teatro, do qual devemos participar com sinceridade e devoção,
porque ele é a única fonte de vida e saúde para o espírito humano. Mesmo
quando as normas de uma religião parecem estranhas ou absurdas quando vistas
desde uma outra cultura ou desde a ingenuidade fingida do cético, elas devem
ser aceitas de coração, porque elas só entregam seu sentido profundo a quem as
ama. Amá-las não quer dizer obedecê-las
de maneira mecânica e burra, mas simplesmente não ter contra elas uma atitude
de suspeita, de malícia. A sabedoria que reside no núcleo das religiões não se
entrega ao olhar malicioso. É isto que Cristo quer dizer quando pede que nos
tornemos como crianças. A malícia, no entanto, é o mandamento número um da
intelectualidade moderna, que nasce com Voltaire. O intelectual moderno, cheio de suspicácia e
medo, teme ser enganado pelas mensagens de Moisés, de Cristo, de Maomé, do
Buda, e acaba por se deixar ludibriar por mentirosos baratos com Voltaire e
Marx, que o arrastam a aventuras políticas sangrentas e sem sentido.
Veja você, a Revolução Francesa matou, em um ano, dez vezes mais gente do que a
Inquisição tinha matado em seis séculos. Pergunto
eu: quem é o ingênuo e quem é o esperto? Aquele que crê em Buda e Cristo ou
aquele que crê em revoluções? Apesar disso, na imaginação moderna, é a
Inquisição que continua a constar como a imagem mesma da violência. Especialmente no
Brasil, e particularmente na USP, tem havido uma epidemia de estudos sobre
Inquisição, com farta cobertura jornalística, dando a impressão de que o
fenômeno inquisitorial está nas raízes mesmas da violência brasileira, o que é
uma besteira descomunal. Em três séculos, a Inquisição, em toda a
América e não só no Brasil, não executou mais de trezentas pessoas: uma centena
por século, uma vítima por ano. É uma cifra ridiculamente pequena, se
comparada ao número de pessoas que os índios matavam na mesma época ou à taxa
de homicídios de qualquer município da Baixada Fluminense hoje em dia.
Minerva: Como o senhor vê o panorama filosófico brasileiro atual?
Olavo: Há dois panoramas: o visível e o invisível. O primeiro é constituído de uma grotesca pantomima em que os medíocres
se bajulam uns aos outros para dar ao público a impressão de que são
importantes. O invisível constitui-se do esforço
sincero de dezenas de estudiosos, de ontem e de hoje, alguns perfeitamente
geniais, dos quais o público nunca ouve falar. Para mim, a notícia mais importante da década, em matéria de estudos
filosóficos no Brasil, foi a edição das obras completas de Platão traduzidas
por Carlos Alberto Nunes e publicadas pela
Universidade Federal do Pará. Em qualquer país do mundo, isso seria um acontecimento
seminal (para usar uma palavra da moda). No Brasil, foi solenemente ignorado,
enquanto um jornal de São Paulo gastava doze páginas de uma edição especial
para elogiar um livreco do dr. José
Arthur Gianotti, um sujeito cujo único talento filosófico é ser amigo do
presidente [Fernando Henrique Cardoso].Como se vê, há dois mundos
filosóficos no Brasil: um visível, outro invisível, como as duas faces da Lua,
tudo o que é mais interessante está no lado invisível.
Minerva:
Num momento como este, como fazer com que o filósofo chegue até uma juventude
que não tem sequer perspectivas de sobrevivência econômica?
Olavo: A mensagem do filósofo aos jovens estudantes, no que diz respeito à
dificuldade financeira, é simples, quanto pior ficar a sua condição econômica,
mais se apeguem à sua vocação intelectual. Não
cedam à pressão de um mundo que quer matar em vocês o espírito à força de
atormentá-los com problemas financeiros. O mundo, no sentido bíblico do termo
(isto é, a sociedade mundana), só respeita quem o despreza. Na Primeira Guerra Mundial, o físico Werner Heisenberg, então
um adolescente, numa cidade reduzida à miséria pelo cerco e pelos bombardeios,
se escondia no porão de uma igreja para ler Platão e discutir com seus amigos a
metafísica de Malebranche.Foram os anos decisivos de sua formação:
ele poderia tê-los perdido, aguardando melhores dias para estudar. Mas nada, neste mundo, pode vencer a
determinação do homem que é fiel à vocação espiritual. Não se intimidem, não
desistam. Quanto mais pobres vocês ficarem, mais se dediquem aos estudos. A
porcaria reinante não prevalecerá sobre a sinceridade dos seus esforços.
Digo isto com a experiência de quem, ao longo de mais de duas décadas de
pobreza, com mulher e filhos para sustentar, jamais deixou de estudar um único
dia, aproveitando cada momento livre e abdicando de toda sorte de viagens e
divertimentos. Nunca esperei que minha
situação melhorasse para depois estudar, e garanto: seja teimoso, e um dia o
mundo desiste de tentar dominar você pela fome.
Minerva:
Qual a ligação entre a arte e a filosofia?
Olavo: A arte, é na ordem do tempo, a primeira e mais básica das formas de
conhecimento. É a síntese imaginativa, que precede toda elaboração conceptual. Logo, a formação
artística é a primeira que se deve dar a criança ou a um jovem. Isso
inclui o desenho geométrico, como forma de preparação para as matemáticas (um
ponto que aqui em Recife o prof. Jarbas Maciel tem ressaltado com muita
pertinência), o desenho de observação das formas vivas, como preparação para as
ciências naturais, a música, o teatro e as artes narrativas, como preparação
para a ciência histórica, as artes oratórias como preparação para a filosofia,
etc.Sem cultura artística, nada feito. A imaginação faz
a ponte entre o sensível e o inteligível, já dizia Aristóteles. Sem uma imaginação treinada e apta, o pensamento
conceptual fica boiando no vazio como mero formalismo e o sujeito nunca adquire
o senso da verdade no pensamento.As
relações entre arte e filosofia podem ser abordadas também de um ponto de vista
mais profundo, metafísico, como faz Schelling. Mas, no momento, basta falar do
aspecto pedagógico.
Minerva: O que o senhor diz da proposta de José Arthur Gianotti ocupar o lugar de Darcy Ribeiro na Academia Brasileira de Letras?
Olavo: É coerente: "põe o oco no lugar
do vazio!" Mas o Darcy tinha pelo menos talento verbal,
era engraçado e simpático. Era um
brilho fácil e superficial, mas era um brilho. Gianotti é a encarnação mesma da
opacidade. Se eu fosse votar, escolheria
Bruno Tolentino, Franklin de Oliveira ou Antônio Olinto.
Minerva: O
senhor disse que as pessoas já não procuram na filosofia uma sabedoria, uma
orientação para viver. Então o que procuram nela?
Olavo: Procuram aquilo que o ensino em
geral oferece: uma profissão e um poder de ação política - tudo aquilo que,
tomado como essência em vez de mero acidente, pode levar o homem para longe da
concentração interior necessária à busca da sabedoria. A filosofia torna-se assim uma "misosofia" - o horror à sabedoria.
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