(Por Graça Magalhães-Ruether / Correspondente
- 31/07/2016)
*Na foto: Na frente do
pastor Gottfried, dois ajudantes da liturgia, que leram o evangelho em farsi e
em árabe.
BERLIM — Refugiados veem no cristianismo chance de romper com
passado e se integrar à vida alemã.Centenas de
milhares de refugiados muçulmanos converteram-se ao cristianismo nos últimos
meses. Embora em alguns dos seus países de origem a conversão seja vista como
um delito que pode ser punido até com a pena de morte, as igrejas alemãs, protestantes e
católicas, voltaram a celebrar missas com bancos lotados. Em algumas, como na
da Trindade, no bairro berlinense de Steglitz, cerca de 80% dos fiéis são
ex-muçulmanos
Para o pastor Gottfried
Martens, que já batizou 1.200 convertidos, os refugiados desejam romper
definitivamente com o passado e aumentar suas chances de integração na
sociedade alemã. Mas Daniel Ottenberg, da ONG Open Doors, encontra outra
explicação:
Com o debate sobre o terrorismo islâmico, muitos muçulmanos começaram a
sentir um alto grau de insegurança em relação à própria religião.
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“Eles cresceram na crença de
pertencer à melhor religião do mundo, mas
começaram a questionar isso depois que, em nome da religião, foram cometidos
tantos atos de violência” — sustenta Ottenberg.
Enquanto as duas
grandes igrejas oficiais, católica e luterana protestante, veem os novos fiéis
como uma chance de compensar as perdas dramáticas de membros nos últimos dez
anos, as organizações muçulmanas reagem com cautela.
Cada um deve agir de acordo com os seus próprios interesses — disse um
representante do Conselho dos Muçulmanos na Alemanha.
Por outro lado,
islamistas e fundamentalistas bombardeiam os novos cristãos com ameaças. Um
estudo da Open Doors revela que muitos convertidos desistem do batismo na
última hora com medo de pôr em risco os parentes que ficaram em seus países. Mesmo
em alguns locais que passaram pela Primavera Árabe, como o Egito, a conversão
ao cristianismo é vista como um delito na sociedade muçulmana. Parentes
dos convertidos podem ser alvo de represálias.
Para os refugiados, o problema não é apenas os conflitos naturais que
podem surgir entre os vindos das regiões de crise, traumatizados pela guerra e pela
fuga, que vivem com frequência em abrigos lotados. O mais alarmante é o fato de
que os fugitivos cristãos e de outras minorias religiosas cada vez mais são
alvo da mesma perseguição e discriminação das quais eram vítimas nos seus
países de origem — diz Daniel Ottenberg.
Praticamente todos os
participantes da missa de domingo passado na Igreja da Trindade já passaram
pelo trauma da perseguição religiosa, mas a maioria vê a nova religião como a
perspectiva de uma vida melhor.
Evangelho em farsi e árabe
Na opinião do afegão
Ali Mirzace, o fundamentalismo, as guerras religiosas e a brutalidade do Estado
Islâmico ou dos talibãs dividem os jovens muçulmanos. Enquanto uns adotam a
doutrina do Islã político, outros desenvolvem uma aversão contra a própria identidade
cultural, da qual se julgam vítimas.
Tudo continua difícil, mas acreditar em Jesus nos ajuda a enfrentar as
adversidades — sustenta.
O amigo Mohamed
Hakime, de 17 anos, também é afegão. Os dois se conheceram durante a fuga
através do Mar Mediterrâneo, no ano passado, em um momento no qual o barco
parecia que ia afundar. Hakime confessa que decidiu se batizar para provar que
tinha um enorme interesse em se integrar à sociedade alemã.
O batismo é para eles
a conclusão de um processo de abandono definitivo do passado. Há um clima de
entusiasmo. Todos os frequentadores da Igreja da Trindade de Steglitz
acompanham a missa com o manual que oferece o texto e os cantos em alemão, com
tradução para farsi e árabe. E todos cantam juntos.Embora a missa dure quase
duas horas, ninguém vai embora quando termina. A festa da eucaristia continua
no salão paroquial, onde os alimentos trazidos pelos visitantes e preparados
pela paróquia são divididos.Nesses momentos, lembra Ali Mirzace, eles conseguem
esquecer as dificuldades que nunca acabam. Como os refugiados não têm muita
privacidade nos abrigos coletivos, onde precisam dividir quartos uns com
outros, logo que um aparece com um terço, uma Bíblia ou começa a frequentar uma
igreja cristã torna-se alvo da hostilidade.
O curdo sírio Sava
Soheili, de 27 anos, está desde o ano passado em Berlim. Desde o início do ano,
é um luterano fervoroso que gosta de
mostrar o crucifixo pendurado em um cordão de ouro.
Soheili afirma que os convertidos
são, na opinião dos fundamentalistas, “verdadeiros
criminosos que merecem a pena de morte. Nós somos considerados kuffars, palavra
que para os muçulmanos fundamentalistas significa um descrente que cometeu um
grave crime religioso. Os kuffars são vistos como criminosos religiosos que
merecem a pena de morte — explica.
Segundo o pastor
Gottfried Martens, a igreja e o Estado tentam proteger os refugiados cristãos,
mas é difícil uma solução porque trata-se de um problema bastante complexo:
Uma possível solução
seria criar abrigos para refugiados cristãos, mas a separação dos convertidos
ofereceria um outro risco, disse.
A prefeitura de
Berlim também recusou a criação de abrigos para convertidos alegando que,
separados, esses refugiados ostentariam abertamente a sua condição como um
estigma e assim poderiam tornar-se um alvo fácil de terroristas.Mostafa, um
iraniano de 23 anos, diz que a opção pelo cristianismo é também pela liberdade
individual:
Há também casos de cristãos que se convertem ao Islã, mas não há com
certeza nenhum que por isso tenha sido perseguido pela comunidade Cristã, desabafa.
Luteranismo e catolicismo são as opções
O iraniano Ali, de 29
anos, lembra, porém, que muitos não são culpados pela imagem deturpada que têm
de outras religiões:
Em muitos países muçulmanos, há um processo de lavagem cerebral. E o
pior é que acreditamos mesmo em tudo o que dizem. Só quando chegamos a um país
livre temos a chance de abrir os olhos e ver que os muçulmanos não são melhores
do que pessoas de outras religiões.
Ali e Mostafa foram
batizados antes de aprenderem o idioma alemão. O curso de catecismo foi feito
em farsi. Dependendo do lugar onde moram, os refugiados interessados no
cristianismo optam pela igreja luterana em Berlim, a religião da maioria, ou
pelo catolicismo dominante na região da Renânia, como na cidade de Colônia, que
tem a famosa catedral.
Mas as pessoas nessas
igrejas, pastores, padres e fiéis, convivem com o medo. A proteção é discreta.
Na entrada da Igreja da Trindade, três homens cuidam da segurança. Com a
desculpa de distribuir os manuais de orações e cantos, eles avaliam todos os
que chegam. Durante toda a missa, ficam atentos para qualquer eventualidade com
o número da emergência da polícia gravado nos celulares.
Fonte: O Globo
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