AFINAL
TODOS OS MILAGRES BÍBLICOS SÃO APENAS SIMBÓLICOS , OU REIAS ?
*O Prof. Dr Pe.
Manoel Augusto possui graduação em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (1991), graduação em Engenharia Química pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (1985) , mestrado em Teologia pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1996) e doutorado em Teologia
Dogmática pela Universidad de Navarra (2001) . Atualmente é professor adjunto
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Tem experiência na
área de Teologia , com ênfase em Teologia Sistemática. Atuando principalmente
nos seguintes temas: missão dos leigos, ministérios não ordenados, sacerdócio,
teologia brasileira.
UMA
TEOLOGIA DO MILAGRE - UMA ANÁLISE REALISTA E RACIONAL SOBRE O FENÔMENO DOS
MILAGRES
*Publicado
originalmente em: Teocomunicação (2003)
Desde os princípios da humanidade, os
fenômenos extraordinários, assombrosos ou maravilhosos causaram não apenas
estupefação, mas também reflexão e pensamento religioso, seja na autenticidade,
seja no imaginário.Mesmo nos dias
atuais, eivado de racionalismo, é fácil perceber a influência de tais
fenômenos.Curas, possessões,
exorcismos, fantasmas, mau-olhado, encosto, casas mal-assombradas,
trabalhos-magias, fenômenos carismáticos e tantos outros assuntos similares
pertencem aos âmbitos religioso, ficcional, de superstição, de cinema, de
processos psiquiátricos ou de sensacionalismo. Somente alguém
distanciado das lides pastorais da Igreja desconsideraria sua relevância. No âmbito
judaico-cristão, os fenômenos extraordinários têm importância capital. A
Revelação de Deus, que tem uma natureza pública e social, expressa-se por
palavras, mas também através de fatos e mesmo através de fatos prodigiosos que
chamamos milagres.
Os milagres fazem parte da Revelação e como tal
devem ser considerados!
Assim, convém
esclarecer alguns aspectos gerais que facilitam a compreensão e o oportuno
julgamento que muitas vezes é requerido ao teólogo-pastor.Negar a possibilidade
de fenômenos extraordinários ou sobrenaturais seria puro ceticismo.Acreditar na
veracidade e sobrenaturalidade de todos os pretensos casos seria colecionar o
maravilhoso imprudentemente, expondo a Igreja ao risível. Nada dizer seria
deixar livre curso ao imaginário.O presente artigo é
uma sistematização a partir de uma importante bibliografia sobre o assunto(1),
porém não pretende ser exaustivo.Além disso, pode-se
encontrar ampla e diversa bibliografia relacionada (2).
O que é um milagre?
Milagre vem do latim
miraculum. Na antigüidade clássica era um fato excepcional ou inexplicável, um
fato maravilhoso ou extraordinário que suscita admiração, considerado como
sinal e manifestação de uma vontade divina (3). A partir do
testemunho bíblico, percebe-se uma evolução na compreensão teológica do
milagre. Os momentos centrais dessa compreensão foram a doutrina de santo
Agostinho, de santo Tomás e a resposta apologética à crítica ilustrada. O
magistério da Igreja ocupou-se do milagre, sobretudo a partir do Concílio
Vaticano I.
a)
Na Sagrada Escritura
As coordenadas da
linguagem bíblica sobre o milagre são diversas. O termo traduziu a riqueza
expressiva dos termos hebraicos ot, nifla’ot, nora’ot, môfét, e os termos
gregos sêmeia, dýnamis, thaúmata, térata, parádoxa, etc.Para o aspecto
psicológico do milagre: no Antigo Testamento encontramos môfét, que significa
prodígio, um fato insólito, que provoca assombro, admiração, surpresa. No Novo
Testamento, encontramos thaumázo e téras, com o mesmo tipo de significado. No
entanto, esse prodígio, aos olhos da Sagrada Escritura, não é um prodígio
profano, mas sagrado. Para o aspecto
factual, ontológico: no Antigo Testamento, encontramos nifla’ôt, que são obras
próprias de Deus e impossíveis para o homem (ações divinas), manifestações e
efeitos do poder divino. É o aspecto ontológico do milagre: obra transcendente,
impossível às criaturas, o que supõe uma intervenção especial da causalidade
divina. Para o aspecto
intencional ou semiológico ou noético: no Novo Testamento, encontramos sêmeion
(l. signum), pois o milagre não é somente um prodígio que suscita o assombro,
mas um sinal que Deus dirige aos homens. O milagre é portador de uma intenção
divina que há de ser lida. Assim, ora Deus dá a entender que está com o seu
enviado (p. ex., Moisés, Elias), ora que chegou o Reino (p. ex., nos “sinais”
operados por Jesus). Assim, para a Sagrada
Escritura, o milagre é um prodígio religioso (aspecto psicológico), uma obra de
poder (aspecto da causalidade), um sinal dirigido por Deus (aspecto da
intencionalidade). Especialmente nos Evangelhos, é considerado como sinal, isto
é, como “palavra plástica” de Deus que interpela o homem e o ajuda a proferir
um ato de fé na mensagem transmitida por Cristo. Ou seja, os milagres são sinais
divinos que não podem dar-se separados ou isolados da Revelação de Deus à qual
pertencem e que expressam.
b)
Em santo Agostinho
Nos Padres, o milagre
é apresentado dentro do conjunto da Revelação e da fé, destacando seu caráter
de sinal assim como a função que lhe é própria: orientar à Revelação. Santo Agostinho foi o
primeiro a estabelecer uma doutrina sistemática sobre o milagre, que influirá
até ao século XII. Considera o milagre no horizonte da atividade criadora de
Deus, que deixou sementes e virtualidades nas coisas (rationes seminales). No
milagre importa mais o seu valor de sinal e não tanto o de transcendência
física. Ele reconhece no milagre a intervenção divina, que não consiste, no
entanto, em um ato de poder criador de Deus, mas em um desígnio de sua
providência, mediante o qual desperta “a energia” que já havia depositado nas
coisas. Os milagres seriam fenômenos que Deus provoca a partir das sementes
secretas que se encontravam em germe desde a criação. Portanto, de certa forma,
tudo, na natureza e no mundo, pode ser considerado como milagre, e os milagres
especiais o são por seu caráter insólito e extraordinário. O fundamental neles
não é o poder que mostram, mas que Deus pode utilizá-los de modo especial como
sinais. Em De Trinitate, são propriamente milagres e sinais aqueles fatos que
se apresentam a nossos sentidos para transmitir-nos algo divino (4). Em De
utilitate credendi, milagre é tudo o que, sendo difícil e não-habitual, supera
as esperanças e o poder do espectador assombrado (5). Portanto, um acento no
psicológico: para Santo Agostinho, o importante no milagre é sua capacidade de
elevar o homem à inteligência das realidades do mundo da graça. Não nega a
intervenção direta de Deus, mas acima de tudo é um sinal devido ao seu caráter
não-habitual ou extraordinário. Uma síntese do pensamento agostiniano sobre o
milagre encontra-se no comentário sobre a multiplicação dos pães, em Tractatus
in Ioannis Evangelium(6).
c)
Em santo Anselmo e santo Tomás
Santo Anselmo
distingue tríplice causalidade: a da natureza, a do homem, a de Deus. A
natureza e o homem não podem fazer nada sem Deus, mas Deus pode atuar sem a
natureza e sem o homem. O milagre tem que ver com a causalidade divina,
independentemente de toda causa segunda; é um fato transcendente, que só pode
atribuir-se a Deus. Portanto, um acento no ontológico.Santo Tomás de Aquino
ocupou-se do milagre em diversos lugares (7). O Aquinate retoca a definição de
Santo Agostinho: Miraculum dicitur arduum et insolitum supra facultatem naturae
et spem admirantis proveniens (8). Afirma que nos milagres podemos distinguir:
primeiro, o que nele ocorre, quer dizer, algo que supera as forças da natureza,
que é o que faz designar o milagre como ato de poder; em segundo lugar, a
finalidade do milagre, isto é, a manifestação de um caráter sobrenatural;
finalmente, seu caráter excepcional é que os faz designar como prodígios ou
maravilhas (9). Ainda, o doutor
angélico distingue três gêneros de milagres, segundo a distância entre o fato
devido à intervenção divina e as possibilidades das causas segundas: milagres
em que Deus obra algo que a natureza nunca pode fazer; milagres em que Deus
obra algo que a natureza pode realizar, mas em outra ordem; milagres em que
Deus obra algo que também as criaturas fazem, mas o faz sem ater-se a
determinadas exigências (10).
d)
Na crítica ilustrada e na apologética
Depois de santo
Tomás, acentuou-se o aspecto ontológico, sem preocupação demasiada com os
outros aspectos. A própria idéia de santo Tomás sobre lei e natureza acabaram
cedendo espaço às idéias racionalistas: a lei no contexto moderno. A natureza,
pensam os deístas e ilustrados, está regida por leis necessárias e
inalteráveis, postas por Deus. Postula-se, então, sobre bases filosóficas, uma
visão determinista da natureza. Um determinismo que acabou adversário da
possibilidade do milagre. Nessa visão da natureza, o milagre torna-se
impossível; claro está, dentro da visão da crítica ilustrada onde a noção de
Deus é a própria do deísmo ou do panteísmo, onde Deus é entendido como suprema
razão que se manifesta na universalidade e necessidade, mas que se vê
incapacitada de integrar a liberdade. A resposta da
apologética teológica insistiu sobretudo na possibilidade dos milagres e na
“quebra” das leis naturais que os caracteriza e que somente Deus pode realizar.
Ao centrar-se de maneira preponderante na transcendência física do milagre, a
apologética deixou, de certo modo, que o caráter de sinal caísse no
esquecimento. Ao ater-se somente à consideração do milagre/prodígio, concebido
como um fato de ordem física que supera a força eficiente de todas as
criaturas, sem apelar ao caráter intencional, reduz um problema religioso a um
problema de pura causalidade eficiente. Pois o milagre em sua especificidade
mais profunda é um sinal de uma ordem da graça dirigido por Deus.
e)
Numa renovação na idéia de milagre
Uma fonte de
renovação sobre o pensamento em torno ao milagre deve-se ao filósofo Maurice
Blondel. Para ele, o milagre não é somente um prodígio físico que se refere
exclusivamente aos sentidos, à ciência ou a filosofia, mas que é, ao mesmo
tempo, um sinal dirigido a todo homem, um sinal de ordem espiritual e de
caráter moral e religioso, um sinal que revela, não apenas a existência da
causa primeira (do que os fatos naturais são suficientes para assegurar-nos),
mas, sobretudo, a bondade de um Deus Pai que marca sua intervenção especial e
que autentica desse modo um dom sobrenatural.Assim, o milagre tem
uma realidade física. Não é somente um fato extraordinário, percebido aos olhos
da fé; é um testemunho escrito por Deus nos fatos. Se o milagre é
verdadeiramente figurativo da bondade “anormal” de Deus, é preciso que possua
uma realidade física. Os milagres são benefícios temporais verdadeiros e reais.
O milagre é o análogo do sobrenatural. Situa-se no juízo mesmo de dois mundos:
é sinal sensível das realidades invisíveis.Mais o milagre tem
uma função no tempo presente: um benefício real. Mas este benefício não é mais
que uma prefiguração, uma antecipação fugidia da “terra prometida”. O milagre
pertence ao mundo da Revelação divina. Por sua própria natureza, o homem não pode
ser mais que servidor, amigo, “filho adotivo”: numa invenção sobre-humana e
supradivina do amor. O milagre é a “teofania” da bondade misericordiosa e
favorável que triunfa sobre a natureza e sobre o tempo no tempo e na natureza
mesma. Os milagres são “atos falantes”,
“palavras atuantes”. Se o milagre nos desconcerta e nos inquieta, é porque nos
urge à conversão. Em sua relação com a doutrina da fé, o milagre é motivo de
credibilidade. Mostra a bondade da mensagem em exercício.Ainda: é impossível
demonstrar cientificamente a transcendência de um fato. Mas o milagre não se
situa nesse nível. Não fala a linguagem da ciência. O que se pode constatar é
seu caráter extraordinário e perceber sua relação com a mensagem de Deus. O
milagre é o que na ordem sensível se leva a cabo divinamente, com vistas ao
sobrenatural. O milagre recorda-nos que o mundo é criado por Deus, que não
existe mais que nEle e para Ele.Portanto, para
Blondel, o milagre é ao mesmo tempo um fato extraordinário que rompe
bruscamente com o curso habitual das coisas e uma manifestação absolutamente
particular da bondade de Deus Pai. Um sinal figurativo e confirmativo da
mensagem cristã. Um sinal da “anormal” bondade de Deus. Um prodígio
significante: aurora da nova criação.Segundo R. Latourelle,
milagre é um prodígio religioso, que expressa na ordem cósmica (o homem e o
universo) uma intervenção especial e gratuita do Deus de poder e de amor, que
dirige aos homens um sinal da presença ininterrupta de uma palavra de salvação
no mundo.Assim, em primeiro
lugar, é um prodígio na ordem cósmica, um fenômeno insólito que altera o curso
habitual das coisas e que causa surpresa e admiração. Em segundo lugar, é um
prodígio religioso ou sagrado, ou seja, realizado num contexto religioso
(não-fantasmagórico, fabuloso ou mítico). No contexto profano, o milagre não
teria nenhum sentido e nenhuma razão de ser. Em terceiro lugar, é uma
intervenção especial e gratuita do Deus de poder e de amor. Em quarto lugar, é
um sinal divino, ou seja, é um prodígio com significado.
f)
No magistério
Não há uma definição
completa de milagre dada pelo Magistério da Igreja, ou seja, nunca o julgou
necessário ou nunca a quis dar. O Concílio Vaticano I indica as características
do milagre: são fatos divinos, isto é, têm Deus como autor, ao menos como causa
principal, e são fatos distintos dos da Providência ordinária supondo uma
intervenção especial de Deus; são sinais dirigidos por Deus aos homens para
ajudar-nos a reconhecer que Deus falou à humanidade; causam assombro (11).Pio X recolhe no
juramento antimodernista o mesmo ensinamento do Vaticano I, insistindo na idéia
de que os milagres são motivos de credibilidade acomodados a toda época(12).
Pio XII refere-se também ao juízo certo de credibilidade, que se apóia nos
milagres, acerca da origem divina da religião cristã (13).
No Concílio Vaticano
II mencionam-se:
-“Obras, sinais e milagres pelos quais Cristo revela e atesta a
Revelação” (14);
-“Os milagres de Jesus permitem comprovar que o Reino de Jesus
já chegou à terra” (15);
-Cristo “apoiou e confirmou sua pregação com milagres
para excitar e robustecer a fé dos ouvintes, mas não para exercer coação sobre
eles” (16).
As condições de um milagre
A teologia afirma que
o milagre é essencialmente um sinal ou palavra-feito de Deus, dotada de três
características. Com efeito, o milagre é:
a) um fato real,
b) totalmente inexplicável pela
ciência contemporânea ao mesmo,
c) realizado em autêntico
contexto religioso, como sinal ou resposta de Deus a esse contexto.
Um fato real: porque requer-se
que o episódio apresentado seja histórico, autêntico, real. Sabe-se quanto a
imaginação é fértil em criar casos maravilhosos ou, ao menos, em aumentar as
dimensões estranhas de determinado fato. Também o subconsciente, com suas
aspirações íntimas, a alucinação, a sugestão, é responsável por muitos dos
casos tidos como milagres pelo vulgo.Um fato inexplicável
pela ciência contemporânea ao mesmo: a ciência moderna tem elucidado numerosos
fenômenos que, na época de sua ocorrência, foram tidos como milagres. Mas há
fatos (p. ex., nos Evangelhos) que a ciência não explica, nem jamais explicará.
Mas basta para ser “sinal” que a ciência contemporânea não o saiba explicar,
nem conheça pista para explicá-lo futuramente.Um fato realizado em
autêntico contexto religioso: o milagre vem confirmar, da parte de Deus, uma
atitude religiosa do homem. Ora, Deus só pode confirmar valores autênticos e
verdadeiros. Por isso, mesmo quando a ciência considera inexplicável um fato, a
Igreja permanece reticente. Ela examina as circunstâncias: terá sido resposta a
uma prece humilde, confiante, inspirada na verdadeira fé? Terá servido para
confirmar um servidor de Deus cuja doutrina ou cujo comportamento precisavam da
chancela do próprio Deus? Será que o prodígio se verificou em contexto de
magia, crendices, superstições, culto ao demônio? Portanto, por sua
própria índole, o milagre é um sinal, ou uma palavra “plástica” dirigida por
Deus a determinada porção da humanidade, a fim de suscitar a fé dos homens ou
tornar mais facilmente acreditável aquilo que o milagre assinala (a mensagem ou
a pessoa). O milagre é uma das formas da comunicação reveladora de Deus. Forma
parte das obras, através das quais, junto com as palavras, tem lugar a
Revelação. Às obras concretamente compete manifestar e confirmar a doutrina
(17). A função significativa que os milagres oferecem da Revelação realiza-se
em vários níveis: são sinais do poder misericordioso de Deus (p. ex., Mt. 9,1 -
8); são sinais do Reino messiânico (p. ex. Mc. 1,35 - 39); são sinais da missão
divina de seus enviados (p. ex., Ex. 4, 1; 14,31; 1 Re 18,37 - 39; Mt 11,21; Jo
3, 2; 7, 31; At 2,22; 10, 38); são sinais da glória de Cristo (p. ex., Mt.
11,27; Jo 1,14; 3, 35); são sinais de salvação (p. ex., Mc. 1,40 - 45; Lc 5,
10); são sinais escatológicos (p. ex., Cl. 1,18; Rm. 8,11).
Aspectos positivos e negativos a observar nos fenômenos
milagrosos:
Podemos observar
aspectos positivos e negativos durante a análise de um possível milagre.
Critérios negativos (não são reconhecidos como milagres) são:
- os fenômenos
ambivalentes: suscetíveis de dupla interpretação (natural ou transcendental).
Certos acontecimentos podem verificar-se tanto em contexto religioso como em
contexto puramente natural (p. ex., vozes interiores, êxtases, sonhos premonitórios,
adivinhação do pensamento, visões, etc.). Muitas vezes será difícil distinguir;
- os fenômenos de
experiência meramente individual: só uma determinada pessoa o vive e o conhece.
São verdadeiros sinais para a pessoa, inclusive podem ser de Deus, mas não
podem ser utilizados como mensagem destinada a mais pessoas. Tais sinais têm
algo de incomunicável, pois implicam um tanto de experiência imediata e de
intuição, que não se pode enquadrar em um esquema objetivo e válido para o
grande público (p. ex., sinais da Divina Providência, sonhos, iluminações,
etc.). Muitas vezes poder-se-ia apelar à mera coincidência e, em outros casos,
à sugestão;
- as curas de
moléstias funcionais. As curas de doenças são os mais comuns “milagres”.
Devem-se distinguir-se doenças orgânicas das funcionais. As doenças orgânicas
são as doenças nas quais há um ou mais órgãos afetados na sua integridade
anatômica ou histológica, ou deformado e degenerescente, de modo a estar em
vias de perecer. As doenças meramente funcionais são as doenças que não
dependem de lesão física mas de perturbação do sistema nervoso. Existem
perturbações histéricas pseudo-orgânicas que apresentam todos os sintomas de
uma lesão orgânica, sem que esta exista realmente. Há quem mencione também as
doenças psicossomáticas, nas quais um fundo nervoso está associado a lesões
orgânicas. Em alguns casos, o elemento psíquico predomina e é diretamente
responsável por irritações orgânicas (p. ex., dermatoses, moléstias cardíacas).
Em outros casos, o fator orgânico predomina, mas o estado psíquico ou afetivo
do paciente influi. Para “milagres”
interessam as lesões orgânicas nitidamente diagnosticadas e tidas como
incuráveis pela medicina contemporânea.Existem também
circunstâncias que desabonam um pretenso “milagre”: ambiente de irreverência a
Deus, imoralidade, charlatanismo ou ilusionismo, cobiça de lucros materiais ou
aceitação destes, ocasião de orgulho, vaidade ou sensualidade e culto da
personalidade; ambientes de sensacionalismo e alarde, de fantasia e vã
curiosidade, pois as obras de Deus costumam ser discretas; espírito de
arrogância e de domínio com que alguém trata as coisas de Deus.
São critérios
positivos:
- no caso de cura, em
se tratando de doença orgânica grave, consistindo em alterações anatômicas
significativas (modificação, perda ou hiper-produção de tecidos). Esta doença
terá sido diagnosticada pelos métodos mais seguros e considerada totalmente
incurável aos olhos da medicina contemporânea;
- no caso de cura,
tenham sido ineficientes todos os meios terapêuticos devidamente aplicados;
- no caso de cura,
verifique-se a restauração dos órgãos ou tecidos lesados em espaço de tempo tão
breve que possa ser considerado instantâneo;
- no caso de cura,
não se tenha registrado o prazo ordinariamente necessário para a recuperação
gradual da função lesada (a pessoa retoma suas atividades com naturalidade em
tempo extraordinariamente pequeno);
- seja a cura
duradoura, capaz de ser comprovada por exames sucessivos, feitos a intervalos
regulares durante longo espaço de tempo;
- autênticas atitudes
de fé (oração e humildade); os efeitos do “milagre” são confirmação dos homens
na verdade e no bem, repúdio ao pecado, conversões à reta fé, paz na alma, concórdia
e caridade entre as pessoas, fidelidade ao dever de estado, obediência à
autoridade eclesiástica, etc.
Etapas da verificação de milagres -Existem questões
decisivas e sucessivas na análise de um possível milagre:
-Realmente sucedeu
esse fato prodigioso?
-Não existe uma causa natural para o fato?
-O agente do
milagre foi Deus?
-Qual a mensagem que Deus quis transmitir?
Daí, pode-se dizer
que são quatro as etapas para verificação dos milagres:
a) verificar a autenticidade do
fato;
b) verificar a possibilidade de
explicação científica (de parte das ciências físicas, químicas, biológicas,
médicas ou psicológicas);
c) verificar a explicação
teológica (explicação sobrenatural);
d) verificar o significado (o
motivo da permissão ou realização do específico fenômeno).
-Na primeira etapa, da
verificação da autenticidade do fato, o rigor da análise quer excluir
possibilidade de mentira, de boato, de fraude, de falsas recordações ou
deformações da memória, de ilusões ou alucinações, da mitomania dos histéricos
ou da interpretação delirante dos paranóicos, etc.
-Na segunda etapa,
constatado o fato, procede-se à investigação sobre possível causa natural.
Intervêm as diversas ciências teóricas, experimentais ou aplicadas, de acordo
com a natureza do fenômeno: física, química, biologia, medicina, psiquiatria,
engenharia, astronomia, etc.
-Na terceira etapa, o
processo teológico, apela-se à Revelação e à teologia. Tal etapa deve
realizar-se apenas quando a anterior estiver decididamente esgotada em suas
possibilidades. Ou seja, vai-se à causalidade sobrenatural, depois de eliminada
a causalidade natural.
-Na quarta etapa, do
significado, quer-se descobrir o motivo da realização ou permissão, por parte
de Deus, do específico fenômeno. Além da Revelação e da teologia, há que estar
atento às circunstâncias e às repercussões pessoais, comunitárias ou até
mundiais do fenômeno. Evidente, enquanto sinais de poder que permitem captar a
presença e a ação salvífica de Deus, os milagres não têm todos o mesmo valor.
Existe entre eles uma graduação.
O
decisivo no milagre é sua significância salvífica. Traduzindo: “O que
Deus quis com isso?”
Por:
Prof. Dr. Pe. Manoel Augusto Santos - FATEO – PUCRS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
(1) R. LATOURELLE,
Milagros de Jesús y Teología del Milagro, Salamanca: Sígueme, 1990. Id.,
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COENEN; E. BEYREUTHER; H. BIETENHARD,Diccionario Teológico del Nuevo
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(2) P. ex.: G.
AMORTH, Un esorcista racconta, Roma: Dehoniane, 1990.C. BALDUCCI, La
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baixam, São Paulo: Paulinas, 1965. P. A. GRAMAGLIA, Espiritismo; dimensões
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parapsicologia, São Paulo: IBRASA, 1965. B. WENISH,Satanismo, Petrópolis:
Vozes, 1992.
(3) Cf. Ilíada, II, 234;
Odisséia, III, 173; XII, 394.
(4) Cf. PL 42, 879.
(5) Cf. PL 42, 90: “Miraculum voco quidquid arduum
aut insolitum supra spem vel facultatem mirantis apparet”.
(6) Cf. PL 35, 1592.
(7) Cf. sobretudo em
De potentia q. 6; S. Th. I, q. 105, aa. 6-8.
(8) S. Th. I, q. 105,
a. 7, ad. 2.
(9) Cf. S. Th. II-II,
q. 178, a. 1, ad. 1: “In miraculis duo attendi possunt: unum quidem est id quod
fit, quod quidem est aliquid excedens facultatem naturae, et secundum hoc
miracula dicuntur virtutes; aliud est id propter quod miracula fiunt, scilicet
ad manifestandum aliquid supernaturale, et secundum hoc communiter dicuntur
signa; propter excellentiam autem dicuntur portenta vel prodigia, quasi procul
aliquid ostendentia”.
(10) Cf. Contra
Gentiles III, c. 100.
(11) Cf. DS 3009.
(12) Cf. DS 3539.
(13) Cf. DS 3876.
(14) DV 4.
(15) LG 5.
(16) Dignitatis
humanae 11.
(17) Cf. DV 2.
"Publicado
em Teocomunicação 142 (2003)"
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Achei isso fantástico!
"O milagre é portador de uma intenção divina que há de ser lida. Assim, ora Deus dá a entender que está com o seu enviado (p. ex., Moisés, Elias), ora que chegou o Reino (p. ex., nos “sinais” operados por Jesus). Assim, para a Sagrada Escritura, o milagre é um prodígio religioso (aspecto psicológico), uma obra de poder (aspecto da causalidade), um sinal dirigido por Deus (aspecto da intencionalidade). Especialmente nos Evangelhos, é considerado como sinal, isto é, como “palavra plástica” de Deus que interpela o homem e o ajuda a proferir um ato de fé na mensagem transmitida por Cristo. Ou seja, os milagres são sinais divinos que não podem dar-se separados ou isolados da Revelação de Deus à qual pertencem e que expressam."
Alessandra - RJ
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